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Luteranos: migração, urbanização e proletarização

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Academic year: 2021

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O b s e rv a ç õ e s In tr o d u tó ria s a P a r tir d e U m E stud o d e C aso

O n e id e Bobsin

P re s s u p o s to s

Uma das tarefas da sociologia da re ligião consiste em descobrir como as variações dos fenôm enos religiosos têm sido condicionadas pe­ las mudanças ocorridas na sociedade. Isto e quivale a dizer que as mu­ danças nas religiões são reflexos das transformações sociais. Com certe­ za, tal em preendim ento da sociologia da re ligião dá m argem a obje- ções. E uma delas diz respeito à redução da re ligião a um fen ô m e no so­ cial. Neste sentido a sociologia deve ser considerada como uma das pos­ sibilidades de análise científica da re ligião . A consciência da redução é um pressuposto que conduz o sociólogo da re lig iã o a cam inhos não redu- cionistas. Além do mais, ao pesquisador da relação entre sociedade e re­ ligião é fun d am en ta l ter sempre presente que os resultados de sua a tiv i­ dade tam bém estão condicionados socialm ente .

Cabe destacar que pode haver m uita sem elhança entre cientistas da re lig iã o e determ inados teólogos, quando ambos os grupos sustentam a idéia de que a sua produção teórica não está condicionada socialm en­ te. Tais teólogos se consideram porta-vozes da "p u ra re v e la ç ã o " de Deus, sem màrcas hum anas e sociais. Os pesquisadores das re ligiõe s po­ dem incorrer no mesmo erro se considerarem possível a realização de seu trabalho num laboratório asséptico, longe dos "g é rm e n s pato gê n ico s" de sua posição na estrutura social. Ambos os grupos correm o risco de caírem em dogmatismos, na busca de verdades eternas e incondiciona- das. Sob o argum ento da neutralidade e o b jetivida d e científicas, assu­ mem inconscientem ente uma postura com prom etida, pela omissão, com a id e o lo g ia dom inante. Para estes, os ideólogos sempre são os outros.

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A consciência dos condicionam entos e do lugar social onde se en­ contra o pesquisador nos mostra que a ciência " é relativam ente autôno­ ma na sua esfera de a tivid ad e p ró p ria ."1

Relembremos a velha estória sobre o Barão de M ünchhausen. M ontado em seu cavalo, o Barão ficou preso num a toleiro. Sem possibili­ dade de pedir a juda a alguém , o Barão resolve agarrar-se a seus pró­ prios cabelos puxando-os para cima, trazendo entre suas pernas o a ni­ mal. Há pesquisadores que se parecem com o Barão; outros, porém , "descem do ca v a lo ", sujam os seus pés e desatolam o anim al.

Por razão de sua pertinência, a sociologia, como as dem ais ciên­ cias, é m etodologicam ente atéia.A s ciências da re lig iã o não recorrem a Deus como pressuposto fundante ou e xplica tivo das leis que regem o uni­ verso sócio-religioso. Para a sociologia da re lig iã o , o discurso das pes­ soas sobre Deus consiste na fa la delas sobre si mesmas em circunstâncias concretas. Ao dem onstrar para a te o lo g ia os seus condicionam entos so­ ciais, a sociologia possibilita aos teólogos uma reflexão crítica da re a li­ dade onde se desfaz a confusão entre " o que é " e " o que deve ser".

1 — P re c e d e n te s H is tó ric o s e H ip ó te s e s

A Reform a P rotestante

A Reforma Protestante do século XVI está situada na transição do mundo feu d al da Idade M édia para o m undo burguês, particularm ente o capitalism o com ercial na sua fase de acum ulação prim itiva. A desagre­ gação do feudalism o europeu ocidental já vin h a acontecendo desde os séculos XIV e XV. É anterior à Reforma. A pró pria Reforma Protestante ti­ nha os seus precedentes. Na fase de transição, portanto, o modo de pro­ dução não se situava nem no feudalism o nem no capitalism o. Na A lem a­ nha a servidão chegou ao fim só no início do século XIX.

As mudanças sociais e econômicas incidem na cosmovisão re lig io ­ sa de um povo. Como já frisamos, a ordem fe u d a l ingressa na sua fase mais aguda de desintegração no século XVI. A exploração dem ográfica, o conflito social no campo, a criação de um sistema de troca mais univer­ sal baseado num e quivalente geral e, acim a de tudo, a liberação dos tra­ balhadores de suas condições objetivas de trabalho, na form a de terra

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ou artesanal, causaram profundas mudanças na sociedade. Tais m udan­ ças tiveram seus reflexos na visão religiosa do povo.

Para Erich Fromm, o indivíduo tinha perdido a segurança em suas certezas e se sentia am eaçado pelas novas forças econômicas. O princí­ pio da corporação deu lugar ao da com petição. As classes baixas nas ci­ dades e no cam po foram extrem am ente exploradas. Os pobres foram privados de seus direitos tradicionais2. 0 ataque de Lutero à auto rid a de pa­ pal deve ter liberado forças populares até então represadas por uma vi­ são de m undo hierarquizada. A Lutero, porém , fa lto u a mesma radicali- dade em relação às autoridades seculares. Certam ente isto não se en­ quadrava em seu esquema teológico, o que não im pediu Lutero de fazer fortes críticas às autoridades e de ter apoiado, pelo menos na sua fase re ivindicatória, a luta dos camponeses.

