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Acting do personagem animado : evolução, singularidades e planejamento

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

FRANCISCO CARNEIRO DA SILVA FILHO

ACTING DO PERSONAGEM ANIMADO: EVOLUÇÃO, SINGULARIDADES E PLANEJAMENTO.

CAMPINAS 2015

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FRANCISCO CARNEIRO DA SILVA FILHO

ACTING DO PERSONAGEM ANIMADO: EVOLUÇÃO, SINGULARIDADES E PLANEJAMENTO.

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Artes.

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ARTES VISUAIS

ORIENTADOR: HERMES RENATO HILDEBRAND

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO

ALUNO FRANCISCO CARNEIRO DA SILVA FILHO, E ORIENTADO PELO

PROF. DR. HERMES RENATO HILDEBRAND.

CAMPINAS 2015

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Dedico este trabalho a todos os idosos, cujas vidas seguem na convivência involuntária com o Mal de Alzheimer. E, em especial, a meu pai (93 anos) e à minha mãe (87 anos) que, mesmo enfrentando tal patologia, sei que, no fundo, sempre dividiram comigo, o sonho deste trabalho de doutorado ser concluído.

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AGRADECIMENTOS

A Deus A meu pai e minha mãe, meu porto seguro, sempre; À Raquel, minha amada esposa, confidente e companheira; Aos meus filhos e filhas, minha eterna “torcida organizada”; Ao meu irmão Paulo, pelo carinho de sempre; Ao orientador e amigo Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand e família; À Universidade Federal do Amazonas – UFAM e ao Depto. de Artes; À Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia – FAPEAM;

À Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; Às cuidadoras de meu pai e de minha mãe, que me ajudam a ajudá-los;

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RESUMO

A pesquisa “Acting do personagem animado: evolução, singularidades e planejamento” tem o intuito de examinar a utilização de parâmetros teóricos como referenciais para o planejamento da atuação do personagem em cinema de animação, apoiada em estudos que trabalhem o diálogo do personagem com seu público, sempre em busca de critérios que potencializem aspectos de popularização, empatia e identificação. Para isso, a presente pesquisa almeja assumir uma postura de fonte didático-pedagógica de informações e objetiva desenvolver estudos sobre o processo de produção e gerenciamento do planejamento de um personagem animado e explorar as conexões entre pensamento, emoção e movimento e como estão relacionadas ao seu modo de atuação. Assim, partindo de procedimentos técnicos de coleta e análise de dados oriundos do ambiente do mundo real, o presente trabalho assumiu um delineamento de pesquisa bibliográfica de onde extraímos o afunilamento necessário para atingir nossas constatações mais especificas sobre o acting em animação, através de um raciocínio indutivo, onde a generalização deriva de casos da realidade concreta. Desta forma, as constatações particulares do mundo real nos levaram à elaboração de generalizações preliminares que buscam propor o início de um processo de teorização da atuação de um personagem de animação.

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ABSTRACT

The search for "Acting of the animated character: evolution, singularities and planning" aims to examine the use of theoretical parameters as reference for planning the character's actions in animated film, based on studies that the work character dialogue with your audience, always in search of criteria that enhance aspects of popularization, empathy and identification. For this, the present study aims to take a didactic-pedagogical source position information and aims to develop studies on the production process and management planning an animated character and explore the connections between thought, emotion and movement and how they are related to your performance mode. Thus, based on technical procedures for data collection and analysis derived from the real-world environment, this work took on a bibliographic research design, from which we extract the bottleneck necessary to achieve our most specific findings about the acting in animation, through a inductive reasoning, where the generalization derived from cases of concrete reality. Thus, the particular findings of the real world in have produced preliminary generalizations seeking propose the beginning of a process of theorization of the action of an animated character.

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Lista de ilustrações

FIG. 1 - CENA DA PROTOANIMAÇÃO AUTOUR D’UNE CABINE (1894). ... 33

FIG. 2 - CENAS DOS CLIPS, HUNTER DE PAUL WHITE (1998) E ALL IS FULL OF LOVE DE CHRIS CUNNINGHAM (1999), RESPECTIVAMENTE... 36

FIG. 3 – QUADRO COM REPETIÇÃO DO TIPO LINHA CINÉTICA NO DESENHO DO GUARDA-CHUVA. ... 42

FIG. 4 – EPISÓDIO DE LITTLE NEMO IN SLUMBERLAND, DE WINSOR MCCAY, 1-12-1907, NEW YORK HERALD. ... 48

FIG. 5 – PERSONAGEM CAMINHANDO NAS PAREDES DAS QUADRÍCULAS DE MIDSUMMER DAY DREAMS, WINSOR MCCAY (1910). ... 49

FIG. 6 – BANDA DESENHADA DE CHRISTOPHE, “HISTOIRE SANS PAROLES-UN ... 52

FIG. 7 - FILME ARROSEUR ET ARROSÉ (1895), DOS IRMÃOS LUMIÈRE. ... 53

FIG. 8 – DESENHO DA GARRAFA E TAÇA QUE SE TORNAM OBJETOS REAIS. ... 57

FIG. 9 - ATUAÇÃO DO PERSONAGEM, QUE REAGE AO CONSUMIR A BEBIDA. ... 58

FIG. 10 - ACTING DO PERSONAGEM EM MOMENTO RESPECTIVO, DE IRRITAÇÃO E CONTENTAMENTO, ATRAVÉS DE SUA EXPRESSÃO FACIAL. ... 58

FIG. 11 – RUDIMENTOS DE ACTING DOS PERSONAGENS DE HUMOROUS PHASES OF FUNNY FACES EM CENAS DE CASAL (PRIMEIRO MOMENTO). ... 60

FIG. 12 – PERSONAGEM FAZENDO MALABARISMO COM O GUARDA-CHUVA. ... 61

FIG. 13 - ATUAÇÃO DOS PERSONAGENS EM CENAS DE CASAL (SEGUNDO MOMENTO). .. 62

FIG. 14 – CENA CIRCENSE, COM O PERSONAGEM OLHANDO PARA O PÚBLICO. ... 63

FIG. 15 - CENAS INICIAIS DA COMPLEXA TRAMA DE FANTASMAGORIE. ... 66

FIG. 16 - COHL REJEITA MÉTODOS NORMAIS DE CONTAR UMA HISTÓRIA E EXPLORA A ESTÉTICA DO MOVIMENTO ENQUANTO ELEMENTO EXPRESSIVO. ... 67

FIG. 17 - NA CENA, A ANIMAÇÃO ROMPE COM O ESPAÇO DIEGÉTICO E PROCURA PELO ESPECTADOR. ... 68

FIG. 18 - PERSONAGEM SÓSIA DE “BIB”, MASCOTE GRÁFICO DA MICHELIN. ... 69

FIG. 19 - VERSÃO MODERNA DE "BIB". ... 69

FIG. 20 - CENAS COM O PEQUENO PALHAÇO APRESENTANDO RESPECTIVAMENTE, ÍNDICE DE TRISTEZA E ÍNDICE DE ALEGRIA E SATISFAÇÃO, ATRAVÉS DO FORMATO DA BOCA. ... 70

FIG. 21 - PERSONAGEM DE CARTUM POLÍTICO (RECORRENTE NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉC. XX). ... 74

FIG. 22 - PERSONAGEM DE HOW A MOSQUITO OPERATES (1912) ... 74

FIG. 23 – CENAS DO PERSONAGEM QUE SOFRERÁ ATAQUES DO MOSQUITO. ... 75

FIG. 24 - CENAS DE ATAQUE DO MOSQUITO, EM EXTREME CLOSE UP. ... 76

FIG. 25 - CENA DE PENETRAÇÃO DO PROBÓSCIDE DO MOSQUITO. ... 78

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FIG. 27 - CENAS COM DISTORÇÃO DE ESCALA NO TAMANHO DO MOSQUITO. ... 78

