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O difícil é segurar a cadeia: a experiência da socioeducação feminina no Estado do Rio de Janeiro

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

ANA KAROLINA ANDRADE LEONES

“O DIFÍCIL É SEGURAR A CADEIA”

A EXPERIÊNCIA DA SOCIOEDUCAÇÃO FEMININA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

NITERÓI 2018

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ANA KAROLINA ANDRADE LEONES “O DIFÍCIL É SEGURAR A CADEIA”

A EXPERIÊNCIA DA SOCIOEDUCAÇÃO FEMININA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. Jair Ramos (PPGS/UFF)

NITERÓI 2018

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ANA KAROLINA ANDRADE LEONES “O DIFÍCIL É SEGURAR A CADEIA”

A EXPERIÊNCIA DA SOCIOEDUCAÇÃO FEMININA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Sociologia.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________

Prof. Dr. Jair Ramos - Orientador Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________

Prof.ª. Dra. Christina Vital Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Rafael Barbosa Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________

Prof. Dr. Marília Márcia Cunha da Silva Colégio Pedro II

NITERÓI 2018

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À minha mãe, que nesta vida me ensinou a seguir em frente.

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AGRADECIMENTOS

O mestrado é um período de transição na vida acadêmica carregado de amadurecimentos e angústias. Em um curto espaço de tempo passamos por um difícil processo de produção e desenvolvimento de um trabalho de pesquisa que está longe de responder a todas as dúvidas que movimentaram os primeiros passos da pesquisa, mas como parte de um processo datado para terminá-lo é preciso fechar um ciclo para iniciar outros. Desta forma gostaria de agradecer imensamente a todos que fizeram parte deste processo.

Agradeço ao meu orientador, por aceitar a orientação deste trabalho, pela paciência em todas às vezes que o rumo da pesquisa tomava caminhos diferentes.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de mestrado que possibilitou a realização deste trabalho.

Agradeço à banca de qualificação, aos professores Christina Vital e Antônio Rafael Barbosa, por todas as contribuições e sugestões que permitiram ao meu trabalho avançar, com muita satisfação agradeço novamente a participação na defesa. Gostaria também de agradecer à professora Marília Marcia Silva por aceitar o convite em participar da banca de defesa, e assim trazer novas contribuições para o crescimento deste trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFF, pela oportunidade do desenvolvimento da pesquisa e pelo acolhimento.

Às minhas irmãs, Mariana e Ana Beatriz. A presença delas neste mundo não me faz caminhar vazia de passado nem sem perspectiva de futuro.

Aos meus tios Elza e Carlos Alberto, minha família na Capital. À minha vó Déa, a quem devo uma vida de carinho e dedicação.

Às minhas amigas Isabela e Bianca, que além do afeto construído em grande parte de uma vida caminhando juntas, neste trabalho elas me auxiliaram em vários momentos, uma no entendimento das leis, e a outra na construção dos gráficos e tabelas.

Ao longo destes anos de mestrado, as minhas lágrimas e risadas não foram solitárias, por isso, agradeço a todos os amigos que estiveram comigo neste tempo. Um agradecimento especial aos meus amigos da turma do PPGS 2016, principalmente a Priscila, Camila e Juan pela conexão firmada nos últimos meses de angustias.

Às mulheres que conheci através dos Movimentos Sociais que lutam em defesa dos direitos da mulheres e meninas encarceradas no Brasil e no Rio de Janeiro, especialmente as organizadoras do Coletivo “Elas existem”. Registro a minha admiração pelo trabalho de vocês.

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diretores Leonardo e Carla. Aos agentes socioeducativos e professores que se disponibilizaram a participar da pesquisar e me concederam entrevistas. Gostaria de relatar a meu agradecimento e admiração por todos os professores da Unidade e Escola Luiza Mahim, mas especialmente à Dani, ao Walter e à Sandra, com os quais tive uma maior aproximação ao longo dos meses na Unidade.

Agradeço principalmente às meninas internas da unidade PACGC, sem as quais não seria possível o desenvolvimento desta pesquisa. Em meio a muitas histórias de sofrimento, elas me mostraram principalmente a resistência de uma juventude.

A todos, e principalmente às meninas da Unidade PACGC, deixo estes versos da canção “Primavera nos dentes” de João Apolinário e João Ricardo:

“Quem tem consciência para ter coragem Quem tem a força de saber que existe E no centro da própria engrenagem Inventa contra a mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado Quem já perdido nunca desespera E envolto em tempestade, decepado Entre os dentes segura a primavera.”

LEONES, Ana Karolina Andrade. “O difícil é segurar a cadeia”: A experiência da socioeducação feminina no Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Niterói, Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense, 2018

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“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.”

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é compreender a forma como as adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Rio de Janeiro dão sentido à sua experiência institucionalizada. Esta experiência é socialmente construída por elas em relação aos funcionários que atuam no cumprimento da implementação de tal medida, como psicólogos, assistentes sociais, professores e agentes socioeducativos, ou seja, por aqueles que atuam na institucionalização delas. Do mesmo modo, a institucionalização não incide somente em suas vidas, mas afeta diretamente aos familiares mais próximos. Desta forma, este trabalho pretende promover um debate sobre a institucionalização feminina, um grupo social pouco estudado dentro do campo das dissertações e teses sobre prisões e socioeducação. Nesse contexto, objetiva-se compreender as categorias nomeadas por elas na experiência com o encarceramento, denominadas como o “segurar a cadeia”.

Palavras-chave: Medida socioeducativa feminina. Medida socioeducativa de internação. Adolescente em conflito com a lei. Punição. Educação.

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ABSTRACT

The objective of this study is to understand how young women that are serving socio-educational measures give meaning to their institutionalized experience. This experience is socially constructed by them in relation to the employees who act in the implementation of the measure, such as psychologists, social workers, teachers and socio-educational support agents, those who work in institutionalization. Similarly, institutionalization does not only affect their lives but directly affects their immediate family members. Thus, this work intends to promote a debate about the female institutionalization, understudied so far within the field of dissertations and theses on prisons and socioeducation. In this context, the objective is to understand the categories they have named in their experience of incarceration, named such as "holding the prision". As well as the forms of instrumentalized classifications in the everyday of the socio-educational measure.

Key words: Female socioeducative measure. Socioeducative measure. Adolescent in conflict with the law. Punishment. Education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...14

PARTE 1: Os caminhos da pesquisa ...21

1. “De professora a pesquisadora” ...21

2. Fazer campo e m “cadeia”: os empecilhos burocráticos. ...22

3. Etnografia de entrada no campo: o primeiro olhar sobre a unidade. ...25

4. “Fofoca”: o teste para a pesquisadora. ...30

5. A unidade PACGC e a rotina disciplinar ...33

6. O alojame nto: “Aquela coisa que vai subindo pra mente”. ...35

7. Metodologia:...40

8. Aplicação dos questionários ...42

9. “No início é mais difícil”: Provisória x Internação ...45

10. Que m são as meninas do PACGC? ...48

Parte 2: “O segurar a cadeia” ...57

1 CAPÍTULO 1: As famílias ...57

1.1 “Você já se colocou no lugar dela, que não recebe visitas?” (Maria Carolina) .57 1.2 De uma família a outra - “se minha mãe não viesse me visitar eu não pensaria em mudar” (Maria Carolina)...62

