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Percursos formativos, corpo e processos de criação na formação de um profissional docente

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MARGARETH PEDROSO

PERCURSOS FORMATIVOS, CORPO E PROCESSOS

DE CRIAÇÃO NA FORMAÇÃO DE UM

PROFISSIONAL DOCENTE

CAMPINAS

2018

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"PERCURSOS FORMATIVOS, CORPO E

PROCESSOS DE CRIAÇÃO NA FORMAÇÃO DE UM

PROFISSIONAL DOCENTE"

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação d a F a c u l d a d e d e E d u c a ç ã o d a Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Rogerio Adolfo Moura

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARGARETH PEDROSO E ORIENTADA PELO PROF. DR. ROGERIO ADOLFO MOURA

CAMPINAS 2018

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

PERCURSOS FORMATIVOS, CORPO E PROCESSOS

DE CRIAÇÃO NA FORMAÇÃO DE UM

PROFISSIONAL DOCENTE

Autor: Margareth Pedroso

COMISSÃO JULGADORA:

Rogerio Adolfo Moura Stela Maris Sanmartin

Carlos Eduardo Albuquerque Miranda

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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e que é, nela, meu exemplo sempre. À Tabatha, filha, a quem dei à vida e que me ensina algo sobre ela a cada dia. Ao Carlos, amigo e marido, que, ao me acompanhar

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À minha amada filha, por tentar compreender os momentos em que não pude estar presente. Agradeço ao meu querido Carlos, pelo apoio e incentivo constantes, por acreditar sempre em mim e não permitir-me desistir nunca.

Ao querido Professor Rogerio, que, com muita paciência, carinho e principalmente confiança em minha capacidade, orientou-me nestes últimos três anos, abrindo as portas para um universo de conhecimento ao qual eu apenas vislumbrava, ampliando e enriquecendo meu mundo e possibilitando também o enriquecimento do mundo dos meus estudantes daqui para a frente.

À Taislene Guimarães, querida amiga cujo incentivo e ajuda inicial, ainda no momento da inscrição para o processo seletivo para o Mestrado, possibilitaram este momento.

Aos colegas mestrandos e orientados do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp, mais especificamente, dos mestrandos e orientados do Laboratório de Estudos Audiovisuais - OLHO, que nos últimos três anos possibilitaram-me trocas e experiências que contribuíram para minha formação pessoal e profissional, alguns dos quais se tornaram amigos queridos que levarei no coração para o resto da vida.

Aos amigos que fiz no mundo da animação, pessoas como Gil Casserta, que além de serem exemplo de dedicação, estão sempre incentivando-me a novas produções e sempre dispostos a colaborar, trocar, ensinar, compartilhar, (re)ensinando-me valores como solidariedade, companheirismo, cooperação, humildade, aceitação, gentileza, empatia, fraternidade, dentre outros.

Aos colegas e amigos de trabalho que nos últimos três anos de alguma forma participaram desta minha caminhada enquanto mestranda, e àqueles que participaram de minha carreira docente nos últimos vinte anos, colaborando e enriquecendo o meu aprender e fazer Educação.

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A formação de professores é uma das discussões mais prementes na área da Educação nas últimas décadas. Assim, muitos estudos apontam diferentes soluções para a formação docente de modo a vencer-se o fracasso escolar vivenciado hoje na Educação brasileira. Este estudo pretende identificar possibilidades para a formação e autoformação do profissional docente da Educação Básica, amparadas nos estudos do corpo e nos processos criativos em direção a uma Educação Integral desse profissional docente. Como metodologia foi adotada a pesquisa qualitativa, particularmente a pesquisa-ação, além de objeto de estudo o percurso formativo e profissional da pesquisadora, sendo a mesma o sujeito da pesquisa. Os capítulos apresentam-se de modo a identificar a constituição profissional da docente, os elementos que contribuem e determinam essa constituição, seguidos da identificação dos marcos legais da formação desses profissionais e das demandas contemporâneas que a atuação e, consequentemente, a formação docente precisam abarcar. Como exemplos dessas demandas estão a questão do desenvolvimento da criatividade e as contribuições dos estudos do corpo, também discorridos na pesquisa. Também é apresentada a vivência de uma ação junto aos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, de modo a desvelar como experiências com processos criativos podem contribuir para a formação e autoformação docente. Verificou-se que diferentes elementos podem contribuir para a constituição do profissional docente: sua formação, suas experiências profissionais, o sistema no qual atua, dentre outros. Constatou-se ainda, que as demandas contemporâneas da ação docente não são contempladas na formação inicial ou continuada desses profissionais e que os estudos do corpo e o desenvolvimento de processos criativos podem contribuir para uma Educação Integral dos profissionais docentes, que pode, posteriormente, refletir-se na formação dos estudantes da Educação Básica.

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Teacher training is one of the most pressing discussions in the area of Education in recent decades. Thus, many studies point to different solutions for teacher education in order to overcome the school failure experienced in Brazilian education today. This study intends to identify possibilities for the formation and self - training of teachers of Basic Education, supported by body studies and creative processes towards an Integral Education of this teaching professional. As methodology was adopted the qualitative research, particularly the action research, besides object of study the training and professional path of the researcher, being the same the subject of the research. The chapters are presented in order to identify the professional constitution of the teacher, the elements that contribute and determine this constitution, followed by the identification of the legal frameworks for the training of these professionals and the contemporary demands that the action and, consequently, the teacher training must encompass. As examples of these demands are the question of the development of creativity and the contributions of body studies, also discussed in the research. It is also presented the experience of an action with the students of the initial years of Elementary School, so as to reveal how experiences with creative processes can contribute to teacher training and self-training. It was verified that different elements can contribute to the constitution of the teaching profession: its formation, its professional experiences, the system in which it operates, among others. It was also verified that the contemporary demands of the teaching action are not contemplated in the initial or continuous formation of these professionals and that the body studies and the development of creative processes can contribute to an Integral Education of the teaching professionals, that can later reflect in the training of students of Basic Education.

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I. A constituição de uma profissional docente 20

1.1 Memórias de uma carreira docente, imagens quebradas… e (re)construídas 20

1.2 Memórias e constituição de saberes docentes, tessituras do fazer docente 29

1.3 A Rede Municipal de Ensino de Sorocaba: incongruências, possibilidades e "bonitezas" 34 II. Formação e demandas contemporâneas da docência 48

III. Os estudos do corpo, os experimentos criativos e os processos de autoformação como possibilidade para uma formação de professores contínua e continuada 65

3.1 Os estudos do corpo e os experimentos criativos como janelas para processos de autoformação na sociedadelaboratório 65

3.2 Um experimento de criação por meio da animação e os saberes tecidos: sementes e possibilidades a partir da interação direta com as crianças do Fundamental I, em 2013 e 2014 80 Considerações finais 104

Referências 112

Apêndice - Memorial: Em busca da Arte Educação 122

Anexo I 148 Anexo II 151 Anexo III 152 Anexo IV 153 Anexo V 154 Anexo VI 155 Anexo VII 157

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Introdução

Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.

(Rubem Alves)

Neste momento em que a Educação e seus profissionais sofrem ataques constantes da mídia e de núcleos políticos e religiosos da extrema direita da sociedade do país, em que a desvalorização profissional, social e financeira do corpo docente só cresce e em que as condições de conciliação entre trabalho e estudo desse profissional docente estão cada vez piores nos sistemas de ensino, escrever uma dissertação de mestrado é um desafio descomunal, ainda mais quando se pretende dissertar sobre experiências de formação docente, de constituição do profissional docente e da luta por uma formação que dê conta dos desafios contemporâneos do ensinar e do aprender.

