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Direito Processual Civil - Luciano Athayde Chaves

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Academic year: 2021

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A PROSPECTIVIDADE DA ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA COMO

EXPRESSÃO DO CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: UMA ANÁLISE

EXPANSIVA DO ART. 927, § 3.º, DO NCPC

The prospectivity of the amendment of the jurisprudence as a “guarantist” constitutionalism expression: an expansive analysis of § 3 of art. 927 of the new

Brazilian Civil Procedure Code

Revista de Processo | vol. 259/2016 | p. 437 - 468 | Set / 2016 DTR\2016\22783

Nestor Eduardo Araruna Santiago

Doutor em Direito Tributário, Mestre e Especialista em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR – Mestrado e Doutorado). Professor Titular do Programa de Pós-Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Leciona Direito Processual Penal na Graduação (UFC e UNIFOR), bem como em especializações. Líder do Grupo de Pesquisa “Tutela penal e processual penal dos direitos e garantias fundamentais” (UNIFOR), vinculado ao Laboratório de Ciências Criminais (LACRIM – UNIFOR). Advogado. nestoreasantiago@gmail.com

Luciano Athayde Chaves

Doutorando em Direito Constitucional (UNIFOR). Mestre em Ciências Sociais (UFRN). Professor do Departamento de Direito Processual e Propedêutica (DEPRO) da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Juiz do Trabalho. lucianoathaydechaves@gmail.com

Área do Direito: Processual

Resumo: O presente artigo desenvolve o argumento de que a irretroatividade da alteração da jurisprudência (prospective overruling), tema que foi expressamente introduzido no novo Código de Processo Civil, deve se constituir regra, não a exceção, para todos os órgãos do Poder Judiciário, como concretização dos preceitos

constitucionais de segurança jurídica, proteção da confiança e isonomia. Nesse sentido garantista da ordem constitucional, a partir do estudo de alguns institutos da Teoria dos Precedentes, defende-se a validade do § 3.º do art. 927 do NCPC, como também

ampliação do seu conteúdo, a partir de uma interpretação conforme a Constituição, de modo a assegurar, como regra, a irretroatividade da mudança da jurisprudência, bem como a possibilidade de seu exercício por qualquer tribunal.

Palavraschave: Constitucionalismo Garantismo Novo Código de Processo Civil -Overruling - Modulação prospectiva

Abstract: This article argues that the non-retroactivity of the amendment of the jurisprudence (prospective overruling), a theme that has been expressly introduced in the new Brazilian Civil Procedure Code, should therefore be the norm rather than the exception, for all judicial courts, as the achievement of the constitutional principles of legal security, protection of dependability and equality. In this “guarantism” sense of the constitutional order, according to the study of some institutes of the Theory of

Precedent, advocates the validity of § 3 of Art. 927 of the new Brazilian Civil Procedure Code, as well as the expansion of its contents in agreement with an interpretation under the Constitution, to ensure, as a rule, the non-retroactivity of the amendment of the jurisprudence, and the possibility of its exercise by any court.

Keywords: Constitutionalism “Guarantism” New Brazilian Civil Procedure Code -Overruling - Prospective modulation.

Sumário:

- 1O garantismo como modelo constitucional - 2A segurança jurídica, isonomia e proteção da confiança como direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito e

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como valores constitucionais - 3O modelo híbrido da ordem jurídica brasileira e a jurisprudência como fonte do Direito - 4A mudança da jurisprudência e seus efeitos sobre o sentido de segurança jurídica - 5A modulação prospectiva dos pronunciamentos judiciais: algumas notas históricas no Direito Brasileiro - 6A modulação prospectiva no novo Código de Processo Civil e a possibilidade de sua interpretação expansiva

“O Direito não é um objeto estático e invariável, que sempre tem a mesma estruturaquímica, como a água. Ele não pode ser completamente entendido a partir daperspectiva do observador. Apenas os que participam no discurso jurídico podem discutirracionalmente acerca do conteúdo de suas normas”.

Thomas Bustamante

“Precedentes são decisões anteriores que funcionam como modelos para

decisõesfuturas. Aplicar lições do passado para solucionar problemas presentes e futuros é umelemento básico da racionalidade humana”.

MacCormick e Summers

As democracias contemporâneas, enquanto Estados de Direito, apresentam diferentes estágios de desenvolvimento, tanto no que se refere aos padrões sociais e econômicos, como também quanto ao desenho de seus sistemas jurídicos, a partir do modelo constitucional que adotam.

Nesse cenário, é possível identificar alguns traços comuns. Um deles é a transição de modelos constitucionais – caracterizada pelo distanciamento do Estado Legislativo, no qual o papel da Constituição era limitado à estabelecer a divisão dos Poderes e desenhar a organização da burocracia pública – para se chegar ao Estado Constitucional, marcado pela presença de uma Constituição mais rígida, contendo catálogos de direitos e garantias fundamentais e tarefas a realizar, com o fito da promoção de seus valores. Nesse cenário, o modelo garantista de constitucionalismo, defendido por Luigi Ferrajoli, apresenta-se como uma importante referência teórica na compreensão dessa transição, na medida em que se constitui tanto uma Teoria do Direito como uma Teoria Política, porquanto se preocupa tanto com questões fundamentais do Direito – como a validade de uma norma em face da Constituição, quanto com o reconhecimento de uma dimensão substancial da democracia, repelindo a ideia de práticas democráticas meramente formais.

Outra nota que marca essa transição é a expansão da função atribuída ao Poder Judiciário, que passa a assumir maior protagonismo, em grande medida pelo alargamento do catálogo de direitos assegurados aos cidadãos, alguns, inclusive, de natureza prestacional, devidos pelo Estado, agora com cores de Estado Social.

Mesmo em sistemas jurídicos de anunciada tradição romano-germânica, como o Brasil, é perceptível a importância dos pronunciamentos judiciais na vida cotidiana, o que indica uma aproximação do nosso sistema com algumas práticas típicas da tradição da common law, como a consideração dos precedentes judiciais como fonte do Direito, diagnóstico reforçado pela transformações do direito positivo brasileiro, atribuindo força vinculante às decisões do STF e permitindo, em determinados casos, que as decisões sejam limitadas no tempo e no espaço, instituto conhecido como modulação.

O novo Código de Processo Civil (NCPC) (Lei 13.105/2015) amplia as possibilidades do instituto, ao dispor, no art. 927, § 3.º,1 sobre uma questão ainda em aberto em nossas

práticas judiciais: os limites, possibilidade e efeitos da superação dos precedentes, tema já bem desenvolvido no ambiente da common law.

Trata-se de tema de grande relevância, pois, assumindo os precedentes judiciais feição

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de fonte do Direito, as alterações na jurisprudência acabam atraindo questões relevantes para o constitucionalismo garantista, como, por exemplo, a subordinação do processo de elaboração das fontes do Direito aos direitos e garantias constitucionais, em particular a segurança jurídica e a proteção da confiança, preceitos que igualmente se conectam com a democracia, já que, no Estado Constitucional, ela se realiza por meio da efetividade dos direitos.

Presentes essas questões, é legítimo indagar (i) se a modulação prospectiva na alteração da jurisprudência somente é possível quando presente "interesse social" e "por razões de segurança jurídica"; (ii) se somente se mostra necessária a modulação prospectiva em relação aos precedentes oriundos do STF e dos tribunais superiores; (iii) se não haveria de suceder o mesmo quanto aos precedentes dos demais tribunais e juízos; e (iv) e se também não haveria, nesta última hipótese, violação aos princípios da segurança jurídica, isonomia, proteção da confiança.