A lém das mudanças m encionadas acim a, o período da Reforma com preendeu uma visível transform ação de um im pé rio universal para estados nacionais. Outra mudança fun d am en ta l estava relacionada com a negação da hierarquia eclesiástica como m ediadora entre as pessoas e Deus. A possibilidade de uma relação im ediata com o d ivin o deve ter si­ do um elem ento fundam ental para o surgim ento do individualism o. Ao rom per com a instituição m ediadora da relação entre as pessoas e Deus, a Reforma possibilitou a apropriação in d ivid u al da re lig iã o . Ao mesmo tem po, a igualdade de todas as pessoas, tanto na graça quanto no peca­ do, introduzia um "ig u a lita ris m o e s p iritu a l". Ao menos no universo re li­ gioso havia um princípio dem ocrático, negador da hierarquia. Na o pi­ nião de Marcuse

"O Protestantismo luterano e calvinista, que deu origem à dou­ trina cristã da liberdade em sua forma decisiva para a socieda­ de burguesa, está ligada ao advento de uma nova sociedade 'jovem ', que teve que conquistar sua existência numa luta sem trégua contra as autoridades vigentes.''^

Foram os m om entos em que o espírito protestante se a firm o u em seu caráter contestador o rig in a l ao longo da história do protestantism o. De modo geral, o protestantismo se adequou à id e olog ia burguesa. Se esta avaliação não faz justiça ao pensam ento de Lutero, com certeza o fará em relaçao ao m ovim ento que leva o seu nome. No luteranism o a li­ berdade espiritual interior — onde o hom em é senhor livre sobre todas

2 — Yinger, J.M. Religion, Sociaty and th* individual, 1957, p390. 3 — Marcuse, H. idéia* tobra uma Taoria Crítica da Sociadada, 1981, p59.

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as coisas— fo i subjugada pelo d om ínio político, a esfera externa onde a pessoa é serva de todos. A liberdade in d ivid u a l é uma conquista burgue­ sa.

Vem a calhar nesta discussão a opinião da Paul Tillich sobre o lu- teranism o alem ão. Ela será m encionada a seguir por haver ainda uma forte relação de dependência teológica e fin a n ce ira do etno- luteranism o brasileiro da Igreja Evangélica da A lem anha. Tillich a fir­ mou: "N este país sempre se deu por suposto que a estrutura social era a l­ go ordenado por Deus"4. A afirm ação de Tillich sobre o luteranism o a le ­ mão pode se a plicada para a história da Igreja Evangélica Luterana no Brasil, não obstante m anifestações recentes que procuram incentivar os cristãos luteranos para o compromisso sócio-econôm ico em contrposição às gritantes contradições da estrutura social e econôm ica. Entre outras manifestações de órgãos d ire tiv o s , destacamos um trecho do docum ento "Nossa Responsabilidade S ocial", onde é confessada a omissão dos cris­ tãos diante da re alidade social:

"Nós assim nos omitimos no âmbito de nossas comunidades, onde fechamos os olhos diante do que se passa ao redor de nossos templos. Nós assim nos omitimos em âmbito nacional, fechando os olhos diante das injustiças sofridas por compatrio­ tas nossos. Nós assim nos omitimos diante do sofrimento dos

povos e indivíduos em todo o mundo. Assim agindo, tornamo- nos desobedientes e negamos aquele que confessamos como nosso Senhor."5

Mais adiante o docum ento desafia as com unidades e os in d iv í­ duos para uma ação coletiva em detrim ento da prática assistencial indi­ vidual e paternalista. O docum ento aponta para a necessidade de mu­ danças estruturais.

O Caso Chileno

Em 1970, chega ao poder, como expressão da vontade do povo chileno, a U nidade Popular liderada por Salvador A lle n de . A Unidade Popular iniciou um program a de transição para o socialismo dentro da or­ dem democrática.Em contraposição a este projeto, um m ovim ento

4 — Tillich, P. P * n ia m i* n to C ristiano y C ultura * n O c c id a n t*, 1977, 502.

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contra-revolucionório, fom en ta nd o uma reação interna, apo ia d a pelo im perialism o norte-am ericano, interrom pe a transição para o socialism o. Em setembro de 1973, fo i derrubado o Governo constitucional de A lle n - de, assumindo o poder as forças armadas, que até então tinham sido vis­ tas sob o enfoque do profissionalism o m ilita r sem conotação política.

Após o golpe m ilitar, fo i form a do um Comitê N acional de A ju d a aos Refugiados. A Igreja Evangélica Luterana do Chile tom ou parte neste com itê por algum tem po. Depois de um período de participação no Co­ m itê, surge um m ovim ento cujo propósito reside na cam panha pelo afas­ tam ento da representação da Igreja Luterana do Comitê de A ju d a aos Re­ fugiados. Por esta época já se percebia um alinham ento de setores da

IELCH com o regim e m ilitar. As discussões internas desem bocaram num cisma em 1976. Com o cisma surge uma outra Igreja Luterana no Chile. A declaração de princípios revela com m uita clareza a natureza dò ruptura: o co nflito social. O compromisso p olítico dos dissidentes com o regim e m ilita r se evidencia no item " b " de sua declaração de princípios: " a IELCH é contra a politização da Igreja e a clericalização da p o lítica (CA XXVIII), rejeitando por isso o m arxism o, a teologia da libertação e a re­ volução, bem como a atuação subversiva do C M I".6

A Revolta dos M ucker

Entre 1868 e 1874, Sapiranga fo i palco de um m ovim ento messiâ­ nico liderado por Jacobina M aurer. Nosso interesse em fazer referências aos M ucker diz respeito ao fato de que nesse m ovim ento a m a io ria dos participantes era evangélica7. O m ovim ento teve como causa o processo de m arginalização de fam ílias na colônia alem ã de São Leopoldo, fu n ­ dada em 1824. Em quatro décadas, a colônia passou de um período de igualdade inicial para uma fase de diferenciação social. O surgim ento de classes é assim descrito por Janaina Am ado:

"Nascidos ainda na 'sociedade igual' do início da colonização, vivenciaram todo o processo de abertura da economia colonial à economia de mercado, integrando-se nela sem obter benefí­ cios, e na idade mais produtiva se defrontaram com a falta de perspectivas dos anos 70.(...) Marcados pela dubiedade, ti­ nham em comum apenas a descrença num futuro próximo mais alentador."7

6 — W esthelle, V. Embaraços do Lutoranismo Latino Am oricano — O Paradigma C hileno, 1977, p.39, apud W agner, R.Marz, 1977.