FIG. 28 - MOSQUITO PRESTES A EXPLODIR POR INGESTÃO EXAGERADA DE SANGUE. ... 80

FIG. 29 - GERTIE CURVANDO-SE AO CUMPRIMENTAR O PÚBLICO ... 82

FIG. 30 - INTERTÍTULO APRESENTADO ENTRE AS CENAS. ... 82

FIG. 31 - ATUAÇÃO DO PERSONAGEM SUGERINDO DIMENSÃO DE PESO. ... 83

FIG. 32 – CHORO APÓS REPREENSÃO. ... 84

FIG. 33 - HABILIDADE E DELICADEZA AO SE COÇAR. ... 84

FIG. 34 - PERSONAGEM RECEBENDO ALIMENTO DOCILMENTE. ... 85

FIG. 35 - PERSONAGEM EM CENA DE CONFLITO E DEMOSNTRAÇÃO DE PODER. ... 85

FIG. 36 - BANDA DESENHADA DREAM OF THE RAREBIT FIEND, DE WINSOR MCCAY (COM PSEUDÔNIMO SILAS), PUBLICADA EM 04/03/1905. ... 86

FIG. 37 – TIRA DE QUADRINHOS COM A SERPENTE DO LAGO/1913. ... 87

FIG. 38 – CENA COM A SERPENTE DO LAGO. ... 87

FIG. 39 – EXEMPLO DO ESTILO RUBBER HOSE, COM O CORPO DO PERSONAGEM ESTICADO COMO BORRACHA. ... 94

FIG. 40 - PERSONAGEM GATO FELIX EM FELINE FOLLIES DE PAT SULLIVAN EM 1919. ... 96

FIG. 41 – A CÂMERA DE MÚLTIPLOS PLANOS EM PLENA ATIVIDADE (1933). ... 106

FIG. 42 – PERSONAGEM GABBY AO LADO DO REI. ... 108

FIG. 43 – PRÓPRIA MÃO DO “GIGANTE GULLIVER” APERTA O NÓ. ... 108

FIG. 44 - CENA COM MOVIMENTOS LABIAIS OCULTADOS PELA FOLHA DE PAPEL. ... 116

FIG. 45 – MENINA COLOCANDO FOLHA DE PLÁSTICO SOBRE A TELA DO TELEVISOR EM CASA. ... 116

FIG. 46 – QUADRO DA ANIMAÇÃO FEITA POR COMPUTADOR NOS CRÉDITOS DO FILME VERTIGO (1958) DE ALFRED HITCHCOCK. ... 120

FIG. 47 - MODELOS ARAMADOS 3D, PRODUZIDOS POR WILLIAM FETTER (1964). ... 122

FIG. 48 - CENA COM AS LIGHTCYCLES EM MOVIMENTO. ... 124

FIG. 49 – CENA DE ATUAÇÃO DO PERSONAGEM “BIT” NO FILME “TRON” DE 1982. ... 125

FIG. 50 – CENAS DO PSEUDÓPODE NO FILME “ABYSS” (1989) DE JAMES CAMERON. ... 127

FIG. 51 – CENA COM OS PERSONAGENS PAI E FILHO DE LUXO JR... 130

FIG. 52 - LOGO DA PIXAR ANIMATION STUDIOS. ... 132

FIG. 53 – MONOCICLO EXECUTANDO MALABARISMO NO FILME RED´S DREAM (1987). .... 133

FIG. 54 – PERSONAGEM TINNY DO FILME TIN TOY (1988). ... 134

FIG. 55 – CENA DE WOODY E BUZZ, NO POSTO DE GASOLINA. ... 136

FIG. 56 - SOLDADO DO EXÉRCITO DOS HOMENS VERDES. ... 137

FIG. 57 – QUADRO DO FILME “AS AVENTURAS DE TIM TIM”, PRODUZIDO EM 3D ESTEREOSCÓPICO. ... 141

FIG. 58 – EXEMPLO COMPILADO DO MEMORANDO WALT DISNEY TO DON GRAHAM, MEMO, DEC. 23, 1935 - DISNEY ARCHIVES. ... 156

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FIG. 59 – EXEMPLO DE DISTINÇÃO ENTRE PENSAMENTO E EMOÇÃO. ... 157

FIG. 60 - PÂNTANO DE SHREK INVADIDO. ... 160

FIG. 61 - WOOD E SEU PLANO FRUSTRADO. ... 162

FIG. 62 - WALL-E TENTANDO SEGURAR A MÃO DE EVA. ... 169

FIG. 63 - HIERARQUIA DAS NECESSIDADES EM MASLOW. ... 174

FIG. 64 - O ESQUILO SCRAT E A ESQUILA SCRATITA. ... 177

FIG. 65 – COMPARAÇÃO DE WEBSTER ... 187

FIG. 66 - O PERSONAGEM PIT LATA, QUE APARECE COM TRAJE A RIGOR, DESTACA, NA CENA, A APRESENTAÇÃO DO COMPOSITOR HEITOR VILLA-LOBOS, EM 1912 NO TEATRO AMAZONAS. ... 192

FIG. 67 – NA ANIMAÇÃO DIGITAL, O PRINCÍPIO DA ACELERAÇÃO E DESACELERAÇÃO PODE SER ATIVADO COM O QUADRO-CHAVE (KEYFRAME) DEVIDAMENTE SELECIONADO.195 FIG. 68 - UM PERSONAGEM CHIBI, COM SUA CARACTERÍSTICA QUE APRESENTA CABEÇA DESPROPORCIONAL AO CORPO E OLHOS EXPRESSIVOS. ... 200

FIG. 69 - DONINHA EM SEU HÁBITAT. ... 208

FIG. 70 - O PERSONAGEM BUCK, EM CENA APÓS SALVAR SEUS NOVOS AMIGOS DE TERRÍVEIS DINOSSAUROS. ... 209

FIG. 71 - O FEROZ DINOSSAURO-RÉPTIL RUDY AO SER DESAFIADO POR BUCK COM SUA FACA INSEPARÁVEL. ... 210

FIG. 72 - BUCK EM MOMENTO DE (IN)DECISÃO PARA CORTAR O FIO VERMELHO OU AZUL.211 FIG. 73 - BUCK LUTA PARA MANTER-SE VIVO, AGARRANDO-SE À ÚVULA DA GARGANTA DE RUDY. ... 212

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Sumário

Introdução ... 14

Capítulo 1 – Processo evolutivo do acting em cinema de animação ... 25

1.1 – Alicerces dos Pioneiros ... 38

1.1.1 – Heranças oriundas da Caricatura e Banda Desenhada... 41

1.2 – Acting nas primeiras produções ... 54

1.2.1 – The Enchanted Drawing (1900) ... 56

1.2.2 – Humorous Phases of Funny Faces (1906) ... 59

1.2.3 – Fantasmagorie (1908) ... 64

1.2.4 – How a Mosquito Operates (1912) ... 71

1.2.5 – Gertie the Dinosaur (1914) ... 81

Capítulo 2 – Acting na trajetória industrial da animação ... 89

2.1 – Acting na base da organização industrial ... 90

2.2 – Acting na era de ouro da animação ... 98

2.3 – Acting para o suporte televisivo ... 113

2.4 – Recursos digitais e o acting na “segunda era de ouro” ... 119

Capítulo 3 – Fundamentos técnicos do planejamento de acting em cinema de animação ... 144

3.1 – Níveis de movimento ... 146

3.1.1 – Atividade - ...é um avião? é um pássaro? ... 147

3.1.2 – Ação - ...parece uma estrela cadente! ... 148

3.1.3 – Animação - ...parece ter vontade própria! ... 149

3.1.4 – Atuação (Acting) - ....não, é o super-homem! ... 150

3.2 - Acting – um entendimento técnico ... 151

3.3 – Planejamento de Acting – conceitos essenciais ... 153

3.3.1 – Pensamento, emoção e ação. ... 154

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3.3.3 – Fazer cênico e objetivos constantes ... 158

3.3.4 – Ação após ação ... 161

3.3.5 - Emoção e Empatia ... 163

3.3.6 – Conflitos e Negociação ... 163

3.4 - Acting – Físico e Psicológico ... 166

3.5 - Ação e Reação de sobrevivência ... 170

3.5.1 – Comportamento humano ... 171

3.5.2 – O modelo de Maslow ... 173

3.5.3 – Fatores de sobrevivência em animação ... 176

3.6 - Empatia e o Público ... 178

3.6.1 – Características da empatia ... 179

3.6.2 - Empatia do público com o personagem ... 180

Capítulo 4 – O Personagem animado: em direção a uma proposta elementar para a teoria da atuação ... 184

4.1 – O livro de perfil ... 185

4.2 – Princípios de animação do personagem ... 187

4.3 – Influências das novas tecnologias ... 201

4.4 – Parâmetros teóricos básicos da atuação do personagem ... 203

4.5 – Por uma análise de atuação de personagem: Doninha Buck ... 206

4.5.1 – O filme Era do Gelo 3 ... 207

4.5.2 – O biótipo do personagem Buck ... 208

4.5.3 – Atuação do personagem ... 210

Conclusões ... 215

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Introdução

Com o intuito de gerar discussões que apresentem novos conhecimentos circunscritos aos interesses do animador, nossas investigações buscam concentrar atenções no modo como atuam os personagens animados, estudando e analisando, na linha do tempo da história da animação, características e especificidades tanto técnicas quanto artísticas, em busca de uma teorização ligada aos procedimentos usados no planejamento de acting (atuação de personagens) em cinema de animação.