Esta dissertação, que ocorre entre os anos de 2015 e 2018, surge como fruto do meu percurso acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da Unicamp, das vivências formativas e docentes ao longo de mais de vinte anos de profissão no magistério público, além das minhas vivências pessoais como mulher, filha, mãe e esposa. Dialoga, sobretudo, com o conceito de Educação apresentado por Sforni (2014, p. 61), pesquisadora da Educação brasileira: “[…] Educação em seu sentido amplo é o processo de humanização dos sujeitos que ocorre por meio da apropriação dos bens culturais já produzidos pela humanidade”. E assim como a autora afirma, acredito ainda que essa Educação ocorre de duas formas: por meio das vivências das práticas sociais, em que parte dos bens culturais produzidos pela humanidade são “captados” pelos sujeitos nessas vivências e pela Educação escolarizada, em que um tipo de bem cultural específico, o conhecimento teórico, não é passível de captação pelo sujeito em suas interações com o mundo.

A escolarização contribui para a humanização dos sujeitos quando possibilita a ele o desenvolvimento de um tipo de pensamento que se forma sob a base dos conhecimentos científicos, permitindo-lhes uma nova interação com os conhecimentos e fenômenos. Esse pensamento é denominado por Davidov (1988), de pensamento teórico (SFORNI, 2014, p. 61).

A autora aponta ainda que nesse tipo de pensamento, o conceito científico não é usado simplesmente para classificar e descrever o mundo, mas:

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[…] é tratado aqui como forma da atividade mental mediante a qual se reproduz o objeto idealizado e o sistema de suas conexões, que refletem em sua unidade a generalidade e a essência do movimento do objeto material. O conceito aparece tanto como forma de reflexo do objeto material, como meio de sua reprodução mental, de sua estrutura, ou seja, como singular operação mental (DAVIDOV, 1982, p. 300, apud SFORNI, 2014, p. 61).

Outra pesquisadora contemporânea da Educação brasileira, Isa Maria F. Rosa Guará (2006, p. 16), aponta que a Educação escolar que pretende formar integralmente seus estudantes deve “[…] colocar o desenvolvimento humano como horizonte”, ou seja, a realização das potencialidades de cada indivíduo, para que esse possa evoluir plenamente, no conjunto de suas potencialidades, conectando as diversas dimensões do sujeito (cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica, estética, física e biológica).

Ou seja, a Educação escolarizada permitiria, assim, que o conhecimento humano, histórica e socialmente construído, passasse a mediar as relações dos sujeitos com o mundo. Portanto, ao pensar numa Educação escolar na perspectiva da formação integral dos estudantes, apontada por Guará (2006) e na perspectiva da apropriação dos conhecimentos científicos apontados por Sforni (2014), pode-se afirmar que, “possibilitar o acesso àquilo que não se adquire por meio da vivência e da empiria, que não está garantido aos sujeitos via participação em outras práticas sociais […] é a especificidade da instituição escolar […]” (SFORNI, 2014, p. 61).

Ao reconhecer a Educação como um direito de todos, conforme aponta a Constituição Federal Brasileira (1988) em seu artigo 205, reconhece-se a escola como um espaço institucionalizado de concretização desse direito. Nesse sentido, entendo que, como aponta Arroyo (2014), já “[…] avançamos na consciência de que somos profissionais do direito à Educação Básica”, e que, “[…] a maioria das mudanças que vêm sendo feitas nas escolas, nos currículos, na reorganização escolar, tem como motivação darmos conta da Educação Básica como direito” (ARROYO, 2014, p. 69).

Partindo da compreensão do direito à educação como um direito individual e coletivo de utilização de toda forma de expressão e ação humana, no exercício da cidadania plena, num processo contínuo de transformação de saberes, conhecimentos e valores, percebo dentre

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outros, a ausência de um trabalho educacional voltado para a formação humana, à Educação Integral dos sujeitos - alunos e professores. 1

Notadamente percebe-se que a Educação ofertada hoje no sistema educacional público brasileiro, em todos os níveis de formação, da Educação Básica ao Ensino Superior (formação inicial e/ou continuada), não é integral, pois não propicia mais e melhores oportunidades de processos criativos, por exemplo, de usos de novas tecnologias e de um aprendizado inter-multidisciplinar às crianças, jovens e adultos, que são o público dessa Educação.

A Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada dos profissionais do magistério da Educação Básica apontam em seu Art. 2º, parágrafos 1º e 2º (grifos meus):

§1º Compreende-se a docência como ação educativa e como processo pedagógico intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da formação que se desenvolvem na construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e políticos do conhecimento inerentes à sólida formação científica e cultural do ensinar/ aprender, à socialização e construção de conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante entre diferentes visões de mundo. §2º No exercício da docência, a ação do profissional do magistério da educação básica é permeada por dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas por meio de sólida formação, envolvendo o domínio e manejo de conteúdos e metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações, contribuindo para ampliar a visão e a atuação desse profissional.

Além de definir a docência, a Resolução aponta que a ação do profissional docente é permeada pelas dimensões ética, estética e política, já previstas nas DCNEB/2010, mais a dimensão técnica, inerente à qualquer profissão, que dar-se-ão por meio de sólida formação, envolvendo o domínio e manejo, vale ressaltar: "o domínio e manejo de conteúdos e metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações”.

Minha experiência enquanto docente por mais de vinte anos, experiência enquanto gestora da Rede Municipal de Ensino de Sorocaba e enquanto formadora de professores por pelo menos quatro anos, mostram que nem a formação inicial, nem a formação continuada dão conta de envolver o estudante (no caso da formação inicial) ou o professor (no caso da continuada) no domínio e manejo de conteúdos e metodologias, principalmente no que tange às "diversas linguagens, tecnologias e inovações".

Educação Integral a que me refiro aqui é a apontada por Guará (2006, p. 16) como a realização das

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potencialidades de cada indivíduo, para que esse possa evoluir plenamente, no conjunto de suas potencialidades, conectando as diversas dimensões do sujeito (cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica, estética, física e biológica).

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Nesse sentido, verifica-se o quão difícil é o caminho percorrido pelos profissionais da Educação que buscam proporcionar a adequada formação integral a que os estudantes têm direito, pois precisam percorrer diferentes e por vezes laboriosos caminhos para tentar atingir a própria formação integral, ou, ainda, para o "domínio e manejo de conteúdos e metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações", buscando ampliar sua visão e atuação profissional.

Além da legislação de 2015, e já num tumultuadíssimo cenário político e institucional, acirrou-se a luta entre as universidades públicas paulistas (USP, UNICAMP e UNESP) e o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP), que exarou as Deliberações 111/2012, 126/2014, 132/2015 e 154/2017, interferindo, desta forma, na organização curricular das licenciaturas no Estado destacando e exigindo, dentre outros quesitos, a necessidade de conteúdo formativo específico na área das Tecnologias, como apresento a seguir:

Ementa: Abordagem interdisciplinar e multicultural, propondo-se o tratamento das tecnologias de comunicação e informação, como parte dos processos educativos amplos. Os alunos vivenciarão situações práticas que os levarão a refletir criticamente sobre o uso de tecnologias na educação . 2

Assim, novas formas de ensinar e aprender e as mudanças no amplo campo educacional, em certa medida condicionadas pelo advento das novas tecnologias, interferem nas formas de interação entre os professores e os materiais didáticos, entre o professor e sua própria presença e consciência corporal na sala de aula, podendo potencializar novas formas de interação entre ensino e aprendizagem, como percebo ao longo dos últimos anos.