Nesse cenário, o presente estudo objetiva desenvolver o argumento de que a irretroatividade da alteração a jurisprudência deve se constituir uma regra para todos os órgãos do Poder Judiciário, como concretização dos referidos preceitos constitucionais. Desse modo, busca-se defender não somente a validade do § 3.º do art. 927 do NCPC em face da Constituição Federal (CF (LGL\1988\3)), como também a possibilidade, na proteção de direitos fundamentais (igualdade, segurança jurídica e confiança), da ampliação do seu conteúdo, como projeção de uma interpretação conforme a Constituição.

Para tanto, serão estudadas as características do constitucionalismo contemporâneo a partir dos aportes do garantismo. Em seguida, o sentido da segurança jurídica, da isonomia e da proteção da confiança como garantia constitucional num cenário de democracia substanciada em um Estado de Direito. Na sequencia, serão investigados alguns traços da aproximação dos sistemas jurídicos da civil law da common law, e os precedentes como fontes do Direito, para, ao final, refletir sobre a modulação dos pronunciamentos judiciais no Direito brasileiro e a temática como tratada no novo Código de Processo Civil, quando serão assentados os fundamentos para a defesa do argumento de que a irretroatividade deve se constituir a regra para toda a mudança na jurisprudência dos órgãos judiciários.

Ao final, serão apresentados os fundamentos para sustentar não somente a tese da irretroatividade dos efeitos do overruling como regra consentânea com o constitucionalismo garantista, mas também a possibilidade de seu exercício por qualquer tribunal e não apenas aqueles indicados no texto do art. 927, § 3.º, do NCPC.

1 O garantismo como modelo constitucional

O paradigma do Direito contemporâneo é marcado pelo influxo do constitucionalismo,2

que se projeta como um rompimento do Estado Legislativo para afirmar não somente a supremacia da Constituição e de seu catálogo de direitos, mas também como um modelo que se articula como Teoria Política da democracia, reafirmando seu compromisso substancial do exercício dos direitos fundamentais.

Nesse cenário, como destaca Alexandre Morais da Rosa,3 o garantismo jurídico, gestado

no âmbito do Direito Penal, evoluiu para a condição de uma teoria do direito, sustentada, a partir de Luigi Ferrajoli, em quatro vertentes garantistas: (i) a revisão da teoria da validade das normas jurídicas, diferenciando vigência de validade; (ii) o reconhecimento de uma dimensão substancial da democracia, repelindo a ideia de uma democracia meramente formal ou substancial; (iii) quanto ao aplicador do direito, a possibilidade crítica da normas para além de seu aspecto meramente formal; e (iv) a relevância da ciência jurídica, que deve desempenhar um papel menos descritivo e mais crítico.

A partir dessa concepção, a rígida avaliação da ordem jurídica, a partir da CF (LGL\1988\3), passa a ser um vetor hermenêutico importante, na medida em que

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(re)define o papel do intérprete e aplicador do Direito, a quem compete, em primeira linha, compreender a semântica e a pragmática constitucional para, a partir de então, examinar os casos concretos e a validade de normas subalternas ao texto fundamental, em face deste.

A Constituição deixa de ser, como no paradigma constitucional superado, apenas uma norma de organização dos Poderes e disposição da arquitetura do Estado, para ser, ela própria, fonte primária irradiadora de direitos – com pretensão de concretização – e definidora de instrumentos e garantias de efetivação desse tecido de normas fundamentais.

O garantismo, como modelo, baseia-se, portanto, nos direitos e garantias fundamentais, como vetores para a sujeição de formal e material das práticas jurídicas e conteúdos normativos, de modo a perseguir a democracia material ou substancial,4 o que, na

prática, implica assegurar ou garantir os direitos fundamentais (positivos ou negativos) a todos os indivíduos.5

Assim, como ensina Ferrajoli,6 teríamos não somente o dever de adimplemento dos

direitos fundamentais, de realizá-los à luz da Constituição (“esfera do decidível”), como também “esfera do não decidível” assim compreendida como a limitação do poder exercido pelas maiorias, nas democracias contemporâneas, diante do conteúdo material dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. Neste terreno, fala-se, pois, de função contramajoritária da jurisdição constitucional, na medida em que, ao aplicar as normas contidas na Constituição, o Poder Judiciário pode – e, no sentido garantista, deve – contrariar as expectativas deliberativas da maioria, quando esta eventualmente age em violação às normas fundamentais.7

O garantismo jurídico, enquanto teoria do direito, contribui, nessa linha argumentativa, para o desenho e a dinâmica do Estado Democrático de Direito, já que a observância e a efetividade dos direitos fundamentais constituem a base da democracia material,8 ainda

que muitos “direitos de” (direitos liberais) e “direitos a” (direitos sociais ou prestacionais) sejam largamente sonegados.9-10

Quanto a esse último aspecto, concernente à efetividade dos direitos, é de se considerar, a partir dos aportes de Konrad Hesse,11 que as normas constitucionais, como de sorte as

normas jurídicas em geral, ostentam tão somente pretensão de eficácia. Logo, a Constituição – e seu catálogo de direitos e garantias – somente se constituirá em força normativa ativa se presente um elemento volitivo de agregação: a vontade. Não basta a enunciação de direitos. A democracia substancial, no viés garantista, demanda concretização dos direitos fundamentais, porquanto, como sublinhado, não se basta com a sua mera enunciação formal.

É, portanto, sobre esse substrato garantista que se pretende refletir sobre alguns direitos fundamentais relacionados com o fenômeno da alteração da jurisprudência pelos tribunais, temática de que se ocupa o § 3.º do art. 927 do NCPC.

2 A segurança jurídica, isonomia e proteção da confiança como direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito e como valores constitucionais

O Direito, como um sistema normativo de regulação social, tem na segurança um dos seus primados, corolário dos conteúdos filosóficos que iluminaram as revoluções burguesas, em especial a francesa, que apontavam a liberdade e igualdade, por exemplo, como direitos fundamentais que não poderiam se realizar no ancién regime.12

Nesse sentido, afirma Luis Torres que “la seguridad jurídica es tributaria de la necessidad del ser humano de seguridad lato sensu”,13 como um valor ínsito à própria

sociedade, na medida em que a organização mais complexa da vida societal tem na segurança um dos seus propósitos mais significativos.

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no preâmbulo da CF (LGL\1988\3), que afirma ser a República um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, dentre os quais se destacam, para os efeitos deste trabalho, a igualdade e a segurança.14

O tema, como observou Humberto Ávila,15 ganha especial relevo se for considerado que

as sociedades contemporâneas são marcadas pela complexidade de suas relações sociais e jurídicas e diversidade de interesses, o que implica maior grau de planejamento para as ações futuras, e demanda maior nível de segurança, principalmente jurídica. De outro lado, em sociedades como a nossa, de grande produção legislativa, a aparente segurança trazida pelo tecido normativo acaba por resultar em insegurança, já que perde a capacidade de ser mais facilmente compreensível.

De acordo com Canotilho,16 o princípio da segurança se conecta com o princípio da

proteção da confiança. O primeiro, de caráter mais objetivo, indica a necessidade de se promover a estabilidade jurídica, segundo a orientação e a realização do direito. O segundo, o da proteção da confiança, de caráter mais subjetivo, prende-se aos elementos de calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. Ambos exigem, pois: (a) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder; (b) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos de seus próprios atos.

Assim, esses preceitos assumem caráter de fundamentalidade no Estado Democrático de Direito, na medida em que projeta um direito subjetivo assegurado pela ordem jurídica com irradiação, a partir da Constituição, para toda ordem jurídica.