Tais procedimentos se apresentam sempre baseados em critérios direcionados em assegurar um olhar credível ao personagem, promovendo, assim, sua popularização, empatia e identificação com seu público. Assim, iniciando sua característica metodológica, esta pesquisa, do ponto de vista de sua finalidade, se propõe gerar conhecimentos úteis para o campo técnico-produtivo do cinema de animação, sobretudo, enquanto fonte didático-pedagógica de informações.

Na organização da estrutura de filmes em cinema de animação e no cinema com atores (live action), o planejamento associado à narrativa, direção e pós-produção, normalmente são trabalhados de maneira similar. Dentro dessa estrutura, buscamos observar em que medida podemos considerar as peculiaridades ou singularidades próprias do cinema de animação, visando a um processo artístico eficaz e mais focalizado ao planejamento da atuação do personagem animado.

Assim, nossa inquietação se debruça sobre a seguinte indagação: “Com base na história da animação, existem especificidades no planejamento de personagem animado, desejáveis e necessárias para a formulação de um estudo teórico dos procedimentos que tendem para o aumento de empatia e credibilidade do público, a partir da atuação do personagem?”.

Nossa resposta é positiva, sobretudo, após estudarmos especificidades usadas por animadores e estudiosos e constatar que estão apoiadas em procedimentos e técnicas que ocorrem sob a égide do conceito de mimese proveniente da estética clássica aristotélica e presente de forma natural na percepção e cognição humanas, segundo teóricos contemporâneos como Walter Benjamin, além de autores e cineastas como Ed Hooks e Tony Barr.

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Tais constatações nos parece aprovarem a hipótese de que o acting de um personagem animado deve ser um espelho refletor do modo como nos comportamos na vida, fato que estabelece referenciais de identificação do público com o personagem.

A forma de abordagem da indagação citada acima, segundo a natureza dos dados, converge para um olhar de investigação qualitativa, considerando que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o acting do personagem animado enquanto sujeito, ou seja, há um vínculo indissociável entre as ações de um ser humano e a subjetividade da atuação do personagem ficcional, o qual não pode ser traduzido em números, não requerendo, portanto, métodos ou técnicas estatísticas.

Sob este ponto de vista, o ambiente do mundo real é a fonte direta e natural para coleta de dados, fato que nos exigiu, enquanto pesquisador, amplificar sobremaneira a nossa capacidade de observação, tornando-nos um dos instrumentos primordiais da pesquisa, a partir de métodos indutivos. Desta forma, como o processo artístico e seu significado se apresentam como focos principais de investigação, reforçamos que a pesquisa assume naturalmente uma vocação qualitativa apoiada também por uma abordagem descritiva do problema.

Diante de nossos objetivos em desenvolver estudos sobre o processo de produção e gerenciamento do planejamento de um personagem animado e explorar as conexões entre pensamento, emoção e movimento e como estão relacionadas ao seu modo de atuação – acting, a pesquisa toma um rumo exploratório (GIL, 2010), uma vez que busca encontrar uma maior familiaridade com o problema, almejando, assim, descortiná-lo e explicitá-lo, além de promover a constatação de hipótese.

O mencionado procedimento exploratório envolve, sobretudo, um intenso levantamento bibliográfico desenvolvido em sua maioria através de obras estrangeiras, considerando a carência de literatura no Brasil com foco em cinema de animação, fato que, certamente, se constitui em uma preocupante lacuna didático-pedagógica aos profissionais da área, tanto para os já estabelecidos, quanto para os futuros profissionais ainda em formação. Pela relevância que a produção em animação exerce no Brasil, tendo obtido um crescimento importante nos últimos anos, seja no campo artístico, seja no campo publicitário, acreditamos existir um vazio inexplorado nesta área, à espera de pesquisas artísticas e científicas que teorizem seus processos de produção.

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Desta forma, nosso trabalho pretende justificar-se, acenando a possibilidade de, além do cinema especificamente, também, contribuir para uma ampla gama de aplicações da animação, abrangendo, por exemplo, jogos eletrônicos de entretenimento e métodos educacionais. Podemos, também, considerar que pesquisas científicas no campo da animação constituem-se em tecnologia estratégica para a construção de interfaces que suportem, de maneira natural, amigável e divertida, a interação homem-máquina, em particular, considerando novas propostas de aprendizado (DRYDEN, 1996).

Diante do exposto, e, partindo de um ponto de vista dos procedimentos técnicos de coleta e análise de dados (Gil, 2010), o presente trabalho assumiu um delineamento de pesquisa bibliográfica, sendo elaborado a partir de obras publicadas por importantes autores estudiosos de vertentes gerais do cinema de animação. Extraímos, portanto, principalmente de livros/e-books, artigos, teses e, inclusive, de material (textos, imagens, filmes) disponibilizado na Internet, o afunilamento necessário para atingir nossas constatações mais especificas sobre o acting em animação, através de um raciocínio indutivo, onde a generalização deriva de casos da realidade concreta. Ou seja, as constatações particulares do mundo real levam à elaboração de generalizações que buscam teorizar o planejamento da atuação de um personagem de animação.

De modo mais especifico, nosso empreendimento analisa e processa a evolução qualitativa de aspectos peculiares mais significativos no planejamento da atuação do personagem animado produzidos no decorrer da história da animação, enquanto contributo técnico-didático-pedagógico aos profissionais que fazem parte, ou que farão parte, das equipes de criação e desenvolvimento de personagens.

Essa tendência de natureza didático-pedagógica da presente pesquisa encontra eco em nossa própria trajetória profissional na educação de nível superior, atuando desde 1988 como docente nos cursos de graduação e pós-graduação na área de Artes Visuais do Departamento de Artes da Universidade Federal do Amazonas. Durante esse tempo, nossa atuação sempre esteve vinculada aos objetivos da academia no tripé ensino, pesquisa e extensão, envolvendo desde áreas ligadas ao desenho geométrico, passando pela geometria descritiva, programação visual, semiótica peirciana, multimídia e a animação como elemento de inovação metodológica no ensino de Artes.

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Os primeiros interesses por imagens gráficas em movimento datam de meados dos anos 1990, coincidindo com o advento dos sites com GIFs1 animados criados para trabalhar com 256 cores pela provedora americana CompuServe que, assim, “libertavam” os primeiros sites de uma programação visual estritamente estática e monocromática. Também, nesta época, durante o mestrado em Multimeios na UNICAMP, tivemos oportunidade de ter contato com os primeiros softwares voltados para animação digital disponíveis nos laboratórios do Instituto de Artes, como o Topas Animator desenvolvido pela Crystal Graphics, o Flash e o Director, ambos da antiga Macromedia.

Os nossos primeiros trabalhos com animação, envolvendo roteiro, storyboard, edição, etc. foram destinados à experimentação em sala de aula com nossos alunos de graduação nos últimos anos de década de 1990, usando a técnica de stop-motion com o objetivo de percorrer as diversas fases de pré-produção, produção e pós-produção no desenvolvimento de vídeos animados de curta duração. Iniciavam-se, assim, as nossas primeiras buscas de aprimoramento, principalmente sobre acting, cujas dúvidas por falta de literatura específica logo iriam nos levar para as inquietações geradoras do pré-projeto desta pesquisa. Como animar personagens convincentes e marcantes para o público? Basta um bom desenho ou uma boa modelagem de massinhas? Como aliar a qualidade do desenho ou da modelagem com a capacidade de o personagem assumir uma personalidade credível pelo público?

