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Isto não e uma pesquisa-ação : margeando o imprevisivel

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE MESTRADO

Isto não é uma pesquisa-ação:

margeando o imprevisível

Elisabete Gonçalves Zuza

Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Salgado Bagnato

Este exemplar corresponde ao texto

apresentado para o Exame de

Mestrado de Elisabete Gonçalves

Zuza sob orientação da Profa. Dra.

Maria Helena Salgado Bagnato.

Data: 15/09/2003

UNICAMP, Setembro de 2003

“Ceci n'est pas une pipe” René Magritte, 1926

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Aos meus amados André e Isadora, sem os quais este trabalho não seria possível.

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Agradecimentos:

À Prof. Dra. Maria Helena Salgado Bagnato, orientadora, pelo carinho e respeito com que me recebeu no PRAESA, pela amizade que desenvolvemos com o passar do tempo, pelo acolhimento nos momentos difíceis, por estar sempre por perto, permitindo-me alçar vôos e arriscar-me por diferentes territórios, e, principalmente, pela confiança em mim depositada, “não soltando a âncora”. Navegamos juntas. Como você, Maria Helena, tão bem poetizou: “ Ah! Nossa danação de condenados que somos.A vagar a ermo na companhia de histórias descontínuas, Uma viagem...”

Aos membros das bancas de Qualificação e Defesa, Profs. Drs. Emerson Elias Merhy, Guillherme Do Val Toledo Prado e Antonio Carlos Amorim, pela enorme generosidade, cuidado e respeito com que leram a dissertação, cujas contribuições durante a

qualificação, foram instigantes, desafiadoras, exasperantes e absolutamente decisivas para que eu procedesse uma operação de raspagem na superfície do meu olhar, encarnando-o, permitindo-me resgatar o sentido da experiência, o acontecimento, devolvendo a vida ao processo de elaboração do trabalho.

À Florianita pela leitura pacienciosa e por ter aceito o convite para participar da banca de defesa.

Um agradecimento especial aos colegas, Luis Carlos Marcelino, Marilda Colichio Pikwinas, Renata Lúcia Gigante, Sandra Donizete Pasquini Silva, Rita Del Gallo, Paulinho Bonilha, Mônica Grippo, Tereza Cristina Nascimento, Maria do Carmo Ferreira, e Taís Fernanda Klenz que deram sentido a essa experiência. Não fosse por suas presenças, suas vozes, este corpo não teria esta materialidade.

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apoio enquanto coordenadora do serviço, pela constante provocação a nos tirar dos lugares comuns e por ter me presenteado com aquele gravador maravilhoso que me acompanhou durante todo o processo. Duda, Viviane, Adilson, Marirene, Silvia, Vânia, Helô, Luciane, Bet Lelo, Fátima Seixas, Giovanne, Gerson, Jeanete, Fátima Faleiros, Fernando, Marcelinho, Laércio e Maria das Graças pelo aprendizado de convivência. Com vocês aprendi muito sobre a amizade, autonomia, generosidade, responsabilidade, criatividade, cumplicidade, o trabalho em equipe. Compartilhamos bons e maus

momentos, nos achamos, nos perdemos, mas seguimos adiante inventando diferentes histórias, porque afinal, “o importante é que nossa emoção sobreviva!”

Às enfermeiras e enfermeiros da Secretaria Municipal de Saúde e do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas- UNICAMP, que trabalharam no Projeto de Qualificação das Práticas de Enfermagem, companheiros de cotidiano, que insistiram, apesar das adversidades, na perspectiva de transformar os espaços de trabalho, os serviços, em lugares de produção de saberes e de vida.

À Luciane e Guilherme, amigos de todas as horas, por terem me incentivado a prestar o exame para o mestrado, pelas presenças e apoio constantes durante os momentos de alegria e angústia que pontuaram esta minha trajetória.

À Taninha, pelo apoio inestimável na fase de transcrição das fitas. Obrigada pelo carinho e gentileza.

Ao André Pietsch por termos compartilhado divertidos momentos elocubrando Deleuze, “deleuzeando”.

Ao Antonio Carlos por ter me recebido carinhosamente nas reuniões do FORMAR.

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À Faculdade de Educação da UNICAMP e seus funcionários que sempre me atenderam com cordialidade.

Aos meus colegas do COAS, Maria do Carmo, Flora, Raulita, Rosângela, Heloisa, Clarisse, Valkiria, Ana, Glaciele e Almir, bem como à Cristina, Regina e Valdete pelo incentivo, compreensão e solidariedade no período em que necessitei me ausentar para terminar de escrever o trabalho.

À Elisa, pela convivência e pelo carinho com que vem cuidando há anos de minha família, nossa casa, nos proporcionando o conforto e a tranquilidade necessária para que eu me dedicasse ao mestrado.

Aos queridos amigos e amigas Ana Cris, Maura, Shirlei, Leila, Carmo e Adilson, Maria e Nacle, João Salsa, Elci, Aninha, Greice, Lála, Marco Aurélio ( Mister M), Sissa, Carlos e Regina, Rosilene, Antônio Carlos, Bier, Alexandre, Verônica, Willians, Márcia Ferrão, Eliana Figueiredo, Vitória e Haydée pelas memórias, pelas baladas, tornando a vida mais divertida, pela música, pela mágica, pelas massagens, agulhas, reik, homeopatia, pela bondade e companheirismo, por suportarem minhas chatices, pelo respeito, pelo reencontro, pela força no final deste processo de trabalho, enfim, pelas presenças constantes em minha vida ao longo dos anos.

Ao Wolfgang Lenk, pela gentileza em traduzir o resumo (abstract).

À Vivian Bearzotti, pela cuidadosa leitura e revisão do trabalho.

À Secretaria de Saúde e a todos os meus velhos e novos companheiros de rede, juntos vamos tecendo diferentes tramas, alargando os limites do que temos em comum: O cuidar da vida nas suas diferentes manifestações, a defesa de novas possibilidades de vida...

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“...Severino, retirante, ...se quer mesmo que lhe diga é difícil defender,

só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio,

que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida

mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida como a de há pouco, franzina mesmo quando é a explosão de uma vida severina.

Trechos de Morte e Vida Severina João Cabral de Melo Neto

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SUMÁRIO

Lista de Figuras... xiii

Resumo... xv

Abstract... xvii

CAPÍTULO I - A título de introdução (ferramentas)... 1

CAPÍTULO II - Molaridades...15

Considerações a respeito do Centro de Educação para os Trabalhadores da Saúde (CETS)... 28

Proposta em Análise: Projeto de Qualificação das Práticas de Enfermagem - Módulo III... 31

Educação continuada em Saúde: outras possibilidades... 48

CAPÍTULO III - Memorial (subjetivações)...55

“Como se chega a ser o que se é”... 57

Migração/ Deslocamentos... 65

CAPÍTULO IV - Acontecimentos... 79

Prolegômenos... 80

Ruínas... 91

Ah meu Deus, como é que é isso?... 99

E essa pesquisa-ação da UNICAMP?...107

Como escapar da ordem dentro da ordem?...123

A Caixa de Pandora?... 135

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA... 147

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Lista de Figuras

FIG. 1 – Ruína...89

FIG. 2 – Ai meu Deus, como é isso, como é que eu entro nessa história?...97

FIG. 3 – E essa pesquisa-ação da Unicamp?...105

FIG. 4 – Como escapar da ordem dentro da ordem?...121

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Resumo

Esta dissertação, estabelece um diálogo, com um conjunto de pesquisas contemporâneas, que pretendem produzir saberes sobre as práticas sociais referenciadas em uma concepção do conhecimento como uma prática social, portanto, encarnado no espaço, no tempo e na história. Pesquisas que suspeitam de paradigmas epistemológicos da modernidade, que ao distinguirem o sujeito do objeto nas ciências humanas e sociais, estabelecem clivagens entre a objetividade e a subjetividade, tratando a subjetividade do pesquisador como uma espécie de ruído a ser eliminado do processo de produção do conhecimento.

