• Nenhum resultado encontrado

Produções do espaço-tempo no cotidiano escolar : um estudo das marcas e territorios na educação infantil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Produções do espaço-tempo no cotidiano escolar : um estudo das marcas e territorios na educação infantil"

Copied!
155
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Produções de Espaço - Tempo no Cotidiano Escolar

Um estudo das marcas e territórios na Educação Infantil

ANALÚCIA DE MORAIS VIEIRA

CAMPINAS (SP) 2000

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Produções de Espaço - Tempo no Cotidiano Escolar

Um estudo das marcas e territórios na Educação Infantil

ANALÚCIA DE MORAIS VIEIRA

ORIENTADORA: CORINTA MARIA GRISOLIA GERALDI

Este exemplar corresponde à redação final da

dissertação defendida por Analúcia de Morais Vieira

e aprovada pela Comissão Julgadora.

Data: ____/ ___/___ Assinatura:_______________ COMISSÃO JULGADORA _______________________________ _______________________________ _______________________________ CAMPINAS (SP) 2000

(3)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa teve como objeto de estudo o espaço-tempo escolar e como objetivo: Percorrer as marcas do espaço-tempo que se inscrevem no cotidiano escolar,

bem como focalizar como nós professoras e nossos/as alunos/as constituímos os territórios escolares a partir da organização do espaço-tempo. Tentando encaminhar e

compreender nossos objetivos, realizamos uma pesquisa de tipo etnográfico numa escola pública situada num município de porte médio de Minas Gerais, por nós denominada de Escola Paraíso. Informada por Mayumi Souza Lima, Milton Santos, Michel Foucault, Maria Malta Campos, Antônio Viñao Frago e Augustín Escolano, entre outros, por imagens de arte e pela literatura e pautados pela memória e opções da professora-pesquisadora, que não abdica de sua dupla condição ao realizar esse trabalho, focalizamos duas salas de aula e a escola, através de registros de diários de campo, discurso das professoras, fotos, plantas baixas e planos de aula. A partir desse lugar e no entrelaçamento dos diferentes discursos e inscrições, foi possível detectar as produções do espaço-tempo no cotidiano escolar, tecidas pelas marcas e territórios. Tais produções expõem as marcas (e nossas marcas) inscritas no espaço-tempo escolar, bem como as diferenciadas apropriações (territórios) realizadas por professores/as e aluno/as. As marcas (e nossas marcas) inscritas no espaço-tempo escolar foram denominadas por nós como espaço oculto, espaço de higienização, espaço de poder, espaço do tempo, espaço

da autoridade. Esses achados não estão dissociados de suas diferenciadas apropriações

(territórios) vividas, concebidas e construídas por professores/as e alunos/as, que foram denominados espaço de disputa, espaço de transgressão, espaço da resistência, espaço

da criação, espaço de poder. Concluímos que espaço e tempo têm sentidos múltiplos,

que vão além da sala de aula, da professora e da escola; que a reorganização espacial na sala/escola, tanto pelo/a professor/a como pelos/as alunos/as ou pelo conjunto professor/a aluno/a, o que é melhor ainda, contribui para a construção de novas relações entre professor/a e alunos/as e entre alunos/as e alunos/as, bem como pode auxiliar a desconstrução de papéis e relações marcadas nos espaços e tempos de poder presentes nas relações espaciais já estabelecidas ao longo da história escolar. Concluímos que enfocar as produções do espaço-tempo no currículo escolar possibilita ampliar os horizontes de possibilidades na Educação Infantil.

(4)

ABSTRACT

This research work had as object of study the school time-space and had as objective: Go through the marks of the time-space that insert themselves in the school routine, as well as focus how we, teachers and our students, constitute the school territories from the organization of the time-space. Trying to develop and understand our objectives, an ethnographic research was done in a public school, located in a medium sized city in the state of Minas Gerais, Brazil. It was called Paradise School. Informed by Mayumi Souza Lima, Milton Santos, Michel Foucault, Maria Malta Campos, Antônio Viñao Frago e Augustín Escolano, among others, as well as by art images and literature, and also ruled by the memories and options of the research-teacher who did not abdicate from her double condition while doing this work, two classrooms and the school were focused through accounts of daily records, teacher's speeches, photographs, blueprints, and class records. From these places and in the interlacement of different discourses and inscriptions, it was possible to detect the productions of the time-space in the school routine, woven by marks and territories. These productions expose marks (and our own marks) inscribed in the school time-space, as well as the differentiated appropriations (territories) attained by the teachers and students. The marks (and our marks) inscribed in the school time-space were named by us as hidden space, hygienization space, power space, time space, and authority space. These findings are not dissociated from its differentiated appropriations (territories) lived, devised, and built by teachers and students, which were named dispute spaces, transgression space, resistance space, creation space, and power space. It was concluded that the time-space has multiple meanings that go beyond the classroom, the teacher, and the school; that the space reorganization in the classroom/school, by the teacher, by the students, or by the pair teacher-student, which is even better, contributes to the construction of new relationships between the teacher and the students, as well as among the students, and it also can help the deconstruction of roles and relationships marked in the spaces and times of power present in the space relations already established throughout the school history. It was concluded that focussing the productions of the space-time in the school curriculum enables us to amplify the horizons of possibilities in the Infant Education.

(5)

É com alegria que dedico meu trabalho a pessoas tão caras a mim: meus pais Alexandrino e Nerlita, meus irmãos Jefferson e Carlos Alberto, meu esposo Ilmar, minha orientadora Corinta e minha amiga Gercina.

(6)

Agradecer é lembrar e não esquecer de todos/as que com sua paciência, carinho e sabedoria me acompanharam durante a trajetória desse trabalho. Agradeço a todas as minhas colegas da ESEBA, principalmente às professoras que permitiram que eu olhasse para a sua sala de aula com um olhar de professora - pesquisadora. Agradeço às minhas amigas e companheiras de Mestrado: Valéria e Flávia, pelo “sossega müié ”. Agradeço ao Guilherme, à Maria Cristina, à Inês, a Gercina e ao Greiner pela leitura cuidadosa e reveladora de meu trabalho. Agradeço à Corinta, que nesse período se tornou uma amiga. E em especial agradeço ao meu querido esposo Ilmar, que me apóia, entende e partilha comigo o seu espaço e o seu tempo.

(7)

SUMÁRIO

Resumo ...iii

Lista de ilustrações: fotos e gravuras ... ... ix

Introdução ...1

CAPÍTULO I Espaço na história de vida da professora - pesquisadora...8

O caminho percorrido. Onde estou ...9

Retratos da Escola Paraíso: o Concebido, o Vivido e o Constituído em Construção... ...17

CAPÍTULO II Territorializando o espaço: o dito e o não dito ...27

Uma estranha no ninho da escola: a escola é...34

A escola: o muro, as paredes... A arquitetura no espaço escolar ...41

A arquitetura como espaço de higienização ...43

A arquitetura como espaço de poder ...46

A arquitetura como espaço metodológico ...65

(8)

CAPÍTULO III

O espaço-tempo escolar: sou uma freguesa do tempo com o relógio em punho...80

De mãos dadas: espaço e tempo...86

O espaço escolar: da criança para a doutrina de um corpo ...89

O espaço escolar com divisões de poder ...95

A aula, a sala de aula e suas relações no espaço ...96

O espaço-tempo na criança ...100

A descoberta do pátio ...122

CAPÍTULO IV As várias possibilidades de sentir, olhar as muitas vozes sobre o espaço ... 128

Célia e Sílvia, professoras que deram vida ao trabalho ... 133

(9)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES: FOTOS E GRAVURAS

Eu, no Colégio Barão de Mauá (Foto 01) ... 9

Na sala, foto de quadrilha (Foto 02)... 10

Arquivo da Escola Paraíso - sala de aula/1995 (Fotos 03/ 04)... 11

Escola Paraíso - sala de aula/1998/ Analúcia M. Vieira (Foto 05)... 11

Arquivo da Escola Paraíso - Lanche/1980 (Foto 06)... 19

Arquivo da Escola Paraíso - espaço físico/1984 (Foto 07)... 22

Escola Paraíso/1998 (Foto 08)... 23

Arquivo da Escola Paraíso - espaço interno/1998 (Fotos 09/10)... 24

Escola Paraíso - lanche/1999/ Analúcia M. Vieira (Foto11)... 26

Escola Paraíso - Pátio/1999/ Analúcia M. Vieira (Fotos 12/13/14)... 26

Arquivo da Escola Paraíso - sala de aula/1995 (Foto15)... 42

Escola Paraíso - Sala de aula/1999/ Analúcia M. Vieira (Foto 16)... 43

Coleytown Elementary School (Fairfield-CT, USA) (Fotos 17/18)... 47

Escola Paraíso – parquinho/1999/ Analúcia M. Vieira (Fotos 19/20)... 48

Colégio Clermont/Espanha (1849) (Foto 21)... 50

Escolas Pias de Zaragoza/Espanha (1940) (Foto 22)... 50

Escola Pías de Mataró/Espanha (1964) (Foto 23)... 51

Escola Infantil Santa Rosa (1993) (Foto 24)... 51

Escola Paraíso (1998) (Foto 25/26)... 52

Coleytown Elementary School (Fairfield-CT, USA) (Fotos 27/28/29) ... 53

Planta Escola Municipal (1995) ... 55

3o pavimento Escola Paraíso ... 56

2o pavimento Escola Paraíso ... 57

1o pavimento Escola Paraíso ... 58

Planta Escola Paraíso (1983) ... 59

Cartum Calvin & Haroldo ... 62

A escola é tema de leitura (Foto 30)... 66

(10)