Abordarei minha experiência pessoal e profissional, que buscarei dissertar aqui, levantando e identificando, junto aos diferentes autores que o programa do PPGE me possibilitou conhecer, as relações possíveis entre essas experiências e a teoria por eles apresentadas, no intuito de descobrir no que essas experiências puderam contribuir para a minha formação integral e no que pode vir a contribuir para a formação continuada dos colegas do magistério, pois, como costumo apontar nas formações que realizo no Município de Sorocaba (que envolve uma rede de 55 mil estudantes e seis mil funcionários na Educação, num total de 51 escolas), o caminho percorrido na carreira docente é árduo demais quando realizamos sozinhos, mas quando o compartilhamos com os colegas, quando possibilitamos as

Parte do programa da disciplina EL 105: Tecnologias e processos educativos, ofertada a 2 das 21 licenciaturas

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do Programa de Graduação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - SP - programa completo disponível no anexo I.

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trocas de experiências e quando nos abrimos ao outro, esse caminho se torna um pouco mais leve e rico de vivências e saberes.

Penso, com base na pouca experiência que tenho em relação à Arte , que esta, em suas 3

diversas linguagens, enquanto parte das muitas manifestações humanas, por meio de suas diferentes formas de expressão, pode possibilitar expor/comunicar ideias, emoções e opiniões, apresentando o mundo e permitindo agir nele. Mas é preciso destacar que a Arte também sofre atualização do tempo e da contemporaneidade e hoje está mais e mais contaminada pelas novas tecnologias. É por meio das experiências artísticas e criativas, além do uso das novas tecnologias, que acredito numa atualização e revisão na formação do corpo docente do ensino público deste novo milênio.

Mais de vinte anos de experiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil, além das trocas com os colegas professores, possibilitadas tanto pela convivência profissional ao longo da carreira docente quanto nos últimos quatro anos como formadora de professores, apontam-me que pouco se considera o corpo e o desenvolvimento da criatividade no espaço escolar da Educação Básica, mais especificamente no Ensino

Em seu Dicionário crítico de política cultural: Cultura e Imaginário, Teixeira Coelho (2004), apresenta algumas

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concepções de Arte, dentre elas o conceito de Arte-Ação, onde a Arte teria objetivos fins além dela mesma, conforme proposto por Mário de Andrade. Já para Hannah Arendt, segundo o autor,

[…] quando uma obra de Arte é vista como meio para alcançar-se outro fim […] a natureza mesma do que é Arte está sendo alterada e perdida - mesmo quando o objetivo for educacional, ou de aperfeiçoamento pessoal […] Tudo está bem, aceita Arendt, quando se tem consciência de que esse uso da Arte não se constitui a relação privilegiada que com ela se pode ter. O problema é que essa consciência nem sempre se manifesta (COELHO, 2004, p. 46).

O autor apresenta ainda que, segundo André Malraux, “quando a Arte se transforma em veículo de valores culturais, sejam quais forem, perde seu valor de uso e assume um valor de troca, como qualquer coisa ou bem (hoje se diz commodity) com transito no circuito social” (COELHO, 2004, p. 47).

Ferreira (2008) utiliza-se de Coli (2000) para afirmar que “[…] Arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirado, isto é, nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia” (COLI, 2000, p. 8, apud FERREIRA, 2008, p. 19). Assim, a autora afirma que a Arte é um fenômeno que se mantém ao longo do tempo como resultado da experiência humana, sendo a própria

[…] expressão viva do ser humano (FERREIRA, 2008, p. 20), sendo, “[..]portanto, atemporal […] tem percorrido todos os períodos de sua existência […] retratando a forma como um determinado grupo em determinado tempo se expressou e viveu. Ele é uma linguagem entre os homens, proporcionando amplas experiências[…] A arte possibilita um meio de acesso ao mundo dos sentimentos, mas também possibilita o desenvolvimento desses sentimentos. A magia da arte mostra a realidade como possível de ser transformada (Op. Cit. p. 20-23).

Assim, nesta pesquisa, não pretendo aprofundar-me na questão da definição de Arte ou ainda esgotar essa discussão, mesmo porque, enquanto professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, minha formação não é em Arte e apesar de minha especialização em Arte Educação, considero meus estudos ainda muito tímidos para que possa atrever-me a discutir o que é ou deixa de ser Arte no século XXI. Para fins de entendimento da concepção assumida nesta pesquisa, corroboro com a visão apresentada por Ferreira (2008), que traz a Arte como uma forma de expressão humana que, como uma linguagem, é capaz de constituir o homem e sua cultura e se (re)constituir a partir dele(a).

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Fundamental e muito menos na formação dos profissionais que atuarão nessa etapa da educação escolar.

É possível que o corpo (no sentido mais amplo, corpo e mente, corpo e gestos, corpo e sensibilidade), esteja, em certa medida, "aprisionado" na escola e assim contribua para a diminuição da criatividade, da imaginação, do desenvolvimento de processos criativos? Por isso, acredito que compreender também os processos e estudos relativos ao corpo (Vigarello, Courtine e Corbin, 2011 e 2012, Damásio, 2004 e 2012, Greider, 2005, Moura, 2010 e 2011 e Wiggers, 2008), são fundamentais para acompanhar as transformações, desafios e novas formas de ensinar e aprender.

Além disso, conceitos como aula invertida , objetos de aprendizagem e sincronicidade 4

e assincronicidade, somadas à questões do real/virtual, são desafios relacionados à essas novas formas de ensinar e aprender, mas também importantes oportunidades de aprendizagem para a formação de professores, pois inscrevem-se nas categorias dos saberes docentes (TARDIF, 2014) necessários para esta profissão social.

Sendo assim, a questão que norteia esta pesquisa é: que relações os estudos do corpo e os processos criativos estabelecem com a formação integral e com a ampliação dos processos de formação e autoformação docente?

Nesse sentido, é objetivo da realização desta pesquisa: identificar as possibilidades para a formação e autoformação do profissional docente da Educação Básica, amparadas nos estudos do corpo e nos processos criativos em direção a uma Educação Integral desse profissional docente.

A discussão se faz necessária uma vez que temos uma ausência das questões do corpo e da criatividade da maioria dos debates sobre Educação e consequentemente a necessidade de uma formação docente que contemple essas dimensões da constituição dos sujeitos. Ou seja, faz-se necessária uma formação integral também para os profissionais docentes.

No tocante à metodologia, optei pela pesquisa qualitativa de natureza aplicada ao realizar uma pesquisa-ação como procedimento para coleta de dados, além da análise do discurso como procedimento de análise de dados. O aprofundamento na questão da formação

O conceito de sala de aula invertida é a ideia onde o aluno pode inteirar-se do conteúdo da aula por meios

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virtuais e, na aula propriamente dita, pode sanar todas as suas dúvidas e produzir materiais sobre o que aprendeu. Nessa metodologia, o professor deixa de ser o detentor do conhecimento e a aula deixa de ser o espaço onde o aluno vai para receber o conhecimento. O aluno tem a oportunidade de conhecer muito dobre o tema em sites recomendados pelo professor e este torna-se o mediador da aprendizagem dos alunos ao possibilitar, em sala de aula, as discussões que permitirão a eles uma apropriação crítica do conhecimento.

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integral do profissional docente será realizado por meio do desvelamento das minhas experiências docentes, dos estudos do corpo e da criatividade, além de buscar descobrir possíveis soluções práticas para a mesma questão. Assim, tomo como sujeito desta pesquisa, minha experiência docente, que envolve percurso formativo e atuação profissional como um todo e mais especificamente os experimentos com animação realizados com meus alunos nos anos de 2013 e 2014. Estabeleci relações entre minha própria experiência docente, com os arcos teóricos propostos pelos autores selecionados para o desenvolvimento desta pesquisa, tais como Huberman (1992), Tardif (2014), Sforni (2014), dentre outros autores do campo da Educação, da Educação Integral e da formação docente, além daqueles que discutem as tecnologias, como Kenski (2007) e Morais (2015) e os processos criativos, como Torre (2008) e Ostrower (2013). Como já apontado, os estudos do corpo são a base para a ancoragem teórica deste trabalho, a partir dos autores anteriormente mencionados (Vigarello, Courtine e Corbin, 2011 e 2012, Damásio, 2004 e 2012, Greider, 2005, Moura, 2010 e 2011 e Wiggers, 2008).