A paixão pela produção de animações aumentava na medida em que a aplicação desses estudos iniciais multiplicava-se com a produção dos nossos alunos, muitos dos quais passaram a aprimorar tais conhecimentos iniciais de nossas aulas, ao partirem para o mercado de trabalho, sobretudo, em agências de publicidade e na produção de sites (ou Homepages como eram chamados na época).

A influência dos professores artistas-multimídia da UNICAMP adquirida no mestrado, principalmente do nosso então orientador Professor Dr. Júlio Plaza (in memoriam), nos levou a conceber a ideia de mesclar a animação (através do desenho animado) com uma instalação multimídia. A ideia se concentrava na interação entre personagens animados que se deslocavam considerando fatores de

1 Sigla de Graphics Interchange Format, um formato de imagem bitmap que a partir de 1987 entrou em uso generalizado na internet, devido à seu amplo suporte e portabilidade.

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espaço-tempo, entre três telões de projeção perfilados, porém, independentes e afastados entre si. O projeto apresentado em função de edital publicado pela Secretaria de Estado da Cultura do Amazonas foi contemplado com o Prêmio Governo do Estado do Amazonas em 2003.

Assim, considerando que a mencionada instalação multimídia, para ser apresentada, precisava de equipamentos especiais de hardware e software, além de ser mais apropriada para apresentações noturnas em espaços ao ar livre, como praças ou quadras esportivas, foram desenvolvidas duas versões para a animação, sendo uma para compatibilizar com a interatividade da instalação e outra no formato de curta metragem com 30 min, com exibição através de um leitor comum de DVD.

Para desenvolver a animação, organizamos e coordenamos uma equipe de aproximadamente 30 pessoas, formada por estudantes do curso de Artes Plásticas e Educação Artística da UFAM – Universidade Federal do Amazonas além de artistas da comunidade que, ao longo de quase dois anos sob nossa direção, revezaram-se em diferenciadas funções, tais como: pesquisa de conteúdo, desenho de personagens, fotografias de cenário, tratamento de imagens, clean up, digitalização, coloração, animação, edição e sonorização de todo o filme.

Apesar do caráter acadêmico-experimental da produção, o projeto, ao longo de seu desenvolvimento, tomou dimensões imprevisíveis, exatamente por ser uma iniciativa pioneira no estado do Amazonas e pelo alto nível de responsabilidade assumido por toda a equipe que, de forma unânime, buscou imprimir o toque mais profissional possível para todas as atividades realizadas. Com isso, o projeto esbarrou nas limitações do baixo orçamento inicial, porém o trabalho despertou a atenção da sociedade, e, durante o período de realização, a produção do filme buscou e recebeu importantes adesões de colaboradores, permitindo a complementação do trabalho.

O nome do filme, “Urdidura, a trama do tempo”, foi emprestado do equipamento teatral denominado “urdidura” que, geralmente, fica atrás do palco, composto por tramas de cordas de aço e que possui a função de içar e colocar atores ou objetos cenográficos no palco durante as apresentações. Como o roteiro do filme apresenta aspectos não cronológicos da história do Teatro Amazonas2, foi feita uma analogia com o vaivém do equipamento e chegamos ao nome do filme.

2 Teatro construído no final do século XIX, na cidade de Manaus-Am, durante o período áureo da borracha no Brasil. Atualmente é tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional.

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Após essa produção, dirigimos e editamos o curta de animação - O Jacaré Cantor3 - com 4 min, um dos classificados para a fase final do Festival Curta 4 de 2006, em Manaus. No roteiro, um grupo de amigos vive uma grande aventura num sítio em plena região amazônica e se unem para solucionar um grande problema: Jaca, um jacarezinho amigo da turma, não sabia cantar, porém almejava ser um grande cantor pop star. Neste filme, trabalhamos com uma equipe bem mais reduzida em relação ao filme anterior, aspecto que nos levou a participar efetivamente de diferentes funções na produção, acumulando a direção com a responsabilidade da edição, direção de fotografia, entre outras funções.

Em 2007, desenvolvemos o filme – Esse ano eu vou... – que foi inscrito e aceito na edição comemorativa dos 15 anos do Anima Mundi4 e tivemos na produção a efetiva coautoria do Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand, orientador desta pesquisa de doutorado. O roteiro do curta mostra a obstinação de um garoto amazonense e seu cachorro, ambos sempre muito envolvidos com cinema de animação, que ao saberem do aniversário de 15 anos do Anima Mundi, resolvem “voar alto” e decidem conhecer de perto o festival a qualquer custo. Para isso, aprontam uma boa travessura, ao burlar a segurança do aeroporto de Manaus, viajar clandestinamente em um boing e desembarcar no memorial da América Latina em São Paulo.

A cada uma das produções realizadas, percebíamos, inevitavelmente, as inquietações que nos levariam ao desenvolvimento desta pesquisa de doutorado. Assim, iniciamos nossas investigações nos surpreendendo com a amplitude do empreendimento de uma pesquisa sobre acting de personagens sob o ponto de vista da dramaturgia e baseados em modelos tradicionais como, por exemplo, o sistema Stanislavski5. Percebemos, de início, que se tratava de um tema bastante amplo envolvendo necessariamente variadas áreas do conhecimento, tais como: a Psicologia, Filosofia, Semiótica, entre outras.

3 Disponível em: http://youtu.be/7H6vvEDnHlo, visualizado em 28 de janeiro de 2015.

4 O Anima Mundi é o principal festival de animação da América Latina, realizado na cidade de São Paulo no Memorial da América Latina, onde filmes de animação de mais de 40 países são apresentados e os interessados podem assistir e votar nos finalistas do concurso.

5 Sistema Stanislavski consiste numa série de procedimentos de interpretação desenvolvido pelo teatrólogo, diretor e ator Constantin Stanislavski (1863-1938 – Moscou), os quais apresentam “alguns conceitos básicos de atuação como super objetivo, objetivos físicos e psicológicos, subtexto, circunstâncias internas e externas, imaginação artística, memória emotiva, entre outros. Todos se destinam para um objetivo central: fornecer ao ator sentimentos análogos ao do personagem e por ele - viver o papel. Basicamente, o sistema tenta resolver um problema fundamental: como criar vida no palco”. (TORO, 1990, p.81).

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Seguimos, então, em busca de apoio em cada uma dessas áreas do conhecimento e apressamo-nos em registrar imediatamente que, em nosso trabalho, o conceito de acting se direciona para questões especificas à criação dos personagens de um filme de animação e que consiste, sobretudo, na determinação do perfil expressivo de cada personagem. São aspectos físicos e psicológicos, ligados ao personagem, como características morfológicas, temperamento, personalidade e valores morais que dizem respeito à forma como eles pensam, sentem, emocionam e como irão agir na animação.

Desta forma, a estrutura da tese ficou assim organizada: no Capítulo 1, inicialmente, apresentando-se como apoio de fundamentação e revisão literária, destacamos o estado da arte da animação no contexto teórico do cinema de um modo geral e constatamos, nas obras consultadas, que a literatura mundial concentra-se muito mais nas questões históricas e técnicas da animação, deixando um tanto negligenciadas as discussões mais teóricas sobre essa forma de produção cinematográfica. Além disso, a maioria dos teóricos contemporâneos do cinema, cujas obras têm merecido uma relevância internacional significativa, somente abordam as questões relativas à animação de forma superficial.

Durante o capítulo, registramos que, no final do século IX e início do século XX, nos primórdios da animação de imagens, quando o interesse maior do público concentrava-se tão somente em ver “inacreditáveis imagens mágicas” em movimento na tela, a vertente psicológica (que compõe o conceito de acting), praticamente, não era considerada, sobretudo em relação aos processos de planejamento do perfil emocional do personagem.

No entanto, considerando uma trajetória de contexto mais aplicativo às técnicas de acting, podemos conferir pontos de partida para as preocupações relacionadas ao planejamento antecipado por parte do animador, sobre a maneira de atuar do personagem animado. Constatamos importantes marcos iniciais alicerçados em filmes de realizadores pioneiros, principalmente na obra do desenhista e ilustrador francês Émile Cohl, considerado por muitos como o pai do cinema de animação.

Em seguida, estudamos a problemática através de referências históricas sobre os filmes de animação, tão somente para apoiar o nosso percurso e a fim de emitir um olhar que identifique, na linha do tempo, as realizações na área e os

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aspectos pioneiros mais pertinentes às questões relativas à introdução do planejamento de acting.