A escola bem higienizada (Foto 32)... 67

Plano de uma sala de aula (Fotos 33/34)... 67

“Anjo e Demônio” de Escher (1941) ... 70

Cartilha Pingo de Gente ... 72

Cartilha Brincando com Letrinhas ... 73

Cartilha Brasileirinho do Amanhã ... 73

Cartilha Mundo Mágico ... 74/75 A Ortopedia ou a Arte de Prevenir e Corrigir nas crianças as deformidades do corpo (1749) Foucault (1994)... 76

Escola de Atenas (Rafael) ... 77

Sebastião Salgado –Terra MST (Foto 35)... 91

“Las meninas” de Velasquez (1656-57)... 105

O Panóptico ( Jeremy Bentham)... ... 107

Escola Paraíso - sala de aula/1999/ Analúcia M. Vieira (Foto 37)... 111

Jogos de Amoros (1820)... 116

Planta da Sala ... 121

Pátio da Escola Paraíso... 122

“Vênus de Milo” (Salvador Dalí) (1941)--... 130

“Relatividade” de Escher (1953)... 131

(11)

INTRODUÇÃO aqui nesta pedra alguém sentou olhando o mar o mar não parou pra ser olhado foi mar pra tudo quanto é lado.

Paulo Leminsk

“Produções de espaço-tempo no cotidiano escolar” é um estudo etnográfico1 desenvolvido no território2 escolar, tentando mostrar que nesse espaço tanto interno quanto externo podemos encontrar uma rede de múltiplos espaços concebidos e

1

Segundo Elsie Rockwell(1989), que diz que etnografia é uma alternativa teórico-metodológica que procura descrever “a escola” historicamente, socialmente e culturalmente.

2

Ancorado na idéia de Milton Santos(1994), que considera a palavra espaço, freqüentemente substituída por lugar, território, etc., o território escolar seria o resultado da ação das professoras e dos/as alunos/as sobre o próprio espaço, intermediados pela organização espacial(mobiliário, plano de aula).

(12)

construídos pelos sujeitos que são os atores desse cenário.

Nosso trabalho teve como objetivo norteador: Percorrer as marcas do espaço-tempo que se inscrevem no cotidiano escolar, bem como focalizar como nós professoras e nossos/as alunos/as constituímos os territórios escolares a partir da organização do espaço-tempo.

O espaço é objeto do presente estudo no que se refere aos atores desse “cenário”, que são professoras e alunos/as, que, diante da organização espacial3 da sala, refazem, produzem e sugerem determinadas relações entre si e no currículo em ação (a aula, a produção e distribuição dos saberes e conhecimentos consideradas nas suas relações com espaço, tempo, olhares, vozes, corpos, relações sociais e culturais).

A escola se constitui, por excelência, num espaço de inter-relações entre os sujeitos que nela se encontram. Por isso foram privilegiados como fontes do meu trabalho de campo:

- a aula, que é um espaço dinâmico, no qual se dão relações de poder e disputas entre professora e alunos/as e entre alunos/as e alunos/as;

- o discurso das professoras, que é o espaço das vozes, espaço da idealização do trabalho e do espaço vivido e concebido por elas;

Procuro demostrar também que no cotidiano escolar e no currículo em ação as prescrições, assim como as posturas das professoras, configuram e constroem o espaço na sala de aula, na escola.

Para que esse trabalho de campo fosse legitimado e compreendido na sua peculiaridade, fizemos opção pelos seguintes instrumentos:

- Observações registradas em Diários de Campo de episódios do currículo em ação nas classes de Educação Infantil;

- Conversas informais com as professoras dessas classes sobre o espaço da escola (sala e pátio) e

- Documentos relacionados ao objeto e questão delimitados, entre eles os planos de aula das referidas classes; esboço da história da Escola Paraíso, obtido através de entrevista com uma professora que trabalha na escola desde o início; fotos de

(13)

diferentes espaços, atores e cenas da Escola; bem como a planta baixa dos diferentes pavimentos da Escola Paraíso.

A opção por desenvolver esta pesquisa na Escola Paraíso se deve principalmente ao fato de eu ser professora nessa escola e acreditar que minha pesquisa irá contribuir e retornar para o espaço dessa escola, de maneira que nela os espaço-tempos possam ser transformados e recriados por todas nós. Além disso, o fato de a escola ser pública, atendendo à comunidade de média e baixa renda; ser conhecida como escola modelo da cidade de Uberlândia; ter um amplo espaço físico, tanto interno como externo e ter sido construída nos moldes de uma escola de 3o grau, não tendo um prédio adequado à clientela constituída por alunos/as de pré-escola e 1o grau me levaram a escolhê-la entre tantas outras escolas públicas na cidade. Esses motivos acima citados serão importantes para a construção desta pesquisa quanto ao espaço concebido na escola.

Pretendendo resguardar a real identidade dos sujeitos deste trabalho, optei por usar nomes fictícios4. Quanto à escolha do nome da escola pesquisada, Escola

Paraíso, não poderia ter sido feita imparcialmente. A escolha do nome Paraíso tem sua

raiz na Bíblia, no livro da criação, que assim o define:

“O paraíso. Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, (chamado também

Paraíso) do lado do oriente, e colocou nêle o homem que havia criado. O Senhor Deus fêz brotar da terra toda sorte de árvores, de aspecto agradável, e de frutos bons para comer; e a árvore da ciência do bem e do mal.” (Gênesis, 2:8-9) A Escola Paraíso é a

imagem fiel desse Jardim. O homem é representado pelas professoras, alunos/as e a árvore do bem e do mal, pela escola. Depois que o homem comeu do fruto da árvore do bem e do mal ele foi expulso do paraíso por Deus e tornou-se um conhecedor do bem e

3

Organização espacial inclui o mobiliário, a arquitetura interna e externa da escola.

4

Além disso, as relações de poderes que se inscreveram durante a tessitura da pesquisa, atribuídas pelo fato de eu ser professora e amiga das professoras pesquisadas, assim com o retorno pretendido de minha parte para a escola dessa pesquisa me fizeram optar politicamente e metodologicamente pelo uso de nomes fictícios. Acrescento também o fato de, estando envolvida na escola profissionalmente e amorosamente, trazer à tona os verdadeiros nomes de minhas colegas poderia demonstrar uma relação de poder de mão única.

(14)

do mal, passando a cultivar a terra donde tinha sido tirado. Encontramos na Escola Paraíso o bem e o mal em suas formas e duplicidades: amor/ódio, partilha/inveja, justiça/injustiça, poder/ganância, alegria/tristeza, etc. Às professoras e aos alunos/as cabe o poder de transformá-las e cultivá-las.

O depoimento da professora que está na escola desde o início foi além dos aspectos físicos e históricos. Ela fez uma retrospectiva da sua experiência como professora e o que há de mais significativo para ela. Registraremos portanto aqui um breve histórico da escola e as impressões pessoais dessa professora, no que diz respeito aos espaços construídos e modificados no decorrer desse período. Encontraremos frases como: “a escola era aconchegante”, “pititinha’, “lanche espetacular”, “tudo adequado”, “ficar meio ruim” e “não tinha crise como agora”. As respostas obtidas são indícios para se compreender a rede de discursos e atividades que envolvem a Escola Paraíso. As marcas que existem hoje nessa escola nos fazem entendê-la dentro do todo em que ela foi constituída e construída, pelas pessoas que ali passaram e outras que estão ali até hoje.

Tentamos compreender as questões do espaço no cotidiano da sala de aula e na escola envolvidas no trabalho, que são: relações de poder, espaço-tempo, corpo disciplinado, etc. Inicio o primeiro capítulo fazendo uma retrospectiva histórica da minha trajetória como aluna e depois professora. Nossa intenção é de mostrar a relação entre minha história escolar de aluna e professora e meu interesse por esse campo do espaço escolar. Afinal, o espaço é uma construção social e historicamente temporal.