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O controle de preços e a concentração de terras fizeram dos co­ merciantes uma elite com poder na colônia. Nas antigas colônias alemãs e naquelas em que hoje persiste o velho estilo colonial, o com erciante sempre fo i e continua a ser alguém com poder. Era o forte interm ediário. Em sua venda, o colono com prava os produtos industrializados a ali ven­ dia os produtos excedentes da agricultura de subsistência. Antes de en­ tregar a sua safra para o com erciante, o colono já se encontrava em dé­ bito com o prim eiro. Na m aioria das vezes, o com erciante forte fez o pa­ pel de banqueiro.

No período em que se gestou a revolta, as com unidades estavam sob liderança de pastores com form ação teológica acadêm ica. Os pasto­ res enviados pela A le m a nh a vieram substituir os colonos-pastores. Por três ou quatro décadas, as com unidades evangélicas foram atendidas em suas necessidades espirituais por colonos que se destacavam ou profes­ sores. O processo de m arginalização social e a inexistência de um clero com a visão da teologia o fic ia l devem ter favorecido o surgim ento de um am biente de reinterpretação da re ligião . A partir de suas condições obje­ tivas, as pessoas reinventam a re lig iã o , sem, no entanto, rom per aberta­ m ente com a visão religiosa da m aioria e com suas comunidades. M oacyr Domingues levanta um a pergunta interessante a respeito da re­

lação dos M ucker com as Igrejas Católica e Evangélica:

"Agora inquirimos: não se diz que os Mucker fundaram uma 'seita', isto é, uma nova religião? Se- eram irredutíveis 'fanáti­ cos religiosos', por que continuavam a acatar seus pastores e padres, que tão duramente os vinham combatendo? Por que, até abril de 1873 — isto é, apenas um ano antes do epílogo do drama — continuavam a casar-se, batizar e confirmar seus fi­ lhos, como sempre haviam feito?"®

Em 1874, no auge do m ovim ento, ocorre a ruptura dos Mucker com a re lig iã o o ficia l. Não temos condições de a firm a r se os pastores evangélicos assumiram ou não uma postura hom ogenea em relação aos M ucker. E provável que pastores se colocaram ao lado de padres e da elite, bem como da m a io ria da população, e "c ru c ific a ra m " os Mucker. O grupo ficou isolado no Ferrabráz, e foi dizim ado pelas forças m ilitares. N ovam ente "o s filhos pediram pão, e os pais lhe deram uma serpente".

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Consciência de Classe e Secularização

O co nflito social e ideológico perpassa as Igrejas, form ando em seu interior blocos antagônicos, no "caso c h ile n o ", o cisma é provocado por setores com prom etidos com o regim e m ilita r. Embora a co n flitiv id a d e social esteja na base tanto da ruptura do luteranism o chileno quanto do m ovim ento messiânico liderado por Jacobina M aurer, o últim o d ife re bastante do prim eiro. No prim eiro caso, ocorreu uma ruptura no nível institucional, ao passo que, no segundo, a igreja ficou intacta ao perder uma parcela de fié is que foram em pobrecidos. Nos dois casos, a institui­ ção não fo i capaz de cooptar os dissidentes e m arginalizados. De m odo geral, os mecanismos de cooptação no protestantism o são frágeis. O pro­ testantismo cresce por cissiparidade e o catolicism o por cooptação.

A m arginalização social e o compromisso das instituições eclesiás­ ticas com a classe dom inante podem levar camadas em pobrecidas de fiéis a uma ruptura via secularização ou sectarização religiosa. Se o pro­ cesso de secularização ocorrer p aralelam ente ao avanço da consciência de classe, através de mediações políticas, sindicais e sociais, poderá até surgir uma visão crítica da re ligião . A Europa tem exem plos desta tercei­ ra possibilidade de ruptura com as instituições religiosas, que d iferem de casos sem elhantes ao do luteranism o chileno e ao dos m ovim entos mes­ siânicos. Paul Tillich percebeu as conseqüências do "c a tiv e iro burguês" do protestantism o na Europa, e afirm ou:

"...as condições dos trabalhadores agrícolas, de onde surgiram originalmente todos os obreiros urbanos, porque não havia in­ dústria, e quando esta começou, vieram das aldeias, mas nes­ tas as classes baixas já estavam separadas das igrejas pois estas sempre estiveram do lado das classes altas."9

O surgim ento da classe operária está vinculado ò industrialização, à urbanização e ao processo de m igração. Hobsbawm a firm a que a m i­ gração, norm alm ente do campo para a cidade, e o contato com a cidade conduzem ao d eclínio da prática religiosa, em certos casos mesmo entre com poneses.10 Seguindo com a análise sobre a Europa podemos agregar a este fa to r de d eclín io da prática religiosa tanto o avanço da sociedade burguesa de consumo quanto o desenvolvim ento de m ovim ento socialis­ ta e comunista.

9 — Tillich, P. op. cit.,p475.