O presente trabalho, considera a produção da pesquisa como um processo de formação e de subjetivação. Preocupa-se em tornar visíveis os “saberes da experiência”, constituídos nos serviços de saúde, concebidos como “locus” privilegiado para o desenvolvimento de propostas de educação continuada. Para tanto, encontra na “pesquisa-ação” e no conceito de “implicação”, perspectivas para a interrogação permanente do cotidiano a partir das tensões ocorridas no exercício das práticas. Preocupa-se pois, em transformar “problemas” em desafios, e em buscar nos resultados do trabalho não um fim em si mesmo, mas saídas múltiplas para outros territórios.

Palavras-chave: Saúde e educação, Educação permanente, Pesquisa-ação em educação, Implicação, Acontecimento.

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Abstract

This dissertation establishes dialog to a collection of contemporary research which intend to produce knowledge on social practices, embodied, therefore, in space, time and history. Researches that suspect the epistemological paradigms of today which, by distinguishing subject from object in human and social sciences, establish cleavages between objectivity and subjectivity and treat the subjectivity of the researcher as a sort of noise to be eliminated from the process of knowledge production.

The present work considers research production as a process of formation and “subjectivation”. It concerns with making visible the “knowledge by experience”

constituted in health services, conceived as the priviledged locus for the development of continuous education proposals. To achieve this, it finds in “action research” and in the concept of “implication” prospectives to the permanent interrogation of the quotidian based on the tensions ocurred in the exercise of practice. It concerns, therefore, with transforming “problems” into challenges and with seeking the work results not as ends in themselves, but as multiple gateways to other fields.

Key-words: health and education; permanent education; action-research in education; implication; occurrence.

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Retrato do Artista Quando Coisa

Manoel de Barros

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Desde criança ele fora prometido para lata Mas era merecido de águas de pedras de árvores de pássaros.

Por isso quase alcançou ser mago.

Nos apetrechos de Bernardo, que era o nome dele, achei um canivete de papel.

Servia para não funcionar: na direção que um canivete de papel não funciona.

Servia para não picar fumo. Servia para não cortar unha.

Era bom para água mas obtuso para pedra.

Havia outro estrupício nos guardados de Bernardo. Tratava-se de um Guindaste para Mosca.

Esse engenho, pra bem funcionar, havia que estar ligado por uma correia aos ventos da manhã. Funcionava ao sabor dos ventos.

Imitava uma instalação.

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Quando iniciei o mestrado no ano de 2000, trabalhava no Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS) e, dentre outras atividades, participava de um grupo de trabalho que vinha desenvolvendo uma proposta na Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas, intitulada “Projeto de Qualificação das Práticas de Enfermagem”. A princípio, esta proposta compunha em conjunto com duas outras, “Capacitação dos Clínicos” e “Projeto de Desenvolvimento e Gestão/PDG”, um ‘tripé’ de projetos a partir dos quais pretendia-se mudar o modo de produzir a atenção à saúde oferecida aos usuários do SUS-Campinas.

Durante o ano de 2000, devido às mudanças políticas ocorridas na gestão da Secretaria de Saúde e às dificuldades impostas aos trabalhadores da Prefeitura Municipal de Campinas pelo governo municipal, apenas o “Projeto de Qualificação das Práticas de Enfermagem” ( PQPE) sobreviveu.

Foi um período marcado por crises trabalhistas que culminaram em praticamente dois anos intermitentes de movimentos grevistas e em mudanças no núcleo de governo da Secretaria da Saúde. Porém, em meio ao descrédito e desesperança, seguimos com a execução do projeto. Havia um envolvimento grande da enfermagem em número e em compromisso com a proposta do PQPE; criou-se ali um espaço de discussão de políticas institucionais e públicas, um espaço de debates e, conseqüentemente, de crescimento e amadurecimento profissional; e o CETS, como área estratégica, por ocupar-se prioritariamente da educação continuada dos trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde, à medida que as grandes diretrizes eram discutidas coletivamente pelo conjunto da secretaria, possuía, e ainda possui, grande agilidade em agregar parcerias para a elaboração e a execução das propostas. Creio serem essas, entre outras, algumas das justificativas para a manutenção do projeto até o final da mesma gestão.

No início do ano de 2001, depois das eleições, toma posse o novo governo com novas diretrizes para o modelo técnico-assistencial,1 encerrando-se naqueles moldes,

conforme será posteriormente demonstrado, a proposta do “Projeto de Qualificação das

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Práticas de Enfermagem”.

Naquela ocasião (2000), o que me inspirou, o que agenciou meu projeto para a dissertação foi possibilidade de pensar a pesquisa, no campo da educação e saúde, enquanto um dispositivo capaz de convocar o trabalhador a inquirir o seu fazer, abrindo novas possibilidades de responder aos desafios de seu cotidiano, transformando a cultura da “falta” em novas provocações agenciadoras do desejo.

A falta, segundo a esquizo-análise, é produzida socialmente, e não constitutiva do desejo, como sugere a psicanálise quando teoriza sobre complexo edipiano.

“ a falta é arrumada, organizada, na produção social (...) a produção nunca é organizada em função de uma falta anterior mas sim, a falta que se aloja, se vacualiza, se apropria, segundo a organização de uma produção prévia. É a arte de uma classe dominante, essa prática da razão como economia de mercado: organizar a falta na abundância da produção(...) (DELEUZE e GUATTARI, 1996:32-33).

Pareceu-me, logo no primeiro momento, um antídoto contra a cegueira situacional, um antídoto contra a cegueira produzida pelo signo da racionalidade técnica, que, não raras vezes, nos impede de ver, de enxergar as singularidades da vida cotidiana, tornando nosso trabalho burocratizado e, por isso mesmo, embrutecedor, tanto para aqueles que o realizam, quanto para aqueles que por ele são assistidos.

Cabe ressaltar que entre os gestores do SUS Campinas, trabalhadores e usuários, sempre houve uma constante preocupação pela busca de aprimoramento dos profissionais da rede pública, e, conseqüentemente, da própria instituição pública.

Investe-se permanentemente no preparo dos mesmos para a gestão dos equipamentos públicos e processos de trabalho, buscando a melhoria da prestação da assistência à população.

Acompanhamos, ao longo dos anos, a implementação de variados métodos de planejamento para o governo e serviços, advindos de diferentes linhas teóricas e

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metodológicas: cursos de formação de gestores, formação de pessoal de nível médio, inúmeros projetos de capacitação para trabalhadores e usuários do SUS.

Imbuídos do desejo de democratizar a organização, implementaram-se ao longo dos anos variadas composições político-organizacionais, tais como, a criação de colegiados de governo, a descentralização de decisões técnicas e políticas para os níveis distrital2 e local, preocupando-se aqui com o respeito às diferenças e idiossincrasias locais.

Estes procedimentos vão alcançando maior ou menor sucesso, dependendo dos interesses em disputa nos diferentes momentos da vida institucional.