As histórias contidas nesse primeiro capítulo trazem à tona as experiências da produção do espaço escolar na Escola Paraíso. Por isso, ainda nesse capítulo apresento a Escola Paraíso através da memória da professora Gilda, de fotos e de dados colhidos na escola.

Quando abordamos a questão do espaço no segundo capítulo, estamos ancorados no conceito esboçado por alguns autores como Milton Santos, David Harvey, Michel de Certeau, Mayumi Souza Lima, entre outros, que compreendem o espaço como uma construção de escolhas intencionais dos sujeitos num ambiente vivido, concebido e produzido dentro de um tempo cronológico e histórico. Chamo de espaço também todo

(15)

ambiente, lugar, arquitetura e mobiliário que, de uma forma ou de outra, compõe e nos mostra, mesmo parecendo invisível5, o cotidiano de uma escola e de uma sala de aula.

Quais seriam as marcas deixadas por nós quando estamos escrevendo sobre a escola?

Invadindo um pouco o universo do que é a escola, procuro, no segundo capítulo, mostrar juntamente com Ezpeleta e Rockwell, Frago, entre outros autores, e com os dados coletados na pesquisa de campo que a escola são seus muros, seus currículos, seus personagens e que estes fazem parte de uma história não-documentada.

Dando seqüência a esse universo escolar, a arquitetura escolar é discutida, ainda no segundo capítulo, na sua concepção de produzir espaços. A arquitetura está associada também à preconização de um espaço dócil e higienizado, expressando, na sua construção, uma concepção educativa harmônica e disciplinadora.

O espaço como possibilidade de movimento, das inter-relações, do praticado, do vivido e do concebido na escola faz parte do segundo capítulo e do meu trabalho de campo.

Dentre algumas das características expostas por mim a respeito da arquitetura escolar, a que mais nos chama a atenção é o uso do relógio no espaço escolar. O que nos remete ao espaço-tempo escolar. Nessa parte do trabalho, que é o terceiro capítulo, organizo a idéia do tempo controlado e organizando as aprendizagens dos/as alunos/as e o plano da professora, como podemos perceber nas falas:

“- É minha vez (de falar), eu não desfiz o código para vocês falarem. Psiu.” (D.C.18)

“- O tempo não vai dar.” (Sílvia)

Podemos verificar que na sala de aula há uma evidência quanto às prescrições posturais utilizadas pelas professoras. Essas prescrições ditam e configuram

5

O uso do termo invisível se refere ao mobiliário, que, mesmo configurando e construindo espaços, se torna aparentemente despercebido pelas pessoas que convivem no espaço escolar.

(16)

o espaço na escola. “Linguagens no espaço” é como definimos esse uso das prescrições, às quais as professoras submetem os/as alunos/as no espaço da sala de aula.

No quarto capítulo faço algumas considerações buscando ampliar a visão que se tem da escola para um lugar repleto de dinâmicas, articuladas ao espaço-tempo da professora, dos/as alunos/as e da própria escola. Sugerimos que a escola e a sala de aula observada demonstraram, segundo nossas análises, ser um espaço de poder, um espaço de transgressões, um espaço de alegria, um espaço demarcado, enfim um espaço tecido nas relações entre professoras e alunos. Durante a coleta de dados confrontamo-nos com vários espaços inscritos no cotidiano escolar, denominados por nós como espaço de

poder, espaço da autoridade, espaço da disputa, espaço da criação, espaço oculto, espaço da transgressão, espaço do tempo e espaço da higienização. Essa terminologia

de espaços utilizei para as análises. A denominação espaço de poder está alicerçada em Foucault (1994), na concepção de poder como relações de forças que acontecem nas práticas sociais. Poder no espaço da sala para a professora. O espaço da autoridade se faz presente no espaço escolar nas prescrições da professora e nas prescrições sobre a professora. O espaço da disputa é marcado pelas atitudes dos/as alunos/as diante da atitude da professora na sala de aula. A professora também disputa o espaço na sala. O

espaço da criação são as descobertas de possibilidades de utilização do espaço escolar

pela professora e os/as alunos/as. O espaço oculto diz respeito ao espaço que não está visível à professora e ao/à aluno/a. Nesse espaço a professora não percebe que concebe espaços no seu currículo (nas atividades diárias), o arranjo espacial da sala é utilizado pela professora de forma inconsciente e/ou de acordo com a atividade a ser trabalhada. E, permeando todos esses espaços, está o espaço da higienização. A higiene é um ponto marcante na produção dos espaços para a professora e para a escola.

Concluímos que os diversos espaços existentes na sala de aula estão lado a lado, no decorrer da aula, no corpo da aula, na organização do espaço da aula. Chamo de “corpo da aula” as posturas corporais das crianças diante das prescrições da professora e, vice-versa, as posturas corporais da professora diante da fala das crianças.

Na sala de aula todos esses espaços estão presentes e por muitas vezes a professora não os percebe como parceiros/aliados de sua prática docente. Portanto, proponho então redirecionar o olhar da professora para o interior da sala de aula de

(17)

forma que, ao fazê-lo, ela possa reconstruir seu olhar, desconstruindo papéis e relações marcadas nos espaços e tempos de poder presentes nas relações espaciais já estabelecidas ao longo da história escolar, produzindo e ressignificando o seu próprio olhar (informado) quanto ao espaço-tempo no cotidiano escolar. Concluímos também, que enfocar as produções do espaço-tempo no currículo escolar permite ampliar os horizontes de possibilidades na Educação Infantil.

(18)

CAPÍTULO I

Espaço na história de vida da professora-pesquisadora

“ É lembrando do passado que descobrimos a nós mesmos.” (Elias, 1998, p. 108)

“ Não nascemos professoras, nos tornamos professoras.”

(19)

O caminho percorrido. Onde estou.

Uma breve história.

Nasci no dia 23 de Setembro de 1969 em Ipatinga, Estado de Minas Gerais. Meus pais, Alexandrino Vieira e Nerlita de Morais Vieira, pessoas maravilhosas, já tinham dois outros filhos, meus irmãos: Jefferson, o mais velho, e Carlos Alberto, o do meio. Mudei-me para a cidade de Uberlândia, estado de Minas Gerais, no ano de 1969 devido à transferência de meu pai, que nessa época era fiscal do Estado de M G. Nessa cidade passei minha infância, adolescência e tornei-me adulta.

Meus pais sempre foram carinhosos e zelaram pela saúde e educação dos filhos. Estudei em escolas particulares e públicas. Minha formação escolar foi tradicional, como revelam os trabalhos que tenho da minha época de jardim: desde o início aprendi seguindo modelos, com memorização e repetição constantes. Em casa, meus pais eram atentos às minhas idéias: lembro que muito cedo, antes da idade comum para a época, quis freqüentar a escola. Isso foi recebido por meus pais como um bom presságio e aos 4 anos ingressei na escola. Na época, 1974, fui aceita no Colégio Barão de Mauá, porque meus irmãos já estudavam naquela escola e por ser uma escola particular, o que viabilizava a entrada aos 4 anos, impossível na escola estadual, que só aceitava crianças com 6 anos. Do espaço dessa escola tenho boas lembranças, que são estimuladas por fotos da época.

Foto 01

[Eu, no Colégio Barão de Mauá, com 4 anos, no Jardim. Minha turma era legal, minha professora não saiu na foto. Por quê? (1974)] A organização para tirar a foto revela uma ordem de lugares e tamanhos.

(20)

Quando recorro à memória e revisito minha primeira escola, (nome fictício) Colégio Barão de Mauá, onde ingressei em 1974, vejo-a como um espaço onde aprendi a ler e escrever, contar, brincar, obedecer regras e ordens e fazer amigos/as (muitos/as mantenho-os/as até hoje). Rememorando minha escola, levo o(a) leitor(a) a rememorar sua própria escola, não mais a minha escola. Essa é a idéia de Gaston Bachelard (1989) quanto aos valores da intimidade. (p. 33)

O Colégio Barão de Mauá continua lá, no mesmo local, no centro da cidade, hoje com mais casas e prédios em volta do que em meu tempo de estudante. Foram feitas pequenas reformas no prédio, por causa de falta de espaço que não lhe permite ampliação. O pátio onde eu dancei quadrilha e recitei poemas do ‘Dia da Bandeira’ continua o mesmo, pequeno e cimentado. As salas continuam as mesmas, no tamanho, e na posição das janelas. O mobiliário, esse sim, mudou. Naquele tempo, eu me sentava em carteiras de madeira, duplas, com lugar para colocar lápis e borracha. Penso até que ali fora, anos antes, o lugar do tinteiro e da pena.

Foto 02

[Na sala, foto de quadrilha, aos 6 anos. No fundo o quadro e o armário da professora. (1976)] A disposição do armário e do quadro nos chama atenção para a frente da sala.