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Através de Cuba e Nicarágua, a A m érica Latina entrou no circuito das revoluções socialistas. Nesses processos revolucionários, com ruptu­ ras estruturais, as classes populares desem penharam e desem penham um papel fundam ental. No que diz respeito à relação entre re lig iã o e processo revolucionário, a A m érica Latina está revelando novos ele­ mentos que a diferenciam dos m ovim entos socialistas e comunistas da Europa. Tomemos como e xem plo o caso nicaragüense. Lá, os cristãos es­ tiveram presentes no processo de transform ação social. Da Europa para a A m érica Latina, a relação entre re lig iã o e processo revolucionário sofre algum as mudanças, que ain da não foram bem analisadas. Mesmo que os processos revolucionários latino-am ericanos e a participação de cris­ tãos nas lutas populares tenham colocado novos elem entos na relação entre re lig iã o e política, a a valiação que Hobsbawm fez do avanço dos m ovim entos socialistas na Europa pode fica r em nosso horizonte caso avançar a ofensiva conservadora daquelas Igrejas que tim ida m e n te estão apoiando as lutas populares e de libertação: " O m ovim ento socialista m oderno desenvolveu-se como uma id e olog ia secular esm agadora e com freqüência, de fato , com o um a ideologia m ilita n te a n ti-re lig io s a ."11 Após estas incursões generalizantes em casos com plexos como os m encionados acim a, voltem os ò análise para o caso particular, objetivo destas observações introdutórias. Antes, porém , de partirm os para o es­ tudo de caso, faz-se necessário perguntar se no etno-luteranism o brasilei­ ro, mais especificam ente na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), não estão presentes as tendências m encionadas acim a: se- cularização articulada com a urbanização e a proletarização, cativeiro burguês de setores da instituição, afastam ento da com unidade daqueles que estão num processo de pauperização e avanço da consciência crítica em função do avanço do processo dem ocrático e participação sócio- política. E m uita pretensão de nossa parte dar respostas a todas as ques­ tões im plicadas na discussão acim a. No m om ento pretende-se apenas le­ vantar hipóteses e fo rm u la r problem as.

2 — E studo d e C aso: C o m u n id a d e E v a n g é lic a d e S a p u c a ia d o Sul

Qual a relação entre um a amostra particular e as tendências ge­ rais de uma sociedade? É possível in fe rir conclusões plausíveis a partir de um universo tão restrito como é o caso da C om unidade Evangélica de Sa­

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pucaia do Sul? Mais da m etade da população do m unicípio de Sapucaia do Sul passou pelo processo de migração. Mais adiante terem os os dados confirm ando que a m aior parte dos filia d o s à C om unidade Evangélica em foco é o riunda do interior do Rio Grande do Sul. A m igração no Brasil deve ser vista como um subprocesso do desenvolvim ento de um capita­ lismo dependente e periférico. Portanto, não estamos diante de um caso isolado. Em m aior ou m enor grau, o que acontece com Sapucaia do Sul pode estar se repetindo noutros centros m etropolitanos do País.

A nalisarem os os dados colhidos pelo Censo da IECLB realizado em 1987. Trabalharem os com dados relativos a a proxim adam ente 50% da população adulta da Com unidade. Como estamos analisando dados pes­ soais, a ressalva de Paul Singer se torna m uito esclarecedora:

"É mister, no entanto, submeter este tipo de procedimento a uma crítica mais radical. O mais provável é que a migração se­ ja um processo social, cuja unidade atuante não é o indivíduo mas o grupo. Quando se deseja investigar processos sociais, as informações colhidas numa base individual conduzem, na maioria das vezes, a uma análise psicologizante, em que as principais condicionantes macro-estruturais são desfiguradas quando não omitidas12.

A C om unidade Evangélica em foco a inda não com pletou 25 anos de existência. Seu crescimento num érico se deve à vinda de fa m ília s evangélicas do interior do Rio Grande do Sul para a Grande Porto A le ­ gre. Filiam-se à C om unidade aquelas fa m ília s cuja tradição a inda está sendo alim en tad a pela experiência do m undo rural. De m odo geral, a f i­ liação à Com unidade acontece em função do batismo das crianças e da confirm ação dos adolescentes. Por razões inerentes ao processo m igrató­ rio a vinda para a cidade acontece por ocasião do casam ento. A fo rm a ­ ção de um novo lar im plica em m igração para a cidade. Outra form a de admissão à Com unidade se dá pelo casamento: um dos cônjuges acom ­ panha a parte e van g élica 13. A adesão de pessoas de outros credos é m uito rara.

12 — Singer, P. Economia Polftica da U rboniiação, 1983, p.51.

13 — Cf. dados do Censo da IECLB, 1987, referentes a 200 pessoas adultas da Com unidade Evangéli­ ca de Sapucaia do Sul. A respeito de casamento de pessoas não evangélicas (exogam ia), têm- se os seguintes números: das 102 m ulheres, 39 deixaram a sua Igreja e acom panharam o m a­ rido; dos 98 homens, 14 ocompanharam os esposas na re lig iã o evangélico. Q uanto ò origem étnica, o quadro é o seguinte: alem ã, 143; portuguesa, 39; ita lia n a , 11; outras, 8, destas 1 pes­ soa é de origem africana.

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O m unicípio de Sapucaia do Sul está na região m etropolitana de Porto A legre. Dista 28 km da capital gaúcha. Emancipou-se de São Leo­ poldo em 1962. Pode ser considerada uma cidade-dorm itório.

M igração

TABELA I: M igração

M ulheres Homens Total %

Rural para o Urbano 58 55 113 56,5

Urbano para o Urbano 41 41 82 41

Nasceram em Sapucaia 3 2 5 2,5

Total 102 98 200 100

Os dados da tabela I revelam que 97,5% das duzentas pessoas passaram de uma form a ou de outra pela m igração. Do total das pessoas, 56,5% são oriundos da área rural. Das cidades pequenas do interior do Rio Grande do Sul vieram 41 % das pessoas. Em relação a este últim o da­ do, precisamos fazer algum as observações. Por não termos analisado a localidade de nascimento — e de criação — suspeitamos que um peque­ no núm ero expressivo daqueles que declararam ter vindo de cidades pe­ quenas do interior do Estado tem passado a infância e a juventude no m undo rural. O contato pessoal nos autoriza a levantar esta suspeita. Com exceção de 2,5% da m etade da população adulta, a m aioria está marcada pelo modo de vida rural. No m om ento esta população se en­ contra num a fase de transição. Já seus filhos passarão pelo processo de socialização num contexto urbano.