1.3 A família na vida egressa – “Uma hora a gente vai sair daqui” (Tereza) ...71

1.4 Estratégia- “se você não tem vistas você não é nada aqui dentro” (Anita) ...75

2 CAPÍTULO 2: A cadeia delas ...78

2.1 “Trabalhar com mulher é diferente, tem que ter mais jogo de cintura.” (Agente Fernando) ...78

2.2 A relação com a facção. “Quando cheguei aqui ninguém me ajudou” (Clarice) .79 2.3 As solidariedades - “A gente abraça mesmo” (Luiza)...83

2.4 As relações a partir das facções - “se falar a verdade nóis agrega” (Nina) ...87

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3 CAPÍTULO 3: A ESCOLA ... 102

3.1 “É melhor estar na escola que ficar trancada” (Carmem) ...102

3.2 O fracasso escolar – “Era tudo sem graça” (Luiza) ...103

3.3 “A escola daqui me deu maior vontade de voltar a estudar” (Luiza) ...108

3.4 Disciplina – “elas são mais abertas a conversa, as regras não”. (Professor Marcelo) ...111

Análise conclusiva ...118

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Os muros da instituição...41

Figura 2. Meninas no alojamento...44

Figura 3. Representação materna na instituição e no corpo das meninas...77

Figura 4. Tatuagem religiosa... ...91

Figura 5. Momento de união entre as meninas...95

LISTA DE TABELAS Tabela 1. Idade e escolarização ao entrar na instituição. ...107

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Variações de cores de pele/raça... 49

Gráfico 2: Relação familiar na criação. ... 49

Gráfico 3: Relação do número de irmãos/menina. ... 50

Gráfico 4: Relações matrimoniais. ... 51

Gráfico 5: Filiação. ... 51

Gráfico 6: Religiosidade. ... 52

Gráfico 7: Trabalho/função exercida antes da institucionalização. ... 53

Gráfico 8: Motivo para delito. ... 53

Gráfico 9: Artigos criminais de maiores incidências. ... 54

Gráfico 10: Reincidência na instituição. ... 55

Gráfico 11: Familiares que se encontram em instituições. ... 56

Gráfico 12: Famílias de origem e adquiridas. ... 63

Gráfico 13: Localização onde residia a família antes da internação. ... 70

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INTRODUÇÃO

Formalmente as unidades socioeducativas são apresentadas como o lugar da ressocialização e educação, contudo uma leitura histórica e sociológica sobre o tema apresenta este espaço como um contínuo do processo de institucionalização da infância1 iniciado no século XIX. Assim como alguns trabalhos etnográficos apresentam a instituição socioeducativa como “prisão” ou “cadeia”, neste trabalho também opto em usar esta categoria como forma de aproximar a análise desta pesquisa à percepção das jovens institucionalizados no campo observado. Diferentemente das pesquisas produzidas para atender às demandas dos órgãos públicos, as pesquisas sociológicas2 sobre instituições socioeducativas ultrapassam os limites da observação do espaço físico e burocrático, priorizam o conjunto de regras e elaborações das ações que significam aquele espaço enquanto prisão.

A partir do método etnográfico em uma instituição específica, a única instituição socioeducativa feminina do Estado do Rio de Janeiro, a pesquisa pretende compreender a forma como a institucionalização é vivenciada pelas internas e os significados atribuídos por elas às experiências no cumprimento da medida. A proposta inicial deste trabalho de dissertação foi pensada a partir da minha experiência tanto como pesquisadora quanto como professora, e foi nessa relação que, tal como explicarei mais adiante, algumas de minhas inspirações foram geradas. As perguntas iniciais que motivaram a dissertação envolviam relações educacionais na condição de privação de liberdade. O fato de uma escola funcionar dentro de uma unidade socioeducativa, na maioria das vezes vista como instituição “corretiva” e “punitiva”, motivou a elaboração de algumas questões que tinham o objetivo de compreender como os adolescentes vivenciam e significam a educação dentro de uma instituição “fechada”.

Meu ponto de partida analítico foram as leituras de Goffman e Foucault, autores fundamentais para a análise do funcionamento e das lógicas institucionais e de poder. Busquei, a partir deles, compreender principalmente as rupturas entre um espaço institucional e a vida

1 No trabalho de Irene Rizzini “O século perdido. Raízes Históricas das políticas públicas para infância no Brasil”

faz um apanhado com resumos das políticas públicas que foram fundamentais para a compreensão dos problemas relacionados as instituições punitivas atuais. Desde o momento em que os cuidados com a infância eram reservados a filantropia e assistências religiosas, até a criação da justiça e assistência a infância, problema relacionados a pobreza orientam a assistência a infância.

2 Alguns trabalhos lidos: Dissertação de Juliana Vinuto: “Entre o 'Recuperável' e o 'Estruturado': classificações

dos funcionários de medida socioeducativa de internação acerca do adolescente em conflito com a lei.

Natasha Elbas Neri, “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrat ivas de jovens em

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externa a ele, tendo como enfoque a relação entre o “dentro” e o “fora” das instituições. Goffman aborda, em Manicômios, prisões e convento (1992), as rupturas e transformações na

subjetividade dos indivíduos institucionalizados, suas fragmentações pessoais e

descontinuidades, ao passo que Foucault (1999) nos mostra o modo como o meio disciplinar singulariza e atua sobre a subjetividade dos indivíduos através dos meios de vigilância. Voltarei a esse tema mais adiante.

Hoje, as pesquisas sobre instituições criaram outras perguntas, mas os autores clássicos ainda nos são úteis para pensar a pesquisa em instituições e a sua relação com as continuidades e seus rompimentos. No caso da socioeducação: podemos perguntar que tipo de sociabilidade estamos falando quando pensamos essas instituições? Além, de serem produzidos, como esses indivíduos estão produzindo subjetividades? De que forma a sociologia das “prisões” nos ajudam a pensar o controle dos jovens periféricos? É deste ponto que parti para pensar e desenvolver o início da pesquisa.

Até o momento, apresentei algumas questões que me motivaram ao tema e as perguntas iniciais. Entretanto, as perguntas centrais desta pesquisa foram construídas no contato com o campo. Usando Wright Mills (1982) para pensar a produção de um trabalho de acadêmico, quero recuperar a sua definição do processo da pesquisa e da escrita em ciências sociais, atribuído por ele como um “artesanato intelectual”. Assim, não podemos pensar o trabalho acadêmico como linear, isto é, não se supõe que a pesquisadora produza todas as suas perguntas antes da observação. Ao contrário, o percurso da observação modifica questões iniciais e propõe outras. Da elaboração do tema à construção das perguntas centrais, realizamos um trabalho quase manual, que vai tomando forma a partir da leitura de teses, da discussão sobre o tema com amigos, da organização do material de pesquisa, de reuniões de orientação e, especialmente, do curso das observações, das interações e das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa.

A partir da experimentação do campo, do início da investigação dentro de uma unidade feminina, a questão central da dissertação, que era pensar a escola na construção da vida institucionalizada, tornou-se insuficiente na compreensão do sentido da vida institucionalizada. É preciso compreender outras relações nas quais a escola está inserida, principalmente como se insere na rotina da vida institucionalizada.