Estes processos, na maioria das vezes, são propostos e/ou acompanhados por especialistas externos, convidados das universidades ou de outras esferas de governo (Estadual ou Federal). Enquanto na presença do especialista, e durante um período após, cria-se um grau de mobilização entre os trabalhadores, algumas modificações são realizadas, porém com o tempo, elas tornam-se datadas, incorporadas ou não às rotinas.

À medida que estes saberes são capturados pelo organizado, pelo instituído3,

tornam-se parte da cultura institucional, memória, patrimônio público, e, mesmo que aparentemente percam sua força instituinte, podem ser, como são, acessados em diferentes momentos como ferramentas na solução de problemas ou na produção de novas experiências.

Na época, como uma das responsáveis por desenvolver e executar projetos de educação continuada junto aos trabalhadores a partir do campo4 da educação e saúde,

2 A Secretaria Municipal de Saúde de Campinas subdivide-se em cinco distritos ou regiões sanitárias (Leste,

Norte, Noroeste, Sul, Sudoeste). Cada um dos distritos possui um núcleo gerencial composto por um coordenador, apoiadores de diferentes categorias profissionais e um núcleo de vigilância epidemiológica e sanitária, que, junto com os coordenadores das unidades de saúde, compõem um colegiado, responsável pelas ações de saúde daquela área.

3Instituinte: São momentos de transformação institucional, são forças que tendem a transformar as instituições

ou fundá-las ( quando ainda não existem). São forças produtivas de códigos institucionais.

Instituído: é o efeito da atividade instituinte (leis, normas, pautas, padrões etc.); o instituinte aparece como o processo, enquanto o intituído aparece como o resultado. O instituinte transmite uma característica dinâmica, o instituído transmite uma característica estática, congelada. (BAREMBLITT, 1994:178)

4 Refiro-me a campo como um conjunto de interesses articulados em torno de um conjunto de referências

comuns. Estar em um determinado campo é estar em jogo. PIERRE BOURDIEU (2001:139-141), nos traz o conceito de illusio, “palavra latina que vem da raiz ludus (jogo), poderia significar estar no jogo, estar envolvido no jogo, preso pelo jogo, levar o jogo a sério(...) dar importância a um jogo social, perceber que o

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preocupava-me - e ainda me preocupa - permanentemente, o fato de que, apesar da discussão e implantação dos diferentes modelos assistenciais tomarem um lugar central no nosso cotidiano, estes raramente contam com a participação direta dos trabalhadores durante sua produção teórica. Os modelos são produzidos por ‘experts’, a partir de suas experiências como assessores, governantes ou intelectuais da área da saúde. Cabe aos trabalhadores, ao aceitarem o desafio de implementação de tais idéias, a tradução destes referenciais e sua materialização em diferentes práticas, a partir da experimentação e análise, que vão referendar ou não tais pressupostos.

Assim sendo, os trabalhadores, ao inventarem múltiplas maneiras, modos, formas de introduzir diferentes referenciais às suas práticas não estariam reiventando seu cotidiano? Ao abordarem analiticamente tais esperiências não estariam assumindo uma posição de co-autores dos modelos em implantação?

O Projeto de Qualificação das Práticas de Enfermagem (PQPE), propunha-se, a partir de uma reflexão sobre as mesmas, a contribuir para a inversão de um modelo médico e procedimento-centrado para um modelo usuário-centrado.

Segundo Merhy,

“(...) os processos atuais de produção da saúde vivem algumas tensões básicas e próprias dos atos produtivos em saúde, e que estão presentes em qualquer modelo predominante. Dentre estas, destaco as tensões entre:

a lógica da produção de atos de saúde como procedimentos e a da

produção dos procedimentos como cuidado, como por exemplo, a tensão dos modelos médicos centrados em procedimentos, sem compromissos com a produção de cura;

a lógica da produção dos atos de saúde como resultado das ações de

distintos tipos de trabalhadores para a produção e o gerenciamento do cuidado e as intervenções mais restritas e exclusivamente presas às

que se passa ai é importante para os envolvidos, para os que estão nele (...). Entre pessoas que ocupam posições opostas em um campo, e que parecem radicalmente opostas em tudo, observa-se que há um acordo oculto e tácito a respeito das coisas que estão em jogo no campo.”

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competências específicas de alguns deles, como por exemplo: as ações de saúde enfermeiro-centradas ou médico-centradas, sem ação integralizada e unificada em torno do usuário, ou a clínica restrita do médico e procedimento-centrada e os exercícios clínicos de todos os trabalhadores de saúde” (Merhy, 2002;119)

Ao propor o estudo e posterior utilização da pesquisa-ação ao grupo responsável pelo desencadeamento dos processos de discussão na instituição, minha expectativa era desenvolver coletivamente um dispositivo ou uma ferramenta conceitual capaz de nos favorecer, enquanto trabalhadores envolvidos no projeto, com a possibilidade de, ao interrogarmos o cotidiano a partir das necessidades e dificuldades gestadas na prática, produzirmos novos sentidos e, conseqüentemente, diferentes “ linhas de fuga” para os problemas encontrados no cotidiano.

“Sobre as linhas de fuga, só pode haver uma coisa, a experimentação-vida. Nunca se sabe de antemão, pois já não se tem nem futuro nem passado. “Eu sou assim”, acabou tudo isso. Já não há fantasia, mas apenas programas de vida, sempre modificados á medida que se fazem... O grande erro, seria acreditar que uma linha de fuga consiste em fugir da vida; a fuga para o imaginário ou para a arte. Fugir, porém, ao contrário, é produzir algo real, criar vida, encontrar uma arma (...)” (DELEUZE, 1998:61-62 ).

O imprevisto é parte constituinte do trabalho em saúde, e, quando surge, a tendência do trabalhador é, em boa parte dos casos, ao ir se institucionalizando, responder com o conhecido, com a norma, empobrecendo o resultado do trabalho.

Não se trata, pois, de transplantar para fora dos muros da universidade o modelo já legitimado do pesquisador acadêmico, mas criar dispositivos que propiciem novas relações, novas convergências, devires, conexões, alianças entre o trabalhador e seu trabalho. Capturar do pesquisador a curiosidade, as interrogações, a busca de novas

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respostas para velhos e novos problemas que se apresentam no cotidiano. No meu entendimento, naquele primeiro contato com a proposta, a pesquisa-ação possibilitaria transformar em vontade de investigar a aflição paralisante provocada pela dúvida ou pelo não saber, colocada pela situação imprevista, que leva o trabalhador a responder com a norma, ou seja, desenvolver a capacidade de transformar problemas em desafios. Conceber o trabalho como fonte de novos acontecimentos, novos conhecimentos, agenciamentos, aprendizagem. Trata-se de possibilitar a produção de conhecimentos que agreguem novas formas de realizar o trabalho no território em que o processo se dá. Território de incompletude, de incertezas, de jurisprudências.

A realidade do trabalho em saúde é complexa, composta de luzes e sombras, de contradições, de simetrias e assimetrias, de ordenamentos e de desordens. Como trabalhadores que lidamos com a vida, temos que perder o medo da vida, temos que amar a razão e a desrazão, a coerência e a incoerência, duvidar das transparências, do óbvio, não nos iludirmos com as profundidades, com o oculto, apreendermos a pele e suas dobras. Proceder por raspagens, raspar as superfícies pelo amor ao belo, à singularidade, amar as superfícies, nada a desvendar, muito a inventar, nada a interpretar, só experimentar.