Do mesmo modo, a isonomia, com projeção do direito fundamental à igualdade, repousa no seu art. 5.º, indicando que todos devem ser considerados em patamar de igualdade perante a ordem normativa, seja ela de origem legal ou hermenêutico-concretizadora, como são as decisões judiciais e a jurisprudência que dela se forma.

Assim, a análise da questão da mudança da jurisprudência, numa perspectiva garantista, implica considerar que há direitos fundamentais, em ordem a não se atingir uma dimensão atinente à esfera do “não decidível”.17

3 O modelo híbrido da ordem jurídica brasileira e a jurisprudência como fonte do Direito Uma das questões centrais no desenvolvimento de qualquer investigação sobre os precedentes no Brasil diz respeito à objeção que se costuma fazer ao uso desse método no nosso sistema, comumente relacionado a tradições romano-germânica ou da civil law, baseado no direito legislado, não no direito judicial ou jurisprudencial, ou seja, no direito produzido pelos tribunais como lawmakers.

Muito antes desse tema da teoria dos precedentes ser realçado, com grande ênfase, no NCPC, já se percebia os limites da designação do sistema brasileiro como sendo puro, do tipo civil law. Num país onde os tribunais produzem, há décadas, um extenso catálogo de enunciados de súmulas, com grande força persuasiva, a questão já deveria ter merecido uma atenção maior, sob o ponto de vista da construção de uma teoria processual – e de uma legislação processual – mais ajustada com essa realidade.

Ademais, nota-se uma tendência mundial de convergência dos aludidos sistemas, de modo a não mais se poder afirmar que um país seja puramente de common law ou de civil law.18-19 Mais do que isso: de acordo com Thomas Bustamante, que realizou um

estudo histórico-comparativo dos sistemas jurídicos da Inglaterra e França, representativos dos modelos mais puros de cada uma das famílias, essa convergência é maior do que normalmente se leva em conta, na medida em que a criatividade judicial em ambos os modelos difere muito pouco, além de neles igualmente se verificar a existência de problemas de legitimação da decisão judicial, embora cada uma das tradições tenha mecanismos intraprocessuais diferentes para justificar o case law.20

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De fato, não é difícil perceber nas práticas judiciais a crescente influência que a jurisprudência exerce nos discursos dos atores do processo, sendo, não raro, a primeira ratio apresentada na defesa de um caso, ou mesmo na justificação de uma decisão judicial.

Portanto, ainda que a lei se apresente como fonte formal predominante, até mesmo por razões históricas, relacionadas com a formação do Estado de Direito de cariz iluminista, as decisões dos tribunais têm sido gradativamente mais utilizadas como fonte do direito objetivo.

No Brasil, conquanto a legislação aponte uma precedência do direito legislado (art. 126 do CPC/1973 (LGL\1973\5)), a jurisprudência sempre esteve presente como fonte formal subsidiária, assim reconhecida pela própria ordem jurídica. O Dec. 848, de 11.10.1890, que organizou a Justiça Federal nos primeiros momentos da República, já assentava, no seu art. 386: “os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações jurídicas na Republica dos Estados Unidos da America do Norte, os casos de common law e equity, serão também subsidiários da jurisprudência e processo federal”.21

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT (LGL\1943\5)), por sua vez, estatui, desde sua outorga, em 1943, que a Justiça do Trabalho pode decidir, na falta de disposições legais ou contratuais, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de Direito (art. 8.º).22 A CLT (LGL\1943\5), aliás,

quanto ao tema, foi mais além. A partir da alteração promovida pelo Dec.-lei 8.737/1946, o seu art. 90223 passou a cogitar da possibilidade do Tribunal Superior do

Trabalho (que sucedeu o Conselho Nacional do Trabalho) estabelecer prejulgados com força de precedente obrigatório vertical, ou seja, impondo-lhe observância pelos aos Tribunais Regionais do Trabalho e Juízos de primeiro grau. O mecanismo dos prejulgados foi considerado, no entanto, pelo STF, como não recepcionado pela Constituição Federal de 1946,24 tendo sido revogado o texto da CLT (LGL\1943\5), no particular, pela Lei

7.033/1982.

Em outra direção, não se vê na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB)25 e no

Código de Processo Civil,26 a jurisprudência, expressamente, como fonte formal

subsidiária. O mesmo sucede no NCPC, cujo art. 140, aliás, sequer aponta fontes subsidiárias na hipótese de estar presente lacuna ou obscuridade, ainda que tenha empreendido uma mudança interessante: não mais se menciona a “lei” como sendo a fonte primária para a justificação decisional; fala-se, agora, em ordenamento jurídico, termo mais amplo do que a “lei” em sentido estrito.

Nada obstante, a importância dos pronunciamentos judiciais, como fonte do Direito, sempre foi objeto de estudo, nos modelos declarados romano-germânicos, ainda que relegado a um plano secundário, em razão dos aportes teóricos do positivismo, fundados no primado da lei formal como fonte única do Direito.27 René David,28 em seus estudos

de direito comparado, chega mesmo a pôr em dúvida as fórmulas desenvolvidas para a construção de um sistema baseado na exclusividade da lei, fórmulas que são negadas a partir da elaboração de extensas compilações e repositórios de jurisprudência para uso corrente dos atores do Direito, algo que só se explica quando as decisões proferidas em casos concretos se projetam como autênticas fontes do Direito.29

Na mesma linha, observou José Flóscolo da Nóbrega30 que a decisão do juiz, uma vez

consagrada pelos juízes superiores, tende a se impor, passando a ser tida como a forma correta de interpretação da lei. O exemplo, o precedente, tem grande força normativa; não só o próprio juiz persistirá na direção tomada, como os demais juízes, por comodidade, ou convicção, serão levados a se orientarem no mesmo sentido, a interpretar a lei pela forma consagrada. Desse modo, conclui esse autor, “ a jurisprudência se estabelece, se firma, com força de direito objetivo”.

Ferraz Junior,31 em sentido oposto, não assimila a jurisprudência como fonte do Direito,

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interpretação, na medida em que oferecem leituras uniformes e constantes da ordem jurídica, que acabam por prevalecer, mesmo que não sejam obrigatórias.

Lenio Streck, de outro lado, entende que há, entre a produção de leis e a interpretação e aplicação das normas jurídicas pelos tribunais, um jogo recíproco de influências, de modo que não somente a lei atua sobre a arena decisória, como fonte do Direito, mas também os julgados dos tribunais se projetam como força diretiva no trabalho legislativo, indicando a criação de leis na linha da orientação construída pelos tribunais. Nesse sentido, afirma, “é impossível negar à jurisprudência o valor de verdadeira fonte jurídica”.32

A partir da CF de 1988, e, portanto, da reabertura política no Brasil, o tema da jurisprudência como fonte do Direito voltou a despertar interesse. O retorno da democracia transformou o Judiciário em importante arena política, na medida em que muitos direitos e interesses individuais e metaindividuais somente se mostraram possíveis de realização por meio da atuação provocada do Poder Judiciário.33

Apesar de tardio em nosso país, esse movimento se conecta com os matizes das sociedades contemporâneas, os quais, por sua dinâmica e vocação globalizante, têm adotado mecanismos normativos de maior adaptabilidade da dimensão normativa, de que são exemplos a indeterminação do conteúdo dos textos legais, por meio de conceitos jurídicos mais abertos e polissêmicos, elevando, assim, o nível da tarefa hermenêutico-concretizadora do intérprete nos casos particulares.34

Essas mudanças, observa Teresa Wambier, fizeram-se sentir no Brasil, inclusive no que se refere à ampliação do acesso à justiça, com o “aumento considerável da complexidade dos casos trazidos ao Judiciário”, implicando uma reflexão quanto à insuficiência do paradigma de resolução dos conflitos a partir de standards legislativos, apenas, a partir da necessidade de decisão judicial de acordo com as particularidades do caso.35

Essa ambiência questiona o paradigma formal das fontes do Direito, na medida em que se torna difícil sustentar que as deliberações dos tribunais não operam, com força normativa, na dimensão dos atores sociais, indicando-lhes a interpretação da ordem jurídica e lhes pautando a racionalidades práticas para as tomadas de decisão na vida cotidiana, inclusive no que refere ao planejamento de ações futuras.

