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Lei de execução penal, falta de estabelecimentos prisionais adequados e outras interferências na efetividade do cumprimento da pena

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

DANIELLE DE ALCÂNTARA VASCONCELOS

LEI DE EXECUÇÃO PENAL, FALTA DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS ADEQUADOS E OUTRAS INTERFERÊNCIAS NA EFETIVIDADE DO

CUMPRIMENTO DA PENA.

FORTALEZA 2019

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DANIELLE DE ALCÂNTARA VASCONCELOS

LEI DE EXECUÇÃO PENAL, FALTA DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS ADEQUADOS E OUTRAS INTERFERÊNCIAS NA EFETIVIDADE DO

CUMPRIMENTO DA PENA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Junior.

FORTALEZA 2019

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Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

V45l Vasconcelos, Danielle de Alcântara.

LEI DE EXECUÇÃO PENAL, FALTA DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS ADEQUADOS E OUTRAS INTERFERÊNCIAS NA EFETIVIDADE DO CUMPRIMENTO DA PENA. / Danielle de Alcântara Vasconcelos. – 2019.

58 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2019.

Orientação: Prof. Dr. William Paiva Marques Junior.

1. Sistema Prisional. 2. Estabelecimento Prisional. 3. Direitos Humanos. 4. Função da Pena. 5. Ressocialização. I. Título.

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DANIELLE DE ALCÂNTARA VASCONCELOS

LEI DE EXECUÇÃO PENAL, FALTA DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS ADEQUADOS E OUTRAS INTERFERÊNCIAS NA EFETIVIDADE DO

CUMPRIMENTO DA PENA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Junior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Alex Xavier Santiago da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestrando Matheus Casimiro Gomes Serafim

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A Deus.

Aos meus pais, Hélio e Raquel, e aos meus irmãos, Emanuelle, Rafael e Edson.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me proporcionado a oportunidade de cursar Direito na Universidade Federal do Ceará e por ter me sustentado em toda essa trajetória. Sem Ele, nada teria sentido.

Aos meus pais, Hélio e Raquel, por sempre terem me dado suporte, propiciando oportunidade para que eu pudesse focar unicamente nos estudos.

Aos meus familiares, sobretudo, meus irmãos – Emanuelle e Rafael, meu primo (considerado irmão), Edson, meus cunhados, Bruno, Vanessa e Cleide, e nossa princesa Hadassinha, por terem torcido por mim durante todo o período de graduação.

Ao Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior, pela excelente orientação e por ter me tranquilizado em todos os momentos de dúvidas e ansiedade, nessa longa trajetória de produção deste trabalho.

Ao querido Prof. Dr. Alex Santiago, que sempre esteve solícito e disponível para contribuir com minha formação, e ao mestrando Matheus Casimiro, também pela disponibilidade e pelas importantes colaborações dispensadas.

A todos os professores que trilharam minha jornada, desde minha primeira escola até à Faculdade de Direito. Cada lição aprendida ajudou-me a chegar onde estou hoje.

A todos que trabalham na Faculdade de Direito e prestam excelente serviço aos alunos, seja na coordenação, na diretoria, no departamento, na biblioteca. Ao seu Odir, dono da melhor cantina da Universidade e um amigo querido; aos meninos da xerox – Marcelo, Xuxu e Caio, por toda a prestatividade que sempre tiveram comigo; aos funcionários da limpeza, em nome do seu Moura, pela alegria com que sempre me recebem. Destaco, também, o querido Osvaldo, por sempre ter emprestado seus ouvidos para me ouvir falar sobre minha vida acadêmica durante os últimos anos.

À minha igreja, minha segunda casa, e a todos os meus irmãos que a compõe. Minhas alegrias sempre são maiores quando compartilhadas com a Igreja Batista de Henrique Jorge (IBHJ).

Aos meus amigos da IBHJ, que se preocuparam comigo, me deram forças, oraram por mim e que agora se alegram em me ver concluindo mais uma etapa importante.

À minha querida turma 2020.1, que tornou a trajetória ainda mais agradável. Em especial, destaco minhas queridas e eternas amigas, Ana Katrine, Jhassika Gomes e Letícia Lucena – pessoas cujas histórias estarão guardadas em minha memória para sempre, com muito carinho, e meus amigos Caio Alcântara, Matheus Casimiro e Pedro Lima, por terem

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estado fortemente presentes sempre quando mais necessitei, me encorajando quando eu mesma não acreditei em mim.

Aos projetos de extensão que tive a oportunidade de fazer parte e angariar experiências enriquecedoras: GEDAI, CEDIC, SONU e, em especial, Sociedade de Debates – onde aprendi a lidar com minhas fraquezas e tive a oportunidade de conviver com pessoas incríveis.

À minha querida gestão Voz Ativa do Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua. Sem dúvidas, nosso ano de gestão foi um dos momentos mais felizes que vivi nesse período de graduação.

Aos meus queridos amigos do Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado do Ceará, por tanto companheirismo e por todo o aprendizado. A vivência nesse estágio me instigou a estudar e pesquisar sobre o tema abordado neste trabalho.

À querida Cilene, que cuidou de mim desde que nasci até o presente ano, tendo colaborado bastante para propiciar condições adequadas para os meus estudos.