No primeiro capítulo analiso minha carreira docente e, dialogando com Tardif (2014) que distribuirá o seu pensamento em famílias de saberes docentes, busco compreender que elementos contribuíram para minha constituição, que saberes marcaram e marcam meu fazer profissional e como esses saberes foram se constituindo ao longo de minha vida e de minha formação pessoal e profissional.

Examino minha carreira docente estabelecendo relações com as fases da carreira docente apontadas por Huberman (1992), identificando quais dessas fases apontadas pelo autor fizeram parte de meu percurso, em que momentos, como isso deu-se e que contribuições essas experiências agregaram para minha constituição profissional e formação integral. Essa análise considerará em que medida a formação inicial e continuada, a instituição em que trabalho e as experiências enquanto docente, gestora da Educação e formadora de professores, marcaram e marcam minha atuação profissional na busca por um ensino que considere/busque uma formação humana/integral. Para tanto, exploro Tardif (2014), Huberman (1992), bem como um autor da área do direito educacional, Arroyo (2014), além da extensa experiência que acumulei na área da Educação, registrada no memorial de minha qualificação de mestrado (Apêndice). Além de apresentar a Rede Municipal de Sorocaba, da qual faço parte há dezesseis anos, numa tentativa de desvelar as contribuições dessa rede à minha formação e

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constituição profissional, além das incongruências, possibilidades e a “boniteza" (FREIRE, 1996) que há no trabalho na Educação Pública Municipal.

No segundo capítulo reflito sobre o direito à formação docente inicial e continuada, buscando desvelar as demandas contemporâneas enfrentadas pelos docentes no cotidiano escolar e no âmbito de sua formação, destacando demandas relacionadas à oferta de uma Educação Integral, sobretudo para docentes, com mais e melhores oportunidades de processos criativos, de usos de novas tecnologias e do envolvimento do corpo nesses processos, consequentemente, de um aprendizado inter-multidisciplinar, que poderá ser ofertado posteriormente às crianças, jovens e adultos, estudantes da Educação brasileira.

Identifico, nesse momento, os limites e possibilidades da ação docente, uma vez que, sendo profissionais docentes e permanecendo muito tempo dentro do ambiente escolar - desde nossa infância -, ou seja, dentro da materialidade de uma sociedade do trabalho e formados a partir de tecnologias como papel, quadro negro, giz branco e livro didático, quando o professor era o transmissor do conhecimento e tendo de formar para uma sociedadelaboratório - conceito apresentado em Vigarello, Courtine e Corbin (2011) e Moura (2010) -, deveríamos ser mediadores de conhecimentos que transformam-se com velocidades espantosas, marcados por experimentações e novas tecnologias, as quais não dominamos.

Para essa reflexão, dialogo com a legislação brasileira no que concerne ao direito à formação docente, com Guará (2006) e Moll (2008) que tratam da concepção de Educação Integral, bem como Ostrower (2013) e Torre (2008), que tratam da criatividade e processos criativos, além de Damásio (2004 e 2012), que nos instiga a pensar sobre a construção do conhecimento por meio de imagens mentais e as relações dessas construções com a criatividade. Do ponto de vista do uso das tecnologias, abordo a obra organizada por Kenski (2007), mais especificamente os temas da indissociabilidade entre tecnologias e Educação e das novas formas de aprender mediadas pelas TICs. Nesse sentido, dialogo também com Tavares (2014), Morais (2015) e Menezes e Jimene (2015) que discutem a respeito dos desafios do uso das novas tecnologias na Educação.

No terceiro capítulo, abordo as contribuições dos estudos do corpo, estudos que mostram, conforme Vigarello, Courtine e Corbin (2011 e 2012), que durante séculos, na História do Homem Ocidental, dualismos como corpo/alma, corpo/espírito, corpo/mente, foram construídos por meio da Religião, da Medicina, da Política e da Educação. Também

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conforme apontam os estudos de Damásio (2004 e 2012), estas separações levaram à priorização da educação da mente em detrimento da educação do corpo (sentidos). Damásio (2004 e 2012) contribui neste trabalho, tanto no âmbito dos estudos do corpo, como no contexto das novas teorias da criatividade, a partir das contribuições da neurobiologia e da neurociência.

Ainda no que diz respeito às teorias do corpo, além de Greiner (2005), estudiosa das teorias do corpo, abordo também Moura (2010 e 2011) que traz importantes reflexões a respeito da sociedadelaboratório e da priorização, na Educação, da atividade mental em detrimento da corporal e da consequente e urgente necessidade de uma escolha pedagógica na direção de um

“lócus […] Um lugar que não é nem o de um corpo esfacelado e mutilado pelo pensamento cartesiano e mecanicista, mas também não é um lugar que celebra um triunfalismo do corpo sobre a mente, sobre o cérebro, sobre a palavra, sobre o verbo. Nesse entregar do corpo na vida contemporânea, a ética e a estética estão num

continuum, já que precisam servir a um ponto de equilíbrio entre a ação […] e a

contemplação, este recuo necessário perante o mundo para refletir sobre ele, compreendê-lo, mas também preservá-lo pelo trabalho e pela cultura. (MOURA, 2010, p. 42 e 43).

Utilizo ainda as reflexões de Wiggers (2008), cujos estudos mostram que, por meio de experimentações criativas em Arte, as crianças constroem e reconstroem suas corporeidades.

Finalmente, examino o trabalho, ainda embrionário, realizado por mim junto aos meus alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental nos anos de 2013 e 2014 parte apresentado 5

em PEDROSO (2014), trazendo autores como Barboza Júnior (2011) e Magalhães (s.d.) os quais apresentam a animação, suas técnicas e princípios e dialogando também, neste momento, com Ferreira (2008), autora que trata das relações do trabalho com a animação enquanto uma tecnologia possível de ser utilizada em sala de aula e suas relações com a criatividade.

Também busco enriquecer a discussão com as contribuições de Norton (2010 e 2012) que discorre sobre a técnica cinematográfica como experimentação criativa da realidade e sobre a pedagogia da criação, proposição do francês Bergala, para o qual a experiência da produção prática é fundamental para o aprendizado: “Há algo de insubstituível nessa experiência, vivida tanto no corpo, quanto no cérebro, um saber de outra ordem, que não se

Parte deste trabalho sobre animação já foi apresentado antes, no trabalho de conclusão do curso de

5

especialização em Arte Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP (PEDROSO, 2014), no entanto, uma parte das animações referentes ao ano de 2014 são inéditas e o texto que se apresentará, a exceção das citações, foi originalmente elaborado para esta dissertação.

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pode adquirir apenas pela análise dos filmes, por melhor que seja conduzida” (BERGALA, 2008, p. 171, apud NORTON, 2010, p. 71).

Novamente me apoio em Wiggers (2008) e Damásio (2004 e 2012), buscando identificar que contribuições os estudos do corpo e as experimentações de criação com a animação, desenvolvidas junto aos alunos, trouxeram para meus processos de formação e autoformação, para a constituição dos saberes por mim tecidos até este momento de meu percurso profissional.

Finalizo apresentando minhas conclusões sobre esta pesquisa, além das questões que surgiram e necessitarão de maiores estudos.