Por isso, sugere Bustamante a adoção de um conceito argumentativo de fonte do Direito, no qual os precedentes podem adequadamente ser incluídos, assim como proposto por Aulis Aarnio. Segundo essa concepção, fonte do Direito é “toda razão que, de acordo com as regras geralmente aceitas na comunidade jurídica, poder ser utilizada como base justificatória da interpretação jurídica”.36 Isso permite incluir não somente o

tecido positivo, como também as normas individuais (decisões concretas) e os standards representativos da jurisprudência,37 ainda que resguardados os diferentes graus de

vinculatividade.

Desse modo, um conceito de fonte do Direito de inspiração argumentativa se mostra mais apropriado para justificar, no âmbito da Teoria do Direito, a posição dos precedentes como fonte formal primária do Direito, principalmente na nossa tradição, ao tempo em que também admite o hibridismo do modelo jurídico, que não mais pode se assentar numa premissa de pureza, afastando-se de alguns aportes metodológicos já amplamente desenvolvidos na família da common law para o enfrentamento dos problemas hermenêuticos que decorrem da absorção dos julgados dos tribunais como fonte do Direito.

E essa abordagem se compatibiliza com a opção que a Constituição fez pela autoridade de alguns pronunciamentos judiciais como fonte primária do sistema jurídico brasileiro, ao prever, por exemplo, o efeito erga omnes e vinculante das decisões definitivas do STF nas ações direta de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, que se ocupa o art. 102, § 2.º, da CF (LGL\1988\3).38

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Originalmente, o texto constitucional não cogitava da vinculatividade das decisões proferidas pelo STF em controle objetivo de constitucionalidade. Somente com a EC 3/1993, que inseriu o § 2.º no art. 102, esse efeito passou a ser previsto, inclusive não só para as demais instâncias do Poder Judiciário, mas também para o Poder Executivo. A EC 45/2004, por seu turno, ampliou os destinatários, para alcançar também toda a Administração Pública, direta e indireta, em todos os níveis da Federação, emprestando-se, assim, às decisões do STF uma inequívoca vocação de fonte formal primária.

A mesma EC 45/2004 inseriu no texto constitucional a possibilidade do STF editar súmulas vinculantes, que devem ter por objeto uma manifestação interpretativa quanto à “validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (art. 103-A, § 1.º, CF (LGL\1988\3)).

As súmulas vinculantes39 são de observância obrigatória para toda a Administração

Pública, e, por certo, para todos os demais órgãos do Poder Judiciário. Desse modo, mostram-se semelhantes aos denominados binding precedents,40 como são denominados

os precedentes obrigatórios no sistema da common law.

Em seguida, foram inseridas novas regras alusivas a cláusulas impeditivas de recursos (quando a decisão estiver em consonância com a jurisprudência dominante) e ao julgamento de recursos repetitivos pelos tribunais superiores, até o advento do NCPC, com diversos dispositivos que sugerem uniformização e vinculatividade da jurisprudência.

Nesse cenário, portanto, é possível justificar que os precedentes constituem uma particular fonte do Direito, o que aproxima o sistema jurídico brasileiro de outros sistemas, inclusive daqueles tradicionalmente vinculados à tradição da common law, o que implica considerar os efeitos que aquela fonte produz no sistema e os paralelos possíveis de se fazer com a fonte formal legislada, em especial no que diz respeito aos primados de estabilidade e segurança do sistema jurídico.

Considerados os precedentes judiciais como fonte do Direito, também é possível considerar que essas peculiares fontes do Direito também se submetem aos critérios de validade das normas, em particular à proibição de retroatividade, nomeadamente quando plasmadas como standards ou padrão de julgamento para determinados casos, o que nos coloca diante da questão da definição de critérios quando se revoga, total ou parcialmente (overruling), a posição dominante de um tribunal sobre determinado caso.

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4 A mudança da jurisprudência e seus efeitos sobre o sentido de segurança jurídica Quando se fala da mudança nos paradigmas jurisprudenciais (súmulas, enunciados uniformizadores ou precedentes habitualmente observados) adentra-se nos domínios de uma metodologia que, ainda que muito peculiar à tradição da common law, ainda se mostra incipiente em países como o Brasil, que somente agora – e muito em função dos debates sobre o NCPC – passou a dar mais atenção ao tema.42

Na tradição dos sistemas nos quais as decisões judiciais, de forma mais aberta, são também produtoras de direito, o respeito aos precedentes é muito grande. É a expectativa do stare decisis,43 isto é, da manutenção do mesmo entendimento em casos

futuros, síntese da doutrina dos precedentes obrigatórios (doctrine of binding precedents ).44

Como sublinha Arruda Alvim Wambier, nesses sistemas, entende-se que o juiz não pode desapontar os cidadãos, surpreendo-os com uma decisão que não se poderia imaginar antes: “a previsibilidade é inerente ao Estado de Direito”.45

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Assim, não somente se espera a mesma solução, mas também que ela valha para todos. Essa perspectiva busca preservar a igualdade, com decisões idênticas para casos idênticos.46

Sob o ângulo da segurança jurídica, Canotilho examinou o problema da uniformidade ou estabilidade da jurisprudência, concluindo inexistir direito subjetivo do cidadão à inalterabilidade da jurisprudência. No entanto, considerou como uma questão em aberto os efeitos dessa mudança. Nas suas palavras: “sempre se coloca a questão de saber se e como a proteção da confiança pode estar condicionada pela uniformização, ou, pelo menos, estabilidade, na orientação dos tribunais”.47

Assim, a mudança na jurisprudência, embora possível, deve observar alguns limites, sob pena de violação a preceitos fundamentais, e, por consequência, a própria Constituição, já que esse ato do Poder Judiciário, como qualquer ato do Poder Público, precisa ser válido em face do texto constitucional. Essa a expressão de garantismo jurídico quanto ao tema.

Quando se fala em alteração ou superação da jurisprudência, transita-se sobre um terreno já muito desenvolvido na Teoria dos Precedentes, inspirada na experiência desenvolvida nos países da common law, fenômeno conhecido como overruling.48

O overruling é apenas uma das espécies das denominadas judicial departures, que também envolve a distinguishing e, ainda, o fact-adjusting. Para os efeitos deste trabalho, merece destaque e aprofundamento aquela primeira modalidade: o overruling. Sucede o overruling quando presente a anulação de um precedente pelo mesmo órgão que o estabeleceu, constituindo a “regra de ouro” de sua ocorrência – como nos demais judicial departures – a expressa consideração e tematização do precedente que se busca superar.49

Além desse critério de correção do método de afastamento, há outros, relacionados com a escala ou grau de vinculatividade do precedente. No caso dos precedentes meramente persuasivos (persuasive precedentes), em que prevalece a liberdade comunicativa, na medida em que não há o dever de obediência ao precedente, o overruling dependerá apenas da preponderância argumentativa das razões que justificam a mudança de orientação do tribunal sobre o tema.