De modo mais específico e detalhado, investigamos alguns dos mais importantes filmes de animação daquele período inicial, tanto nos momentos das primeiras experimentações onde o foco da atuação apontava mais para o realizador que, via de regra, também se tornava personagem ao participar contracenando com os personagens desenhados, quanto nos momentos subsequentes, quando o processo narrativo timidamente começava a atrair a atenção dos realizadores, para um foco estético mais artístico e menos sensacionalista ou espetacular.

No Capítulo 2, debruçamo-nos em estudar o momento histórico em que os realizadores abandonavam gradativamente a responsabilidade de executar praticamente sozinhos a maior parte do trabalho de produção, ao perceberem que tal modelo se apresentava proibitivo para obtenção de retorno financeiro em escala mercadológica. Assim, tais produções pioneiras, apenas assumiriam a condição de experimentações puramente artesanais e particulares.

Com a Primeira Guerra Mundial, a produção europeia em animação torna-se interrompida e logo visionários empreendedores americanos, como John Randolph Bray, Raoul Barré e William Randolph Hearst, percebem o surgimento de um novo nicho mundial no mercado de entretenimento e, assim, transformam o setor de animação, de modo gradativo, em uma rentável possibilidade de produção cinematográfica, apoiada em preceitos industriais de realização.

Esses preceitos passaram a gerar um verdadeiro manancial de ideias entre os realizadores e, desta forma, ao mesmo tempo em que os estúdios procuravam descobrir e imediatamente patentear descobertas que pudessem aperfeiçoar suas possibilidades produtivas, também se mantinham atentos e sensíveis a qualquer nova tendência lançada pela concorrência, para não correr nenhum risco de perder espaço na competitividade de mercado. Assim, surgiram o acetato, a rotoscopia, o estilo “rubber hose” ou “mangueira de borracha” e o personagem Gato Felix, de Otto Messmer (1919), que se tornaria a síntese de todas as descobertas técnicas e artísticas deste período, as quais influenciaram a produção e, em última análise, o modo como os realizadores desenvolviam seu planejamento de acting.

E, realmente, tais influências repercutiram no planejamento de acting desenvolvido na fase considerada como a “era de ouro da animação”, que começou

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com a chegada do som e da cor aos desenhos animados produzidos a partir de 1928 e início dos anos 1930 respectivamente, e seguiu até o final da década de 1950, quando a televisão passaria a se consolidar de forma cada vez mais forte como meio de comunicação.

Veremos, assim, que a televisão, ao conquistar fatias importantes do mercado de entretenimento, sobretudo o cinema como um todo, fato que perdurou até os anos 1980, estabeleceu características diferenciadas dos outros suportes de difusão de entretenimento e, especificamente para o cinema de animação, o meio televisivo causou grande impacto no processo produtivo desenvolvido pelos grandes estúdios, recebendo consideráveis modificações no aspecto econômico e estético.

Finalizando o capítulo, veremos que a utilização de recursos digitais no desenvolvimento de animações representa, atualmente, uma das aplicações mais consistentes da computação gráfica. As constantes pesquisas realizadas para este fim continuam chegando a resultados que fazem do computador uma ferramenta que tem potencializado consideravelmente a produtividade da animação, sobretudo, na obtenção de melhorias no fluxo de trabalho. E o gigantesco sucesso de tais produções tem sido apontado por algumas correntes como resultado do advento de uma “nova era de ouro” da animação.

Por sua vez, no Capítulo 3, vamos observar uma série de elementos que o animador normalmente pode precisar considerar quando se trata do desenvolvimento do acting de personagens animados. Veremos que trabalhar um bom desempenho significa saber equilibrar a aplicação de tais elementos, sem deixar de levar em conta que cada um possui seu próprio valor especifico. Desta forma, abordaremos determinados fundamentos do planejamento de acting em cinema de animação, passando pelos seus conceitos essenciais, tanto no ponto de vista técnico, quanto artístico.

Conferimos e verificamos pela ótica de Tony Barr (1997) que atuar é um espelho refletor do modo como nos comportamos na vida, fato que estabelece determinados aspectos do comportamento humano como referenciais importantes e necessários, ao serem emprestados ao processo de planejamento do papel do personagem animado. Estaremos, assim, apresentando uma reflexão que apresenta tópicos gerais e pertinentes a todo estudo preliminar para determinação da personalidade e do modo de atuação do personagem em cinema de animação.

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No entanto, buscamos sempre deixar claro que não se trata simplesmente de fazer o público reagir a um pequeno número de emoções transmitidas mecanicamente pelo personagem para atender ao roteiro do filme, tais como: dor, alegria ou tristeza. Trata-se de buscar desenvolver gradativamente uma atmosfera emocional que deverá se instalar sequencialmente no decorrer da atuação, permitindo que o espectador possa se “colocar” sem maior esforço no lugar do personagem, para discuti-lo, aplaudi-lo, criticá-lo, avaliar e comparar as atitudes e ações no processo de atuação, como se fossem suas próprias (empatia). Enfim, em todo o capítulo, almejamos considerar uma proposta eficaz de acting do personagem animado, como sendo aquela que permite administrar com sensibilidade uma interação de sentimentos.

Finalmente, no Capítulo 4, apresentamos análises de caminhos específicos de produção em cinema de animação, buscando o esboço de uma proposta elementar para a teoria da atuação apresentada como referendo de hipótese. Obviamente, que tal proposta ao levantar especificidades no planejamento do personagem animado em função de sua atuação, posiciona-se como uma contribuição inicial para o estudo do acting de personagens animados e está aberta a eventuais aprimoramentos, novas contribuições e/ou refutações.

Na segunda metade deste capítulo, procuramos resumir o estudo desenvolvido no terceiro e também na parte inicial do próprio quarto capítulo, além de todas as constatações adquiridas durante a pesquisa, especificamente nos aspectos relacionados ao planejamento de acting, não só em busca de uma síntese didática, mas também em busca de parâmetros teóricos de análise que em muito poderá nos auxiliar metodologicamente na verificação crítica do desempenho de qualquer personagem na história da animação, como principalmente no planejamento e testes finais de nossos próprios personagens ainda a serem concebidos.

Para completar o capítulo, faremos um teste demonstrativo da possibilidade real de aplicação dos parâmetros teóricos estudados. Para isso, escolhemos o personagem Buck, do filme contemporâneo A Era do Gelo 3, de 2009, dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha e com reconhecido sucesso de bilheteria, exatamente por acreditarmos que a aceitabilidade por parte do público é diretamente proporcional a um competente planejamento de acting.

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Nossa espectativa é de que o momento que estamos vivendo apresenta-se perfeitamente favorável para nos apropriarmos do legado deixado por importantes experiências desenvolvidas pelos principais animadores da história da animação. É hora de nos debruçarmos nas realizações bem sucedidas e registrar seus ensinamentos em busca de uma reflexão que nos permita constatar princípios, como parâmetros teóricos aceitáveis no planejamento do desempenho do personagem de animação.

E esses parâmetros teóricos apontam para uma necessária convergência dos conhecimentos clássicos da dramaturgia com a arte cinematográfica (em geral), sob a batuta do animador que precisa estar municiado com a devida educação teórica e prática, para assim ser capaz de trabalhar o desempenho do personagem em cena, de acordo com as orientações conceituais que atendam aos requisitos estéticos e éticos demandados pelo roteiro do filme, que caracteriza o planejamento de acting do personagem de animação.

Ressalve-se, no entanto, que tais parâmetros, apesar de abrangerem uma faixa significativa do que se necessita para análise da atuação de um personagem de animação, apresentam-se inicialmente como pontos de partida, podendo evidentemente variar em cada análise em função das especificidades do personagem analisado e descrito em seu livro de perfil e, desta forma, serem utilizados completamente, parcialmente ou até mesmo acrescidos ou atualizados de outros itens.

Propomos, enfim, uma reflexão sobre cada um dos parâmetros teóricos. Para isso, estaremos apresentando uma síntese descritiva de cada um deles, inicialmente, analisando-os tal como foram concebidos e desenvolvidos durante a linha do tempo da história da animação, porém, no decorrer da síntese, promovendo sua natural atualização, de modo compatível com estilos modernos de animações, já plenamente envolvidos com o uso das novas ferramentas digitais, sejam nos processos de produção, sejam nos aparatos de recepção.