Outro aspecto fundamental da proposta de pesquisa-ação é o cuidado com o registro, a sistematização e a socialização das experiências do grupo, tendo, obviamente, como pano de fundo uma preocupação com a constituição de um espaço de produção de saberes, construído no cotidiano do trabalho, fora do âmbito da universidade.

Durante todos estes anos de exercício da função pública, venho dedicando-me a construir, junto com os coletivos dos quais faço parte, projetos e propostas que buscam um comprometimento com o aprimoramento das práticas clínicas5 e com o

fortalecimento do caráter público da organização.

O curioso é o modo de captura que estas produções vão sofrendo pelo

5 “A clínica é um âmbito cujo estatuto não se reduz ao domínio de uma teoria, de um método ou de uma

técnica... e muito menos ao que regula as prestações de serviços contratados rentáveis etc...a clínica transcorre num espaço sui generis que pode ser constituído em qualquer lugar, toda vez que “vontades de ajuda”...plasmem subjetividades que se encontram para se auxiliar. (Baremblitt apud Saúde Loucura 5,[s.d.]: p.7)

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instituído, como a autoria é coletiva, sofre-se uma espécie de desapropriação, e tudo parece escoar para a vala comum do anonimato; ou, toda a obra realizada finalmente é legitimada, quando corroborada pelo projeto do grupo político de plantão. A instituição pública que tem por “princípio” a publicização é paradoxalmente uma máquina de produção de invisibilidade. Não seria essa produção de invisibilidade um procedimento de sujeição, de assujeitamento dos operadores da máquina estatal, necessária à manutenção de um certo “modus operandis” ?

Foucault (1995), ao estudar os modos de subjetivação6 , envolveu-se com a

questão do poder, propondo não uma teoria sobre o poder, mas uma nova economia das relações de poder.

“(...) que é mais empírica, mais diretamente relacionada à nossa situação presente, e que implica relações mais estreitas entre a teoria e a prática. Ela consiste em usar as formas de resistência contra as diferentes formas de poder como um ponto de partida... Mais do que analisar o poder do ponto de vista de sua racionalidade interna, ela consiste em analisar as relações de poder através do antagonismo de suas estratégias.” (FOUCAULT,

1995:234).

Quando iniciei a elaboração da proposta de pesquisa, pensei meu projeto como uma pequena “máquina de guerra”7 capaz de produzir fluxos, movimentos,

intensidades, que capturasse novos territórios de produção subjetiva e que, na medida em que o projeto fosse capturado pelas ordenações institucionais, pudesse produzir, por

6 “(...). Um processo de subjetivação, isto é, uma produção de modo de existência, não pode se confundir com

um sujeito, a menos que se destitua este de toda a interioridade e mesmo de toda a identidade. A subjetivação sequer tem haver com a “pessoa”: é uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um

acontecimento ( uma hora do dia, um rio, um vento uma vida...). é um modo intensivo e não um sujeito pessoal. É uma dimensão específica sem a qual não se poderia ultrapassar o saber nem resistir ao poder. (DELEUZE,1996:123)

7Máquina de Guerra: “ Quanto a máquina de guerra em si mesma, parece efetivamente irredutivel ao aparelho

do Estado, exterior a sua soberania,anterior ao seu direito: ela vem de outra parte [...]. seria antes como a multiplicidade pura sem medida, a malta, irrupção do efêmero e potência da metamorfose”.

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contaminação, algumas fraturas nas racionalidades ali instituídas, que agregasse outros sentidos ao cotidiano do trabalho em saúde, especialmente ao trabalho de educação em saúde onde desenvolvo minha prática. Ou mesmo, um pequeno platô, uma superfície onde estaria registrada uma singularidade contra um registro de sujeição à individualidade, à identidade, desqualificando modos de funcionamento grupais.

Neste sentido o projeto pretende instaurar-se como uma estratégia de luta “anti-autoritária”. Ainda nesse mesmo texto citado , Foucault aponta seis proposições daquilo que as lutas anti-autoritárias têm em comum, gostaria de destacar aqui três delas que mobilizaram esta produção:

“4) São lutas que questionam o estatuto do indivíduo: por um lado, afirmam o direito de ser diferente e enfatizam tudo aquilo que torna os indivíduos verdadeiramente individuais. Por outro lado, atacam tudo aquilo que separa o indivíduo, que quebra sua relação com os outros, fragmenta a vida comunitária, força o indivíduo a se voltar para si mesmo e o liga a sua própria identidade de um modo coercitivo...

5) São uma oposição aos efeitos de poder relacionados ao saber, a competência e a qualificação: lutas contra o privilégio do saber. Porém, são também uma oposição ao segredo, à deformação e às representações mistificadoras impostas às pessoas.

Não há nada de cientificista nisto (ou seja, uma crença dogmática no valor do saber científico), nem é uma recusa cética ou relativista de toda verdade verificada. O que é questionado é a maneira pela qual o saber circula e funciona, suas relações com o poder...

6) Finalmente, todas estas lutas contemporâneas giram em torno da questão: quem somos? Elas são uma recusa a estas abstrações, do estado de violência econômico e ideológico, que ignora quem somos individualmente, e também uma recusa de uma investigação científica ou administrativa que determina quem somos.

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Em suma, o principal objetivo destas lutas é atacar, não tanto “tal ou tal” instituição de poder ou grupo ou elite ou classe, mas antes, uma técnica, uma forma de poder.”(FOUCAULT, 1995:234/235).

Como uma das pessoas responsáveis pela construção e condução do processo supra citado e que será descrito mais pormenorizadamente no decorrer do trabalho, desafiei-me a pesquisar minha própria prática, ou um modo de subjetivação, que , de acordo com Deleuze (1996:142) “ (...) é a produção dos modos de existência ou estilos de vida”. Meu principal interesse em registrar e sistematizar essa experiência foi e continua sendo o de contribuir, à luz de alguns “conceitos-ferramentas”8, com o trabalho realizado no Centro de

Educação para os Trabalhadores da Saúde.

“O conceito é o que impede que o pensamento seja uma simples opinião, um conselho, uma discussão, uma tagarelice... A única condição é que eles tenham uma necessidade, mas também uma estranheza, e eles as tem na medida em que respondem a verdadeiros problemas.” (DELEUZE,

1996:170).

A despeito do projeto tomado como suporte para o desenvolvimento da minha análise eventualmente vir a ser considerado datado, não agregar todos os elementos que compõem os trabalhos ali empreendidos e considerando, ainda, que a forma como se deu este processo de trabalho não se prestar a generalizações, ouso afirmar que esta reflexão orientou-se por uma composição estética que singulariza um conjunto de “n” elementos, os quais pretendo explicitar, durante todo o percurso do trabalho, e que são parte de uma proposta de abordagem institucional produzidas pela equipe daquele serviço ao longo dos anos.

Pretendo ir construindo o texto através de alianças com alguns autores que se

8 “Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem haver com o significante (...) é preciso que sirva, é

preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico, é que ela não vale nada, ou que o momento ainda não chegou (...). (DELEUZE apud FOUCAULT, 1979:71)

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tornaram uma referência política, ética, estética para minha vida. Autores que através de seus textos me “afectaram”9, transbordando meus referenciais de vida, meu modo de olhar e

me conduzir no mundo. “Uma compreensão não filosófica, por perceptos e afectos” (DELEUZE, 1996:193). São meus intercessores na constituição desse trabalho.

“A criação são os intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas-para um filósofo, artistas ou cientistas; pessoas-para um cientista, filósofos ou artistas- mas também coisas, plantas, até animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores. É uma série.(...).Eu preciso de meus intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim.” (DELEUZE,

1996:156).