O processo investigativo desta pesquisa iniciou-se de uma forma, e o contato com o campo e com os sujeitos da pesquisa desencadeou uma série de outras questões. Pensar a escola e a educação formal na socioeducação em um curto espaço de tempo não seria suficiente para

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responder às minhas perguntas iniciais. Acredito pensar a educação é pensar em um processo de longa duração, e o período de observação permitido neste trabalho de mestrado não foi suficiente para um projeto desse fôlego. Assim, analisar o significado atribuído à escola dentro da experiência interna de uma instituição socioeducativa ainda constitui uma parte importante deste trabalho, mas que não se restringe somente a esta questão.

Ao mesmo tempo, caso continuasse perseguindo somente as minhas motivações iniciais, eu reduziria as oportunidades em desenvolver questões trazidas da experiência de pesquisa com essas jovens. Então, expandir o meu olhar sobre o campo se tornou um componente relevante para o trabalho.

Para iniciar o processo de investigação das questões já mencionadas aqui, foi encaminhado ao Degase3 um projeto de pesquisa para a realização do trabalho de campo em uma unidade socioeducativa. A instituição onde o campo foi realizado é a unidade socioeducativa Professor Antônio Carlos Gomes da Costa. Novamente usando a ideia do “artesanato intelectual”, a entrada em uma instituição feminina reorientou as perguntas do trabalho, ao mesmo tempo em que foram necessárias outras leituras que oferecessem suporte a esta experiência de campo.

A questão motivadora da dissertação não foi totalmente abandonada. Afinal, este trabalho também pretende investigar as perguntas que visam compreender a produção das subjetividades presentes na escola interna da instituição, tanto pelas internas quanto pelos professores. Contudo, a dissertação não se deterá somente à relação das adolescentes com a escola, mas como a escola dentro de toda rotina disciplinar compõe uma importante função, principalmente auxiliando nas dificuldades do aprisionamento.

Em uma unidade para adolescentes fechada ou que produza o “fechamento”, a escola é um mecanismo importante para aliviar as tensões de viver a instituição, é uma oportunidade de ficar mais tempo fora das grades. Para além de pensar a escola como um espaço relacionado à produção de conhecimento, a pesquisa me levou a pensar na escola como uma das possibilidades de “segurar a cadeia”, mesmo não sendo a única forma de auxiliar este processo, já que a participação da família na institucionalização talvez seja a questão de maior relevância. O início da minha conversa com as jovens foi marcado por uma frase: segundo a minha entrevistada, o mais difícil era conseguir “segurar a cadeia”. Inicialmente compreendi esta

3 Departamento Geral de Ações Socioeducativas é um órgão vinculado a Secretaria de Estado de Educação, que

tem a responsabilidade de promover socioeducação no Estado do Rio de Janeiro.

Criado pelo Decreto nº 18.493, de 26/01/93, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas é um órgão do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela execução das medidas socioeducativas, preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplicadas pelo Poder Judiciário aos jovens em conflito com a lei.

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expressão com base nos mecanismos criados por elas para suportar aquela passagem pela instituição. Em uma outra entrevista, com uma das jovens internas, ao falar de uma colega que havia se cortado toda, ela disse: “ela fez isso porque não segura sua cadeia”. Não é obvio compreender a lógica de funcionamento desses mecanismos que possibilitam a vida encarcerada. Este assunto passou a nortear a minha questão investigativa e orienta a minha expansão do tema de pesquisa.

Pensando o meu objeto de pesquisa e os sujeitos envolvidos nela, o que consiste “segurar a cadeia” naquela instituição? Sabemos pouco sobre a socioeducação feminina pelas lentes da sociologia, e esta questão torna-se o interesse central da investigação nesta pesquisa. Dessa forma, o desenvolver da pesquisa encaminhou-me a estender o centro de análise. Para chegar até a escola e compreender a sua relevância, faz-se necessária a compreensão de como ela se insere na lógica da vida de uma adolescente institucionalizada. Todo o funcionamento e organização da vida em uma instituição feminina passou a ser constituinte da estrutura do trabalho. Não poderia desconsiderar toda relevância que o campo trouxe para o debate sobre a institucionalização feminina.

Desta forma, as perguntas que compõem o conjunto de análise investigativa da dissertação foram ampliadas, para melhor compreender o que é a “cadeia” para elas e as formas de segurá-la. Assim, no arcabouço deste trabalho, busca-se compreender as categorias classificatórias nomeadas pelos agentes que vivem a instituição e que significam o espaço socioeducativo, bem como compreender o significado da socioeducação construído pelos atores sociais, de forma que responda às questões: de que forma as internas significam a sua experiência institucionalizada? Como os agentes socioeducativos significam a sua função? Como a questão de gênero configura elementos de poder no trabalho do agente? Do mesmo modo, como os professores dão sentido às “escolas da prisão”? De que forma os professores pensam a questão de gênero e sexualidade na escola? O que são a ressocialização e o meio disciplinar para os sujeitos que vivem o espaço? De que forma a educação é elaborada dentro da unidade socioeducativa? Qual sentido dado à educação formal no espaço de privação de liberdade? Como as questões de gênero são elaboradas pelas adolescentes? Na forma organizativa das adolescentes, quais são elementos de poder? Como são sentidas as diferenças entre trabalhar em unidade de adolescentes masculinos e femininas? Como as adolescentes vivenciam as desigualdades de gênero na cadeia? Como a família estrutura a vida na instituição? Umas das motivações em ampliar o eixo central da dissertação é a escassez de pesquisas nas ciências sociais sobre as instituições socioeducativas; se buscarmos as pesquisas feitas em

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unidades femininas são ainda mais raras. A ausência do encarceramento feminino como um tema da literatura sociológica me impôs limites no uso da literatura que aborda as meninas institucionalizadas. Assim, os trabalhos realizados em instituições masculinas foram o ponto de partida, mas não foram o suficiente para desenvolver as questões elaboradas no campo, principalmente porque as situações observadas na unidade feminina extrapolam os conceitos elaborados nas experiências do encarceramento masculino.

Duas pesquisas relevantes para compreender a dinâmica de funcionamento das prisões foram as teses do Antônio Rafael Barbosa (2005) e Rafael Godoi (2015). Segundo essas pesquisas, não é possível entender o modus operandi institucional sem levar em consideração o protagonismo das facções e do tráfico de drogas operante na construção do poder. Já as dissertações realizadas com pesquisas na socioeducação, os trabalhos da Natasha Neri (2006) e da Juliana Vinuto (2014), a partir de relatos etnográficos e entrevistas em unidades masculinas, trazem importantes elementos para pensar a passagem do adolescente pela instituição como uma gradação na vida do crime. Farei outras referências a esses trabalhos mais adiante.

Com o desenvolvimento da pesquisa, percebi que, na unidade investigada, o ordenamento segundo as regras das organizações criminosas não predominava naquela unidade, diferentemente das outras formas de organização de poder nas unidades para adultos e para jovens masculinos em conflito com a lei, onde a facção é uma organização central na condução das regras internas e definidoras de poder. Então, quais seriam as principais relações organizativas instituição feminina? Quais seriam as relações que dariam sentido à experiência de cadeia delas?

As pesquisas sobre as instituições femininas, na maioria das vezes, trabalham em uma perspectiva denunciativa das mazelas no encarceramento deste sujeito, como a precariedade para atender mulheres e o rompimento das relações familiares e afetivas que são produzidas no encarceramento da mulher, mas poucas pesquisas buscam compreender o modo de organização e as relações de poder construídas dentro de outra configuração institucional que não a masculina. Outros temas, como a organização escolar na vida institucional ou as relações de trabalho nas instituições femininas, também são pouco explorados. Desta forma, proponho refletir no que o meu trabalho poderia trazer de novo para a discussão sobre encarceramento de adolescentes.