(21)

A sala de aula da minha escola me faz lembrar como a “tia” Mariza utilizava o espaço da sala nas suas aulas. Sentávamos, todos, um atrás do outro, com o mesmo colega, a não ser se fizéssemos bagunça, ocasião em que a ‘tia’ Mariza nos trocava de lugar. A frente da sala era tida, como podemos verificar na foto, o melhor local para fotografar. Havia espaço entre a mesa da professora, o armário de madeira e o quadro, posição em que estão esses mesmos objetos ainda hoje na Escola Paraíso.

Fotos 03/04

[Arquivo da Escola Paraíso - sala de aula, 1995] Observem a disposição do mobiliário no espaço da sala, uma individualização, um saber voltado para o/a professor/a.

Foto 05

[ Analúcia de Morais Vieira - sala de aula - Escola Paraíso -1999]

(22)

A frente da sala se configura sempre onde está o quadro e a mesa da professora. Essa era minha escola, seu prédio. Sua construção era moderna para a época em que foi construída, 1941 (segundo informou minha mãe), mas já organizava a vida das pessoas dentro e fora dos seus muros. Exemplos vividos e recordados na rotina diária da escola: as meninas sentavam-se separadas dos meninos, a ordem era constantemente cobrada através de falas coercitivas e por castigos, no interior da sala e no exterior - corredor e pátio - todos/as tinham que manter certa disciplina e “educação”, o que envolve o corpo no espaço e a troca das carteiras, que aconteceu – não recordo a data - para separar e disciplinar melhor os/as alunos/as no interior da sala. Depois que houve a troca das carteiras duplas por individuais, nunca mais durante a estada no Colégio Barão de Mauá me sentei com um colega.

Desde pequena, algumas vezes tenho a lembrança, outras, minha mãe a refresca, brincava de professora, tanto na escola como em casa. Lembro-me que adorava ensinar os alunos, que por vezes eram imaginários, em outros meus/minhas amigos/as.

Cresci com a vontade de ser professora, fazer o Curso de Magistério e dar aulas para crianças. Algumas vezes meu pai interferia e comentava que queria que eu fosse advogada. Mas acho que o tempo o fez ver que eu não seria advogada, e sim professora.

As questões de gênero6: ser filha mulher com dois irmãos homens, ajudar minha mãe nas tarefas de casa, não brincar com meus irmãos na rua e principalmente a frase “Você é menina, não pode fazer isso!” (mamãe) que permearam a minha infância, a minha juventude e que fazem parte, hoje, da minha vida adulta como professora foram, de certa forma, construtoras de minha personalidade durante todo o tempo. Posso até afirmar que entendo muito mais hoje o que é ser mulher e homem num país como o nosso. A construção desse olhar se deu e continua dando-se através de muitas leituras e de muita vivência em sala de aula.

6 Para uma melhor compreensão da teoria de gênero sugiro leitura de Joan Scott.

(23)

Ser, hoje, mulher e professora é responder a uma eterna questão por parte dos amigos e até mesmo minha: Professora, por quê? Questão difícil de responder com uma resposta única e acabada, que sirva para todos. Depois de muito refletir e pensar, acabei chegando à conclusão de que sou professora e me tornei professora por opção de ser professora. Claro que não poderia deixar de citar e esquecer minhas influências infantis.

Lembro-me da minha primeira professora, Mariza, mulher (civilmente solteira, porém casada com a profissão7), proprietária de um fusca verde, baixa, cabelo preto e curto. Minha ‘tia’8 Mariza, como era chamada pela turma, era uma professora dedicada, símbolo da professora mãe, que de vez em quando se tornava madrasta, quando nos colocava de castigo. Tempo atrás, eu a encontrei andando pela rua, nós nos reconhecemos, conversamos sobre o que estávamos fazendo. Ela se aposentou e eu me tornei professora, como ela. Mas uma coisa nos chama a atenção: está cada vez mais raro alguém questionar outras profissões que não esta de ser professora.

Aqui estou eu, adulta, mulher e professora de crianças pequenas. Não consigo me ver em outra atividade profissional. Estou no lugar certo. Assumi o papel de professora e nele quero continuar o que já comecei há tempos atrás.

Minha carreira como professora teve seus altos e baixos (como é comum em histórias de professoras: professora que é espancada por aluno-menino; pais que não compreendem seu trabalho; colegas de trabalho que menosprezam seu valor; baixos salários; desrespeito à classe dos professores, etc.), o que me leva a acreditar, valorizar e

7 Guacira Lopes Louro é meu referencial teórico para esta nota. “Por um longo tempo associou-se, então, a professora com a solteirona, com a mulher que não conseguiu casar. Se o casamento e a maternidade constituíam o destino ‘natural’ e desejado para todas as mulheres, àquelas para as quais isso pareceria de algum modo inalcançável restaria se entregar a tarefas que tivessem uma analogia com tal missão. Assim, a concepção do magistério como uma extensão da maternidade, como um exercício de doação e amor, como uma atividade que exigia uma entrega vai constituí-lo como a grande alternativa. As moças que ‘ficavam’ solteiras podiam se sentir vocacionadas para o magistério; elas eram, de algum modo, chamadas para exercer a docência.”(LOURO, 1999, p. 104)

8 O termo “tia” foi empregado para as professoras, designando a mulher solteirona.(Novaes,M.Eliana,1994)

(24)

respeitar cada vez mais essa escolha. Afinal “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”...9

Atualmente, trabalho em uma escola pública, Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Escola que tem me dado incentivo para realizar minha pesquisa. Escola que incentiva o/a professor/a a estudar, buscar novos conhecimentos, onde tenho colegas que me dão muito apoio, e que me fazem ter prazer de trabalhar e de conviver com elas. Além disso, temos a liberdade e o apoio da instituição para desenvolver projetos, contamos com uma equipe de trabalho e alunos/as que nos instigam e dão prazer. Foi esse ambiente escolar cheio de buscas, estudos e trabalho que gerou meu interesse pelo tema de pesquisa: espaço no interior da sala de

aula, da escola.

Sempre realizei meu trabalho docente com crianças de 6 (seis) anos de idade, época em que elas já estão mais acostumadas com a rotina escolar, pois já freqüentam a escola desde os 4 anos, estando, portanto, habituadas à rotina. O que estou dizendo, na realidade, é que as crianças já foram ‘doutrinadas’ pelo padrão escola, ou, como diz Suzanne Mollo (1977): já se conformaram. Segundo Suzanne Mollo, o conformismo nos remete aos seus opostos: a marginalidade ou o desvio. (p.46) Ela complementa essa idéia acrescentando que o conformismo apresenta-se, pois, como um ajustamento à situação educativa. O que nos leva a afirmar que na sala de aula da Escola Paraíso há um conformismo selado por um acordo. A criança não se conforma alienando-se, ela se conforma confrontando-se nas relações e interações sociais. Foi a observação das crianças nessa idade, já tão ‘certinhas’, que começou a modificar minha conduta como professora.

No início, eu era uma professora como a grande maioria o é: fazia planejamento da aula, estudava e dava aulas de reforço para os mais fracos. Na sala, preocupava-me com a disciplina dos/as alunos/as, com o desenvolvimento deles/as e com o bom andamento do conteúdo. Contudo, com o passar do tempo, já mais amadurecida, constatei que algumas crianças precisavam mais do que eu tinha para dar, elas exigiam maior atenção quanto à aprendizagem. Isso me levou a optar por outra 9 Trecho da música de Caetano Veloso “Dom de Iludir”.

(25)

disposição de carteiras na sala de aula, passei a formar grupos com as crianças. Esta, aparentemente, “simples” mudança no espaço fez as aulas tomarem novos rumos. Reconsiderei meus conceitos de disciplina10, de corpo físico e mesmo de aula. Minha turma passou a ser mais participativa e produtiva11. O espaço da sala de aula se tornou um ponto forte no planejamento do meu trabalho. Comecei a reestruturar a disposição do mobiliário e a usar mais os espaços disponíveis da sala, possibilitando que as crianças se percebessem dentro desse espaço e começassem a modificá-lo, transformá-lo. Dessa mudança no espaço interno da sala de aula passei ao melhor uso do espaço externo da escola, das aulas especializadas e do pátio. Outras professoras que observaram as transformações espaciais que realizei no currículo em ação de meus/minhas alunos/as queriam saber o que estava acontecendo, e a razão de eles/as se sentirem mais soltos agora, com autonomia para trabalhar e lidar com os outros espaços da escola. Foi uma experiência nova e muito prazerosa para mim. Depois disso, não parei mais, continuei lendo e procurando saber mais sobre tudo que poderia ser melhorado, especialmente sobre o aproveitamento do espaço físico escolar. Essa curiosidade me levou a prestar a prova para o Mestrado com a intenção de ampliar meu olhar sobre o trabalho. Após passar no Mestrado e ser liberada por dois anos pelo grupo da pré-escola; iniciei minha pesquisa. Como não poderia colher dados de minha própria sala, pois estava liberada, acabei elegendo duas classes de Educação Infantil - 6 anos, por ser meu lugar como professora e o sentido das minhas buscas. O espaço com suas relações e possibilidades

10 Meu conceito para disciplina era a ordem, o silêncio e a aula voltada para o professor. Uma disciplina embasada na visão dominante de escola: ordem e silêncio. Atualmente disciplina é uma palavra que gera a indisciplina, pois o ato de disciplinar tem na sua essência a liberdade de se indisciplinar. Ex: Na sala de aula a professora conversa sobre a disciplina, quais seriam as prescrições para se manter a ordem, os/as alunos/as contrapõem a essa conversa outros discursos sobre a disciplina.