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Capítulo 1 – Processo evolutivo do acting em cinema de animação

Se na literatura as palavras são a matéria-prima e na música os sons, no cinema de animação é o movimento.

Alexandre Alexeieff (1956)

Atuação e desempenho de personagem ou simplesmente acting, sob uma ótica ampla, compõem uma temática que envolve variadas áreas do conhecimento, tais como: a Dramaturgia, a Psicologia, Filosofia, Fisiologia, Semiótica, entre outras. Vale ressaltar que não pretendemos aqui, em nossa pesquisa, circunscrevê-la totalmente sob um ponto de vista teórico, visto não ser este o nosso foco principal6.

Nossas investigações no âmbito de pesquisa de doutorado, reconhecendo a amplitude inerente ao estudo geral de acting de personagens, buscam concentrar atenções na atuação de personagens em animação, estudando e analisando suas características e especificidades que transitam nas diferentes formas ou técnicas de animação, embora cientes de que tal proposta, por si só, já possua a envergadura de um grande empreendimento.

Desse modo, julgamos importante registrar que, em nosso trabalho, o conceito de acting engloba questões referentes à criação dos personagens de um filme de animação e que consiste, sobretudo, na determinação do perfil expressivo de cada personagem. São aspectos físicos e psicológicos, ligados ao personagem, como características morfológicas, temperamento, personalidade e valores morais que dizem respeito à forma como eles pensam, sentem, emocionam e como irão agir na animação.

Os aspectos práticos da construção do personagem animado podem variar dentro de cada técnica, e as restrições impostas ao animador que trabalha com uma produção quadro-a-quadro tradicional, por exemplo, podem ser bem diferentes daqueles que trabalham em animação digital. No entanto, vamos observar que a maioria dos problemas que se relacionam com o acting de personagens animados são comuns a todas as técnicas de animação.

Também é oportuno posicionar o leitor sobre o fato de que não existem regras ou receitas para o desenvolvimento de um bom acting em um personagem

6 Como sugestão, uma investigação mais direcionada para o acting de personagem de modo genérico, poderia ser iniciada em obras como: A Construção da Personagem de Constantin Stanislavski; Acting

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animado. Como registram Hayes and Webster (2013, p. 17), não se cria um personagem engraçado ou carismático, simplesmente alterando controles deslizantes dentro de um pacote de software ou recomendando um tipo especial de lápis para fazer seus personagens mais envolventes. Não há atalhos para o desenvolvimento de seu personagem e não há fórmulas a serem seguidas.

Neste capítulo, pretendemos apresentar algumas referências históricas sobre os filmes de animação, tão somente para apoiar o nosso percurso e a fim de emitir um olhar que identifique, na linha do tempo, as realizações na área e os aspectos mais pertinentes às questões relativas à evolução das técnicas de planejamento de acting em cinema de animação.

Desta forma, também é importante registrar que estaremos aqui registrando o trabalho da maioria dos realizadores e pioneiros de filmes de animação, havendo, no entanto, a possibilidade de que nem todos estejam incluídos em nosso trabalho. Mas não por terem sido esquecidos ou por serem menos importantes que os citados e, sim, porque pretendemos filtrar apenas as produções que mais correspondem aos objetivos relativos à temática em questão. No entanto, excelentes autores como Donald Crafton, em sua obra “Before Mickey” (1993), Giannalberto Bendazzi (1999) e Alberto Lucena Júnior Junior (2005) entre outros, firmaram a história da animação como seus principais objetivos de pesquisa e debruçaram-se à exaustão sobre seus detalhes, permitindo uma literatura com excelente leque de opções e informações para o leitor.

Assim, desde as primeiras realizações do cinema de animação (protoanimações7) até nossos dias, sucederam-se várias fases produtivas, cada uma com suas características e interesses que, aos poucos, foram inserindo procedimentos, técnicas e ferramentas aos modos de realização, compondo, assim, um processo evolutivo da arte de realizar animação como um todo e de modo especifico, como um processo evolutivo do planejamento da atuação (acting) do personagem animado.

Para acompanharmos a trajetória dos recursos de acting, desde os primórdios8 até os dias atuais, seria bem mais conveniente se tivéssemos uma

7 Em 1900, J. Stuart Blackton realizou o filme The Enchanted Drawing. Vários filmes semelhantes o precederam, incluindo The Vanishing Lady (1898) de George Méliès e A Visit to the Spiritualist (1899) do próprio Blackton. Como esses filmes empregam técnicas que mais tarde serão usadas por animadores, mesmo não sendo estritamente ou totalmente feitos quadro a quadro, podem ser classificadas como proto-animações (cf. NELMES, 2003, p. 215).

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leitura abrangente não só da linha do tempo evolutiva do aprofundamento das técnicas de atuação do personagem animado, mas também um cenário teórico-crítico e, principalmente, uma discussão sobre a estética da linguagem do cinema de animação de modo mais específico.

No entanto, mesmo com mais de cem anos de produções realizadas no mundo inteiro, a área de animação ressente-se do estatuto de sua linguagem própria. Teóricos do século XX têm despendido seus esforços críticos de forma mais abrangente para o cinema como um todo, sem um foco mais específico para o cinema de animação.

Ao longo do tempo, a prática por parte dos animadores independentes ou de grandes estúdios tem experimentado períodos intensos e variados em seu modus operandi, como também tem agregado fases extremamente ricas9 em seu fazer

artístico. Fases férteis para um merecido estatuto crítico, fato que demonstra a grande lacuna de um estudo mais específico e, certamente, atesta a existência de uma linguagem própria latente, portanto, merecedora de ser focalizada pelas lentes dos teóricos.

Com efeito, a literatura mundial concentra-se mais nas questões históricas e técnicas da animação, enquanto que discussões mais teóricas sobre essa forma de produção cinematográfica têm sido muito negligenciadas e a maioria dos teóricos contemporâneos do cinema, cuja obra têm merecido uma relevância internacional significativa, somente abordam as questões relativas à animação de forma superficial.

Apesar de não ser este o foco principal de nossa pesquisa, compartilhamos da mesma frustração do autor francês Sébastien Denis que, ao registrar suas investigações a respeito de uma eventual discussão teórica sobre animação em Gilles Deleuze e Christian Metz, revela, respectivamente, que o primeiro teórico não passa em branco, pois menciona a animação experimental10 e mesmo assim de modo secundário em uma nota de rodapé, enquanto que o segundo, por sua vez, refere-se à animação apenas sob um ponto de vista voltado exclusivamente para efeitos especiais (DENIS, 2010, p. 53).

9 Como a Era de Ouro que vai desde o nascimento do cinema sonoro até o boom da animação para a televisão e, também, com o advento das ferramentas proporcionadas pelas novas tecnologias, conforme veremos mais a frente.

10 Destaca-se por utilizar materiais e técnicas alternativas e não usuais na produção industrial dos estúdios. Usa suportes, tais como: flip-book; recursos dos antigos brinquedos óticos, desenho direto nas películas, pinscreen, areia, etc., É artesanal, individual e abstrata por excelência, na sua grande maioria.

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Complementa ainda Denis que a filosofia do século XX debruçou-se com frequência sobre o cinema como um todo e não especificamente sobre o cinema de animação, mas que, contudo, diante do quadro, podemos buscar apoio nas reflexões que são aplicadas acerca da sétima arte e “convidá-las” perfeitamente para servir de base à análise da animação.

Realmente, se considerarmos que filósofos, escritores e críticos, ao não falarem da animação como forma estética em si, mas apenas enquanto princípio fundamental de funcionamento do cinema live action11, de certa forma, construíram uma reflexão aplicável ao cinema de animação. No entanto, considerando certas especificidades adquiridas ao longo do tempo no âmbito da estética da animação, essa aplicabilidade se dá apenas até certo ponto, como veremos em seguida.

Notemos que, para ser natural, um ator de cinema durante a gravação do filme, concentra-se no perfil do personagem e passa a atuar incorporando-o de modo intuitivo, sem pensar em cada um de seus gestos ou na maneira como estes ocorrem, também não utiliza seu tempo rigorosamente contando seus passos quando anda em cena ou mesmo se sua postura está convincente.