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I. A constituição de uma profissional docente

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(Fernando Pessoa)

1.1 Memórias de uma carreira docente, imagens quebradas… e (re)construídas

No texto intitulado “O ciclo de vida profissional dos professores”, Huberman (1992), nos coloca questões, as quais chama de “apaixonantes”, algumas das quais aponto a seguir:

Será que há "fases" ou "estádios" no ensino? […] Que imagem é que as pessoas têm de si, como professores, em situação de sala aula, em momentos diferentes de sua carreira? Terão a percepção que modificam os seus processos de animação, a sua relação com os alunos, a organização das aulas, as suas prioridades, o domínio da matéria que ensinam? […] As pessoas tornam-se mais ou menos "competentes" com os anos? […] O que é que constitui, em última análise, os "melhores anos” da docência? Haverá […] momentos de “tédio”, de “crise”, de “desgaste”[…]? Em caso afirmativo, o que é que provoca esses momentos? E como é que as pessoas lhe fazem frente? Quais são os acontecimentos da vida privada que repercutem no trabalho escolar? E com que efeitos? O que é que distingue, ao longo das carreiras, os professores que chegam ao fim carregados de sofrimento daqueles que o fazem com serenidade? (HUBERMAN, 1992, p. 35 e 36)

Para o autor, o desenvolvimento de uma carreira é mais que simplesmente uma série de acontecimentos, mas sim um processo, que pode até parecer linear, mas que na verdade apresenta “patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, descontinuidades (HUBERMAN, 1992, p. 38). Arroyo (2014) nos instiga ainda a refletir se as tensões existentes na carreira docente, principalmente entre professores e estudantes, contribuem para a construção de nossa imagem enquanto profissional docente, afirmando que continuamos constantemente "atrás de nossas identidades pessoais e coletivas […] Haveremos de construir outras imagens dos educandos para reencontrar nossas identidades” (ARROYO, 2014, p. 10).

Para Arroyo (2014), essas tensões, esse estranhamento pode ser fecundo, uma vez que, enquanto professores, temos a possibilidade de deixar de lado a imagem pueril que ao longo da História tivemos dos estudantes, que foram retratados como flores de um jardim, massinhas de modelar, fios a serem bordados, tornando-nos, consequentemente, jardineiras(os), artesãs(os) ou bordadeiras(os) e passarmos a olhar as crianças e os adolescentes com os quais convivemos diariamente em nossas salas de aula, como seres humanos em constituição, com vontades, opiniões e direitos, e assim, passarmos,

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consequentemente, a nos considerar profissionais responsáveis por parte dessa formação/ constituição, "nosso ofício é acompanhá-los como são […] seres humanos em complexas trajetórias existenciais” (ARROYO, 2014, p. 14).

Essas metáforas também não dão conta de nossas trajetórias profissionais. Difícil reconhecer-nos jardineiros(as), artífices, bordadeiras. Imagens tentaram revelar os sentidos do magistério […] Será difícil encontrar-nos a nós mesmos nas metáforas da pedagogia e da docência quando os alunos nelas não se encontram mais […] Redefinir imaginários dos alunos exige redefinir imaginários da docência e da pedagogia. Os alunos nos obrigam a enxergá-los […] se trata de um percurso fecundo para reencontrar nossa verdade e nossos limites (Op. Cit, p. 11 e 15).

Vamos aos trechos do meu memorial que tratam da escolha pela profissão docente e dos primeiros anos e primeiras experiências na docência:

Quando escolhi a docência, uma escolha não muito consciente, não sei se influenciada pela convivência com a mãe e tias professoras, não sei se condicionada pelas lembranças das brincadeiras de escolinha na infância, não sei se por não ver outra opção, enfim, formei-me no magistério. Mas, antes mesmo de terminar o curso, já dava aulas de eventual na escola onde minha mãe trabalhava e lembro-me que era muito requisitada, pois gostavam de mim, uma vez que eu, como diziam, “conseguia dominar bem as turmas”. Hoje não vejo isso como um bom sinal, mas na época, com a ingenuidade e arrogância da adolescência, me sentia o suprassumo das eventuais. Ao me formar e devido aos pontos acumulados do tempo de eventual, consegui ser estagiária na rede estadual de ensino, e, logo, consegui “pegar" minha primeira turma, numa escola muito difícil de periferia, onde muitas vezes era preciso chamar a polícia para os professores poderem sair e ir embora.

Huberman (1992) aponta que, apesar das diversas motivações ou razões que levam as pessoas a optarem pela profissão docente,

[…] a tomada de contato inicial com as situações de sala de aula tem lugar, por parte dos participantes de forma um tanto homogênea. Os que procuram descrever essa fase […] falam de um estádio de "sobrevivência" e de “descoberta”. Sendo a “descoberta" o aspecto que “traduz o entusiasmo inicial, a experimentação, a exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sua sala de aula, os seus alunos, o seu programa), por se sentir colega num determinado corpo profissional (HUBERMAN, 1992, p. 38)

Essa fase da descoberta pode ser observada no trecho do memorial apresentado anteriormente, onde afirmo que era muito requisitada pela escola, pois "dominava bem" as turmas e que a ingenuidade e arrogância da adolescência faziam sentir-me o "suprassumo das eventuais”. O mesmo orgulho pelas conquistas de início de carreira pode ser observado no trecho onde afirmo que consegui “pegar” minha primeira turma devido aos pontos que acumulei na atuação enquanto professora eventual.

O aspecto da “sobrevivência” traduz o que vulgarmente se chama o "choque do real”, a confrontação inicial com a complexidade da situação profissional: o tatear constante, a preocupação consigo próprio, […] a distância entre os ideais e as realidades cotidianas de sala de aula, a fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à relação pedagógica e à transmissão do conhecimento, a oscilação entre relações demasiado íntimas e demasiado distantes, dificuldades com os alunos que criam problemas, com o material didático inadequado, etc (HUBERMAN, 1992, p. 38).

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Lembro-me que chorava muito para minha mãe, questionando se eu realmente precisava daquilo e me lembro que ela me dizia que a escolha era minha, mas que aprender e vivenciar situações muito difíceis nos torna mais experientes e sábios e que, depois, outras situações difíceis nem nos parecerão mais tão complicadas assim. Sábias palavras que me sustentaram em muitas outras situações onde seria muito fácil desistir de tudo e afundar-se numa depressão. Aguentei firme […] e assim vejo essa época como um momento difícil ao qual sobrevivie me tornei mais forte, mais dura talvez, mas muito mais forte. Essa dureza enquanto docente me acompanhou durante uns bons anos e, hoje, sinto pelos meus alunos. Creio que nessa época eu não era uma professora das mais queridas. […] Com o tempo, santo tempo, conforme já comentei, saí da rede estadual e passei a trabalhar nas redes municipais de Votorantim e Araçoiaba da Serra, nessa época, com vinte e um anos. Durante todas as minhas experiências anteriores na docência, havia trabalhado com pré-adolescentes. Quando fui me efetivar na rede municipal de Votorantim, fui trabalhar em uma creche, com crianças de dois anos e meio, que estavam saindo do berçário, muitas mal sabendo andar ou falar direito […]Como não costumo desistir sem tentar, respirei fundo e fui enfrentar aqueles seres de outro planeta, totalmente desconhecidos para mim. O que fazer com eles? Não era a cuidadora, era a professora! Que trabalho pedagógico realizar com aquelas criaturas que nem conseguiam parar sentados, que nem conseguiam olhar para mim por mais de dez segundos? O magistério não me preparou para aquilo! Não era possível “dominar” aqueles seres, pois nem olhavam para mim quando eu falava! Que loucura!

Pode-se afirmar que deparar-se com turmas tão violentas, com as quais faz-se necessária a presença da polícia para que o professor possa sair da escola em segurança, ou ainda sentir-se “presa" numa sala de aula, ou como um peixe fora d’água ao interagir com crianças de dois anos de idade, demonstra claramente o “choque do real” apresentado pelo autor no "estádio sobrevivência". A certeza que a formação inicial não preparou para a complexidade da situação real, tornando possível a superação apenas por meio das experimentações, das explorações que permeiam os dois perfis apresentados (descoberta e sobrevivência) e que podem ser sistemáticas ou aleatórias.