Quando se trata de precedentes formalmente vinculantes – como as súmulas editadas na forma do art. 103-A da CF (LGL\1988\3)50 – o overruling sugere um processo mais

denso sob o ponto de vista político e institucional, na medida em que as exigências de uniformidade, coerência, consistência, imparcialidade e racionalidade na aplicação do Direito demandam a necessidade de estabilidade do sistema, exigindo-se, por isso mesmo, uma justificação toda especial, não bastando o mero sentimento de incorreção, ainda que consensual, no órgão dotado de autoridade para o exame da manutenção ou mudança da orientação judicial, para justificar seu abandono.51

Nesse panorama, os sistemas que adotam com mais vigor a regra do stare decisis têm como excepcional a medida, pelo que deve um precedente ser superado (overruled), por exemplo, apenas e tão somente quando esta revogação implicar (i) inequívoco progresso da ordem jurídica ou (ii) a mitigação da excessiva utilização da técnica do distinguishing, que produz uma indesejável fragmentação da jurisprudência.52

Além disso, aponta Bustamante, ao examinar o sistema inglês de superação dos precedentes, a presença de outros princípios e critérios constringentes para a efetivação do overruling:

a) critério do uso esporádico: trata-se de uma técnica que deve ser manejada apenas ocasionalmente, sob pena de comprometer a própria força do stare decisis;

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uma nova ratio decidendi ou holding deve ser uma decisão – tida como precedente – modificada;

c) princípio da confiança justificada (justified reliance): mostra-se disfuncional para o sistema judicial o abandono da observância do precedente, tendo em vista a necessidade de proteção jurídica da confiança do jurisdicionado e de suas expectativas em relação às decisões que integram a jurisprudência. Essa questão toma maior importância no sistema inglês, onde não é adotada a técnica do prospective overruling, ou seja, as decisões que implicam afastamento dos precedentes são sempre potencialmente retroativas;53

d) princípio do respeito ao legislador (comity with the legislature): deriva do respeito que o Judiciário deve ter nas esferas reservadas ao domínio do Poder Legislativo;

e) regra da vinculação ao caso concreto (mootness principle): não se deve revisar ou alterar a regra de direito sem a presença de um caso ou disputa concreta sobre a questão jurídica atinente a uma dada regra jurisprudencial.54

Esses critérios e princípios constringentes, observados a partir da experiência britânica, mostram-se com força de paradigma geral sobre o problema do afastamento dos precedentes, mercê da matriz histórica que brota da experiência daquele povo no uso dos precedentes como fonte do Direito positivo.

Sendo assim, nota-se a forte preocupação que deve presidir, no âmbito de uma Teoria dos Precedentes, quanto à ab-rogação da jurisprudência pacífica sobre determinado tema, a partir de um ou mais precedentes integradores, sob pena de se fragilizar os próprios propósitos que fundamentam o sistema de precedentes, quais sejam, assegurar a isonomia e a segurança jurídica, dentre outros bens fundamentais em um Estado Democrático de Direito.

Isso não implica dizer, como já assinalado, que não seja possível a superação, mesmo nos sistemas de predominância do modelo da common law. Por essa razão, desenvolveu-se, no âmbito desse modelo, a doutrina do prospective overruling, que tem lugar quando “os tribunais mudam suas regras jurisprudenciais, mas mantêm, por razões de segurança jurídica, a aplicação da orientação anterior para certos casos”.55

Ainda que sua origem seja bem antiga, do vetusto direito italiano, a teoria do prospective overruling desenvolveu-se fortemente nos Estados Unidos da América, mais do que no Reino Unido, e tem sido esporadicamente utilizada, desde o início do século XX, como uma prática inovadora para administrar os problemas gerados pela retroatividade das decisões derrogatórias de precedentes, questão que assume central importância em todos os sistemas jurídicos contemporâneos.56

Como se pode observar, a ruptura na observância da estável interpretação do direito, traduzida no prestígio do precedente pela jurisprudência, é aspecto extravagante e não usual, de acordo com a Teoria dos Precedentes, precisamente porque a estabilidade proporcionada pelo stare decisis é elemento agregador da ordem jurídica.

Assim, o afastamento do precedente se constitui exceção, que deve ser manejado dentro de uma moldura de forte constrição, sob pela de violação a direitos fundamentais, como o da segurança e isonomia.

É nesse contexto que o problema da modulação prospectiva das decisões de superação de precedentes se situa.

5 A modulação prospectiva dos pronunciamentos judiciais: algumas notas históricas no Direito Brasileiro

No Brasil, o tema da modulação prospectiva passou a despertar maior interesse após edição da Lei Federal 9.868/1999, que regulamentou a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) e a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), estaPágina 10

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última introduzida na CF (LGL\1988\3) (art. 102, I, alínea a) pela EC 3/1993.

O art. 2757 da referida Lei passou a disciplinar um mecanismo de modulação das

decisões proferidas pelo STF em ações de controle concentrado de

(in)constitucionalidade de lei ou ato normativo, dispondo que, diante de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, é possível ao Tribunal, em sua composição plena, mediante quorum qualificado de 2/3 de seus membros: (i) restringir os efeitos da decisão ou (ii) fixar que esta somente produza efeitos a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.58

Logo na sequencia, a Lei Federal 9.882/1999, que disciplinou o julgamento das ações de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), também incorporada à competência do STF pela EC 3/1993, reproduziu idêntico mecanismo, com igual redação (art. 11).

Assimilou-se, assim, na ordem jurídica brasileira, mecanismo de contenção do preceito geral que orienta a jurisdição constitucional, no sentido de que uma decisão de judicial review é de natureza meramente declaratória, produzindo efeitos ex tunc, até porque, na perspectiva tradicional, não competiria ao Poder Judiciário atuar na avaliação de políticas públicas ou proteção de interesses gerais, mas apenas e tão somente guardar a supremacia constitucional, validando ou não as normas subalternas, quando questionadas em face da CF (LGL\1988\3).

Percebe-se, assim, que o influxo, pelo menos em grandes linhas, das técnicas que orientam, nos sistemas da common law, o judicial departures, isto é, a superação da norma (rule), ainda que, nas hipóteses legais em comento, trate-se de afastamento de normas ou atos normativos tidos por inconstitucionais. No entanto, é de se lembrar que, na perspectiva das fontes normativas, como recepcionadas neste estudo, tantos as fontes legislativas como as fontes jurisprudenciais integram o direito positivo.

E a jurisprudência do STF expressa essa aproximação, com diversos precedentes, a partir dos quais se podem identificar variados critérios para a modulação dos efeitos das decisões.59

É possível ponderar que os requisitos para o manejo da modulação prospectiva, tal como aponta a disciplina legal, envolve conceitos jurídicos indeterminados (segurança jurídica e excepcional interesse público), o que há de demandar do órgão julgador especial esforço argumentativo a legitimar a decisão, tendo como horizonte a integridade da ratio decidendi no âmbito do Tribunal, de modo a salvaguardar a necessária coerência e isonomia da deliberação, nomeadamente quando estiverem presentes a força histórica dos casos análogos já apreciados.

Restaria, ainda, considerar que a legislação acima destacada exige quorum qualificado para a perpetração da modulação prospectiva, o que, de certa forma, se justifica, uma vez que as decisões do STF em controle concentrado ou objetivo de (in)constitucionalidade somente ser tomadas em sessão plenária, com a presença de, pelo menos, oito dos seus onze ministros (art. 22 da Lei 9.868/1999), precisamente pela importância, extensão e efeitos que uma deliberação dessa natureza produz sobre toda a ordem jurídica.