Meu desejo é construir esta dissertação como uma “bricolage”10 onde estarão

reunidos elementos do cotidiano, obtidos através da transcrição de reuniões, compreendidos a partir de um conjunto de conceitos que combinam entre si uma intencionalidade política, os conceitos estariam conjugados como um “ritornelo”, que, ao se repetirem em suas diferentes dimensões, dariam a unidade a esta obra. “Repetir repetir- até ficar diferente.

Repetir é um dom do estilo.” (MANOEL DE BARROS, 2001).

O principal propósito é dar visibilidade a um conjunto de saberes locais, "saberes da experiência”, (FOUCAULT, 2000:15) produzidos por trabalhadores em seu

locus de trabalho, trabalhadores implicados com a produção de uma política de produção de

saberes que, ao longo do tempo, delineia-se no cruzamento de diferentes linhas de ação.

9 “O conceito, creio eu, comporta duas dimensões, as do percepto e do afecto (...). Os perceptos não são

percepções, são pacotes de sensações e de relações que sobrevivem aqueles que os vivenciaram. Os afectos não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que passa por eles (tornando-se outro).”

(DELEUZE, 1996:171).

10 Bricolage, é uma palavra intraduzível em português que designa o aproveitamento de coisas usadas,

partidas, ou cuja utilização se modifica adaptando-as a outras funções. (nota dos tradutores do Anti-Édipo, VARELA e CARRILHO, 1996:7). O conceito de bricolage foi desenvolvido por Lévi-Strauss em sua obra “O Pensamento Selvagem”, a esse respeito consultar: (LÉVI-STRAUSS,2002:32-37)

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Linhas que traçam diferentes trajetos, compostos por um “jeito” muito peculiar de trabalhar a vida institucional nas suas variadas manifestações. Mas enfim, tratam-se ainda de “saberes sujeitados”, desse lugar freqüentemente se ouve: “quem você pensa que é?” ou “de que lugar você pensa que está falando?”. Daí, nesse momento a necessidade de uma “genealogia” para “desprender os saberes locais”, (FOUCAULT, 2000:16) e com eles compormos linhas de força contra as tentativas de rebaixamento e pela dignidade de dizermos por nós mesmos. Pop filosofia.

“Chamemos, se quiserem, de “genealogia” o acoplamento dos conhecimentos eruditos e das memórias locais, acoplamento que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização desse saber nas táticas atuais. Será essa, portanto, a definição provisória dessas genealogias [...] não se trata de forma alguma de opor à unidade abstrata da teoria a multiplicidade concreta dos fatos; não se trata de forma alguma de desqualificar o especulativo para lhe opor, na forma de um cientificismo qualquer, o rigor dos conhecimentos bem estabelecidos [...]. Trata-se, na verdade, de fazer que intervenham saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia filtrá-los, hierarquiza-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro [...]. As genealogias são, muito exatamente, anticiências [...]. Trata-se da insurreição dos saberes. Não tanto contra os conteúdos, os métodos ou os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição sobretudo e acima de tudo contra os efeitos centralizadores de poder vinculados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado no interior de uma sociedade como a nossa.” (FOUCAULT,

2000:13-14).

Com este modo de produção, expresso uma possibilidade de construção estética, que provavelmente poderá e deverá ser questionada canonicamente, mas que

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anseia por constituir um lugar.

O encontro com Deleuze, por paradoxal que possa parecer, devido à complexidade de seu pensamento, de sua obra, me encorajou. Encontrei ressonâncias muito intensivas. Um encontro legitimador, um encontro que tornou possível um registro, um encontro que me possibilitou compreender que o que nos constitui não é uma falta ou uma insuficiência, mas é uma possibilidade de ser, uma singularidade, um estilo. Deleuze (1996:172) dizia de si mesmo em Conversações:

“Eu não sou um intelectual, porque não tenho cultura disponível, nenhuma reserva. O que sei, eu o sei apenas para as necessidades de um trabalho atual, e se volto ao tema vários anos depois preciso reaprender tudo. É muito agradável não ter opinião nem idéia sobre tal ou qual assunto (...).”

Entendo essa observação como um convite a insubordinação. A extrair o máximo do processual, a construir alianças provisórias. Como sugere o “Movimento Tribalista: Pé em Deus e Fé na Taba”11. Pé nos valores absolutos e universais. Pé nas

formas totalizantes. Fé na proliferação. Fé na disjunção. Fé no múltiplo. Fé nas diferenças.

11Tribalistas, é uma canção composta em parceria por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brow e Marisa Monte da

qual vou destacar algumas frases:

“Os tribalistas já não querem ter razão

Não querem ter certeza, não querem ter juízo nem religião

Os tribalistas já não entram em questão

Não entram em doutrina, em fofoca ou discussão (...) O tribalismo é um antimovimento

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(34)

Livro sobre o Nada

Manoel de Barros.

III

Não é por me gavar

Mas eu não tenho esplendor Sou referente pra ferrugem

Mais do que referente pra fulgor. Trabalho arduamente para fazer o que é

desnecessário. O que presta não tem confirmação

o que não presta tem.

Não serei mais um pobre-diabo que sofre de nobrezas. Só as coisas rasteiras me celestam.

Eu tenho cacoete pra vadio As violetas me imensam. IX

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá

mas não pode medir seus encantos.

A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem

nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.

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A saúde coletiva constitui-se em um campo no qual diferentes modelos tecno-assistenciais são colocados em disputa pelos diversos atores sociais.

Segundo Cecílio (1994:23)

“Ao se falar de modelo tecno-assistencial, estamos falando tanto da organização da produção de serviços, a partir de um determinado arranjo dos saberes da área, bem como de projetos de construção de ações sociais específicas como estratégia política de determinados agrupamentos sociais (...) Entendendo deste modo, que os modelos tecno-assistenciais estão sempre se apoiando em uma dimensão assistencial e uma tecnológica, para expressar-se como um projeto de política.”

No campo privado, temos o clássico modelo liberal-privatista sofrendo as variações impostas pelo neoliberalismo, estruturando-se a partir das medicinas de grupo, empresas de seguro-saúde, em que até o ato médico é capturado pela racionalidade do mercado12. No campo público-estatal, temos o Serviço Único de Saúde - S.U.S. definido, na

Constituição de 1988, como um direito social e universal à saúde, garantido pelo Estado, de forma gratuita, igualitária, integral.

“O SUS se organiza nacionalmente tendo como eixos a descentralização e a hierarquização de serviços, ou seja, a partir do SUS os municípios passam a compartilhar com os governos federal e estaduais a responsabilidade pela gestão do sistema, ampliando sua autonomia, inclusive financeira [...] O Ministério da Saúde disponibiliza para o município um conjunto de recursos [...] cuja forma de utilização será decidida e administrada pelo próprio município [...] Todo o sistema é, em tese, controlado pelos Conselhos de Saúde (controle social), locais, municipais, estaduais e nacional, composto por representantes indicados pelos usuários(comunidade), trabalhadores da saúde, prestadores de serviços e governo. Digo “em tese” porque a

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efetividade do controle social exercido por estes conselhos depende do grau de mobilização e engajamento das respectivas comunidades no processo”

(FONSECA, 2002, s/n).

O SUS é, reconhecidamente, resultado das lutas sociais ocorridas a partir da década de 70, quando a sociedade civil se reorganiza, sob a bandeira de luta contra o regime militar, das mais variadas formas: comunidades eclesiais de base, associações de moradores, organizações sindicais, organizações partidárias de esquerda, e vários outros movimentos populares que apontavam entre suas reivindicações a melhoria das condições de vida e saúde da população.