Durante os primeiros meses, fui seguindo a rotina do lugar, indo com as crianças de um canto a outro da escola, observando, buscando conhecer, ver o que gostavam, mas eu parecia e me sentia um "peixe fora d’água”, como ouvi duas auxiliares cochichando numa ocasião e elas tinham razão, eu era mesmo! Um dia acordei e pensei: ou eu vou para lá e realizo meu papel de professora ou "largo mão disso”. Passei a questionar-me sobre o que uma professora pode ensinar para bebês? Vejam, naquela época entendia meu papel de professora como alguém que detém o conhecimento e o transmite. Que dó de mim nessa época, mas como diz o ditado popular, "a ignorância é santa”! Eu não tinha a mínima ideia do que ensinar, nunca tinha aprendido o que bebês precisam aprender. “Todo" conhecimento que achava que tinha de nada serviam para aqueles seres e eu não tinha consciência de que ser professor exigia estudos constantes e nunca passou pela minha cabeça que poderia buscar livros que me orientassem sobre o que é ser professor de bebês! Acreditava ainda, que o curso do magistério tinha me ensinado tudo que eu precisaria para ser professora - aqui já não acho que a ignorância é santa, mas bem orelhuda. Ao final de meu primeiro trimestre naquela escola, lembro-me que a diretora chamou e conversou comigo sobre o modo que eu me comportava com as crianças. Gentilmente, explicou-me que, diferente de crianças mais velhas, com as quais era preciso certo rigor no trato, as crianças pequenas precisavam de sorrisos, abraços e muito carinho. Aquilo ficou "martelando" em minha mente um bom tempo e então comecei a lembrar das coisas que eu gostava quando era criança: brincar na terra, ouvir histórias, assistir aos desenhos, cantar e dançar, experimentar com diferentes materiais, brincar de faz de conta e intuitivamente fui levando para as crianças propostas que poderiam proporcionar a vivência dessas experiências que tanto me fascinavam quando pequena. Passamos, então, a construir castelos de areia, a

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deitar na grama e observar as nuvens, a dançar até cair de canseira, a cantar muito, a subir com papelão na lateral gramada do campo e escorregar até lá embaixo, a nos sujar com guache, a picar papel, a construir infinitas coisas com diferentes materiais e, por quatro anos, trabalhando com diferentes turmas de crianças de dois anos, voltei a ser criança e a experimentar.

Conforme Huberman (1992, p. 39 e 40), em determinado momento, “as pessoas passam a ser professores, quer a seus olhos, quer aos olhos dos outros”, naquilo que o autor chama de “fase de estabilização" ou do “comprometimento definitivo", ou ainda, da "tomada de responsabilidades”, o que, para os autores de tendência psicanalítica, segundo o autor, uma etapa decisiva é constituída pela escolha de uma identidade profissional, ou “momento-chave”, que para mim pode ter sido o descrito neste outro trecho do memorial:

Não sei exatamente como aconteceu ou o porquê. Talvez a maturidade adquirida com as experiências da vida tenha contribuído. O fato é que tornei-me uma professora curiosa em meu ambiente de trabalho, a sala de aula, buscando sempre compreender os processos de ensino e de aprendizagem, experimentando e aprendendo com os erros e os acertos, construindo experiências profissionais e me construindo profissional da Educação e sujeito junto com meus alunos.

O ato de escolher, por si só, significa abrir mão, “eliminar outras possibilidades […] a escolha de uma identidade profissional acarreta a renúncia” (HUBERMAN, 1992, p. 40) de outras possíveis identidades, o que não é uma decisão fácil. No entanto, no ensino, há outras implicações nessa escolha, como por exemplo, a independência ou emancipação e o pertencimento a um corpo de profissionais. Nessa perspectiva, estabilizar “significa acentuar o seu grau de liberdade, as prerrogativas, o seu modo próprio de funcionamento […] A estabilização precede ou acompanha um sentimento de "competência" pedagógica crescente” (Op. Cit.). Desse modo, as pessoas passam a preocupar-se mais com os objetivos didáticos e menos consigo próprias, sentindo-se mais à vontade para o enfrentamento de situações inesperadas e complexas e situando melhor os objetivos a médio prazo.

De acordo com o mesmo autor, “no caso de professores que passaram por um mal bocado com a sua preparação pedagógica (escola normal, estudos pedagógicos), o aspecto da libertação e da afirmação é mais pronunciado, chegando mesmo a ser violento” (HUBERMAN, 1992, p. 40):

Em 2011, numa fase militante inconformada, ajudei a fundar a Associação de Professores e Auxiliares de Educação da Rede Municipal de Sorocaba, a ASPAMS, onde atuei como Diretora Educacional. Hoje é uma associação apenas de professores. Durante um ano e meio pude contribuir com inúmeras novas situações e experiências que, além de marcarem a minha trajetória pessoal e profissional, com certeza, marcaram a de toda uma rede municipal. Houve experiências como a primeira grande mobilização, que juntou mais de mil professores em frente ao Paço Municipal em 2011, reivindicando equiparação salarial e condições de trabalho adequadas. Movimento que conseguiu, depois de muitos vai e vens e, por meio de um acordo salarial que durou sete anos, a equiparação salarial entre os Professores de Educação Básica I e II, equiparação que já vinha sendo solicitada há mais de três anos antes do envolvimento da associação. Outra experiência vivenciada à

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frente da associação e juntamente com outras associações de funcionários municipais, foi constituição de uma chapa à eleição da FUNSERV, Fundação de Seguridade e Saúde dos Servidores Municipais, a primeira e única que mobilizou mais de quatro mil funcionários às urnas, em 2012. Ainda na posição de Diretora Educacional da associação, criei o Prêmio Educador Aspams, que hoje está em sua 4ª edição e que tem a pretensão de valorizar e dar visibilidade ao trabalho desenvolvido pelos professores da rede e cuja premiação acontece no dia dos professores. Essas e outras experiências, boas e ruins, à frente da associação, ampliaram minha visão enquanto sujeito atuante nos meios sociais nos quais me insiro e me proporcionaram muitos encontros, novos contatos, alguns desencontros, muitas vitórias e algumas decepções. Numa dessas decepções, decidi que não gostaria de ver meu nome envolvido em certas situações e retirei-me da diretoria da associação, resolvendo seguir outros caminhos, decisão da qual nunca me arrependi, principalmente porque a Arte foi um dos novos caminhos que escolhi depois dessa experiência.

Nesse sentido, Arroyo (2014) aponta que professores que reconhecem-se como sujeitos de direitos, tem menos dificuldades em reconhecer os estudantes como tais. Realmente após essas experiências e outras tantas, hoje percebo que considero os estudantes como sujeitos de seus processos de aprendizagem.

Num determinado momento na carreira docente, a partir da fase de estabilização, Huberman (1992) aponta que os percursos individuais divergem mais que as fases iniciais, apontadas anteriormente. Na "fase da experimentação" ou de “diversificação" as pessoas lançam-se a diversas experimentações e experiências pessoais, “diversificando os materiais didáticos, os modos de avaliação, as formas de agrupar os alunos, as sequências do programa, […] tentativa de fazer passar reformas mais consequentes […] lançar o ataque às aberrações do sistema” (HUBERMAN, 1992, p. 41):

Retomei minha experiência perdida lá na creche, de pensar no meu aluno, no que sentem e pensam, que experiências vivenciaram e comecei a trazer para nosso dia a dia, na sala de aula, situações que eu gostava quando criança e procurando não reproduzir mais minhas professoras. Trouxe para a escola meu amor pelos livros, pelas histórias, meu gosto pelas tecnologias, por experimentações e minha mania de organização. Passei a organizar melhor os processos de trabalho e fui percebendo o quanto os alunos apreciavam saber o que iríamos fazer e o porquê, o que eu pretendia e esperava deles e passei a envolvê-los no planejamento das ações. Deixei, assim, de ter problemas anteriores como a indisciplina, a falta de interesse dos alunos e de precisar levantar a voz para ser ouvida. Passei a trocar mais com meus colegas e nesse processo construí muitas amizades e percebi que o caminho árduo de se constituir enquanto bom profissional da Educação fica mais leve quando compartilhado, tanto com os colegas quanto com as crianças.