Esta dissertação, ao perguntar os sentidos da experiência de cadeia das jovens de uma unidade específica, se orienta dentro do conjunto de teses e dissertações sobre prisões, ao mesmo tempo que também se inclui no grupamento de pesquisas sobre socioeducação. De certo modo, todas as pesquisas sobre prisões, ao tentarem compreender os fluxos que influenciam as

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subjetividades dos sujeitos ou as relações de poder que mantêm uma coesão de grupo, são também uma sociologia do “segurar a cadeia”. Contudo, o que estamos chamando de “segurar a cadeia” não é igual entre homens, mulheres ou jovens. Neste trabalho, a questão do gênero é um determinante na construção de várias relações, o que nos leva a concluir que existem especificidades nestes trabalhos sobre análise institucional. Por isso, esta dissertação busca compreender essa questão fundamental, que é o significado de viver a cadeira, ou “segurar a cadeia” segundo as próprias jovens. A partir desta experiência, procuro me aprofundar nas relações construídas entre os sujeitos protagonistas que são as jovens internas e as suas relações internas e externas.

A primeira parte do trabalho consiste em pensar os caminhos da pesquisa e uma apresentação do campo. Aqui, faço uma descrição sobre todo o percurso de pesquisa até o momento da elaboração do tema central, incluindo as dificuldades do campo. Trago um debate sobre as especificidades em fazer campo em instituições fechadas, examino os principais desafios enfrentados, apresento o objeto de pesquisa e metodologia desenvolvida e busco, também, situar a unidade feminina Professor Antônio Carlos Gomes da Costa e descrever o perfil das suas internas. Ademais, a forma como o tema foi pensado e elaborado, todas as questões a que fui levada a abrir mão e as bifurcações diante da proposta de pesquisa também constituem parte da pesquisa e merecem ser apresentados ao leitor. Levando em conta as considerações do artesanato intelectual de Mills, o que veremos aqui é um trabalho acadêmico na sua condição uma colcha de retalhos bem costurada.

A segunda parte fundamenta-se na análise do material empírico. Esta parte se divide em três etapas: a primeira consiste em pensar a família na experiência de cadeia das meninas que cumprem medidas socioeducativas; a segunda tem como foco as formas de organização e poder no contexto de uma socioeducação feminina, quais elementos são usados por elas para sustentar a passagem pela socioeducação; e, por fim, a terceira etapa apresenta uma análise da escola na vida institucionalizada e os significados atribuídos a este espaço na arte de “segurar a cadeia”. A segunda parte foi desenvolvida a partir questões que nasceram depois de muita observação de campo, entrevistas, e uma seleção de prioridades que uma dissertação obriga a fazer. É a tentativa de compreender um enigma da vida institucionalizada, enigma esse que não veio, a priori, de uma experiência pessoal, pois nunca tinha estado antes em uma unidade socioeducativa, tampouco da literatura, mesmo que me tenha ajudado a pensar o campo, ou das entrevistas realizadas no início de todo o trabalho. O enigma veio, sim, da observação, da

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experiência. Entender aquela instituição e os significados para as internas era o começo do meu objetivo como pesquisadora.

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PARTE 1: Os caminhos da pesquisa

1. “De professora a pesquisadora”

Após terminar a licenciatura em ciências sociais, comecei a trabalhar lecionando em uma escola particular, na zona norte do Rio de Janeiro, porém, logo em seguida, assumi uma vaga no Sistema de Educação Estadual do Rio de Janeiro, no interior do Estado, minha cidade natal. Por coincidência, fui alocada na mesma unidade escolar em que estudei o ensino médio. Estar no espaço escolar no qual vivi anos de minha vida trouxe-me algumas inquietações, principalmente sobre a falta de mudanças. Além disso, trabalhar na escola fez emergir várias lembranças na qual conseguia visualizar semelhanças com aquele momento atual. A nova realidade vivida no trabalho instigou-me a relacionar a pesquisa proposta ao mestrado com alguma questão que pudesse relacionar a instituição escolar.

O deslocamento da universidade para o local de trabalho pode trazer frustações em relação ao que fomos preparados, pois nem sempre a realidade confirma as expectativas. Mas quando falamos em voltar para escola, ainda é mais problemático, justamente por se tratar de um universo vivido por nós durante muito tempo, assim, trabalhar na escola se parece com voltar a um lugar de onde nunca se saiu. No meu caso, agora, com vários outros problemas e questões.

Estar na escola agora como professora não me isentou de colocar em prática o outro lado de minha formação: de pesquisadora. Tudo ali suscita inúmeros questionamentos, entre eles: “Será que a escola continua a mesma?” Diferentemente de outros campos de observação que tive oportunidade de fazer durante a graduação, a escola é um ambiente de difícil problematização, justamente por estar inserida nela durante toda a vida.

Frequentemente, escutamos nos corredores escolares, de alunos e professores, a reclamação de que a escola é uma prisão, fato que nos leva a questionar por que a escola é aquele lugar do qual “queremos ir embora”. O que na escola representa prisão? De que tipo de sociabilidade institucional estamos falando, e com que tipo de sociabilidade institucional prisional estamos comparando a escola? Foram muitas questões motivadas pela minha experiência de trabalho que me direcionaram a chegar a este tema de pesquisa.

Não foram isoladas as vezes que, ao se lamentarem das péssimas condições de trabalho, meus colegas demonstraram um descontentamento com esta nova geração de alunos, que, segundo suas percepções, estão cada vez mais descontrolados e violentos. Por vezes, escutei: “imagina quem trabalha com aqueles jovens bandidos de verdade” ou “se a gente reclama,

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imagina quem trabalha nas escolas do Degase”. Esses questionamentos me despertaram um interesse de pesquisa relacionada às escolas localizadas em unidades socioeducativas.

O contato anterior com algumas leituras, ainda na graduação, sobre instituições de controle, institucionalização de crianças, adolescentes e violência me auxiliou a amadurecer um projeto de pesquisa que refletisse sobre a realidade escolar dentro das instituições de encarceramento para jovens no Rio de Janeiro. Mesmo que a pesquisa tenha se expandido e apresentado outras questões, minhas indagações partiram daqui. Acredito que a minha profissão influenciou diretamente na escolha do tema de pesquisa, da mesma forma como também facilitou o diálogo inicial com alguns professores entrevistados. Os trabalhos de campo em instituições fechadas apresentam algumas dificuldades devido à própria configuração: me apresentar não só como mestranda, mas como professora, quebrou o desconforto inicial que o pesquisador normalmente enfrenta, aquele distanciamento em relação à realidade do sujeito pesquisado.

2. Fazer campo em “cadeia”: os empecilhos burocráticos.

A investigação de pesquisa dentro do espaço socioeducativo demanda inicialmente romper a barreira física, conseguir ultrapassar os muros da instituição, o que não é uma tarefa fácil. Ao buscar informações com outras pesquisadoras que já fizeram pesquisa no Degase, fui informada que o processo judicial poderia demorar bem mais que o previsto. Devido à necessidade de cumprimento dos prazos acadêmicos, tentei por vários caminhos estabelecer o primeiro contato com alguma unidade socioeducativa, sem definir previamente uma unidade específica.