"No Campo Político, através do chamado 'Movimento Sanitário' (Escorel, 1987), articulou-se uma proposta de democratização da sociedade, tendo como estratégia a 'Reforma Sanitária' (Arouca, 1988). O marco desta estratégia foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), onde foram lançadas as bases para a formulação e construção de uma nova política de saúde (...)" (SILVA Jr., 1996:17).

Este movimento culminou no projeto do SUS, posteriormente regulamentado e ainda em construção.

Em Campinas, a Secretaria de Saúde, em que pesem as diferentes gestões pelas quais passou o município, apoiada por parcelas importantes da sociedade civil organizada por meio dos conselhos municipal e locais de saúde, mantém como a sua principal diretriz o fortalecimento do modelo SUS desde 1988.

A incorporação de uma proposta como a do SUS, cujo principal mérito, na minha compreensão, é reivindicar o direito universal à saúde pública, gratuita e de qualidade para todos os cidadãos, demanda um Estado comprometido com as políticas públicas nos moldes do Estado de Bem Estar Social. Porém, infelizmente, fomos assistindo, com o passar dos anos, a um alto grau de comprometimento do Estado com as políticas neo-liberais, e, conseqüentemente, uma proliferação de políticas compensatórias, para aqueles

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que se encontram na franja, no limite da exclusão social.

Na área da saúde, são inúmeros programas que “descem” verticalmente do Ministério da Saúde ou das Secretarias do Estado, atrelando o repasse de verbas para os municípios ao cumprimento de metas que, ao serem elaboradas, desconsideram a heterogeneidade do país. Em que pese a incansável militância no setor, o investimento financeiro não cobre as necessidades, tornando quase obrigatória a corrida dos municípios em direção ao ouro (de tolo) acenado pelo Ministério, contrariando muitas vezes todo um conjunto de estratégias articuladas a nível local. O Ministério da Saúde, até então, ao atrelar os recursos a determinados contratos de metas, parece considerar os municípios incapazes de indicar suas prioridades e o modo como se articulam para atingi-las.

Nossa oferta de serviços à população é precária diante das necessidades, os equipamentos são feios, inadequados. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a política de Recursos Humanos proposta pelo Governo Federal (Gestão 1994/2002) dificilmente nos assegura a possibilidade de contratar um número suficiente de profissionais para prestação dos cuidados necessários às demandas da população (problema agravado pelo aumento da migração das populações para os grandes centros urbanos, como é o caso de Campinas). A esses fatores somam-se os freqüentes ataques advindos das próprias esferas governamentais e dos ‘media’ aos trabalhadores públicos, quando ao longo dos anos, fabrica-se a imagem do funcionalismo ineficiente e oneroso. Esta imagem colabora para um tensionamento permanente entre a população e os trabalhadores.

A população usuária percebe-se desprestigiada e diminuída por 'consumir' serviços oferecidos pelo Estado como benesse e não como direito, e, por outro lado, este processo de desqualificação da prestação pública de serviços, amplifica os problemas do setor ao atrair para o mesmo os que consideram o trabalho público um “bico”, disputando o espaço e os sentidos da produção desse trabalho com aqueles realmente comprometidos com as políticas públicas.

O aumento da concentração urbana nos grandes centros, a exemplo de Campinas, e o crescente empobrecimento da população provocado pelo alto índice de

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desemprego e queda dos salários reais (incluindo a classe média, que abandona os planos privados de saúde), faz crescer desordenadamente a procura pelos serviços de saúde públicos, em um ritmo muito superior à capacidade de resposta do Estado.

O trabalho em saúde acaba por realizar-se em condições altamente desagregadoras de vínculos cooperativos.

“Os trabalhadores municipais de Campinas, como os trabalhadores do setor público em geral, para não terem suas condições de vida e de trabalho totalmente deterioradas, nos últimos anos, enfrentaram condições adversas no seu cotidiano, chamados a responder com freqüentes paralisações à política de recursos humanos que ameaçava com demissões, corte de benefícios, alteração nas datas e parcelamento de pagamentos... São muitos os trabalhadores que, em função da precarização das condições de trabalho, se vêem obrigados a mais de um vínculo empregatício.”

(CAMPINAS , 2000; a).

A precarização das condições de trabalho afeta necessariamente a qualidade do atendimento à população, tornando compreensíveis o desprestígio e a desconfiança apresentados em relação a nossa prestação de serviços. Este processo de desqualificação do setor público favorece claramente a defesa da privatização das áreas sociais, principal pedra de toque do “neo-colonialismo” em relação aos Estados nacionais.

O modelo neoliberal surgiu justamente para fazer frente ao Estado de Providência. Chauí,13 nos chama a atenção para algumas características do capitalismo

contemporâneo, cuja compreensão é fundamental para todos os que fazem a opção pelo trabalho no setor público e defendem, como papel do Estado, a garantia de justiça social:

A partir dos anos 70, os pensadores neoliberais explicavam a crise do capitalismo pela incompetência estrutural do Estado como regulador da atividade econômica, papel este que o próprio mercado deve desempenhar (a famosa mão invisível de

13Apresento um brevíssimo resumo do texto de Chauí, “Ideologia Neoliberal e Universidade” com a finalidade

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Adam Smith) e pelo fortalecimento excessivo dos sindicatos e movimentos trabalhistas que haviam imposto uma redução significativa da expectativa de lucro das empresas, seja pelo aumento dos salários, seja pelo aumento dos impostos e encargos sociais destinados a financiar as políticas sociais de distribuição de renda, desestimulando a expansão dos investimentos privados.

Com base neste diagnóstico, a política econômica neoliberal orientou-se fundamentalmente pela redefinição do papel do Estado na economia:

a) A principal prioridade passa a ser a manutenção da estabilidade monetária e o combate à inflação, assegurando-se o chamado equilíbrio fiscal às custas, fundamentalmente, da redução dos gastos públicos, nas formas tanto da redução do investimento estatal em setores produtivos da economia (agressiva política de privatização das empresas estatais), quanto da redução dos gastos sociais com saúde, educação, previdência, seguro-desemprego etc.

b) Redução dos impostos sobre o capital e as grandes fortunas, compensado em parte pelo aumento do imposto sobre a renda individual (trabalho e consumo) e pela forte redução do gasto público, particularmente o social.

c) Redução do poder de barganha dos sindicatos e movimentos trabalhistas pela diminuição, fragmentação e dispersão da base de apoio sindical nas empresas, seja através da imposição da chamada flexibilização dos contratos de trabalho e sua conseqüente precarização, acelerando a rotatividade de mão-de-obra, seja através do estímulo à terceirização de parte importante da produção e atividades de apoio, seja através do estímulo à incorporação acelerada de tecnologias substitutivas de mão-de-obra, seja, ainda, pelo apoio ao endurecimento e à intransigência nas negociações trabalhistas, através da promulgação de leis anti-greve e do uso abusivo do aparelho repressivo do Estado.