Segundo os dados da METROPLAN e da Fundação de Economia e Estatística, em 1985, a população de Sapucaia do Sul era de 103.101 ha­ bitantes. As mesmas estim ativas dizem que em 1990 Sapucaia do Sul terá uma população de 124.400 habitantes14. De acordo com o levantam ento destes órgãos estaduais de econom ia e estatística, em 1970, a população m igrante em relação à população total do m unicípio correspondia a 64,1 % . Em 1970, a população de Sapucaia do Sul era de 41.744 pessoas; destas, 26.735 passaram pelo processo de m igração15. A taxa de

cresci-14 — Cf. Funda ção de E conom ia e Estatística, Região Metropolitana de Porto Alegre, p . 103. 15 — Cf. Funda ção de E conom ia e Estatística, M igrações internas — RS, 1976, p.34.

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mento populacional deste m unicípio, de 1970 até 1980, foi de 6 ,6 4 % 16. Comparando a população de 1970 com as estimativas para 1990, pode­ mos a firm ar que a população triplicará em 20 anos.

Trabalho e Religião

TABELA II: Ocupação Profissional

Profissão M ulheres Homens Total %

Empreqado Urbano 21 63 84 42

Pequeno e médio em preqador 2 8 10 5

Empresário 2 3 5 2,5

Trabalhador urbano sem vinc.

em preqatício 6 5 11 5,5 Servidor Público 9 3 12 6 Aposentado/Pensionista 2 11 13 6,5 Do lar 56 __ 56 28 Doméstica 1 __ 1 0,5 Autônom o 1 4 5 2,5 Estudante 1 __ 1 ■ 0,5 Profissional Liberal 1 1 2 1 Total 102 98 200 100

A proxim adam ente 50% são trabalhadores assalariados. Alcança­ mos esta cifra somando aos 42% que estão ligados d iretam ente ao pro­ cesso produtivo nas fábricas os servidores públicos, domésticas e profis­ sionais liberais. Merece destaque o núm ero expressivo de m ulheres que se dedicam à adm inistraçao do lar. Embora não sejam rem uneradas, seu trabalho está em função das atividades do m arido e dos filhos. Dão con­ dições para a reprodução da força de trabalho. A proxim adam ente 20% das mulheres trabalham no processo produtivo nas fábricas, o que signi­ fica, em muitos casos, dupla jornada de trabalho. Portanto, os dados da tabela II mostram uma forte tendência ò proletarização. A proxim a da ­ mente 63% dos homens estão ligados diretam ente ao processo produti­ vo. Autodenom inam -se "p e õ e s ".

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Resultados parciais17 de uma outra pesquisa, que está sendo rea­ lizada entre luteranos de algumas paróquias do Vale dos Sinos, têm de­ monstrado que, de 50 pessoas entrevistadas, 34 eram agricultoras antes de virem para a cidade. Outras 5 eram crianças ou jovens quando seus pais deixaram as lides agrícolas. Das 50 pessoas, 92% vendem a sua fo r­ ça de trabalho na indústria da região, 4% são autônom as e as demais (4% ) se ocupam com afazeres domésticos. Também estes resultados par­ ciais confirm am a tendência de proletarização dos evangélicos luteranos que m igraram da roça para a cidade.

Os dados da tabela II dem onstram que 7,5% da população que está sendo focalizada podem ser considerados pequeno ou m édio em­ pregador e em presário. Entre os empresários estamos contando as espo­ sas de alguns, por elas trabalharem junto à em presa. Podemos conside­ rar empresário capitalista apenas 2,5% da população da Com unidade Evangélica de Sapucaia. Não há o grande em presário capitalista. O pe­ queno grupo de empresários pode ser d iv id id o em burguesia industrial — fábrica de calçados, porte m édio — e burguesia com ercial. Podemos considerar donos dos meios de produção 2,5% dos m embros da Com uni­ dade. Entre o pequeno e m édio em pregador urbano, foram colocados aqueles com erciantes que trabalham com suas fa m ília s e mais alguns empregados.

Racionalização e A lienação

A ciência e a técnica do mundo m oderno prescindem da religião. Também é bastante visível o enfraquecim ento da in flu ên cia da re ligião sobre a ética. Então, porque se preocupar com a relação frá g il entre re li­ gião e as relações sociais do trabalho? Entre as classes populares e dom i­ nadas, a re lig iã o não perdeu o seu vigor.O sagrado está se revitalizando em parcelas significativas das classes populares. A lém disso, as classes trabalhadoras estão condicionadas pelo modo de vida rural onde a re li­ gião sempre desem penhou a função de coesão social. Florestan Fernan­ des caracteriza o p eríodo de form ação de am plos setores da classe traba­ lhadora com as seguintes palavras:

"M a s a concentração de uma pop ulaçã o que busca o trabalho industrial mas que não tem adestram ento para o trab alh o in­ d ustrial, istc não tin ha sido a na lisa do a in da . São os cham ados peões que têm uma co nfiguração nova. Eles estão vivendo um

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processo no qual se tornam sim u ltan e am en te urbanistas, quer dizer, m oradores da cidade, e se p ro le ta riza m , tornam -se ope­ rários. Essa massa de trabalhadores se sobrepõe a um núcleo m enor de trabalhadores a ltam en te q u a lific a d o s ."1®

A te o ria sociológica sobre a relaçao entre re lig iã o e trabalho está bastante m arcada pelas pesquisas de M arx e M ax W eber. Na "Ética Pro­ testante", M ax W eber faz referência ao conceito de vocação (Beruf) em Lutero. Ao rom per com a divisão entre vida m onacal e secular, o protes­ tantismo propugnou a violência da vontade de Deus nas relações cotidia­ nas do trabalho. Para alcançar a "s a n tid a d e ", não mais é necessário se recolher a um convento. Na opinião de Lutero, as pessoas nada precisam fazer para Deus. A salvaçao pode ser alcançada pela graça de Deus por meio da fé (sola fid e, sola g ra tia).N a o pinião de W eber, a superação da divisão da re a lid a de entre sagrado e profano, prom ovida pelo protestan­ tismo, se constitui num dos elem entos fundam entais para o surgim ento de uma ética in trá m u nd a na .19