11 A turma começa a produzir novos olhares e percepções diante do espaço da sala de aula. As crianças falam, expõem suas idéias, não têm medo de ser repreendidas o tempo todo. Ex: na roda, momento de discussão, a criança se envolve, ela quer fazer parte da aula. Em outro momento, nos trabalhos em grupo, a cooperação e a participação eram de todos.

(26)

de compreensão não tem fim, não é neutro. E é nesse imenso espaço que estou caminhando rumo a novas relações.

Esse não é o final da minha história, é apenas o começo de muitas outras histórias. De 1998 até a presente data, como aluna do Mestrado, estudei muito e ampliei meus horizontes de possibilidades.

Um fato ocorrido comigo e que agora percebo analiticamente como um espaço-tempo comandado pelo dispositivo de poder cultural: antes de iniciar o Mestrado, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, no ano de 1998, eu era considerada pelas minhas colegas de trabalho como uma pessoa organizada. Organizada no sentido de ler, estudar e trabalhar. Quando iniciei o Mestrado, não foi diferente. No entanto, percebo, neste momento de minha trajetória acadêmica, que as opiniões se baseavam já no que consideravam ser meu “bom aproveitamento do tempo e do espaço”.

Foram eles meus dispositivos de poder12. Dispositivos que estão presentes no trabalho quando olhamos para dentro da sala de aula. Exemplificando melhor: no início de 1998, para dar conta dos estudos e dos outros trabalhos, tive que organizar uma grade com os dias da semana, incluindo sábados e domingos, e horários de 7h às 22h, com intervalo para almoço e lanche da tarde. Esse horário foi fixado frente à bancada de estudos. Depois, arrumei um despertador e, a todo lugar que eu ia, o meu tempo era marcado pelo despertador. O curioso é que a pulseira do meu relógio de pulso quebrou e passei a colocá-lo quebrado à minha frente, em cima da bancada de estudo. Essa atitude foi para mim de vital importância, pois, analisando esse fato com os estudos realizados nessa área, percebi que essa apologia ao controle do tempo realizada por mim tem estreita ligação com o que Norbert Elias (1998) diz a respeito da necessidade de as nações industrializadas sentirem uma irresistível vontade de saber as horas o tempo todo: seria uma necessidade ditada pela consciência onipresente do tempo em nossas vidas. O que me leva a argumentar e confirmar que o tempo-espaço no espaço da sala de aula pode ser repensado de outra forma.

12 Dispositivos de poder que para Foucault têm o efeito de disciplinar, adestrar e conter os corpos e as mentes das pessoas.

(27)

Retratos da Escola Paraíso: o vivido, o concebido e o constituído em construção:

“ Discute-se o espaço há mais de dois milênios de modo que ele deixou de ser apenas o espaço vivido para tornar-se também o espaço concebido.”

(Miguel, A. & Zamboni, E., 1996, p. 7)

“ O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido.”

(28)

A história de um lugar se tece de duas formas: pelas vozes dos homens, mulheres e crianças, e pelos dados escritos, aqueles a que denominamos fatos históricos.

A história da Escola Paraíso13 terá a tessitura da voz da professora Gilda e dos dados obtidos junto à secretária da escola. Vozes, traduzidas em escritas. Escritas, traduzidas em história.

Como é a Escola Paraíso? Como se deu sua trajetória no espaço-tempo? A Escola Paraíso teve uma trajetória muito peculiar, na cidade de Uberlândia - Minas Gerais. Iniciou como escola destinada a filhos de funcionários da Universidade Federal de Uberlândia, no dia 1o de março de 1977 com o nome “Escola Paraíso Encantado” e funcionava no horário de 13h30min. às 17h30min., no Campus da Área Biomédica no Bairro Umuarama. No ano de 1977, a escola contava com 30 crianças de 2 a 5 anos, distribuídas em classes de Maternal, 1o e 2o períodos. O corpo docente da escola nesse período era formado por uma diretora, uma auxiliar de diretoria (habilitadas em pedagogia), 11 professoras (habilitadas em curso de formação de professores), 2 (duas) assistentes de Maternal, 2 (duas) cantineiras e 2 (duas) serventes. Para Gilda, a escola

“Paraíso Encantado era uma escola que era para servir aos filhos dos funcionários da nossa Universidade. Era uma escolinha modelo de Uberlândia. Lá tinha maternalzinho, 1o / 2o períodos e pré. Eu entrei na

escola em 1978 e era professora do maternalzinho. Ali tínhamos uma horta, era uma escolinha muito aconchegante e muito “pititinha”, eram poucos alunos e poucas professoras. Eram só 13 professoras.”(entrevista da professora Gilda)

13 A respeito da escolha do nome da escola o leitor poderá encontrar explicação na Introdução deste trabalho.

(29)

Foto 06 [Arquivo da Escola 1980 - Lanche]

Chamo a atenção para o relógio ao fundo da parede, bem visível aos olhos de todos/as.

“Os lanches eram muito bons, com nutricionista, era assim

classe A. Era pão de queijo, danone com salada de frutas, sorvete, um lanche espetacular. As crianças adoravam, os pais pagavam uma mensalidade muito pequena que era descontada no contra-cheque. Isso ajudava aos pais. Tínhamos uma verba muito grande do MEC.” (entrevista da professora Gilda)

Acrescentamos a esse depoimento a informação de que, no final dos anos 70 e início de 80, a Universidade Federal de Uberlândia -UFU chegou a ter um orçamento três vezes maior do que a Prefeitura da cidade. O salário pago aos professores estava entre os melhores do Brasil. Hoje, a Universidade sofre com a falta de financiamento desde 1986.

Em 1978, por exigência do crescimento, a escola passa a funcionar com o pré, e nos anos subseqüentes também com as 1a , 2a , 3a e 4a séries, em dois turnos:

(30)

manhã e tarde. A escola nessa época contava com 100 alunos e continuava funcionando no espaço físico do Campus da Área Biomédica da UFU no Bairro Umuarama14.

“Eu entrei em 1978. A diretora era Vanda Costa.”

“Olha, nós tínhamos piscina, um tanque de areia muito bom com tobogã feito com manilha de rua. Tinha pneus. Tinha hortaliça, uma pessoa especializada cuidava das plantas e nos ajudava a plantar. Nós plantávamos cebolinha, alface e tudo que se colhia era levado para a cozinha, e lá se fazia salada com arroz. Tudo era vivenciado. Depois tinha um berçário, quem dava aula no maternalzinho tinha ao lado uma salinha para as crianças dormirem. Tinha colchãozinho, lugar de trocar, tinha banheirinho com privadinha pequenininha. Tudo adequado para a criança. Era uma escola modelo. Como depois a escola foi crescendo, os funcionários gostavam muito e consideravam a escola muito boa. Os pais foram pedindo para aumentar e foi aumentando, aumentando e não coube mais. Ao lado da escola era a lavanderia do hospital Umuarama e eles não queriam ceder mais lugar. Usamos a parte de baixo. A parte de cima, que era o almoxarifado da lavanderia, eles não deixaram a gente usar.” (entrevista da professora Gilda)

Em 1981, com o mesmo nome “ Escola Paraíso Encantado”- transferiu-se para o Campus Santa Mônica.

“Nós deixamos o Umuarama e fomos trabalhar no Campus

Santa Mônica”(Gilda)

com atendimento a 512 alunos, sendo 398 da pré-escola e 114 do 1o Grau. No ano seguinte, 1982, novos aumentos no número de alunos se impuseram à escola. A

14 O Campus Umuarama é a parte da Universidade que concentra a área de biomédicas com o H.C.(Hospital das Clínicas) da UFU.

(31)

escola começou uma nova etapa de trabalho, passando a funcionar em dois prédios, no mesmo Campus, Santa Mônica: um para o 1o Grau e o outro só do pré-escolar.