Em animação, por outro lado, o animador trabalha cada um dos detalhes da atuação de forma consciente e antecipada (HOOKS, 2003, p. x). Por mais experimental que seja a animação, torna-se necessária a previsão de como se movimentará cada parte do corpo do personagem, quais recursos poderão compor uma específica expressão facial de modo credível ao espectador.

Essa credibilidade existente do público com a animação, na verdade, é um grande pacto que a difere substancialmente de produções live action e tem, inclusive, gerado acirradas discussões a propósito da definição da ilusão e da realidade, confrontando-se com a teorização da origem do cinema. Com este propósito, Alexandre Alexeieff12 relata que:

Na Rússia, onde eu nasci, chamava-se ao cinema ‘Ilusão’. Dizíamos: ‘Esta noite, vamos a uma ilusão’. O que me interessa no cinema de animação, é que o movimento que imaginamos perceber é ilusório: não existe. Enquanto no cinema existe mesmo. Se na literatura as palavras são a matéria-prima e na música os sons, no cinema de animação é o movimento. As formas plásticas, bi e tridimensionais, só são necessárias para permitir que seja apreendido. O cinema de animação procura o ‘como’ do movimento. O

11 Termo do meio cinematográfico que se refere às produções realizadas com personagens reais (atores humanos) em oposição ao cinema de animação.

12 Artista nascido na Rússia, cineasta e ilustrador que viveu e trabalhou principalmente em Paris. A ele e a sua esposa, Claire Parker, é atribuída entre 1930 e 1935, a invenção da pinscreen, técnica de animação que consiste na produção quadro a quadro de imagens a partir de uma tela composta por alfinetes.

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resto, beleza da forma ou da cor, é acessório, e por vezes mesmo um estorvo13.

Estes diferenciais que enaltecem as técnicas de atuação do personagem animado como sua causa potencial, sobretudo, pela manipulação e o planejar do movimento são reclamados em alto e bom som pela animação. Destarte, o animador inglês Mark Baker, que produziu The Hill Farm/1988, afirma que a beleza da animação reside principalmente na evidência da manipulação das imagens:

Os desenhos ou os bonecos não podem verdadeiramente mexer-se ou ter sentimentos, mas de certa maneira com a animação podemos acreditar que sim. De facto, o cinema na sua globalidade é claramente um ‘engano’, já que cada plano é preparado e cada diálogo é escrito. Mas o que há de particularmente interessante na animação é que o ‘engano’ é evidente. Não fingimos que o que vai ver no ecrã não é um desenho ou um bocado de plasticina14, e, no entanto a ilusão funciona15.

De fato, dentre os diversos aspectos que distinguem o cinema de animação do cinema live action, podemos considerar, a partir de uma perspectiva técnica, que, no cinema com atores, o ‘engano’ citado por Baker origina-se a partir de imagens verdadeiras, mas que foram preparadas ou estrategicamente planejadas dentro de uma proposta previamente especificada para o filme, enquanto isso, em animação, o tal ‘engano’ origina-se a partir de imagens que saem diretamente do cérebro de seu criador, podendo assim ser trabalhadas as mais inacreditáveis possibilidades.

Dessa forma, emprestando conceitos da Semiótica de Peirce e considerando como signos ambos os casos das imagens oriundas do cinema live action e de animação, poderíamos associá-las respectivamente a fundamentos16 diferenciados e definidores destes signos, o que apresentaria também uma distinção, que, certamente, comprova a necessidade de uma teoria estética especifica para o cinema de animação.

No caso das imagens do cinema live action, teríamos, como fundamento, algo considerado como um existente, uma vez que, normalmente, já ocupam determinado lugar no tempo e no espaço, promovendo necessariamente referenciais

13 Relato publicado na Film Culture, n°. 32, 1964, traduzido por Vicente Deville em (Brenez e Lebrat, 2001: 157) apud (DENIS, 2010, p. 54).

14 Plasticina também é conhecida popularmente como massa de modelar. Substância composta de cera e outras matérias empregadas na modelação.

15 Citado em (FABER e WALTERS, 2004, p.168).

16 Registre-se, neste caso, o conceito de fundamento do signo em Peirce, como sendo uma propriedade ou caráter ou aspecto do signo que o habilita a funcionar como tal. (SANTAELLA, 2001, p. 43).

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por parte da reação de outros existentes, como por exemplo, o esforço da equipe técnica que participou das filmagens ou as intervenções no cenário de uma locação escolhida de acordo com a temática do filme. Esta reação denuncia a existência real daquele algo que proporcionou efetivamente a ação, e, assim, um existente singular ou um índice torna-se potencialmente o referencial dos outros existentes com os quais se inter-relaciona contiguamente.

Quanto às imagens de cinema de animação, considerando suas origens provenientes da imaginação dos realizadores, seu fundamento sígnico pode ser associado a uma simples qualidade, uma vez que tais imagens surgem do ato artístico de desenhar ou modelar, e somente na medida em que adquirem formas definidas, passam a sugerir possíveis representações por similaridade; por aparência; por alguma relação interna (propriedade); ou por significação, recebendo, por isso, características de primeiridade, de signo icônico. O traço original do desenhista, ou uma forma modelada, do ponto de vista semiótico, é uma qualidade que ainda virá a representar algo. É um signo, ou um quali-signo, que terá apenas posteriormente um objeto a representar.

Em sua obra “A teoria geral dos signos” ao desenvolver o conceito de um quali-signo, Santaella (1995, p.130) nos apresenta o exemplo de um professor de dança que, ao ensinar uma determinada configuração das posições do corpo, não tem como apresentar certo ponto de apoio dos pés ou certa inclinação da cabeça, a não ser solicitando que seus alunos observem e imediatamente imitem os movimentos realizados por ele. Para articular seus corpos de uma maneira similar ao corpo do professor, os alunos teriam que reter, única e exclusivamente dos movimentos do professor, a qualidade in totum (quali-signos) com que o corpo aparece na forma indescritível de sua compleição.

De maneira análoga, o animador trabalha a atuação de seus personagens, possibilitando, através dos traços de seu desenho ou modelagem, que determinadas nuances gestuais, do movimento dos olhos, dos músculos faciais, possam ter um significado suficientemente credível e capaz de levar o espectador a sentir a emoção prevista na roteirização do filme. Cada uma dessas nuances do acting do personagem animado produzidas pela imaginação ou percepção do animador, são quali-signos que por algum tipo de similaridade (aparência, propriedade ou significação) permitem eventual correspondência a emoção pretendida.

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Neste sentido e bem a propósito, registra Denis (2010, p.54) que segundo a lógica kantiana, a imagem não reflete o real, mas a forma como o artista tem a percepção do real. No caso específico da animação, ela funciona simplesmente segundo o princípio de síntese, que “parte da imagem para chegar ao referente, trajeto inverso ao que utilizam as impressões fotográficas e cinematográficas.” (JULLIER, 1997, p.50) apud (DENIS, 2010, p.55).

Em resumo, as imagens filmadas pela ação dos personagens ao vivo em conjunto com as imagens dos cenários são provenientes, em principio, de elementos reais, ou seja, signos já existentes, enquanto, no cinema de animação, a imagem que vemos em movimento, em geral, surge através da modelagem ou traço feito a partir da percepção e imaginação própria do artista.

Por fim, tal como dito anteriormente pelo animador Mark Baker, o personagem no cinema live action ficcional, ao representar, transmite para o público uma determinada emoção, a qual também poderia sentir em sua vida real. Um ‘engano’ plausível. Já em animação, o tal ‘engano’ mesmo mais evidente, pois estamos diante de traços, desenhos, plasticinas, também permite a possibilidade da emoção sentida pelo espectador que, mesmo convicto de que está diante de técnicas de ilusão, aceita a emoção transmitida na atuação (acting) do personagem animado.

Saindo do campo das comparações com o cinema live action, observemos, agora, do ponto de vista técnico, como o cinema de animação se processa a partir da percepção individual do animador.

Assim, dentro do processo de realização em cinema de animação, temos tecnicamente dois métodos a utilizar, um deles é o chamado método da animação direta ou straight ahead, no qual o animador produz todos os quadros de maneira continua, até o fim da ação. O outro método é o de animação intervalada ou pose to pose, onde o animador planeja cuidadosamente os quadros-chaves ou key frames, bem como a quantidade de quadros nos intervalos entre eles.