Talvez seja o que Arroyo (2014) afirma em relação ao que entende que vivenciamos hoje na Educação, sobre os professores e suas visões sobre a infância e a adolescência: o desencanto ou desconforto em relação aos estudantes, à docência e à pedagogia.

Os variados depoimentos dados pelos professores(as) pareciam revelar que o desencanto docente não é tanto com as condutas indisciplinadas dos alunos (sempre houve indisciplinas nas salas de aula). O desencanto é com a perda das imagens que povoam nossa docência, a educação e as escolas. Colocamos a pergunta: que olhares projetamos sobre os alunos? Com que imagens os representamos? Que imagens carregamos da infância, adolescência e juventude? Os alunos(as) que “não são mais os mesmos” cabem nessas imagens? Não nos incomodam exatamente porque

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quebraram essas imagens? Vivenciar essas inseguranças pode ser positivamente amedrontador” (ARROYO, 2014, p. 34 e 35).

Ainda segundo Huberman (1992), "esta motivação traduz-se igualmente em ambição pessoal (a procura de mais autoridade, responsabilidade, prestígio), através do acesso aos postos administrativos […] o professor parte em busca de novos desafios” (HUBERMAN, 1992, p. 41):

Após a decisão sobre a identidade profissional que desejava construir e do retorno à minha fase das descobertas, iniciei minhas experiências em registrar e apresentar os trabalhos que realizava com meus alunos e a produzir reflexões escritas acerca desses trabalhos. Meu primeiro atrevimento nesse sentido foi a apresentação, como comunicação oral, de um projeto intitulado “Armazém de Textos” no 3º Fórum Educa em Ação da rede municipal de Sorocaba, em 2011. Em parceria com uma amiga e colega de trabalho, tínhamos realizado desde o ano anterior o referido projeto, que consistia na produção anual de um livro de textos de autoria de nossos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Por meio de um trabalho sistematizado de leituras, estudos, análises, discussões e produções textuais nos diferentes gêneros trabalhados a cada ano, os textos de autoria dos alunos nesses gêneros compunham o livro editado pelas professoras e impresso pela escola, que passava a compor o acervo da sala de leitura da escola e dos próprios alunos, pois cada um recebia uma cópia do livro. O segundo compartilhamento de trabalho realizado, intitulado "Blog Diário de Leitura”, foi apresentado, em 2014, como comunicação oral, no II Encontro Prática Docente e Tecnologia Educacional, também da Secretaria Municipal da Educação de Sorocaba. Foi um trabalho organizado em forma de projeto, que consistiu, como o próprio nome indica, um blog onde meus alunos daquele ano faziam indicações de leitura. Semanalmente, eles levavam um ou mais livros para casa e, após a leitura, anotavam as informações principais e o que mais gostavam do livro em seu diário de leitura, uma encadernação individual e a cada semana um aluno era sorteado para indicar, no blog, sua leitura preferida. No mesmo ano, apresentei, ainda como comunicação oral, no V Fórum Educa em Ação, 16º Seminário Internacional de Educação de Sorocaba e II Seminário Local do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), o trabalho de animação realizado junto aos alunos desde o ano anterior. O trabalho intitulado “Animando na escola” foi apresentado no Eixo “Cotidiano escolar e desafios do contemporâneo” e apresentava os processos para o desenvolvimento do trabalho com animação, desde as técnicas dessa Arte e os processos desenvolvidos, até as criações desenvolvidas pelos alunos, individual e coletivamente. […] A partir de 2015, com o trabalho na Secretaria Municipal da Educação de Sorocaba, tive a oportunidade de participar de alguns grupos de trabalho, tais como o Comitê Executivo para a Atualização e Publicação do Marco Referencial da rede municipal, do grupo de trabalho que elaborou as Diretrizes Pedagógicas para a Escola de Ensino Fundamental em Tempo Integral, da coordenação da Comissão de Elaboração de Políticas Públicas de Formação Continuada da Rede Municipal e da Comissão Organizadora do II Fórum de Cultura na Primeira Infância, que, em 2015, trouxe o tema da musicalização para o palco das discussões sobre o trabalho com a primeira infância. Alguns desses grupos produziram cadernos de orientações que podem ser encontrados no site da secretaria, além de ter tido, em 2016, a oportunidade de coordenar em nível de município, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, sendo responsável pela organização curricular e logística de todo o programa e do III Seminário Local do PNAIC. […] Neste ano de 2017, atuando como Gestora de Desenvolvimento Educacional na rede municipal de Sorocaba, estou tendo a oportunidade novamente de participar da produção de conteúdos para nossa rede. A primeira proposta de elaboração e produção de conteúdo que estou podendo contribuir e estar à frente, juntamente com minha amiga e parceira de trabalho, Mariane Bolina, é da série “Diálogos sobre Alfabetização”, uma série de vídeos que buscam discutir e desmistificar certas crenças e concepções sobre o processo de alfabetização em nossa rede municipal, procurando subsidiar os orientadores pedagógicos para discussões mais aprofundadas em reuniões de formação nas instituições educacionais e possibilitar reflexões sobre a prática, por parte dos professores.

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Também participo de dois Grupos de Ações Articuladas, um responsável por pensar, organizar e fomentar a formação continuada e outro responsável pela formação dos professores que atuam na recuperação paralela dos alunos. Junto a esses professores tenho tido a oportunidade de compartilhar um pouco dos meus estudos de mestrado, procurando estimulá-los a refletirem sobre como aprendemos, sobre quais experiências de aprendizagem têm mais significado para nós, se naquelas nas quais reproduzo algo ou naquelas em que vivencio, por meio do meu corpo, de meus sentidos, o objeto do conhecimento, reconstruindo-o, ressignificando-o.

A fase seguinte, para Huberman (1992), seria o "por-se em questão" quando, mais ou menos no meio da carreira, entre o 15º e 25º anos de ensino, "as pessoas se põem em questão, sem haver uma consciência muito clara do tipo de diversificação, nem do que é que está a ser posto em questão” (Op. Cit. p. 43). É a fase do balanço, onde as pessoas pesam o que conseguiram produzir ou realizar, as experiências e os fracassos e encaram a hipótese de seguir outras carreiras ou de produzir mudanças no percurso do ensino. O autor é contundente ao afirmar que:

[…] não há nenhuma indicação na literatura empírica no sentido de provar que a maioria dos professores passa por uma fase assim. Por outro lado, é evidente que os parâmetros mais sociais - as características da instituição, o contexto político ou econômicos, os acontecimentos da vida familiar - são igualmente determinantes […] as condições de trabalho na escola que acentuariam ou diminuiriam a monotonia em situação de sala de aula em termos tais que pudessem induzir, ou afastar, os sintomas que integram o "questionamento a meio da carreira” (HUBERMAN, 1992, p. 43).