Segundo Feuerbach, a re lig iã o é fruto da projeção hum ana. Ela pode ser reduzida à antropologia. M arx pressupõe esta crítica e dá um passo além . Ele busca na econom ia as razões que levam as pessoas a projetarem num deus as suas limitações. Nos "M anuscritos Econômico Fi­ losóficos", de 1844, M arx a firm o u o seguinte:

"Todas estas conseqüências estão determ inadas pelo fa to de que o tra b a lh a d o r se relacio na com o produto de seu tra b a lh o com o com um objeto estranho. Efetivam ente, p artind o desta premissa, é e vid en te que quanto mais se m ata o tra b a lh a d o r, tanto mais poderoso se torna o m undo m aterial a lh e io a ele, tanto m enos é dono de si mesmo. A m esm a coisa acontece com a re lig iã o . Q uanto m ais o hom em põe em Deus, m enos g u a rd a para si m e s m o ."2®

18 — Fernandes, F. A Transição e as Tarefas da Classe Operária, 1987, p. 19.

19 — W e b e r, M . Die Protestantische Ethik: "Es K om m t also in de m B e g riff 'B e ru f' Jenes Z e n tra ld o g ­ m a a lle r P rotestantischen D e n o m in a tio n e n zum A usdruck, w e lc h e s d ie K atho lische U n te rsch e i­ d u n g d e r c h ris tlic h e n S ittlic h k e its g e b o te in 'p ra e c e p ta ' u n d 'c o n s ilia ' v e r w irft und als das e in z i­ ge M itte l, G ott W o h lg e fä llig zu le b e n , n ic h t e in e Ü b e rb ie tu n g d e r in n e r-w e ltlic h e n S ittlic h k e it du rch m ö n ch isch e A skese, son der ausschliesslich d ie E rfü llu n g de r in n e rw e ltlic h e n P flich te n Kennt, w ie sie sich aus d e r L e bensstellu ng des E inzelnen e rg e b e n , d ie d a d u rch e b e n d e in 'B e ­ r u f w ird " ( p .6 7 ).

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"Id e o lo g ia Evangélica"

A pesquisa realizada por U .K liew er na C om unidade Evangélica de São Leopoldo — berço da colonização alem ã no Rio Grande do Sul e da Igreja Evangélica — colheu depoim entos que revelam algum as carac­ terísticas da posição de seus fié is frente às contradições de nossa socie­ dade. Por dois motivos estamos retom ando esta pesquisa fe ita por Klie- ver. Primeiro, parece que predom ina entre o grupo leigo que d irige a co­ m unidade — ou com unidades urbanas — , o presbitério, a percepção "é tic o -in d iv id u a lis ta " das contradições da re a lid a de social. Segundo, as­ sim como a m aioria da Com unidade Evangélica de São Leopoldo, os com ponentes dos presbitérios de modo geral estão situados naquelas "ca te go rias sociais que com põem a classe m édia b ra s ile ira "21. Que res­ postas os entrevistados deram à pergunta pelas causas da desigualdade social?

"Tem trabalho e colégio para todos no Brasil. Quem é probre o é por falta de interesse e esforço."

"Quem não progride no Brasil, é porque não trabalha: O povo tem que ser educado para trabalhar..."22

Os contatos nas C om unidades Evangélicas e a pesquisa têm de­ monstrado que a "o p ç ã o é tic o -in d iv id u a lis ta " se constitui num a catego­ ria que pervade a visão de m undo das pessoas. " A construção social da re a lid a d e " está m arcada por esta form a de pensar o m undo, e vice- versa. Em outras palavras, há um modo de pensar capitalista. A relação individual da pessoa com o Deus, sem m ediação com unitária ou institu­ cional, tem a fin id a d e com o modo de apropriação (in d iv id u a l) do capita­ lismo. Os depoim entos colhidos por Kliew er podem ser vistos como con­ seqüência desta form a de pensar. Temos aí elem entos para uma sociolo­ gia do conhecim ento. E evidente que esta form a de pensar não é algo específico do protestantism o. Mas nele há um elem ento de a fin id a d e com a estrutura capitalista: o individualism o.

Destacamos a seguir alguns depoim entos colhidos entre líderes leigos da com unidade em foco. A form a de pensar a re lig iã o é confirm a­ da pelas relações sociais no trabalho.

— Numa entrevista A. W. relata um acidente ocorrido na empresa onde trabalha. A.W . é m em bro da C om unidade Evangélica, e o chefe de

2 ] — K lie w e r, U. U m a C o m u n id a d e E va n g é lica F rente ... Quem assum e «sta tarefo?, 1977, p. 189. 22 — Id e m , p. 197.

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sua seção faz parte do presbitério. Numa operação um grupo de traba­ lhadores estava suspendendo uma m áquina. Por causa de um descuido, a m áquina despencou do alto e os trabalhadores tiveram que saltar para os lados. A.W . assustado, respondeu: Quase que morremos. O chefe da seção retrucou: "Tem mais gente esperando uma vaga lá fo r a ."

— Outro presbítero q ua lifica o tra ba lh o de um pastor de im produ­ tivo. O tra ba lh o pastoral "p ro d u tiv o " deve trazer retorno im ediato.

— O trabalho de um pastor junto às fa m ília s de bairros periféricos é a valiado da seguinte m aneira por um ex-presbítero: " O senhor (pastor) vai perder tem po com esta gente. Eles não querem nada com nada. Hoje estão aqui, am anhã estão lá ."

— A referência à solidariedade aos que sofrem por causa da po­ breza é entendida por um presbítero, alto fun cio n ário de uma empresa, como incentivo à preguiça. — " O senhor (pastor) ainda não aprendeu que é do veneno da cobra que se faz o soro?"