“O que aconteceu dividiu a escola. A vice-diretora, que era Marta

Lopes, foi ser diretora no Santa Mônica, abriram duas escolas para aumentar as vagas para os filhos dos funcionários. Lá ficou a sede e a matriz. Eu demorei dois anos para ir para o Santa Mônica, fiquei no Umuarama.” (entrevista da professora Gilda)

Em termos numéricos a escola tinha, agora, na pré-escola 518 alunos e no 1o Grau 258, totalizando 776 alunos.

“No Santa Mônica tinha a mesma escolinha, o mesmo estilo. E já começou a ter o 1o Grau. Tinha piscina, play-ground, horta. Era

igualzinho.”(Gilda)

A Escola Paraíso Encantado localizava-se nessa época numa área de 3.860,13 m2 , sendo 860,13 m2 de área física construída e 3.000 m2 de área física livre para o funcionamento da pré-escola. O 1o Grau ocupava, em outro prédio, o total de 09 salas de 03 módulos (55 m2 cada sala), sala de Orientação e Supervisão, de Professoras, Cantina e Sanitários. Além disso, a escola tinha uma área livre em frente, onde eram realizadas a aulas de Educação Física e recreações diversas. Havia play-ground, tanque de areia, quadra de esportes, piscina e área verde.

“À medida que o tempo decorria, a criança ia passando para outras séries, foram aumentando as salas, chegou no pré e depois, fecha a escola? Não tinha jeito. O que resolveram foi abrir para o 1o Grau.

Quando abriram para o 1o Grau não cabia na escola, nem no Sta. Mônica,

nem no Umuarama. Então fomos pedir para o Reitor Venceslau Dias para que ele arranjasse um lugar para o 1o Grau. O que aconteceu, ganhamos

(32)

Umuarama, Santa Mônica e 1o Grau. Para lanchar, tínhamos que sair lá

do 1o Grau, atravessar a rua e lanchar no Santa Mônica. Começou a ficar

meio ruim”. (entrevista da professora Gilda)

Foto 07[Arquivo da Escola - 1984 - Espaço Físico]

O espaço ocupado para a recreação é amplo e aberto, agradável e com muito verde.

Em 1984, a Escola se ampliou até a 8a série e com isso aumentou o número de alunos para mais de 1.000. O funcionamento no Campus Santa Mônica ficou inviabilizado pelo aumento das séries, conseqüentemente foi necessário que a UFU disponibilizasse um dos seus terrenos situado no Campus da Educação Física15. Nesse local foi construída a nova sede da Escola Paraíso.

“A Vanda Costa e a Marta Lopes pediram tanto um lugar para nós até que conseguimos na Educação Física.” “Foi construído para ser nossa escola. Fechou o Umuarama, descemos para o Santa Mônica até terminar a construção na Educação Física. Depois viemos para cá, e aqui estamos até hoje”. (entrevista da professora Gilda)

15 A Universidade Federal de Uberlândia - UFU, conta com 3 Campi: Umuarama, Santa Mônica e Educação Física.

(33)

A nova construção seguiu o padrão arquitetônico dos prédios construídos para o 3o grau, deixando assim de ser uma escola com um espaço físico característico de escola de educação infantil. É interessante registrar que, em uma conversa informal, pelo corredor da escola, com a atual diretora da Escola Paraíso, Marina Junqueira, a respeito da construção do prédio escolar, ela comentou que o recurso para a construção foi todo do FNDE e que o terreno pertencia ao Sr. Napoleão, cidadão de posses em Uberlândia que vendeu o terreno para o então governador Rondon Pacheco. E, assim, o governador doou o terreno para a Fundação Escola de Medicina de Uberlândia.

Foto 08 [Analúcia de Morais Vieira - Escola Paraíso - 1998] Fachada da escola

Hoje, ela funciona no Bairro Aparecida, um bairro residencial, com muitas casas, próximo a um Shopping, a um hotel e a um posto de gasolina. Comporta um total de 3.000 alunos desde o pré-escolar até o supletivo.

“Com o tempo, iniciou 3a série, 4a série, 5a série até 8a série. Já

não dava para chamar Paraíso Encantado, o pessoal estava achando muito “pititinha” [fala de criança], muito assim “nenenzinha” para

(34)

menino marmanjo de 15, 16 anos, então resolvemos fazer uma eleição. As crianças colocaram em votação qual deveria ser o novo nome da escola. Os alunos decidiram o nome: Escola Paraíso.” (entrevista da professora Gilda)

A área total da escola hoje é de aproximadamente 7.600 m2 , sendo 5.320 m2 de área física construída e 2.280 m2 de área livre. Possui 79 salas, das quais 11 são destinadas à pré-escola. Cada sala tem 36m2.

“Essa escola não foi adequada para fazer pré-escola. Eles não olharam para a acústica. A pré-escola é movimento, ação, as crianças fazem muito barulho, precisam cantar, rir, fazer teatro [gesticula os braços]. Nós não podemos porque atrapalha o pessoal do 1o pavimento.

Então nós somos restritos a muita coisa.” (entrevista da professora Gilda)

Fotos 09/10

(Arquivo da Escola - Espaço Interno - 1998)

A escola hoje é composta por muitas salas: Artes, Ed. Física, 1a a 4a série (tarde), 5a a 8a série ( manhã), Supletivo, sala de professores (que são subdivididas por área de conhecimento: Matemática, Português, História, Geografia, Ciências, Língua Estrangeira, 1a e 2a série, Supletivo, Educação Física, Artes e Pré-escola), laboratórios de Computação, Geografia, Matemática, Ciências, História e Psicopedagogia, sala de vídeo, sala do consultório odontológico, enfermaria, sala do grêmio, banheiros, sala da

(35)

direção, sala da vice-direção, secretaria, cozinha, refeitório, anfiteatro, pátio, parquinho e ducha, sala de depósito de móveis, almoxarifado, sala de digitação e protocolo, sala de eventual, sala do NEIA (Núcleo de Estudos da Infância e da Adolescência), caixa escolar, sala de xerox, biblioteca, SEAPE (Serviço de Atendimento Psicológico ao Estudante), sala de reunião, sala dos técnicos-administrativos (limpeza e serviços gerais).

“O Paraíso Encantado era muito mais gostoso, era mais

aconchegante, era diferente. Na época tinha dinheiro, não faltava nada, tudo que se pedia à Reitoria vinha na hora. Não tinha crise como agora.” “Hoje o pátio também não é bom, não tem grama, não tem lugar para contar história para os meninos, porque sempre estamos trombando com os meninos do 1o Grau. Na Escola Paraíso Encantado nós tínhamos

muitas árvores grandes, onde íamos cantar, contar histórias, dramatizar, fazíamos passeios pelo Campus com as crianças. As pessoas nos recebiam muito bem, nós batíamos um papo, nos valorizavam muito àquela época. Hoje valorizam, mas tem muita rixa. Com a falta de dinheiro, nós disputamos pelo dinheiro, verba por verba. A Educação Física não quer dar mais espaço. Não podemos dizer que a escola ficou ruim, a vida mudou, mas eu se fosse fazer como a Marina Junqueira diz, ela faria outra escola para a Pré-Escola um pouco afastada, outro prédio só para a Pré-Escola.”

“Toda hora que você está lanchando com uma criança não dá tempo. As crianças demoram demais para lanchar. O horário não dá, é curto, o 1o Grau tem que descer. Nós temos que correr. É isso que nós não

tínhamos no Santa Mônica. Nós tínhamos um horário grande”. “E nosso lanche (recreio) é de 30 minutos, depois voltamos para a sala porque o 1o

Grau está descendo. Nós temos que esperar o lanche e o recreio deles, para depois nós descermos para o pátio, às 16h 30min. e temos mais 30 minutos; enquanto lá no Paraíso Encantado..”. (entrevista da professora Gilda)

(36)

Foto 11[Analúcia de Morais Vieira - Lanche - 1999]

A organização para lanchar continua, o relógio se foi, passou para os pulsos das professoras.

“Queria que voltasse aquele espaço amplo, aquele verde, espaço bonito. A escola Paraíso é uma boa escola. Falta verba. Quando entrei na escola eu tinha 17 anos, lá eram poucas professoras, era muito bom, tinha amizade. O Paraíso Encantado era nossa família. Eu entrei, namorei, noivei e casei. As pessoas sabem muito mais de mim aqui do que na minha casa. Quando somos entrosadas uma com as outras o crescimento da escola é maior, porque o amor é maior.” (entrevista da professora Gilda)

Fotos 12/13/14

[Analúcia de Morais Vieira – Pátio, 1999] Pátio cimentado, área para lazer cercado, disputa por espaço com outras salas.