O exame do tema ainda exige pontuar que o STF evoluiu nessa questão, para também admitir a possibilidade de modulação de suas decisões, ainda que de forma excepcional,

60 fora da moldura legal, relacionada ao controle concentrado e objetivo, passando a

admitir o mecanismo também em relação ao controle difuso, principalmente após a mudança da feição do recurso extraordinário, após a EC 45/2004, que passou a exigir a demonstração da repercussão geral do objeto do recurso, critério que mimetiza o writ of certiorari (na modalidade statutory writ of certiorari) utilizado pela Suprema Corte norte-americana.61

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A esse respeito, há recentes julgados do STF, em recurso extraordinário, com repercussão geral, em que é adotada a limitação temporal dos efeitos da decisão.62

Essa tendência de modulação, inclusive no que pertine à alteração da orientação jurisprudencial, também alcançou o STJ. Como sublinha Marinoni, esse mecanismo veio recebendo lenta absorção pelo STJ, tomando-se, como paradigma, a possibilidade de modulação prospectiva estatuída principalmente na Lei 9.868/1999 (art. 27).63 Destaca,

ainda, como paradigma dessa absorção chamado o caso do "prazo do Ministério Público", de que é representante o seguinte julgado:

“Habeas corpus. Processo penal. Ministério público. Apelação. Tempestividade. Mudança do entendimento jurisprudencial. Casos futuros. 1. A contagem do prazo para a interposição do recurso especial ocorreu de forma correta, em consonância com a orientação firmada, à época, por esta Corte, que entendia que a intimação das decisões judiciais para o Ministério Público deveria ocorrer com a aposição do ciente por seu representante. 2. A mudança de entendimento implementada pela nova leitura feita pelas Cortes Superiores deve alcançar os casos futuros, não aqueles consolidados na constância da orientação anterior. 3. Ordem denegada” (STJ, HC 89.568/RJ, 6.ª T., j. 05.03.2009, rel. Min. Og Fernandes – grifos acrescidos).

No âmbito do TST, até onde a presente investigação pode alcançar, o tema da modulação dos pronunciamentos, inclusive quanto à mudança de jurisprudência, ainda conserva a ótica restritiva do precedente como fonte normativa. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu na decisão proferida nos autos do AgIn-RR-389-18.2013.5.03.0067,64 em

que a parte requereu a modulação dos efeitos da mudança jurisprudencial quanto ao pagamento de adicional noturno em jornada mista, assentou-se que:

"(...) a hipótese não envolve aplicação retroativa de entendimento, na medida em que verbete de jurisprudência não cria direito, mas apenas reflete a interpretação dada à legislação vigente à época da ocorrência dos fatos. Sendo assim, o cancelamento, alteração ou edição de novo verbete registra a evolução da jurisprudência, com aplicação imediata às situações regidas pela legislação vigente à época. Logo, súmula ou orientação jurisprudencial não tem efeito meramente prospectivo, sendo aplicáveis aos fatos verificados e especificados no período de vigência dos dispositivos interpretados". Na ocasião, o órgão judicante lançou mão de um julgado do STF (AgIn 137.619),65

datado de 1992, que exprime uma visão que, como se viu, não espelha a atual visão daquele Tribunal sobre o tema, tampouco considera o atual valor que a teoria dos precedentes lhes atribui.

Em outra decisão, contudo, examinando controvérsia sobre a possibilidade de demissões em massa sem a prévia negociação sindical, o TST firmou entendimento inédito sobre o disposto no art. 8.º, III e IV, da CF (LGL\1988\3), formando precedente no sentido da nulidade da dispensa em massa de trabalhadores, quando não antecedida de participação do sindicato profissional, deliberando somente aplicar, no entanto, tal entendimento para casos futuros, uma vez que a ratio decidendi ali construída “não era ainda acolhida na Jurisprudência até então dominante”, inovando-se, assim, a ordem jurídica. Trata-se, assim, de autêntica modulação temporal dos efeitos da decisão, em ordem a salvaguardar a segurança jurídica, ainda que a argumentação decisória tenha se valido das normas constitucionais, mas em interpretação nova.66

Vê-se, pois, a partir desse cenário, que o tratamento da modulação prospectiva no STF, relativamente às ações de controle concentrado (ADIn, ADC e ADPF) e, em menor extensão, naquelas de controle difuso, bem como nos tribunais superiores, indica uma mudança de paradigma no sistema brasileiro, que seguramente preparou o terreno para a disciplina da modulação quanto à superação do precedente, de que se ocupa o art. 927, § 3.º, do NCPC.

6 A modulação prospectiva no novo Código de Processo Civil e a possibilidade de sua

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Como se procurou diagnosticar, até o advento do NCPC o tratamento da modulação das decisões judiciais estava legalmente circunscrito à jurisdição constitucional exercida pelo STF, tendo, como fonte normativa, as leis de regência procedimental das ações de controle concentrado, ainda que utilizada, de forma expansiva, pelo próprio tribunal, em caráter excepcional, a processos e controle difuso, em especial àqueles subsumidos ao crivo do certiorari, ou seja, da transcendência ou repercussão geral. Esse mesmo fenômeno expansivo também alcançou o STJ e o TST, ainda que em escala incipiente, notadamente quanto ao problema específico da (i)retroatividade da mudança de orientação da jurisprudência, até mesmo porque, no caso do STJ, não há a competência constitucional para o controle de constitucionalidade.

Com o advento do NCPC, a questão tende a ganhar outra latitude. Primeiro, porque se trata de um diploma legal edificado já sobre um momento mais elaborado do constitucionalismo. Por isso, cuida de enunciar, logo no seu art. 1.º, que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”, o que já indica uma umbilical relação entre o NCPC e o garantismo, na medida em que este, enquanto modelo de constitucionalismo, baseia-se na força normativa dos direitos fundamentais.

Uma segunda razão para o destaque do tema da modulação dos pronunciamentos judiciais, a partir do NCPC, tem a ver com o contido no já mencionado § 3.º do art. 927, que autoriza não somente o STF, mas também os tribunais superiores, a modular os efeitos de suas decisões que impliquem mudança da jurisprudência dominante ou das decisões proferidas anteriormente pela sistemática dos recursos repetitivos,67 “no

interesse social e no da segurança jurídica”. Nesses casos, inclusive, o NCPC aponta a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando “os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”.68

Logo de saída, percebe-se que se trata de um grande avanço, se se considerar que, até aqui, a legislação somente cogitava do uso da técnica do prospective overruling para os pronunciamentos do STF, no exercício do controle objetivo de (in)constitucionalidade (Leis 9.868/1999 e 9.882/1999).

E mais: ao considerar não somente a interpretação do STF em matéria constitucional, mas o problema da alteração da jurisprudência dominante69 nos tribunais superiores, o

NCPC dá um passo importante para a afirmação, no âmbito da legislação, do precedente como fonte normativa formal e positiva do Direito em nosso sistema, condição, como se procurou destacar acima, já bastante assimilada na teoria do Direito.