O projeto de pesquisa enviado para a administração do Degase demandava a indicação de uma unidade específica para realização do campo. Optei em indicar a unidade “Padre Severino”, por ser uma das unidades mais antigas, localizada na Ilha do Governador. Neste intervalo de tempo, ao conhecer uma militante do movimento de mulheres encarceradas, tentei através, desta representante, entrar em outra unidade socioeducativa, enquanto aguardava meus documentos e o projeto de pesquisa serem avaliados judicialmente. Devido à possibilidade em ter auxílio neste processo inicial, alguém que facilitasse a minha entrada no campo, decidi modificar o projeto de pesquisa inicial e concentrar a investigação na unidade feminina. Mesmo

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com a presença de um “informante”4, alguém que facilitasse o início do trabalho, não anularia todo o processo burocrático exigido para entrar no Degase.

Inicialmente pensei não ser uma boa opção, devido aos dados quantitativos dos jovens encarcerados apontarem para a presença majoritária de meninos internados. Frequentemente, a cobertura midiática sobre os debates pertinentes ao encarceramento juvenil está voltada para o universo masculino. Muitos caminhos nos atraem a pensar que o universo prisional e socioeducativo se restringe a este público. Ainda assim, esta possibilidade de entrada em uma unidade feminina me deixou animada, principalmente por abrir novos horizontes de pesquisa.

Mesmo que não tenha funcionado esta possibilidade de entrar no Degase via uma “informante”, eu necessitava da autorização judicial para procedimento de pesquisa. Entretanto, a opção em permanecer com a investigação na unidade feminina acrescentou uma importante perspectiva de gênero a dissertação, tornando este trabalho uma produção diferente da maioria dos trabalhos acadêmicos já produzidos sobre a socioeducação.

Todo trabalho de campo inicia-se com suas primeiras dificuldades, e o meu não foi diferente. Além do esforço na tentativa de entrar a unidade, os entraves burocráticos foram os mais diversos. Tendo em vista de que se trata de um espaço institucional, onde o objetivo é a garantir a guarda, proteção e tutela de jovens em conflito com a lei, o controle inicia-se antes da entrada no campo. Consequentemente, muitos entraves apareceram neste início gerando um tempo extenso de espera de seis meses e meio. Tratarei aqui em descrever o início do processo legal para autorização judicial, para que o leitor compreenda com olhar mais próximo as dificuldades do pesquisador.

Inicialmente, entrei em contato com a instituição por email e fui informada do processo legal para iniciar o trabalho de campo. No dia em que fui ao Degase entregar os documentos, a funcionária responsável por analisar as propostas de pesquisas e estágios me informou que, para ter acesso à escola presente na instituição, eu precisaria abrir um processo diretamente na Seeduc (Secretária Estadual de Educação). Embora o Degase seja administrado pela secretária de Educação, outro órgão dentro da secretária ficaria responsável por gerir as escolas presentes nas Unidades socioeducativas, que é o DIESP (Diretoria Especial de Unidades Escolares).

4 A bibliografia da Antropologia e da sociologia nos fornece inúmeros exemplosde situações nas quais o trabalho

do pesquisador simplesmente não poderia ter sido executado ou teria ficado bastante comprometido se não tivessem sido estabelecidas relações com sujeitos pertencentes ao universo e ao campo de pesquisa, detentores de qualidades e de conhecimento relação aos outros sujeitos. Como por exemplo o trabalho de Loic WACQUANT. Corpo e Alma: Notas Etnográficas de um Aprendiz de Boxe ou FOOTE WHYTE, William. Sociedade da Esquina.)

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No mesmo dia, fui a central da Diesp. Chegando ao endereço indicado, o prédio estava em reformas, e o Diesp havia sido transferido temporariamente para Vila Isabel. Fui até o local indicado e recebi novas orientações de documentação. No final da mesma semana, voltei para entregar os documentos e novamente fui informada que seria necessário um outro documento. Este outro documento seria um parecer do comitê de ética da universidade à qual estou vinculada. Ao entrar em contato com a Universidade, fui informada sobre toda a burocracia e o tempo que levaria para conseguir este parecer.

Ao entrar no site do comitê de ética da universidade, notei que as informações não eram claras e, além das dificuldades de informação, todos os formulários a serem preenchidos envolviam questões de pesquisas em outras áreas do conhecimento. Ao ligar para universidade, fui informada que a plataforma foi construída para submissão de pesquisas em áreas biológicas e que uma plataforma para pesquisas na área das "Humanas" ainda seria criada. Então, comecei a preenchê-la, com suas enormes exigências, assinaturas e objeções. Finalmente consegui encaminhar tudo exigido na plataforma. Algumas semanas depois, obtive a resposta de que meu projeto não foi encaminhado para ser avaliado na reunião do comitê, pois alguns dados deveriam ter sido preenchidos de outra forma. Também faltavam outras assinaturas que deveriam constar nos documentos.

Para termos uma breve ideia dos tramites burocráticos, o comitê de ética só analisa dois processos em cada reunião, que acontece em meses intercalados, e as mesmas possuem datas fixas. São analisados os projetos conforme a data de envio. Com a dificuldade de completar os documentos a serem enviados para Seeduc em tempo de cumprir as exigências e prazos estabelecidos pelo programa de Pós-graduação, optei por enviar os documentos para a instituição do Degase, a serem avaliados judicialmente, correndo riscos de ter dificuldades de entrar na escola interna. Todavia, esta seria uma forma de garantir o andamento do processo que concederia a entrada no campo.

O Degase é um órgão do governo do Estado do Rio de Janeiro que executa as medidas judiciais aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei, hoje este órgão é administrado pela Secretaria de Educação do Estado, assim como as escolas presentes dentro das unidades socioeducativas são administrados pela mesma secretaria, contudo as escolas ficam sob jurisdição da Diesp (Divisão Interna das Escolas Socioeducativas e Prisionais), um outro órgão interno à Secretaria de Educação. Eu precisaria de autorizações tanto do Degase quanto da Diesp.

Desta forma, para dar início ao campo antes de conseguir a autorização judicial, comecei por fora das unidades, através de entrevistas com professores indicados por amigos que também

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são professores. Num primeiro momento, não tive critério em analisar uma escola específica e entrevistei professores de unidades diferentes e de diferentes cidades, sendo que todos atuavam em unidades masculinas. As entrevistas feitas no período de espera pela autorização foram muito relevantes para a compreensão do funcionamento de uma unidade socioeducativa. Consegui o contato de três profissionais que trabalhavam em unidades socioeducativas diferentes, sendo duas professoras e um funcionário do Degase, que trabalha hoje na semiliberdade.

3. Etnografia de entrada no campo: o primeiro olhar sobre a unidade.

Ao passar por uma rua cercada de muros altos, com aproximadamente cinco metros de altura e arame de proteção nas pontas, eu toco a campainha, e um agente abre uma pequena janelinha de metal da porta de entrada. Apresento-me como pesquisadora e peço para falar com o chefe da equipe que iria me receber.