No entanto, posso afirmar, com base no relato a seguir, que vivenciei essa fase de questionamento, tomando novos rumos em minha carreira docente:

Em 2010 comecei a namorar meu atual marido, um apaixonado pela Arte e que, além de trabalhar na área de designer gráfico, é um incrível fotógrafo ainda não descoberto. Ele me (re)ensinou a ver o mundo por meio dos sentidos: a olhar a lua no céu, perceber um ipê florido, sentir o perfume de uma dama da noite, apreciar diferentes texturas, ouvir e dançar diferentes músicas. Em 2012, depois de anos estudando somente sobre alfabetização, sensibilizada pelas novas experiências pessoais e diante da oportunidade de fazer um curso de Arte Educação (jamais pensaria num curso desses antes), uma parceria entre a Secretaria da Educação de Sorocaba e a ECA-USP, joguei-me de cabeça. Passei dois anos, todos os finais de semanas, nesse curso que foi outro marco em minha vida profissional. Foram experimentações de todos os tipos: traços, pontos, curvas, de instrumentos variados, de sons e silêncio, do corpo por meio da musicalização, dos movimentos da dança e de jogos teatrais. Foi um reencontro com antigas experimentações. Antes, achava que de Arte eu não entendia nem gostava. (Re)Apaixonei-me e todo aquele enamoramento que acompanhou-me desde a infância se concretizou e meu mundo se ampliou de possibilidades. Percebi que de Arte não sabia nada mesmo, mas que era possível aprender, e melhor: aprender junto com meus alunos! Enquanto profissional da Arte Educação, tudo aquilo que sempre achei importante mediar de conhecimento junto aos meus alunos, percebi que era muito mais possível e viável por meio da Arte e foi o que comecei a fazer. Pude comprovar o quanto é mais fácil ser professora mediadora por meio da Arte e que as crianças amam, se interessam, se envolvem, experienciam, discutem, pesquisam, analisam, criticam, se constituem. Em 2013, ainda durante o curso de Arte Educação, em outra parceria da secretaria, pude realizar um curso de animação pelo Anima Escola, projeto do Marcos Magalhães, um dos grandes animadores brasileiros. Mais uma vez me encantei e mais uma vez meus alunos se encantaram. Produzimos, naquele ano, duas animações, nas quais as crianças, na época de oito anos, participaram de todas as fases de produção de uma animação, desde a criação da história à edição. […] Continuei, até o final desse ano, com o trabalho mediado pela Arte com uma nova turma e as produções foram novamente incríveis, tanto na animação, quanto na

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música - nesse ano desenvolvi um projeto de musicalização, em que os alunos foram os compositores e intérpretes de suas produções.

No que chama de segunda parte da carreira, entre os 45-55 anos, o autor aponta a fase da “serenidade", ou "distanciamento afectivo”, onde os professores sentem não ter nada mais a provar aos outros ou a si próprios, sentem o grau de ambição descer, onde baixam o nível de investimento e elevam-se a confiança e a serenidade. Os professores podem deixar-se "conduzir um pouco” e apresentam a maior característica da fase: “o distanciamento afectivo face aos alunos” (HUBERMAN, 1992, p. 44).

Em parte esse distanciamento é criado pelos alunos, que tratam precisamente os professores muito jovens como irmãos ou irmãs mais velhos (as) e que, subtilmente, recuam esse estatuto aos professores com idade dos próprios pais (HUBERMAN e SCHAPIRA, 1979 apud HUBERMAN, 1992, p. 45).

Mais ou menos entre os 50-60 anos, os professores chegariam a fase do “conservantismo” ou das “lamentações”, onde haveria queixas

[…] da evolução dos alunos (menos disciplinados, menos motivados, ‘decadentes’), da atitude (negativa) para com o ensino, da política educacional (confusa, sem orientação clara, por vezes ‘demasiado frouxa’), dos seus colegas mais jovens (menos sérios, menos empenhados), etc (HUBERMAN, 1992, p. 45).

Huberman (1992) aponta que, para alguns autores, trata-se de uma sequência, na qual os professores passariam da fase da serenidade para uma fase de conservantismo, para outros autores, “[…] a situação é menos clara. […] As coisas não são assim tão simples. Os professores conservadores chegam lá por vários caminhos (um questionamento mais prolongado, na sequência de uma reforma estrutural que fracassa ou face a uma reforma a que se opõem)” (Op. Cit.). O autor aponta a relação entre os estudos do ciclo de vida e os estudos do ciclo de vida profissional dos professores: a tendência central de um perfil que abarca um número grande de pessoas, mas nunca a totalidade de um conjunto, assim, como é apontado pelo autor, diversos autores sublinham que mesmo não podendo agregar as pessoas num mesmo grupo, sem primeiro conhecer suas histórias, seus antecedentes e o contexto em que vivem, "a relação entre a idade e o conservantismo, bem entendido, é muito clara” (Op. Cit.) e é assinalada pela tendência a verdades absolutas, inflexibilidade, criteriosidade acentuada, ao antagonismo às inovações, à nostalgia.

A última fase, a do “desinvestimento”, ao final da carreira, é comparada, pelo autor, ao cenário de Cândido, de Voltaire, na qual “as pessoas fogem dos horrores e decepções da vida social para ir cultivar o seu jardim” (HUBERMAN, 1992, p. 46). Como deixa clara a comparação: os professores alforriam-se, sem lamentações, do investimento no trabalho para dedicarem mais tempo para si próprios e aos interesses fora da escola. Seria um momento de

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maior reflexão, mais filosófico, o que não quer dizer, necessariamente, um eventual “descomprometimento", mas uma possível “focalização maior (sobre certas turmas, certas tarefas, certos aspectos)” (Op. Cit.).

É importante ressaltar, que durante toda explanação, Hubermam (1992), aponta que, por mais que explicitem-se as fases, cada sujeito é único, com história e especificidades diversas, ou seja, as pessoas não são sujeitos passivos, "não são fantoches manipulados do exterior. O desenvolvimento humano é, em parte, 'teleológico', isto é, o actor humano observa, estuda, planifica as 'sequências’ que percorre e, posteriormente, pode vir a alterar ou determinar as características da 'fase’ seguinte” (HUBERMAN, 1992, p. 53). Outra variante a ser considerada é que a pesquisa do autor, assim como a análise aqui realizada, baseiam-se em relatos de pessoas sobre determinada época/tempo de suas vidas/carreira docente, “ao aceitar a importância de um relato na primeira pessoa, se assim se pode dizer, deve-se igualmente assumir as contingências dele decorrentes.” (Op. Cit. p. 58). Uma delas é a memória e seu funcionamento. A memória é uma imagem interpretativa formada e armazenada no contexto do momento vivido, assim como é uma interpretação do sujeito no momento que as relata, na busca de dar sentido aos fatos narrados à luz das representações produzidas desde então: “nosso passado constitui menos uma realidade do que uma série de ideias sobre essa realidade, ideias que se modificam imperceptivelmente com o tempo” (Op. Cit.), ou, como afirma Arroyo (2014, p. 29), “toda narração é um acerto de contas”.

Sempre que preciso retomar minhas memórias, me vêm diversas questões: quais são minhas memórias originais, quais são as memórias construídas não pela lembrança do vivido, mas pelas trocas com as memórias de irmãos, pais, tios, primos, amigos com os quais convivi? O ponto de vista do outro influencia e modifica nossas memórias? Por exemplo, penso que não tenho memória do vivido nos meus três primeiros anos de vida, mas tenho memória do que me foi contado inúmeras vezes por meio da memória das pessoas que me acompanharam nos percursos dessa fase da vida. Entre o pensar que não tenho memória do vivido por mim e as memórias do vivido pelas pessoas ao meu redor, fico sempre com a questão: o que lembro, ocorre-me porque vivi ou porque alguém me contou que assim foi? Uma certeza tenho, minha constituição enquanto sujeito de meu viver se deu pelos dois tipos de memórias. Diante dessas divagações, atrevo-me a "ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já”, como nos incita Saramago, buscando compreender o caminho que até aqui me trouxe.

No entanto, conforme o autor, não se pode simplesmente descartar os dados da pesquisa realizada, sendo possível, metodologicamente, analisar e classificar os dados coletados, uma vez que são feitos e apresentados os devidos recortes de perfis e contextos. Assim, concluiu que a carreira docente "apresenta algumas constantes, componentes que pouco se alteraram no decurso dos anos. As expectativas sociais, a gama de actividades, a

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