De outro ângulo, o tratamento do tema no art. 927 do NCPC melhora o terreno positivo em relação ao que estava sucedendo até então, uma vez que, como se procurou destacar, a jurisprudência dos tribunais superiores já estava se utilizando da técnica para muito além das fronteiras traçadas pela legislação.70

A redação do dispositivo também inova ao indicar o signo “modulação” como de conteúdo normativo indeterminado. Veja-se, por exemplo, que o art. 27 da Lei 9.868/1999 não usa aquele termo, afirmando apenas que o STF poderá restringir os efeitos da decisão ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. O NCPC já adota uma nomenclatura do instituto tal como ele é trabalhado na teoria dos precedentes, nada acrescendo quanto aos termos dessa modulação.

Essa abertura textual permite afirmar que caberá ao tribunal apontar, na argumentação do overruling, as condições concretas de autocontenção da mudança ou alteração da jurisprudência, em autêntico exercício de escolha racional orientadas para fins sociais e políticas públicas, isto é atividade estatal voltada para a dimensão das policies, o que sobreleva a importância da questão jurisdicional no panorama da teoria política e do Direito.71

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No que se refere às condições substanciais para o exercício do prospective overruling, o NCPC exige a presença do “interesse social” e a necessidade de “segurança jurídica”, valores que devem ser considerados de forma meramente exemplificativa, já que há outros que são levados em conta para a modulação prospectiva de uma decisão de afastamento do precedente, como isonomia, estabilidade, previsibilidade e proteção da confiança.72 Além disso, o texto do NCPC não reproduz o contido nas Leis 9.868/1999 e

9.882/1999, no que se refere à “excepcionalidade” do interesse social. E se trata de uma melhoria no tratamento da matéria, já que a excepcionalidade é ínsita ao próprio overruling, não sendo necessário demonstrar um consequencialismo atípico ou mesmo de exceção para justificar o exercício racional do afastamento com critérios prospectivos, até porque o constitucionalismo garantista exige uma leitura mais expansiva do dispositivo.

É nessa perspectiva que se sustenta uma interpretação expansiva do dispositivo em debate do NCPC. Se o garantismo constitucional demanda a observância e concretização dos direitos fundamentais, é de se considerar que a alteração da jurisprudência, por se constituir inovação no precedente, que é fonte do Direito, não pode, como regra, basear-se na retroatividade e, apenas por exceção, em irretroatividade (prospective overruling). É dizer, a força normativa dos preceitos da segurança jurídica, isonomia e proteção da confiança, por exemplo, demanda considerar a irretroatividade como a regra, não como exceção, tal como sucede com as inovações na ordem normativa em geral.

Noutras palavras: o papel que o garantismo jurídico exerce, no panorama da teoria dos precedentes, é o de assegurar a racionalidade, mediante a universalização das decisões, e, a partir daí, igualdade, previsibilidade, segurança jurídica e maior efetividade na prestação jurisdicional.73

Em ensaio sobre o tema da aplicação das novas interpretações judiciais no tempo, Estêvão Mallet assinalou, conclusivamente:

“Em síntese, tal como não pode a lei nova comprometer o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, a mudança da jurisprudência não deve ser aplicada, indiscriminadamente e sem ressalvas, de forma retroativa, de modo a frustrar expectativas legitimamente criadas ou a infirmar comportamentos induzidos pelas decisões anteriores dos tribunais. Há casos em que não é possível sujeitar à nova jurisprudência situações já consolidadas. Quais são esses casos é algo que, depois de aceita a tese do caráter não necessariamente retroativo da jurisprudência, será preciso examinar com mais atenção.”74

Assim, embora válida em face da CF (LGL\1988\3), o § 3.º do art. 927 do NCPC só estaria inteiramente com ela compatibilizado se presente interpretação conforme os direitos e garantias fundamentais já destacados, o que implica considerar que a mudança na jurisprudência dominante somente pode produzir efeitos prospectivos, já que a inovação na ordem jurídica não pode comprometer, retroativamente, as ações e razões, estratégicas e comunicativas, dos atores sociais, os quais planejam e projetam suas ações, não somente em função da legislação – atuando, inclusive, nos debates políticos sobre as propostas legislativas de alterações, como sujeitos sociais ativos, mas também em função da jurisprudência dos tribunais, em vista do seu pragmático caráter normativo.75

Portanto, nessa linha de raciocínio, o excepcional interesse público e a segurança jurídica, como indica o texto legal, hão de justificar, em casos muito particulares, a retroatividade do overruling, já que, em regra, o afastamento do precedente somente deve produzir efeitos prospectivos.

Na excepcionalidade dos efeitos retroativos, podem ser considerados, a par do que sucede na experiência norte-americana, a aplicação retroativa restrita às partes que buscaram essa solução judicialmente, inclusive provocando o tribunal – com a necessáriaPágina 14

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apresentação do caso concreto – para o afastamento do precedente. Nessa hipótese ( regular prospective application), tanto se protege a confiança das decisões anteriores, aplicando a decisão derrogatória aos atos jurídicos posteriores, como se prestigia aqueles que questionaram a regra (rule) anterior.76

Se a leitura do art. 927, § 3.º, do NCPC for literal, considerando o prospective overruling apenas como uma condição excepcional do judicial departure ou afastamento do precedente, restariam solapados os direitos fundamentais, o que não pode se compatibilizar com o Estado Democrático de Direito, que deve preservar a confiança, a estabilidade e a segurança jurídica.

Outra possibilidade de interpretação expansiva do dispositivo diz respeito aos atores judiciais, destinatários da norma. Neste aspecto, o NCPC, ainda que mostre avanço, limita o protagonismo do prospective overruling ao STF e tribunais superiores. No entanto, essa limitação, no cenário de um Poder Judiciário com mais de 90 tribunais, não atende aos postulados constitucionais mencionados, na medida em que retira da maioria deles o poder-dever de estabelecer condições sobre a mudança de sua jurisprudência. E não se diga que a estabilidade da jurisprudência é questão somente afeta aos tribunais superiores, o que seria de logo desmentido pelo caput do art. 926 do NCPC, que afirma que os tribunais (e, por certo, todos eles) devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Se assim o é, a questão do afastamento ou superação, total ou parcial, de sua jurisprudência não pode ficar adstrita a certos tribunais, ainda que o art. 927, § 3.º, do NCPC trate daqueles que têm missão constitucional de uniformização da interpretação da CF (LGL\1988\3) e das leis no país. Esse aspecto, embora de peso, não parece ser suficiente para circunscrever o mecanismo do overruling à jurisdição de caráter nacional, na medida em que a sociedade não pauta suas agendas e ações apenas com base nessas fontes normativas e interpretativas do Direito, mas também naquelas que pronunciam o direito no âmbito regional ou estadual.

Em arremate, tem-se que a norma inscrita no § 3.º do art. 927 do NCPC somente se compatibiliza inteiramente com a CF (LGL\1988\3) e com o modelo garantista, que visa a salvaguardar a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, se: (a) for considerado o prospective overruling como regra, não como excepcionalidade; (b) for possível seu exercício por todos os tribunais que integram o Poder Judiciário, e não apenas pelo STF e pelos tribunais superiores.

O paradigma do Direito contemporâneo é tingido pelas cores do constitucionalismo, modelo que busca reafirmar a supremacia da Constituição e de seu catálogo de direitos e garantias fundamentais, submetendo toda ordem jurídica ao filtro de validade em face do seu texto.

Nesse panorama, o garantismo jurídico se apresenta como teoria política e teoria do Direito, preocupado com a dinâmica da verificação da validade das normas, com a eficácia dos direitos e garantias fundamentais e com a democracia substancial.