Ainda segundo a autora, como conseqüência destes processos, tornam-se estruturais, em termos mundiais, o desemprego, a terceirização dos serviços e das atividades de apoio à produção e a hipertrofia do capital financeiro relativamente aos capitais produtivos e comerciais na definição dos rumos e dos ritmos da acumulação

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capitalista. A necessidade ditada pelo capital financeiro de eliminar todos os obstáculos a sua livre movimentação na busca, sempre, da melhor remuneração a curto prazo, acelera desmedidamente o processo de transnacionalização da economia mundial, impondo-se aos Estados nacionais um conjunto de constrangimentos que, no limite, questionam a própria existência do Estado nacional. O centro econômico, jurídico e político do capitalismo mundial encontra-se no FMI e no Banco Mundial.(CHAUI,1997:1-5)

Esta “nova ordem” social coloca permanentemente em xeque a concepção do cidadão como um sujeito portador de direitos, substituída pelo cidadão-consumidor, cuja cidadania é diretamente proporcional ao seu poder de compra de bens e serviços. Encontramo-nos, trabalhadores e usuários, também em permanente tensão, devido ao fosso que nos divide em incluídos e excluídos desta ordenação. De um lado encontra-se um número cada vez maior de excluídos das possibilidades de consumo, dentre os quais, aqueles que fazem uso dos recursos públicos, dos nossos serviços de saúde, e de outro lado, estamos nós, a ‘equipe técnica’, os 'prestadores de serviços', o homem médio cidadão.

“A equação contemporânea, diz Châtelet, é de uma clareza matemática: Mercado = Democracia = Homem médio. Ou, em outros termos, a Mão Invisível do Mercado não só dirige o Consenso democrático, mas faz de nós esse gado cibernético que pasta mansamente entre os serviços e mercadorias ofertadas. Ao mesmo tempo, assistimos com um estranho deleite a fluidificação absoluta de tudo, fronteiras, mercados, informações. Fazemos apologia a flexibilização total, desde as condições de contratação e de trabalho até as relações conjugais. Acabamos nos admirando com a volatilização final não só do capital, dos serviços, do trabalho, do homem. O homem fluido, o trabalho flexível, o capital volátil. Desmaterialização universal e consensual, em um grande magma feito de turbulência e equilíbrio, de volúpia e desencanto. O resultado é uma extraordinária operação de anestesia social, fundada na unidade atômica indispensável, o homem médio estatístico, o consumidor ideal, de bens e serviços, de

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entretenimento, de política, de informação, o ciber-zumbi(...). ”(PELBART,2000:60).

A educação formal, que é basicamente profissionalizante, tanto no ensino médio, como no ensino superior, vem contribuindo para a produção deste “homem médio estatístico” bem qualificado na lógica da super especialização.

“O mercado exige das instituições e órgãos formadores da saúde profissionais clonados pela indústria, aptos a fazerem uso de tecnologias cada vez mais sofisticadas”(CETS, 2000; a). Porém, este modo de produzir a formação profissional,

pouco permite a contextualização, no cuidado, dos nexos complexos a serem estabelecidos nos processos saúde/doença. Momento que supõe uma delicadeza, que sugere a produção de sentidos entre os sujeitos para aquele evento. Este momento, no geral, é tratado como um campo, objeto para mera aplicação de diferentes tecnologias, formatando-se, esquadrinhando-se as necessidades dos usuários a partir de uma lógica objetivadora, “(...)

desconsiderando as necessidades dos usuários, sua vida, seus valores, relações, desejos, cultura, enfim, suas idiossincrasias, como requer a produção dessa ‘nova’ ordem.”

(CAMPINAS, 2000; a).

Lidar com a dificuldade requer a capacidade de lidar, ou de estar aberto a aprender a lidar, com um certo estranhamento, com uma dose de desterritorialização. Mover-se em terrenos movediços, permitir-se novas alianças para a criação de novos modos ou formas de existência.

“Quando dizemos: 'é complexo, é muito complexo!', com a palavra 'complexo' não estamos dando uma explicação, mas sim assinalando uma dificuldade para explicar [...] por isso é que existe um pensamento complexo, este não será um pensamento capaz de abrir todas as portas...mas um pensamento onde estará sempre presente a dificuldade.”

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O trabalhador de saúde independente de sua formação nuclear, seja ele enfermeiro, médico, engenheiro sanitário, psicólogo, veterinário, dentista ou outro, quando se depara com o desafio de comunicar-se socialmente, implementar, socializar propostas que pretendam influenciar o comportamento de indivíduos, de pequenos ou grandes grupos, está trabalhando diretamente com a produção de vetores de subjetividade. No exato momento em que trabalhamos com a produção/reprodução de sentidos, ou até mesmo com a produção/reprodução de 'verdades', estamos incidindo diretamente na produção desejante do socius, estamos agenciando coletivamente desejos, produzindo significações para a vida das pessoas e das instituições das quais fazemos parte. Oferta de sentidos demandando respostas comportamentais. Desta perspectiva, o trabalho em saúde exige um esforço permanente de revisão de nossa intencionalidade política, ética e estética.

“(...) a constituição de modos de existência ou estilos de vida não é apenas estética, é o que Foucault chama a ética por oposição a moral. A diferença é esta: a moral apresenta-se como um conjunto de regras que coagem, regras de um tipo especial que consistem em julgar as ações e as intenções a partir de valores transcendentes (está bem, está mal...); a ética é um conjunto de regras facultativas que fixam o valor do que fazemos, do que dizemos, segundo o modo de existência que isto implica. Diz-se isto, faz-se aquilo: que modo de existência isso implica? Há coisas que não se pode fazer ou dizer a não ser por baixeza da alma, por uma vida odiosa, ou por vingança contra a vida. Por vezes basta um gesto ou uma palavra. São os estilos de vida, que estão sempre implicados nos gestos e nas palavras, que nos constituem como este ou aquele.” (DELEUZE, 1996:79-80)

As propostas de educação continuada para os trabalhadores de saúde, necessariamente, estão comprometidas com a “formação social”, sendo assim, é fundamental a proposição de dispositivos que favoreçam o despertar das sensibilidades

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política, ética e estética, e que promovam fraturas nos totalitarismos que herdamos da nossa formação disciplinar.

Despertar as sensibilidades para a produção de procedimentos que concirnam com a noção de desprivatização do espaço público. Dispositivos que despertem os trabalhadores para o compromisso com o exercício da democracia e da cidadania, favorecendo a ampliação de espaços que acolham os sofrimentos e as alegrias, enfim, os fluxos de afetos relacionados à produção da vida. E ainda, que traduzam e dêem continência aos conflitos advindos do encontro com um mundo ordenado e segmentado em gêneros, geração, raças, classes sociais e outros. Estas ordenações estão subsumidas a valores presentes e, em boa parte naturalizados, na composição da formação disciplinar, nas práticas que produzimos, na composição dos nossos saberes, e constituem um aprendizado social, ainda que não constem explicitamente de boa parte de nossos currículos universitários.

“A efetivação do SUS deve contar com profissionais comprometidos com políticas de inclusão social, que atuem criticamente, buscando romper com a lógica privatista, objetivadora, onde se produz e reproduz um sistema de relações de trabalho formal, serializado. Eis o nosso desafio, este profissional não está a disposição no mercado. No mercado circulam os especialistas, em todas as áreas. São sem dúvida competentes, porém preparados para agir em função de demandas bastante seletivas. A proposição de qualificação no sentido de um agenciamento dos trabalhadores enquanto sujeito coletivo é uma demanda completamente estranha ao mercado. Isto posto, devemos considerar os espaços de trabalho, compreendidos em sua dinâmica social de lugares de trocas, negociações de saberes, sentidos, conflitos. Como espaços fundamentais de formação/educação continuada.” (CAMPINAS,2000;a)

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tecno-assistenciais, diferentes estratégias para a reorganização da assistência à Saúde, "em

consonância com o ideário da Reforma Sanitária" (SILVA Jr, 1996:18). Cartografias para

os macro e micro universos que compõe a rede de ofertas de serviços públicos assistenciais. Como diferentes cartografias, a título de exemplo, temos no campo do SUS, como principais projetos em disputa14: "SILOS BAHIA" (Sistema Local de Saúde);

"SAÚDECIDADE"; e "EM DEFESA DA VIDA". Estas propostas são formuladas a partir de posições políticas, éticas e metodológicas, que guardam diferenças, mais ou menos significativas, quanto às concepções de sociedade, saúde e doença, hierarquização dos serviços, organização do nível primário de atenção à saúde, organização dos níveis de referência, posição do hospital no sistema e articulação intersetorial, não havendo, entretanto, diferenças entre as propostas quanto à regionalização e à integralidade na oferta dos serviços.