(37)

CAPÍTULO II

Territorializando o espaço: O dito e o não dito

DISCURSO

Adélia Prado

Não tinha um adjetivo para o dia e desejei ficar triste. Fui moer lembranças, remoê-las com a areia pobre mas grossa de minha desmesurada moela. Em mim, tanto faz meu coracão ou estômago, já nem pra rezar eu sei partir-me. Como quem junta espigas pro moinho, juntei uns cheiros de alho, de álcool, de sabonete, um cheiro-malva de talco, uns gritos, fezes que se pisou ao redor da casa, com cheiro não tanto repudiável -podia-se limpá-las, mas não eram execráveis- a incúria colateral de vários pâncreas, o trypanozoma cruzi, várias cruzes no sangue, no exame, nas covas, nas torres, no cordãozinho de ouro, na forma de levantar os braços e dizer: "Ó Pai, duro é este discurso, quem poderá entendê-lo?"

Se abrisse um sol sobre este dia incômodo, eu rapava com enxada os excrementos, punha fogo no lixo e demarcava mais fácil os contornos da vida: Aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor: onde um homem projeta o seu perfil e pergunta atônito: em que direção se vai?

É às vezes fazendo a barba ou insistindo no vinco de sua calça branca que ele quer saber. É às vezes aparando as unhas, em nem sempre escolhidas horas,

que ele tem a resposta. Um adjetivo para o dia, explica.

(38)

Mas o que é Espaço, afinal?

Para podermos compreender suas dimensões e limites, seus efeitos de verdade e suas aparições no cotidiano escolar, precisamos percorrer um caminho orientador para discutir esse conceito relevante ao problema que estou tratando. Tal incursão se constrói nesse mesmo caminho.

O conceito de espaço evoluiu com a história. “Na Grécia antiga, Platão definiu espaço como um conceito híbrido – com uma conotação negativa para o termo híbrido, por sua indefinição. Demócrito definiu o espaço como ‘o não ser’. Bem mais tarde Bergson via-o como um conjunto de pontos onde podemos transitar. Isaac Newton fez um avanço ao dizer que o espaço matemático não deve ser confundido com o espaço de nossa experiência cotidiana.” (Cassirer apud França, 1994 p.17-8 ).

Até esse momento o espaço foi tratado como uma noção dos órgãos dos sentidos, pela negação, indefinição ou não.

Foi Newton quem iniciou um novo rumo em direção ao conhecimento moderno, ao formular novas concepções para o antigo paradigma, que era o de “São Tomé” - só acredito vendo. O olhar era o principal órgão dos sentidos cultivado desde a Grécia antiga até o advento da modernidade. Enfim, “a história é uma visão-pensamento do que aconteceu. O ato de olhar significa um dirigir a mente para um ‘ato de in-tencionalidade’, um ato de significação que, para Husserl, define a essência dos atos humanos.”( Bosi, 1997, p. 65)

Alfredo Bosi vai mais além ao nos mostrar uma ruptura com o paradigma do olhar. Com a modernidade o olhar passa a ser uma expressão, uma suspeita diante das coisas e até uma contradição, remetendo-nos à primeira ruptura epistemológica destacada por Boaventura Santos (1998), pela qual a ciência passa a ser entendida como se construindo contra o senso comum, dispondo de três atos epistemológicos: a ruptura, a construção e a constatação.

(39)

“É sabido que a Teoria da relatividade e, em particular, a mecânica quântica introduziram importantes mudanças conceituais na física clássica, desorganizando o entendimento que se tinha das categorias clássicas de matéria, espaço, tempo e causalidade.” (Pino, 1996, p. 52)

Depois que tempo e espaço apareceram juntos na Teoria da Relatividade de Einstein ficou difícil separá-los.

Hoje, deparamo-nos com um tempo que organiza o espaço, que mede o espaço, com um dispositivo capaz de comandar, regular o espaço na vida das pessoas. Todos nós usamos, temos um relógio que controla nosso tempo-espaço. Nas palavras de Norbert Elias, “os relógios e os instrumentos de medição de tempo em geral, sejam eles de fabricação humana ou não, reduzem-se a movimentos mecânicos de um tipo particular, que os homens colocam a serviço de seus próprios fins.” (Elias, 1998, p. 95) Na sala de aula existe essa medição do tempo-espaço e a professora o coordena de maneira tal que até o banaliza.

Às 14h45 Sílvia pergunta as horas.

“ - Analúcia quantas horas?” Eu respondo:

“ - São 15 para as três.”

“- Nossa, isso tudo! Crianças, vamos pegar as lancheiras e lanchar ali, na porta da escola.”( Sílvia) [ Diário de Campo 22]

Para muitos autores, com destaque para Milton Santos (1997), Mayumi Souza Lima (1989), David Harvey (1993), Luís Boada (1994), Lilian Monteiro França (1994), não há uma definição posta e fechada sobre o espaço, pois sua compreensão se insere num conjunto de questões epistemológicas, no desenvolvimento das ciências e na reorganização social do homem. O espaço está ligado à História, à construção de uma cultura e à apropriação do espaço pelo homem e, por isso, não cabe defini-lo precisamente. Nossa intenção é aproximar-nos da compreensão formulada por alguns autores, para encaminhar nossa pesquisa, dando-lhe um corpo e uma forma.

(40)

Para ele

a história do homem sobre a Terra é a história de uma rotura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudança na história humana da natureza. (Santos, 1997, p. 17)

Santos quer-nos alertar, com essa afirmação, para o fato de que o homem tomou conta da natureza, o que levou a uma transformação do espaço habitado, ou, em suas palavras: “graças ao modelo da vida adotado pela Humanidade daí surgem os graves problemas de relacionamento entre a atual civilização material e a natureza.” (Id. Ibdi.,1997, p.17) O que leva o problema do espaço a uma dimensão jamais vista antes pelo homem.

A aceleração contemporânea, que são momentos culminantes na História, traz ao mundo a globalização dos espaços aliada à globalização do tempo.

O espaço se globaliza, se adapta à nova era, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não há espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares. (Id. Ibid., p.31)

Mas o que é lugar ?

Santos define lugar como a extensão do acontecer homogêneo ou do acontecer solidário. O lugar é regulado e organizado.

Para Certeau (1998, p. 201) lugar é a ordem segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Um lugar é, portanto, uma configuração instantânea de posições. Para o mesmo autor, espaço existe sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é um lugar praticado. (1998, p. 202)

Santos explica ainda que

o espaço aparece como um substrato que acolhe o novo, mas resiste às mudanças, guardando o vigor da herança material e cultural, a força do que é criado de dentro e resiste, força

(41)

tranqüila que espera, vigilante, a ocasião e a possibilidade de se levantar. (Id. Ibid., p. 37)

Para Milton Santos, o espaço “seria o conjunto indissociável de sistemas de objetos naturais ou fabricados e de sistemas de ações, deliberadas ou não.” (Id. Ibid., p.49) De certa forma, está ligado com a história, com a cultura de uma época. O que queremos afirmar é que o espaço e o tempo caminham juntos. O tempo no espaço pode ser tanto o cronológico, que arruma nossa vida como um relógio, quanto pode ser o tempo histórico, construído por sujeitos ao longo da história.

A questão da busca pelo entendimento de o que vem a ser espaço foi exposta por outros autores que, devido a suas importantes contribuições na tessitura deste trabalho, relaciono a seguir.

Para o historiador, o espaço é o lugar onde se faz a história, é o lugar onde ele encontra a sua matéria-prima, que, entre outras, pode ser

A caverna, a cidade, a fábrica, o espaço agrário, a família, o hospital, a prisão, o corpo, o sentimento, a escola e a memória com suas lembranças e reminiscências de um produzido, de uma engrenagem do poder, enquanto seleção e esquecimento. (Miceli, 1996, p. 9. Grifo meu)

Para Miceli seria a terceira margem16, espaços esses que não têm fronteiras. Mas é mais do que isso. Para o autor, o historiador não está isento de identidade própria e particular. O que o leva a afirmar:

a construção do espaço, portanto, resulta de escolhas intencionais, como tudo que o autor vai colocar nele para preencher seus vazios intermináveis. Assim como em um cenário, cada parte deve ser rigorosamente considerada, em função das ações que vão ser representadas à sua frente e da hierarquização das personagens que virão à cena. (Id. Ibid., p.10)

16 Faz alusão ao conto de Guimarães Rosa: A Terceira Margem do Rio. Primeiras Estorias, 5 ed. José Olympio, Rio de Janeiro. 1969

(42)

Portanto, as concepções de espaço do historiador e do geógrafo são próximas, eles partem de lugares distintos para chegar a um lugar comum.