A partir desse aporte garantista, destacou-se, neste estudo, a segurança jurídica, a isonomia e a proteção da confiança como direitos fundamentais que assumem grande relevo para a solidez do Estado Democrático de Direito, notadamente quando se trata de oferecer ao cidadão a ambiência ótima para o desenvolvimento das relações jurídicas. Considerando a natureza híbrida do sistema jurídico brasileiro, no qual se mesclam caracteres da civil law com outros títulos da common law, o estudo do potencial de eficácia daqueles direitos fundamentais passa por uma consideração da natureza das decisões judiciais como fonte do Direito, condição que não pode mais deixar de ser assumida diante da evolução da teoria dos precedentes no Brasil, principalmente depois das reformas constitucionais levadas a efeito pela EC 45/2004.

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Nesse passo, é preciso compreender a metodologia do Direito para além dos tradicionais aportes que costumam indicar a centralidade da lei como fonte, de modo a viabilizar o desenvolvimento de outros métodos próprios dos sistemas em que os precedentes assumem posição de destaque na construção da ordem normativa positiva.

O NCPC absorveu essa tendência, ao incorporar no seu texto diversos institutos relacionados com o sistema de precedentes, dentre os quais se destaca a autorização para a modulação perspectiva (prospective overruling) das decisões que implicam alteração da jurisprudência, forte na compreensão de que é aspecto fundamental da democracia substancial a estabilidade da jurisprudência.

Nesse sentido, o art. 927, § 3.º, do NCPC mostra-se compatível com o tronco constitucional. Contudo, a partir da própria CF (LGL\1988\3), entende-se ser possível uma interpretação expansiva de seu texto, como forma de assegurar a máxima eficácia dos direitos fundamentais envolvidos (segurança, isonomia e proteção da confiança). De um lado, defende-se que o rol de tribunais indicado no mencionado § 3.º do art. 927 do NCPC (STF e tribunais superiores) deve ser considerado como meramente ilustrativo, já que não pode ser interpretado em numeros clausus, sob pena de excluir dezenas de tribunais da obrigação de proteger a sociedade dos deletérios efeitos de uma mudança retroativa da jurisprudência dominante, sumulada ou não, desses tribunais.

Por outro lado, considera-se que a modulação prospectiva (prospective overruling) deve se constituir a regra, e não a exceção, como parece sugerir uma leitura mais literal da norma em estudo. Isto implica dizer que somente em casos excepcionais é que poderia ser justificada a retroação da alteração da jurisprudência.

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1 Art. 927, § 3.º (NCPC): “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

2 Adota-se aqui a expressão “constitucionalismo” no sentido que lhe emprega Luigi Ferrajoli, qual seja um “modelo normativo de ordenamento produzido por uma mudança de paradigma, seja do direito, seja da democracia, graças ao qual a validade das leis e a legitimidade da política são condicionadas ao respeito e à efetivação das garantias e dosPágina 17

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direitos estipulados nas constituições” (FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Trad. Alexander Araujo de Souza et alii. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 12).

3 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico: teoria geral do direito. Florianópolis: Habitus, 2003. p. 19-20.

4 Nomenclaturas utilizadas de forma indistinta na obra de Ferrajoli. 5 ROSA, Alexandre Morais da. Op. cit., p. 20.

6 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 20.

7 Na jurisprudência do STF, há exemplos desse aporte garantístico, como se pode observar do julgamento do MS 26441 (rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j.

25.04.2007), quando foi assentado o caráter contramajoritário do preceito constitucional que dispõe sobre a criação das comissões parlamentares de inquérito (CPIs), de modo que, cumpridas as formalidades exigidas pela Constituição Federal, viola a garantia assegurada à minoria parlamentar a não instalação da CPI, ainda que por deliberação do Plenário de uma das Casas do Congresso. Do voto do relator, destaca-se a seguinte passagem: “a prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento

(especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional, que não dispõe de qualquer parcela de poder para deslocar, para o Plenário das Casas legislativas, a decisão final sobre a efetiva criação de determinada CPI, sob pena de frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalizar e de investigar o

comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. A rejeição de ato de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, ainda que por expressiva votação majoritária, proferida em sede de recurso interposto por Líder de partido político que compõe a maioria congressual, não tem o condão de justificar a frustração do direito de investigar que a própria Constituição da República outorga às minorias que atuam nas Casas do Congresso Nacional”.

8 Essa dicotomia entre validade “formal” e “material” é emblema do constitucionalismo contemporâneo (Estado Constitucional), na medida em que passa a Constituição Federal a submeter o tecido normativo que lhe é subalterno também o controle de conteúdo, material, ou de legalidade substancial (FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 20).

9 ROSA, Alexandre Morais da. Op. cit., p. 30.

10 É de se sublinhar que essa consideração não coloca, no campo da ficção legal, as normas-programa. Como lembra Alfonso de Julios-Campuzano, as normas

programáticas, enquanto normas constitucionais, constituem uma importante

característica das democracias constitucionais contemporâneas, pois reduzem o debate político sobre temas relevantes e constitucionalizados, já que reservam apenas aos atores políticos e sociais as “decisões concretas para alcançar os fins constitucionais” (JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Constitucionalismo em tempos de globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 32).

11 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991. 12 “A economia capitalista necessitava de segurança jurídica e a segurança jurídica não estava garantida no Estado Absoluto, dadas as freqüentes intervenções do príncipe na esfera jurídico-patrimonial dos súditos e do direito discricionário do mesmo príncipe quanto à alteração e revogação das leis. Ora, toda a construção constitucional liberal tem em vista a certeza do direito” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional ePágina 18

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teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 109).

13 TORRES, Luis Ernesto Orozco. Seguridad jurídica y neoconstitucionalismo. Revista de los Investigadores del Centro de Estudios sobre Derecho, Globalización y Seguridad de la Universidad Veracruzana. ano 12. n. 23. p. 1-10.Veracruz, jan.-jun. 2011.

14 De acordo Ávila, a CF (LGL\1988\3) também trata da segurança jurídica, de forma implícita, em outras passagens, como, por exemplo, no art. 1.º, ao designar a República como um Estado Democrático de Direito, doutrinariamente associado à ideia de

segurança jurídica (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre a permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 40). 15 Idem, p. 47 e 53.

16 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 257. 17 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 20.

18 NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57.

19 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 20.

20 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 2.

21 Mesmo antes, ainda sob o regime jurídico do Império Português, registram-se os assentos da Casa de Suplicação, o mais alto tribunal do Reino (SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. p. 179; NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 107).

22 Assim se encontra redigido, de forma integral, o dispositivo: “as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”. 23 Art. 902 (CLT (LGL\1943\5), revogado): “É facultado ao Conselho Nacional do Trabalho estabelecer prejulgados, na forma que prescrever o seu regimento interno. § 1.º Uma vez estabelecido o prejulgado, aos Conselhos Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento e o Juízes de Direito investidos da jurisdição a Justiça do trabalho ficarão obrigados a respeitá-lo. § 2.º Considera-se revogado ou reformado a prejulgado sempre que o Conselho Nacional do Trabalho funcionando completo,

pronunciar-se, em tese ou em concreto, sobre a hipótese do prejulgado firmando nova interpretação. Em tais casos, o acórdão fará remissão expressa à alteração ou revogação do prejulgado”.

24 “Prejulgado do TST. Não constituindo ato normativo, dado que o art. 902, § 1.º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que lhe atribuía tal caráter, foi revogado pela constituição de 1946, não pode ser objeto de representação por inconstitucionalidade. Representação não conhecida” (Representação 946-DF, Tribunal Pleno, j. 12.05.1977, rel. Min. Xavier de Albuquerque).

25 Art. 4.º (LIDB): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Referências

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