No primeiro método, costuma-se dizer que a animação torna-se mais espontânea, e a cena parece menos mecânica. O animador, não necessariamente, planeja como vai ser o decorrer da cena e segue produzindo os desenhos à medida que progride. Este método, geralmente, é usado em cenas de ação onde, muitas vezes, ocorrem movimentos rápidos e inesperados.

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No segundo caso, a determinação dos quadros chaves é feita a partir das posições consideradas mais significativas dentro da dinâmica do movimento a ser realizado, com uma parte da sequência representada em cada quadro, levando-se em conta também o projeto de acting e timing17.

Tanto entre os quadros do método de animação direta, quanto entre os quadros-chaves no método da animação intervalada, existe uma descontinuidade que necessita de outros quadros devidamente posicionados, buscando fazer o movimento fluir o mais natural possível. Para isso, o movimento precisa ser antecipadamente pensado e dinamicamente planejado pelo animador, para não sofrer nenhuma solução de continuidade.

Desta forma, a ilusão (que “funciona”) mencionada por Mark Baker alguns parágrafos atrás, não é apenas em consequência do gestual representado em cada imagem, mas, acima de tudo, dos movimentos “sugeridos” entre as imagens. Ao comentar a protoanimação Autour d’une cabine (Fig. 1)18, realizada em 1894 por Émile Reynold, Giannalberto Bendazzi exalta bem este aspecto:

Embora o desenho em si não represente mais do que um bom traço, os movimentos são impressionantes, mesmo para o espectador de hoje. Na verdade, a animação não é a arte do desenho que se move, mas a arte dos movimentos que são desenhados, como Norman McLaren comentou cinquenta anos mais tarde. O desenho de Raynaud torna-se bonito quando se move, porque o pioneiro da animação percebeu que os desenhos tinham de ser funcionais com a sua dinâmica19 (BENDAZZI, 1999, p.6).

Diante disso, certamente, o que acontece entre os quadros é mais importante do que o que acontece em cada quadro. São as pequenas variações, digamos “místicas”, entre cada uma das imagens, sejam desenhos, modelagens 3D, marionetes, objetos de plasticina, sejam quaisquer outros elementos que, verdadeiramente, permitam a ilusão do movimento na animação.

17 O timing ou a velocidade da ação é um princípio importante em animação, porque dá sentido ao movimento. A velocidade de uma ação define o modo como as ideias de peso, escala e emoção dos personagens, deverão ser passadas para o público.

18 Na imagem da Fig. 1, fizemos uma montagem com diversos quadros em sequência da animação, no entanto, o filme (Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=A5MXcxaRXNc, - visualizado em 21/05/2011), talvez permita ao leitor uma melhor percepção do aspecto mencionado por Bendazzi.

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Neste sentido, são estas variações, que em última instância concebem “vida” e “alma” aos seres inicialmente inanimados, aspectos imprescindíveis para o planejamento de acting, sejam quais forem as técnicas usadas na criação dos personagens. Essa concepção de ânimo e vida a personagens que, materialmente, nada mais são do que traços desenhados, plasticina ou pixels, não por acaso, já está implícita na própria designação do termo animação que, no seu sentido etimológico, oferece algumas pistas para a definição do seu método, significando ato ou efeito de animar, dar vida, conceber ânimo, valor e energia. Tem origem na palavra latina “anima” que significa princípio vital, sopro, alma.

Fig. 1 - Cena da protoanimação Autour d’une cabine (1894). Fonte: Frames do filme.

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A discussão sobre os “poderes” de criação da animação mostra, em Denis (2010, p. 33), o conceito “do nada pode nascer tudo”. Neste conceito, a plasticina e as modelagens digitais, tal como o simples traço do desenhista, são ideais para a criação de formas ex nihilo20, que se apresentam a partir da constatação de que, partindo do nada, a animação favorece o engendramento de formas e de almas. Para Denis (2010, p. 35), o filme Pinóquio de 1940, constitui um exemplo emblemático deste conceito e da própria animação, onde a proposta de dar vida a uma marionete num desenho animado passa a ser uma mise en abyme21 do processo do trabalho do animador.

Ainda dentro desta linha de pensamento, podemos inferir que o mundo da animação estaria apto a responder, positivamente, à celebre pergunta22 “objetos inanimados, vocês têm uma alma?” do poeta francês Alphonse de Lamartine, uma vez que o grande objetivo das técnicas de animação é justamente dar vida ao inanimado.

Estes aspectos concedem, eventualmente, ao cinema de animação a possibilidade de transgredir a noção comum de realidade. E, desta forma, pela liberdade criativa que lhe é peculiar, este cinema faz, constantemente do sonho, da fantasia e das mais diversas abstrações e fabulações, o seu motivo temático maior. Por isso, a animação, em oposição ao cinema live action, aceitaria conviver ordeiramente com uma impressão de irrealidade, ao se rebelar, controverter, manipular, subverter ou desafiar as leis e convenções do mundo, tais como são as leis da física, as normas culturais, as premissas éticas, entre outras.

Por isso, provavelmente, sejamos tentados a remeter a animação para o âmbito do animismo23, da alquimia e da magia. A este respeito, registra o autor português Luiz Nogueira, em seu livro Gêneros Cinematográficos:

O animador seria um demiurgo24 que encontra apenas na imaginação e no engenho as fronteiras das suas possibilidades criativas. Na animação tudo pode ganhar vida e personalidade: objetos, marionetas, fantoches ou desenhos, por exemplo, revelam-se capazes de exprimir sentimentos, de

20 Ex nihilo é uma expressão proveniente do latim, que significa "criação a partir do nada", principalmente nos contextos filosóficos e teológicos, mas também ocorre em outros campos.

21 A expressão mise en abyme deriva do termo heráldico abime, que se refere ao ponto central do brasão de armas. Por analogia, técnica que se compõe a partir de autotematismo, ou seja, quando uma narrativa reflete sobre si mesma, denuncia sua estrutura ou especula sobre o seu tema (PAVIS, 1998, p. 215).

22 Cf. Irigaray (2011, p. 25).

23 Teoria segundo a qual todos os objetos e fenómenos da natureza, vivos ou não, são animados por almas ou espíritos. (SCHULER, 2002, p. 46).

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manifestar vontades, de agir e de reagir. O inorgânico torna-se orgânico, o material torna-se espiritual. (NOGUEIRA, 2010, p.60).

Para Nogueira, na animação, o confronto do real com o irreal apresenta os seres humanos com a tendência de assumir uma presença mais alusiva e mais simbólica do que concreta. Neste sentido, quando aparece representado, o ser humano é mais um boneco do que uma pessoa e não assume, em princípio, nenhum nível de valor dramático majoritário em relação aos personagens eminentemente animados.

Com efeito, historicamente, desde as primeiras animações podemos observar que personagens caricatos antropomorfizados têm se destacado muito mais no cenário mundial, que personagens desenhados originalmente com formas humanas. Basta citar famosos como Mickey Mouse (1928); Patolino (1937); Coyote (1948); Zé Colmeia (1958); Bob Esponja (1999), entre tantos outros. E, isso, certamente, ocorre devido à extrema liberdade atribuída aos personagens caricatos, rompendo de forma credível com limites físicos humanos.

Mas é exatamente nessa extrema liberdade, onde, apenas na criatividade, parece ser possível encontrar o seu limite, que podemos encontrar um dos fatores essenciais do valor artístico da animação. Se considerarmos, como registramos antes, sua convivência permissível com a ausência de princípios realistas, presentes no registro fotográfico do cinema live action, podemos então admitir que a animação se aproxima da ideia de ficção plena, isto é, da capacidade de dar vida a seres e mundos puramente imaginários. Neste sentido, as mais recentes tecnologias digitais se aproximariam de uma nova faculdade da animação que, além de simplesmente dar vida e alma para os seres de modo ex nihilo, passa a criar mundos futuros e seres sem qualquer referência concreta na atualidade. Neste sentido, e, enquanto meio ficcional, a animação pode dispor da liberdade de prever, sugerir e até mesmo propor possibilidades tecnológicas e científicas que ainda nem sequer foram pensadas.

A este respeito e de forma ilustrativa, dois vídeos-clipes realizados para a cantora de rock islandesa Björk (Fig. 2) nos permitem vislumbrar essa nova capacidade vocacional da animação e assustadora possibilidade de adaptação das máquinas de amanhã (DENIS, 2010, p.36).

Referências

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