O que está subjacente aos depoim entos destacados acima? Seria incorrer num a falsa percepção da re a lid a de se disséssemos que todos os evangélicos luteranos se assemelham, na sua m aneira de pensar, às pes­ soas cujos depoim entos foram m encionados anteriorm ente. Não esta­ mos fa lan d o de uma tendência geral, mas de um discurso dom inante. Suspeitamos da relação que possa haver entre uma parcela significativa daqueles que estão no poder das estruturas com unitárias e paroquiais e a compreensão de que a pobreza existe em função da fa lta de disposi­ ção in d ivid u al para o trabalho. Em outras palavra , para estes o trabalho d ig n ifica e possibilita a ascensão in d ivid u al na escala social. Dentro des­ ta perspectiva que inclui os pobres e "v a g a b u n d o s ", a superação das contradições sociais passa pela disposição interna para o trabalho. Esta form a de construir não se apercebe da dim ensão estrutural das contradi­ ções sociais e econômicas. Por que não? Porque a m aneira pela qual a re ligião se articula é mais re fle xo da base econôm ica da sociedade que um elem ento questinador da mesma. A "a p ro p ria ç ã o in d ivid u a l da reli- d iã o " não se coaduna com as práticas coletivas de partidos, sindicatos e movim entos. Assim chegamos à pergunta central do trabalho: A inserção dos evangélicos luteranos no m undo urbano via proletarização fa c ilita a ruptura da "a p ro p ria çã o in d ivid u al da re lig iã o "?

Embora de form a bastante desarticulada, o discurso de tra ba lh a ­ dores luteranos do mundo urbano apresenta sensíveis mudanças se o com pararm os com os depoim entos relatados acima. Para não cairmos numa visão m ecanicista, é im portante ressaltar que a condição em si de

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classe tr a b a lh a d o r a n ã o im p lic a a a u to m á tic a p e rc e p ç ã o d o c o n flito de classe e, e m d e c o rr ê n c ia , a c o n s c iê n c ia d a n e c e s s id a d e d e s u p e ra ç ã o d o re g im e d e e x p lo r a ç ã o d e s u m a n iz a n te a q u e e s tã o s u b m e tid o s os tr a b a ­ lh a d o re s . N a p e s q u is a fiz e m o s d u a s p e rg u n ta s v is a n d o a le v a n ta r e le ­ m e n to s d a re la ç ã o e n tre r e lig iã o , tr a b a lh o e e x p lo r a ç ã o : De o n d e v e m a r iq u e z a d o p a trã o ? É p o s s ív e l s e rv ir a D eus a tra v é s d o tra b a lh o ?

S e g u e m os d e p o im e n to s :

"O s patrões são bucha, d anados... A lé m de não pagarem na­ da, a in d a logram a gente. Mês passado tira ra m duzentos cruza­ dos nossos. O cara tem que a b rir o o lh o com eles. A riqueza dos patrãos vem do suor dos e m pregado. Quem faz eles são os em ­ p re g a d o s ."

(V. G raebin, 27 anos, o p e rá rio , e x-a griculto r) " O tra b a lh o é bom para g ente, e ntão serve a Deus. A gora, uma parte está servindo só para eles (patrões); só pensam no fu tu ro d e le s ."

(L. Stanger, 33 anos, o p e rá rio , e x-a griculto r) " O lucro vem de uma boa a dm inistração, m uito trab alh o. Fala de seu ex-p atrã o, que com eçou do nada e h oje está rico. E seu e x -m a rid o tam bém tra b a lh o u e e n riq u e c e u ."

(M .l. Voltz. 36 anos) " A riqueza do patrão vem da força do em pregado. Se não ti­ vesse os em pregados, não podiam fa zer as firm a s fu n c io n a r (...) Q uem m uito tem não liga para quem não te m ."

"G re v e é a arm a do trab alh ad or. Só fazen do greve mesmo. Se não tivesse o sindicato, seria p io r do que e s tá ."

(P .N ienow , 42 anos, e x-a griculto r) " O patrões tiram o couro dos coitados para construir palácios e piscinas. O capitalism o é assim m e s m o ..."

"T o do tra b a lh a d o r d eve ria ser sind icalizad o ... para ter d in h e i­ ro para fa z e r greve um m ê s."

" A re lig iã o , se fo r bem usada, só pode a ju da r. Não ser submis­ so, santinho bonzinho. Não ensinar a ser c a la d o ... assim com o nós era ensinado. Com a a ju da de Deus, quando vê injustiça, tem de fa la r ."

"A tu a lm e n te está servindo (tra b alho ) m ais para os hom ens que para Deus. Pois Deus não está contente com esta exploração braba, pois com este tra b a lh o não só está servindo a Ele, mas som ente ao hom em . Com este tra b a lh o só dois ou três são be­ neficiad os, e não to d o s ."

(N.S., Presbítero, aposentado, de serviços gerais a chefe de se-ção)

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Se com pararm os estes últimos depoim entos com aqueles colhidos por Kliew er — e confirm ados pelas manifestações de alguns presbíteros da com unidade em foco — , veremos uma diferença sensível. Excluindo o depoim ento de M. I. Voltz, que confirm a a "o p ç ã o ético-in divid ua lis- ta ", os dem ais apresentam elem entos que apontam na direção de uma consciência crítica frente ò exploração. Com isto reforçam os a tese m en­ cionada acim a: as condições objetivas de tra ba lh o in fluenciam o discur­ so religioso. As entrevistas para o trabalho de K liew er foram feitas entre categorias sociais que se enquadram nas camadas m édias da população, já os depoim entos colhidos por nós são provenientes de pessoas que fa ­ zem parte da classe trabalhadora urbana, que está num processo de fo r­ mação enquanto classe.