Sento-me para esperar no banco ao lado da primeira porta que dá para a parte interna. Não se passaram dez minutos, e a porta se abre novamente, desta vez o portão que dá acesso à entrada de carros também se abre, por onde chegam duas meninas. Elas são levadas para uma sala gradeada que fica logo na entrada, ao lado de onde eu estou. Daquele lugar escuto o ritual de chegada ou de “boas vindas”: “Tira a roupa, senta, abaixa, tira o sutiã, estava há quanto tempo na rua, heim? Estudou até que série? Endereço? Foi pega porquê?” Um outro agente fala o motivo, e o outro diz, “mas que vergonha heim, roubando um fusca? Nem pra ser um “voyage.”. Um dos agentes5 diz para o outro: “saiu só passar umas férias rápidas na rua”; e o outro completa: “ainda trouxe a amiga de companhia”. A voz das meninas quase não se escuta. As meninas pegas em flagrante são levadas para a delegacia mais próxima, onde acontecem os primeiros atendimentos e o contato com a família. Dependendo do grau de periculosidade do ato, elas podem ser liberadas ou encaminhadas para uma unidade socioeducativa. Já na unidade socioeducativa, elas permanecem em um alojamento provisório até a audiência com o juiz ser marcada, cuja sentença pode variar entre receber uma medida de internação ou outras medidas, como a semiliberdade.

5 Neste trabalho, nenhum funcionário, professor ou ad olescente será identificado. Todos os nomes foram

modificados com esta finalidade. O objetivo da não identificação dos sujeitos da pesquisa é manter a integridade das jovens que são menores de idade e estão sobre proteção do Estado; quanto aos agentes e fu ncionários, estes também precisam manter a identidade em sigilo como ética de pesquisa.

Todas as falas observadas no campo serão transcritas entre aspas, e todas as categorias nativas serão transcritas entre aspas e em itálico.

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Apesar de algumas meninas, na audiência, conseguirem a liberdade, elas não conseguem permanecer na “rua” por muito tempo, tal como presenciei neste dia, o retorno de uma adolescente que estava havia pouco tempo em liberdade. Algumas já são conhecidas por voltarem com frequência. Como disse o agente: “De novo, você aqui? Veio passar férias?”

Este procedimento inicial, a que chamei de “ritual de chegada”, é marcado por uma série de protocolos: acontece sempre em uma antessala, um espaço vazado por grades localizado na entrada da unidade, onde as adolescentes são revistadas por uma agente feminina e preparadas para entrar para o alojamento. Ali, elas recebem as primeiras ordens de comportamento. Os pertences que chegam com elas da rua, que são poucos, são colocados em sacolas e nomeados para serem entregues no dia da saída. Este momento é o momento de dizer que ali não é a rua, ali há regras, ali é preciso obedecer, é o momento de dizer que todo ato tem consequência, e bem-vinda à unidade.

A campainha toca de novo, desta vez é uma mãe em prantos. Ela entra e explica aos agentes que recebeu um telefonema informando que a filha teria sido apreendida em uma cidade do interior. Ela, a mãe, estava morando em Nova Iguaçu e, assim que soube, foi procurar pela filha no Degase, mas a menina ainda não havia chegado à unidade. Após alguns minutos de espera os agentes a informaram que a filha talvez não fosse chegar naquele dia, porém, ainda sim, ela resolveu esperar por mais notícias, afinal, como ela mesmo dizia, não tinha dinheiro para voltar para casa e menos ainda para voltar no dia seguinte.

A mulher olha para mim e para um agente que estava na portaria, começa a relatar as dificuldades que passou na vida, bem como a dificuldade para criar a filha, e desabafa: “eu também não tive pai, nem por isso eu fiz o que ela fez, eu trabalhei muito pra não faltar nada a ela, mas ela nunca me escutou, e sabe de quem é a culpa? Do conselho tutelar, agora a gente não pode mais fazer nada que a gente tá errado, agora ela tá aqui”. Neste momento, o agente com um semblante de aprovação diz: “é isso mesmo”.

É de se entender que, embora o adolescente seja inimputável, ou seja, não se sujeita às penas aplicadas aos adultos, ele não deixa de ser responsável pelos seus atos infracionais, submetendo-se, assim, às medidas socioeducativas6. Segundo o ECA, o menor de idade, seja

6 Entre as medidas previstas em lei, há algumas que visam o cumprimento em meio aberto e podem ser

equiparadas, por analogia, às penas alternativas do sistema penal adulto. A Advertência é a mais branda, trata-se de uma reprimenda que será reduzida a termo e assinada em audiência. A Obrigação de Reparar o Dano é a medida utilizada no caso de atos infracionais com reflexos patrimoniais. A exemplo do que é aplicado aos adultos, existe também a Prestação de Serviços à Comunidade, com o encaminhamento do jovem a programas comunitários ou governamentais. Por fim, há a Liberdade Assistida, que visa o acompanhamento do adolescente em atividades escolares, curso profissionalizante, entre outros, ou seja, tenta -se traçar um plano de inserção social.

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em qualquer situação, não comete crime, e sim atos infracionais, sendo que atos infracionais não possuem caráter penal, mas, sim, administrativo. A responsabilização para os sujeitos de até 12 anos incompletos, considerados crianças, ocorre através de medidas protetivas, que podem ser empregadas pelo Conselho Tutelar em casos de ameaça ou lesão a direitos, e quando não se tratar de caso típico da Justiça da Infância e Juventude. É o preceito dos artigos 105 e 101 do Estatuto7.

Esta cena inicial nos remete a uma reflexão sobre a existência do encarcerado não como um indivíduo que recebe uma sanção punitiva, mas um indivíduo que faz parte de uma teia8 de relações, sendo uma delas a família. O encarceramento não atinge somente o indivíduo se levarmos em consideração que este indivíduo não existe só, ele faz parte de uma família, de uma rede social. Esta questão torna visível um ponto central do encarceramento, que é a família. Alguns trabalhos da sociologia e da antropologia do encarceramento nos trazem alguns dados para pensarmos o encarceramento a partir das suas relações afetivas e familiares que mediam a vida interna e externa do “preso”. Sobre este ponto, iremos discutir no capítulo um da segunda parte.

A densidade das falas e das questões observadas neste início do trabalho de campo serão retomadas ao longo dos capítulos com maior profundidade, contudo foi apresentada para demonstrar, mesmo que de forma superficial, a maneira como se estabelecem as tensões no campo sobre: gênero, família e marcos legais de direitos. No primeiro dia, pude notar como a rotina é cercada por um fluxo de pessoas e acontecimentos, o que seria um desafio integrar-me dentro daquela rotina, de conseguir realizar a pesquisa.

Na minha primeira semana de trabalho de campo, fui apresentada a toda unidade pela chefe da equipe técnica, esta foi a minha primeira entrada na escola interna e em outros espaços

Em termos de medidas restritivas ou privativas de liberdade há duas modalidades: a Medida de Semiliberdade e a Medida de Internação. Estas podem ser facilmente identificadas em equivalência aos regimes semiaberto e fechado, respectivamente. Na semiliberdade, os jovens são direcionados para unidades de atendimento, sendo possível a realização de atividades externas, para fins escolares e profissionalizantes, por exemplo. O adolescente se encontra institucionalizado, mas há, inclusive, a possibilidade de visitas domiciliares.

A medida socioeducativa de internação é a mais rígida e conta com a total privação de liberdade. Destina -se, em regra, àqueles que cometeram atos infracionais com violência ou grave ameaça à pessoa, reiteração e descumprimento de outras medidas, havendo a possibilidade de regress ão. A redação do art. 122 do Estatuto permite vasta interpretação, o que acaba por gerar certa confusão com relação aos requisitos necessários para se aplicar esta medida. Desta forma, o quadro atual que pode ser verificado é o de certa banalização no uso desta modalidade.