Para Angel Pino (1996), que trata do espaço a partir da pisicologia sócio-histórica, a categoria de espaço está atrelada a dois aspectos. O primeiro diz respeito à crença na existência do espaço objetivo, que parece estar profundamente arraigada nas pessoas. Isso se deve ao fato de o homem produzir “imagens tão reais” da realidade que nos dão a ilusão de uma percepção imediata das coisas e do espaço como uma qualidade da sua materialidade.” ( Pino, 1996, p.51)

O segundo aspecto nos informa que

nem o espaço nem o tempo são objetos da nossa percepção sensível, mas a sua condição. Sabemos que entre a coisa em si e a coisa percebida não há identidade nem esta é simples réplica daquela. A coisa percebida – única forma pela qual temos acesso à realidade – é resultado de uma série de processos de conversão de sinais (cuja fonte situamos na coisa em si) que ocorrem no interior de nós mesmos, tendo como suporte a corporeidade. (Id. Ibid., p. 54)

Tanto o primeiro quanto o segundo aspecto tratam de imagens reais ou não que o cérebro é capaz de produzir . Isso me leva a considerar a ilusão que temos de estar vivendo num tempo e num espaço comum para todos. Estava eu, em um outro país,

sentada na estação de trem, quando olhei as horas e vi que eram 12h30 minutos. Olhei em volta e percebi que estava em um outro espaço, num lugar diferente do meu comum e estava também em um outro tempo, às 12:30 era meu horário de almoço quando eu estava em casa e naquele instante vivia em um outro tempo e em um outro espaço, que a minha sensibilidade pôde produzir. Nesse sentido convém citar também Capra.

As imagens de objetos separados somente existem em nosso mundo exterior de símbolos, conceitos e idéias. A realidade à nossa volta é uma contínua dança rítmica, e nossos sentidos traduzem algumas de suas vibrações para modelos de freqüência que podem ser processados pelo cérebro. (Capra, 1982, p.294)

(43)

O homem corpóreo marca o seu lugar no mundo, através de sua experiência. Para tanto “o espaço não é uma realidade em si nem uma qualidade das coisas, mas a maneira como o sujeito corpóreo constrói sua experiência do mundo.” (Pino, 1996, p.57)

Nas artes o espaço também foi significado e ressignificado. Isso podemos verificar nas obras surrealistas de Salvador Dalí, o qual nos faz embarcar em um peculiar espaço e tempo. Já nos trabalhos de Escher, tempo e espaço caminham juntos numa riqueza de composição. Na perspectiva cubista de espaço e tempo em Picasso, na síntese dos espaços nas telas de Klee e Mondrian, nas paisagens do estilo impressionista de Monet, na distorção do espaço por Van Gogh, um dos precursores do estilo expressionista e, como não poderia deixar de ser, na poesia e na narrativa literária e em todas as expressões da Arte, o espaço também adquiriu significado e ressignificado.

Octávio Paz fala de forma poética sobre espaço:

“... ele é um onde. Nos rodeia e nos sustenta e o sustentamos e o rodeamos. Somos a sustentação do que nos sustenta e o limite do que nos limita. Somos o espaço em que estamos (...)

A fronteira de onde eu termino e começo o outro, o alheio, está em perpétuo movimento, em contínua erosão. Na medida que penetra em mim, me alieno a mim, ando dentro de mim como em um país desconhecido: é mais um país que se faz e desfaz sem cessar. O limitado limita todos os limites. O espaço é pensável: apenas o tocamos e ele se desvanece.” (Paz, 1983, p. 218)

Essa flexibilidade do espaço na poesia está presente na educação, na pintura e em outros campos. Quando Van Gogh pintou “Quarto” em Arles, no ano de 1880, fez uma leitura do espaço interior onde ele morava. Podemos sugerir que a preocupação de Van Gogh em registrar o quarto em sua obra é similar à preocupação de outros autores em buscar explicação e entendimento para o espaço. A pintura de Van Gogh exemplifica, para nós, a certeza de que o espaço não é algo destituído de valor. No momento em que fazemos uso do espaço, ele passa a compor nossa vida; não há espaço vazio, imutável, sem vida. Todo espaço é dinâmico e cheio de vida quando objeto de experiência corpórea humana. Mais uma vez o espaço está ancorado na pessoa humana, na história e, juntas, elas constroem a noção do espaço.

Concluindo, a busca pelas noções de espaço nos transportou para o universo espacial de vários autores como Santos, Miceli, Certeau, Pino, Octávio Paz, etc., que,

(44)

por caminhos e áreas distintas, compartilham sentidos. O espaço está relacionado com o tempo e a história.

Inserindo-me nesse repertório como professora e ancorada nos sentidos propostos por esses autores, diria que o conceito de espaço esboçado no decorrer deste trabalho tem neles suas raízes, como um espaço vivido, concebido e produzido pelas ações dos sujeitos (professoras e alunos/as), com escolhas intencionais e tomando como referência o tempo cronológico e histórico. E para tanto chamo de espaço também todo ambiente, lugar, arquitetura e mobiliário que, de uma forma ou de outra, compõem e nos mostram, mesmo que invisíveis17, o cotidiano de uma escola e de uma sala de aula.

Uma estranha no ninho da escola: A escola é...

Quando falei do espaço interferindo nas relações existentes no interior da escola, estava me referindo a qual escola? Que referências e sentidos atribuo à escola para escrever sobre a questão do espaço? E em que escola se insere o espaço?

A escola se constitui como espaço do saber e do poder, porque é em seu interior que acontecem as lutas, as disputas pelos territórios de formação do cidadão. No entanto, cabe a nós dar um pouco mais de atenção a esse espaço que, segundo Ezpeleta e Rockwell (1996), se constitui num processo inacabado de construção.

Observando a minha fotografia focalizando a escola, diríamos que ela é um espaço historicamente produzido para atender às necessidades de uma determinada sociedade e de uma determinada cultura. E, para isso, ela se constitui como um espaço de confinamento e doutrinação. O papel da escola seria de instaurar um universo pedagógico por meio de dois traços: “separação do mundo e, dentro desse recinto reservado, vigilância constante, ininterrupta, do aluno, vigilância de todos os instantes,

(45)

que visa a constituir um auxílio, um devotamento de todos os instantes.” ( Snyders, 1974, p. 271)

Considerando que a escola é um espaço histórica e socialmente produzido, tendemos a admitir que

As diferenças regionais, as organizações sociais e sindicais, os professores e suas reivindicações, as diferenças étnicas e o peso relativo da Igreja marcam a origem e a vida de cada escola. (Ezpeleta e Rockwell, 1989, p. 11)

E é com esse olhar que adquirem sentido os relatos pessoais, a vida coletiva e particular, as formas de poder, a política instituída na escola e, por fim, a rede de culturas existentes na escola.

Que a escola seja uma instituição do Estado e que exista por causa da sociedade todos nós já sabemos. Porém, afirmar que é na escola, no seu interior que se dão os espaços de luta, de rebeldia, de ação e de conformismo é algo a ser pensado e visto. O que quero dizer é que adoto a idéia de que a escola é algo mais que uma instituição do Estado. Ela é o seu interior, as relações de disputa entre os seus parceiros de caminhada, éo espaço privilegiado para se criar novos espaços e caminhos para uma nova sociedade e é ainda a história não-documentada18.

A professora Isabel chegou à sala, às 13h05’, e foi logo organizando as carteiras, separando umas das outras e dispondo-as umas atrás das outras. Algumas crianças estavam sentadas, outras no quadro desenhando casinhas, bonecas, carros e outras iam ao banheiro beber água como solicitou a professora Isabel: “bebam água e vão ao banheiro.”

Quando a professora pediu para todos se sentarem, cada um escolheu o lugar que lhe convinha. Até as 13h30’ a professora não tinha estipulado nenhum lugar.

18 Que, para Ezpeleta e Rockwell, são os movimentos existentes no interior de cada escola, que determinam as suas características e as suas peculiaridades, mesmo que num movimento histórico de amplo alcance.

Referências

Documentos relacionados

A primeira a ser estudada é a hipossuficiência econômica. Diversas vezes, há uma dependência econômica do trabalhador em relação ao seu tomador. 170) relata que o empregado

Os recursos financeiros de que trata este Programa serão depositados pela Prefeitura Municipal de Limeira diretamente em conta corrente aberta, especialmente para este fim, em nome

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

Diante do que foi apontado pelas entrevistadas, este Plano de Ação foi construído de forma a possibilitar novas estratégias a serem usadas com a coordenação

Pensar a formação continuada como uma das possibilidades de desenvolvimento profissional e pessoal é refletir também sobre a diversidade encontrada diante

Programa de Controle e Monitoramento de Processos Erosivos; Programa de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD); Programa de Manutenção de Veículos e Equipamentos; Programa de

As falhas aqui indicadas a respeito da ausência de um diagnóstico fidedigno do ambiente sobre o qual se pretende implantar e operar o empreendimento de mineração

Although Knight-Piesold considers that Maximum Design Earthquake for the Pebble dam design to be the Maximum Credible Earthquake, an examination of Table 3.1 of the report reveals