A consciência da exploração e a percepção de que o " lu c r o " dos patrões vem da força do trabalho introduzem rupturas no discurso "é tic o - in d ivid u a lista ". Os depoim entos de L.Stanger e N.Schenkel apontam pa­ ra esta direção. O prim eiro entende que é possível servir a Deus pelo tra­ balho desde que os resultados do mesmo estejam em função de seu bem-estar fa m ilia r. L.Stanger dá a entender que exploração no tra ba lh o e serviço a Deus não se coadunam , suponho. O depoim ento de N.Schen­ kel faz uma diferença clara entre a re lig iã o do passado — "assim como nós era e n sin a d o " — e o que está e xperim entando agora na com unidade evangéiica, mais especificam ente num discurso pastoral de setores que buscam mudanças estruturais para a sociedade. Na sua opinião , não é possível servir a Deus por m eio de um trabalho alienado.

A "a p ro p ria çã o individual da re lig iã o " como negação do com uni­ tário e a visão de que pelo trabalho o in d ivíd u o se d ig n ific a e ascende na escala social não encontra sustentação nas condições objetivas e nas re­ lações sociais do "m u n d o do tra b a lh o ". As relações de dom inação e as lim itações impostas pela estrutura da sociedade im possibilitam a ascen­ são dos indivíduos a um patam ar mais elevado na sociedade. Diante da estrutura econôm ica, o discurso tradicional do protestantism o a respeito do trabalho esboroa-se totalm ente. Não passa de uma falsa consciência da realidade.

A u rb a n iz a ç ã o num g ra u m a io r e a p ro le ta riz a ç ã o

(pauperização?) num grau m enor inserem indivíduos, cuja percepção da realidade estava circunscrita à "ra ç a e à ro ç a ", num contexto cultural marcado por um senso comum, onde o catolicism o popular e os cultos ofro-brasileiros dão um tom significativo. Para uma parcela sig n ifica tiva da população brasileira, cujo passado fora am plam ente determ inado pela escravidão, a re lig iã o fo i — e continua sendo? — um espaço de ne­

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gação do trabalho. Em outras palavras, o trabalho foi experim entado co­ mo negação da dignidade hum ana. Como reação, portanto, a pessoa se a firm a pelo não-trabalho. Para Sergio Buarque de Holanda, a cultura e a religião predom inantes nas classes populares são avessas aos ritualism o: "N o Brasil é precisam ente o rigorism o do rito que se afrouxa e se hum a­ n iz a "23. Conseqüentem ente, não há espaço para um discurso religioso "ra c io n a l". Num tom mais cômico, porém m uito revelador, Sergio Buar­ que de H olanda cita a opinião de um protestante a respeito da religiosi­ dade popular dom inante no Brasil: "E que o clim a não favorece a severi­ dade das seitas nórdicas. O austero m etodism o ou puritanism o jamais florescerão nestes trópicos"24.

A in flu ê n cia da m ig ra çã o /u rb a n iza çã /p ro le ta riza çã o sobre a cos- movisão religiosa dos evangélicos luteranos levanta outras questões. Ca­ so a socialização religiosa tradicional tenha sido fundam entada na com­ preensão de que a estrutura social fora algo criado por Deus e, portanto, im utável, a vinda para a cidade pode im plica r no d eclínio da prática re li­ giosa. A lém disso, se se acoplar a este processo a experiência de práticas coletivas, como a participação em m ovim entos populares, sindicais e partidos, a ruptura com a prática religiosa tra dicio na l será mais profunda ainda. Cito um depoim ento de um jovem que se engajou nos m ovim en­ tos populares: — "D epois que comecei a participar dos M ovim entos Po­ pulares, a m inha visão de m undo aum entou, e os cultos não têm nada mais a ver c o m ig o ". O que está acontecendo com este jovem não é um caso isolado. Em níveis diferentes e noutras situações a visão de um m un­ do está sendo m odificada. Isto in flu e n cia o universo religioso das pes­ soas. A experiência tradicional da re lig iã o não dá mais conta de respon­ der òs novas perguntas pelo sentido da vida. Cabe às Igrejas, onde o dis­ curso tradicional é predom inante, buscar novos pontos de identidade en­ tre suas teologias e a nova re a lid a de na qual vive uma parcela significa­ tiva de seus fiéis. Aqui deve-se acrescentar que a urbanização e pauperi- zação não são fenôm enos restritos ao m undo urbano. Eles estão alcan­ çando o m undo rural e ferin do as tradições de com unidades cujas pes­ soas ainda se encontram bem reenraizadas.

C oncluirem os estas observações introdutórias nos referindo ao que Paul Tillich fa lo u a respeito da fa lta de identidade entre a situação operária e o protestantismo.

23 — H o la n d a , S.B. Raizes do Brasil, 1984, p.110. 2 4 — Idem , p. 112, a p u d E w bonk, T. Life in Brazil..., p.239.

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" A situação p ro le tá ria , na m ed id a em que representa o destino das massas, é im penetrável a um protestantism o que, em sua m ensagem coloca à personalidade in d iv id u a l a necessidade de to m a r um a decisão religiosa e que tem aba nd on ad o o p ro le ta ­ ria do a seus próprios m eios na esfera social e p o lític a , conce­ bendo as forças dom inantes da sociedade com o ordenadas por Deus.25

Para a sociologia da religião, que pretende analisar as variações dos fenôm enos religiosos como reflexos das mudanças sociais, o pro ble ­ ma levantado por Tillich torna-se uma hipótese de trabalho, já que no étno-iuteranism o brasileiro (IECLB) existe uma relação d ia lé tica que o es­ tá m odificando: há tendências internas à Igreja que buscam responder aos desafios colocados pelas mudanças estruturais da sociedade. A re li­ gião não precisa apenas re fle tir as mudanças sociais; ela pode tam bém ser relativam ente autônom a e in flu en cia r a sociedade.

A fa lta de identidade entre o protestantism o (luteranism o) e a si­ tuação o perária deve se constituir num desafio à Igreja se ela quiser a l­ cançar com sua mensagem e ação uma classe fun d am en ta l da socieda­ de. A busca de tal identidade universalizará a ação da Igreja.

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Referências

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