A implantação do SUS exige dos trabalhadores a postura do cartógrafo, atento às transformações que ocorrem no tecido social, fazendo-se acompanhar de uma ampla caixa de ferramentas que contém diferentes saberes e práticas aliadas a uma postura reflexiva e crítica, que possibilitem operacionalizar as propostas para o setor, "Aqui a

reflexão é entendida como 'categoria de resistência', um instrumento de mediação da ação, procurando romper com o instituído" (BAGNATO, 1999:19).

É necessário ter domínio intelectual, técnico e político de um campo de saberes próprios da saúde coletiva que se expressam e se organizam em níveis macro e micro moleculares. No nível macro, saberes referentes à construção e ou compreensão das diretrizes políticas de governo, à gestão de equipamentos públicos, contratos, convênios com setores privados, à incorporação de tecnologias de ponta, de categorias profissionais, modelos de gestão... e outros. No micro, os conhecimentos incluem o estímulo ao protagonismo social, à organização dos processos de trabalho com todas as suas derivações: implementação de modelos, organização dos fluxos entre os diversos setores,

14 A este respeito consultar a tese "Modelos Tecno-Assistenciais em Saúde: O Debate no Campo da Saúde

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favorecimento da intersecção entre os diversos núcleos de saberes institucionais. Ou seja, significa a incorporação de tecnologias 15que podemos classificar como:

“(...) leve (como no caso das tecnologias de relações do tipo produção de vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como uma forma de governar processos de trabalho), leve-dura (como no caso de saberes bem estruturados que operam no processo de trabalho em saúde como a clínica médica, a clínica psicanalítica, a epidemiologia, o taylorismo, o fayolismo) e dura (como no caso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas, estruturas organizacionais).” (MEHRY, 2002;49).

Portanto, para que o SUS se legitime socialmente, além dos investimentos macro e micro políticos, faz-se necessária uma grande mudança na cultura institucional, de forma que os trabalhadores se co-responsabilizem pela produção social dos diferentes saberes tecnológicos no campo da saúde coletiva.

Diante de tal desafio e da necessidade de

“desenvolver metodologias e ações de educação na saúde junto aos

trabalhadores da rede municipal de saúde, com o objetivo/finalidade de promover processos educativos que visem a desalienação, a problematização da realidade, contribuindo na construção da identidade profissional e do sujeito coletivo na Saúde Pública, a partir dos pressupostos do SUS, adotando um enfoque de Educação, Saúde e desenvolvimento na área da Gestão dos Serviços e das Relações de Trabalho” (CAMPINAS,1999)

foi criado, em1992, pela Secretaria Municipal de Saúde, o Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS).

15 Merhy, utiliza a noção de tecnologia de maneira “mais ampla daquela pela qual corriqueiramente é

traduzida, pois não a confundo de maneira específica com equipamentos e máquinas, já que também incluo como tecnologia certos saberes que são constituídos para a produção de produtos singulares,e mesmo para organizar as ações humanas nos processos produtivos, até mesmo em sua relação inter humana”

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Considerações a respeito do Centro de Educação para os Trabalhadores da

Saúde (CETS)

Com a finalidade de constituir um centro formador e de desenvolvimento de Recursos Humanos16 no âmbito do SUS, o CETS foi criado como serviço, e, em 1995, foi

incluído no organograma da Secretaria Municipal de Saúde como um setor de Desenvolvimento e Treinamento em Saúde, integrando a Coordenadoria Setorial das Relações de Trabalho, inserida no Departamento de Planejamento e Gestão17. A atual

equipe é composta por profissionais que ali trabalham desde a sua fundação em 1992, e por outros que entraram através de processos seletivos ocorridos em 1997 e 1998.

A equipe trabalha na lógica transdiciplinar, possui uma coordenação própria, e conta com profissionais de diversas áreas de conhecimento, dentre elas, psicologia, enfermagem, medicina, sociologia, odontologia e apoio administrativo. Apesar de não ser uma pré-condição, até este momento, todos os profissionais que ali trabalham possuem formação em saúde pública.

O CETS é originário do Núcleo de Educação e Saúde, que foi criado em 1989, inserido no então Departamento de Recursos Humanos, e situava-se no nível central da Secretaria de Saúde, tendo como objetivo apoiar metodologicamente as unidades básicas nas questões educativas.

“Nesse período as principais metodologias utilizadas eram a problematização (Paulo Freire) e o Psicodrama Pedagógico. Paralelamente a DIR XII (então ERSA 27), em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, trabalhava na elaboração do Projeto Larga Escala para a formação do Auxiliar de Enfermagem, utilizando para tanto a metodologia

16 Hoje, a terminologia “Gestão de RH” vem sendo substituída por “Gestão dos Serviços e das Relações de

Trabalho”

17 Atualmente, existe uma proposta de reforma administrativa na secretaria de saúde que situa o CETS no

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Problematizadora de Juan Diaz Bordenave”. [...] Foi idealizado na perspectiva de envolver todos os projetos e 'processos de ação educativa em um mesmo espaço institucional' ”. (CAMPINAS, [s.d.]18

Nos dias 28 e 29 de Junho de 1997, a IV Conferência Municipal de Saúde definiu como uma de suas diretrizes o fortalecimento e a estruturação deste órgão como uma das estratégias para a construção do Sistema Municipal de Saúde.

Nos anos de 1997 e 1999, durante processos de planejamento, a equipe do CETS amplia sua finalidade original.

Em 1997, caracteriza como sua “missão”(finalidade) o "trabalho junto às

equipes de saúde do SUS Campinas, no sentido de rever os processos de trabalho e qualificar a gestão a partir do modelo de concepção de acolhimento, vínculo, responsabilização e resolutividade.” (CAMPINAS,1998)19

Em 1999, considerando as necessidades da construção do SUS, amplia-se a missão do serviço, somando-se a ela o objetivo de.

“(...) qualificar os processos de trabalho em saúde, mediante: seleção /

capacitação / acompanhamento e avaliação dos trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde (projetos conjuntos com a Coordenadoria de RH); apoio à gestão através de uma metodologia participativa, buscando aumentar o grau de autonomia das equipes (trabalhar com o conceito de sujeito coletivo), proporcionando espaço para repensar sua prática, considerando a opção do modelo assistencial de gestão.”

(CAMPINAS,1999)20

É importante acrescentar aqui, a título de esclarecimento, que, quando os trabalhadores do CETS tratam da opção pelo “modelo assistencial de gestão”, estão a

18 Esta citação encontra-se no texto: Educação e Saúde: Retrospectiva histórica do CETS 19 Registros da Coordenadoria Setorial das Relações de Trabalho

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