7 Pode ser conferido em: Estatuto da Criança e Adolescente - Lei nº 8.069/90.

8 Podemos pensar em “teia de relações” a partir do autor Norbet Elias, que sustenta a ideia da não existência de

um “eu” dissociado do “nós”, o “eu” é fruto de um processo histórico em que se apresenta em uma unidade individual no tempo presente. Os indivíduos constroem “teias de interdependência” que dão origem a

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dentro da unidade. A partir desta primeira apresentação, comecei a frequentar o pátio da unidade, o refeitório, área inicial, a sala dos funcionários da equipe técnica e principalmente a escola. Alguns profissionais demonstraram interesse pelo trabalho e me fizeram perguntas sobre a escolha em estudar este tema, ao que procurei responder de forma sucinta, embora não seja simples para o pesquisador elaborar respostas que sejam claras e não venham a intervir no modo de ser visto dentro da unidade.

Este momento inicial do campo coincidiu com uma apresentação de encerramento do bimestre escolar, chamado por eles de “culminância”. O momento era de agito, pois todos estavam ocupados com alguma tarefa. Eu estava conversando com uma professora no auditório da unidade, quando a diretora entrou com todo material para decoração do espaço, neste momento eu me apresentei e comecei a ajudá-las na ornamentação do auditório. Entre idas e vindas do auditório a escola, no translado do material, conseguimos conversar, e me apresentei como pesquisadora e também como professora, identidade esta que me ajudou a ser bem recebida naquele espaço em um momento que ninguém poderia me dar atenção.

Desta forma, minha ajuda foi bem aceita. Escutei da diretora e de alguns professores frases como “Porque você sabe como é...” “A gente precisa se desdobrar, neh”. Um outro professor ao me ver ajudando disse: “Veio fazer ‘pesquisação9’? professora e pesquisadora dá nisso.” Eu, de pesquisadora, deslocada na instituição, deixei de ser uma completa estranha, uma “estrangeira”, como descreveu Gertz (1978) na elaboração etnográfica da sua experiência em Bali. Mais tarde, no momento da culminância, a diretora da escola apresentou-me às adolescentes e aos outros professores e informou o que eu estava fazendo ali, e que eu iria precisar da colaboração delas. As adolescentes passaram a me ver como uma ajudante da escola e, às vezes, me chamavam de “a moça da faculdade” ou “tia”.

Gertz descreve as dificuldades em fazer contato com os sujeitos estudados em um relato de sua experiência etnográfica em Bali, mesmo permanecendo semanas em uma aldeia Balinesa, ele e a esposa eram vistos como invasores, e os aldeões balineses os trataram como

9 “Não há certeza sobre quem inventou a pesquisa-ação. Muitas vezes, atribui-se a criação do processo a Lewin

(1946). Embora pareça ter sido ele o primeiro a publicar um trabalho empregando o termo, pode tê -lo encontrado anteriormente na Alemanha, num trabalho realizado em Viena, em 1913 (Altrichter, Gestettner, 1992). Versão alternativa é a de Deshler e Ewart (1995) que sugerem que a pesquisa-ação foi utilizada pela primeira vez por John Collier para melhorar as relações inter-raciais, em nível comunitário, quando era comissário p ara Assuntos Indianos, antes e durante a Segunda Guerra Mundial e Cooke (s.d.) parece oferecer vigoroso apoio a isso. A seguir, Selener (1997) assinala que o livro de Buckingham (1926), Research for teachers [Pesquisa para professores], defende um processo reconhecível como de pesquisa-ação. Assim sendo, é pouco provável que algum dia venhamos a saber quando ou onde teve origem esse método, simplesmente porque as pessoas sempre investigaram a própria prática com a finalidade de melhorá-la.” Retirado do artigo: “Pesquisa-ação: uma introdução metodológica”: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022005000300009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso em: 20/04/2016

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tratam as pessoas desconhecidas, que não fazem parte de suas vidas, em muitos momentos o pesquisador se sentia ignorado.

A partir de um episódio específico em que Gertz e sua esposa estavam como expectadores em uma rinha de galos que, embora muito importante para a cultura local, é proibida em Bali, eles conseguiram ultrapassar a barreira que os separava dos nativos. Eles estavam assistindo à rinha quando a polícia chegou e, mesmo podendo permanecer ali e acionar a sua identidade de visitantes, eles preferiram correr junto aos aldeões. Quando conseguirem parar, fingiram estar há tempos em uma entrevista tomando chá (GERTZ, 1978. p. 187).

Os aldeões ficaram muito satisfeitos e até mesmo surpresos, afinal, segundo Gertz, eles não "apresentaram seus papéis", não afirmaram sua condição de Visitantes Distintos e preferiram demonstrar solidariedade para com os aldeões. Esta história foi recontada diversas vezes, até todos os aldeões caçoarem do episódio, e para os balineses ser caçoado é ser incluído ao grupo. De acordo com o autor, este episódio os levou a uma aceitação súbita, numa sociedade avessa à penetração de estrangeiros:

E o que é mais importante, pois todas as outras coisas poderiam ter chegado a meu conhecimento de outra maneira, isso colocou -me em contato direto com uma combinação de explosão emocional, situação de guerra e drama filosófico de grande significação para a sociedade cuja natureza interna eu desejava entender. (GERTZ, 1978, p. 188)

Essa passagem de Gertz com os balineses elucida a experiência de fazer pesquisa em um lugar de difícil acesso, não físico, mas de acesso às pessoas, às suas rotinas, às suas histórias de vida. Dentro de uma instituição fechada, a rotina disciplinar é constitutiva da instituição, é uma barreira de acesso às pessoas externas. Descreverei mais adiante a rotina dentro da unidade socioeducativa PACGC. Conforme o ponto destacado por Gertz, o que distanciava meus sujeitos de pesquisa era o fato de eu ser, segundo o autor, uma estrangeira. Uma pesquisadora de mestrado branca que nunca passou por uma internação me torna uma estranha tanto às meninas quanto aos agentes. A escola foi o lugar onde eu consegui estabelecer relações pessoais e deixar de ser uma “estrangeira”, me possibilitando maior acesso e proximidade aos adolescentes e aos professores.

Nos momentos que pude vivenciar a realidade escolar ajudando em alguma tarefa, evento ou em alguma oficina pedagógica, pude escutar narrativas sobre a unidade, sobre as divergências em relação a conflitos de antigas direções e outras histórias. Além das informações relacionadas ao funcionamento da unidade, as conversas informais que estabeleci entre os agentes, professores e técnicos, trouxe para meu universo de pesquisa um leque de possibilidades para serem discutidas ao longo da pesquisa

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Na segunda semana de campo na unidade, ao chegar, vi que as adolescentes estavam tendo uma aula na quadra. Eu me sentei perto para assistir e ali permaneci sentada embaixo de uma árvore bem no meio do pátio, pois gostaria de ver a movimentação do dia, quando um agente, o chefe daquele plantão, disse que eu não poderia ficar ali, pois, segundo ele, não era prudente, mesmo não aparentando nada estar fora do controle dos agentes naquele dia. Não argumentei, saí do pátio e fui para a escola. A escola era o lugar mais aberto à minha presença. Ter uma boa relação com os funcionários da escola me garantiu uma maior facilidade no desenvolvimento da pesquisa.

Dentre várias questões escutadas no início do trabalho de campo, a mais relevante para pensar os sujeitos de pesquisa e uma possível ampliação do tema da dissertação foi sobre a dificuldade em trabalhar em uma unidade feminina. Em conversa com uma psicóloga da unidade, ela disse: “você vai ver como é difícil trabalhar o dia inteiro com elas, elas são muito agitadas, demandam muito de você, querem atendimento toda hora, e às vezes não dá”. E completou: “já trabalhei com os meninos, não tenho preferência não, mas com elas eu chego em casa exausta, mas você vai gostar”.

A interseção da minha questão de pesquisa com as questões de gênero e sexualidade foram sendo conduzidas a partir do início do campo. Num primeiro momento, a pesquisa não seria realizada em uma unidade feminina, no entanto, esta mudança trouxe um novo olhar sobre o trabalho, e com o início do campo algumas questões emergiram e trouxeram para a pesquisa outras perguntas, como “o que torna diferente a experiência no trabalho em uma unidade feminina?”

Em conversa com um funcionário, ele me disse: “é muito difícil trabalhar com as meninas”. Questionei-o sobre o porquê, as que ele tentou explicar: “não é que seja ruim, é difícil. Ao mesmo tempo que a gente tem maior facilidade no diálogo com elas do que com os meninos, elas não respeitam as regras, elas querem falar demais, e respondem a tudo.” Segundo esta visão, as meninas tentam romper com o modus operandi disciplinar da instituição. Esta noção sobre a diferença entre um espaço socioeducativo feminino e masculino foi demarcada por diversos profissionais ao longo da pesquisa. Essa percepção deu origem à seguinte questão: “de que forma as meninas notam essas diferenças entre as unidades masculinas e as femininas?”

4. “Fofoca”: o teste para a pesquisadora.

Os entraves burocráticos para o pesquisador que se propões investigar instituições fechadas são muitos, como os descritos no ponto anterior. Contudo, os maiores desafios surgem

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no momento de inserção no campo. Uma instituição fechada é um espaço que limita a circulação do pesquisador, ao mesmo tempo que o insere na lógica de vigilância do lugar, afinal, além de observador, é um alvo a ser observado.

Diferentemente de outras possibilidades de “campo”, onde o pesquisador pode contar com algumas escolhas individuais, como escolher o melhor horário para o trabalho, os dias da semana, a flexibilidade em relação à permanência no lugar de observação, em uma unidade fechada e cheias de regras, só se pode contar com o que se tem no momento. As oportunidades de informações sobre o campo surgem sem serem avisadas, ao mesmo tempo em que se pode ser apanhado de surpresa por alguma programação interna e ter parte do trabalho inviabilizado no dia.

A rotina é intensa, e o pesquisador precisa aprender a lidar com os desafios não programados. A presença do pesquisador dentro desta rotina disciplinar não é algo que passe despercebido, somos sempre notados, o que torna ainda mais delicado a experiência de “viver o lugar”. Um caso que me aconteceu logo no início do campo me alertou para o “pisar em ovos” que é conseguir se estabelecer enquanto pesquisadora em uma instituição disciplinar.

Na segunda semana de trabalho de campo, me envolvi em uma situação delicada que poderia ter comprometido todo o meu trabalho. Quando cheguei à unidade, fui diretamente para a escola, onde eu poderia circular sem muitas explicações e esperar por um momento, por uma entrevista com alguma adolescente. Assim que cheguei, fui informada que a chefe da equipe técnica gostaria de falar comigo. Ela não estava na unidade, mas iria me ligar. Dirigi-me para uma sala vazia e levei o telefone.

Nesta conversa, fui informada sobre uma “fofoca”, que estava circulando entre o grupo dos agentes e também via aplicativo de telefone, sobre uma entrevista que havia feito com uma interna no dia anterior, onde eu supostamente questionava o fato da unidade feminina ter agentes do sexo masculino. Este questionamento não foi feito por mim. Apesar de a entrevista ser aberta, havia algumas perguntas norteadoras, sendo uma delas sobre a relação das meninas com os funcionários. A adolescente, após a entrevista, relatou ao agente que a questão sobre a existência de agentes masculinos naquela unidade tinha sido tocada por mim de forma questionadora. Esta “fofoca” foi o suficiente para criar uma indisposição por parte dos agentes em relação à minha pesquisa.

Até este momento eu não sabia que a questão acerca da manutenção dos agentes masculinos na unidade feminina era um debate com tamanha relevância naquela unidade, disputado de forma tão intensa. Embora este assunto não fosse totalmente desconhecido por

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mim, já havia presenciado debates públicos que incluíam esta questão, promovidos tanto por coletivos que militam na causa das mulheres em prisões quanto pelo poder legislativo, como também já havia escutado algumas divergências entre profissionais da área. Entretanto, a forma como descobri intensidade da questão naquela unidade que não foi planejada.

Nas entrevistas seguintes a este caso, os agentes começaram a acompanhá-las. Tal fato atrapalhou o caminhar da conversa com as adolescentes, pois, por vezes, os olhares das meninas entrevistadas se revezavam entre mim e o agente que estava à porta. Além disso, como também imaginei, as entrevistas tiveram duração menor. Nesse sentido, quando percebia que o plantão do dia não iria me deixar muito à vontade com as adolescentes, eu mudava de programação, aproveitava para assistir a alguma oficina, aula ou então procurava entrevistar algum professor da escola. Desta maneira, eu iniciei as minhas entrevistas com os professores. Mesmo assim, ainda precisava me aproximar dos agentes para garantir um bom desenvolvimento de pesquisa. Refletindo sobre esse episódio, posso perceber que estava sendo testada. A adolescente quis tanto me testar quanto mostrar “lealdade” a um agente. Este episódio fez com que houvesse a necessidade de pensar em novas estratégias de pesquisa que me permitissem contornar este mal-entendido. O caminhar da pesquisa me tirou do conforto inicial de circular mais especificamente na escola, uma vez que agora eu precisava conversar também com os agentes e tentar algumas entrevistas com eles, de maneira que pudéssemos conversar e, então, explicar a proposta de trabalho.

Nas semanas seguintes, eu voltei à unidade tentando seguir a estratégia de entrevistar e conversar tanto com professores, com os agentes e também com as adolescentes. As conversas pelos corredores e pátio foram tão importantes quanto as entrevistas para compreensão dos problemas mais latentes da vida institucionalizada. Certa vez, escutei de um agente que, para “trabalhar em unidade, você precisa saber bem o que vai falar”. Curiosamente, eu constatei esta afirmação antes mesmo de ter sido alertada por ela. Os acontecimentos em uma instituição fechada são vividos de forma intensa.

A circulação das notícias em um sistema “fechado” é extremamente rápida. Tanto as informações internas à unidade quando notícias externas são rapidamente espalhadas. Quando chega alguma adolescente nova na unidade, rapidamente as outras internas querem saber de onde veio, qual território, qual foi o crime que a fez “rodar”, todas as notícias correm na unidade. Como pude escutar de alguns funcionários, o trabalho em instituição necessita ter cautela ao dizer algo: “é um lugar para se escutar muito e falar quando necessário”.

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