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“Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. Filipenses 4:8 – Bíblia Sagrada.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a situação prisional do Brasil e faz uma relação entre dois fatores: o não cumprimento da lei no que tange aos direitos do apenado e a ineficiência da aplicação da pena privativa de liberdade no processo de ressocialização do preso. Apesar de o país possuir uma legislação avançada relacionada à execução penal, a realidade mostra um cenário diferente do previsto pelo legislador: um sistema prisional cada vez mais precário, com constantes violações aos direitos humanos, realidade que impacta diretamente no fracasso da pena e contribui fortemente para o aumento dos índices de reincidência. Nessa esteira, por meio de estudos doutrinários, análises legais e jurisprudenciais e entrevista com a defensora pública responsável pelo Núcleo de Execução Penal do Estado do Ceará, aborda-se, inicialmente, a função da pena. Em seguida, faz-se uma análise sobre como deveriam ser os estabelecimentos prisionais, comparando-os com a realidade de cada um deles. Por fim, à luz dos princípios garantidores da dignidade humana do preso, mostram-se as violações aos direitos humanos e seu impacto na ineficiência do cumprimento da função ressocializadora e punitiva da pena. Conclui-se pela urgência de adoção de novas políticas públicas e pela criação de mecanismos de fiscalização e de punição dos responsáveis que se mantiverem omissos frente à falência do sistema prisional.

Palavras-chave: Sistema prisional. Estabelecimento prisional. Direitos humanos. Função da

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ABSTRACT

The present work analyzes the prison situation in Brazil and makes a relation between two factors: the non fulfillment of the law in what concerns the rights of the prisoner and the inefficiency of the application of a custodial sentence in the process of resocialization of the prisoner. Although the country has advanced legislation relating to criminal enforcement, reality shows a different scenario from that envisaged by the legislator: an increasingly precarious prison system, with constant violations of human rights, a reality that directly impacts on the failure of the sentence and strongly contributes to the increase in the indices of recidivism. In this study, the function of the penalty is initially analysed. This is followed by an analysis of what prison establishments should look like, comparing them to the reality of each kind of prison. Finally, in light of the principles that guarantee the human dignity of the prisoner, human rights violations and their impact on the inefficiency of the fulfillment of the resocializing and punitive function of punishment are shown. It is concluded by the urgency of adopting new public policies and by the creation of mechanisms for inspection and punishment of those responsible who remain silent in the face of the bankruptcy of the prison system.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. – Artigo. Arts. – Artigos.

CF – Constituição Federal.

CNJ – Conselho Nacional de Justiça CPB – Código Penal Brasileiro.

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional.

INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. LEP – Lei de Execução Penal.

STF – Supremo Tribunal Federal. STJ – Superior Tribunal de Justiça.

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

DENARC - Delegacia Especializada em Narcóticos.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 FUNÇÃO SOCIAL DA PENA ... 15

2.1 Evolução da pena ... 15

2.2 Escolas penais ... 20

2.3 Funções penais ... 24

3 ANÁLISE NORMATIVA E REALIDADE PRISIONAL NO BRASIL... 26

3.1 Progressão de regime... 26

3.2 Principais estabelecimentos prisionais e suas especificações legais... 28

3.3 Realidade dos estabelecimentos prisionais no Brasil... 31

4 IMPACTO DA REALIDADE PRISIONAL DO BRASIL NA EFETIVIDADE DA PENA... 40

4.1. Princípios norteadores e direitos e garantias fundamentais do preso no ordenamento jurídico brasileiro... 41

4.2 Garantias para o preso na legislação internacional... 43

4.3 Violação aos direitos humanos no cumprimento da pena... 44

4.4 Impactos do descumprimento dos direitos na efetividade da pena e possíveis soluções para a resolução do problema... 46

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 56

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a analisar os problemas que assolam o sistema prisional brasileiro, sobretudo, os relativos à superpopulação e à violação dos direitos fundamentais dos apenados. O Brasil possui uma legislação de execução penal – a LEP, bastante avançada, com previsões que garantem diversos direitos aos presos, visando à preservação de sua dignidade e o cumprimento da função ressocializadora da pena. Todavia, essa lei não tem sido cumprida, sendo bastante comum em todo o território nacional a negligência do Estado frente ao sistema prisional.

Direitos básicos como alimentação de qualidade, acesso à educação e a oportunidades de trabalho não são oferecidos. As celas, que deveriam ser individuais, são divididas com dezenas de outros presos, sem condições mínimas de higiene e conforto. Os estabelecimentos prisionais especificados na LEP sequer existem, o que afeta, por consequência, a progressão de regime do reeducando. Inúmeros são os relatos de violações aos direitos humanos dentro dos presídios, que expõem a população carcerária a situações de tortura e humilhação, rememorando, em muito, os tempos iniciais da evolução da pena, também abordado neste trabalho.

Todo esse cenário está associado à falência do sistema prisional brasileiro. A função ressocializadora perde espaço para a reincidência, pois muitos dos prisioneiros, quando saem da situação de privação de liberdade, retornam à delinquência, em razão de não terem tido um processo de reeducação eficiente.

Além disso, por outro lado, o problema da superpopulação carcerária contribui, também, em algumas situações, para o afrouxamento da pena. Em razão da falta de estabelecimentos prisionais adequados, o Estado, muitas vezes, opta por antecipar a liberdade do apenado, parcial ou totalmente, mesmo sem poder garantir que o processo de ressocialização tenha ocorrido satisfatoriamente.

O objetivo desse trabalho é evidenciar o impacto que essa realidade do sistema prisional tem sobre a ineficiência da pena e sobre a falha no cumprimento de sua função, buscando, minimamente, encontrar alternativas que contribuam no processo de ressocialização e de preservação da dignidade humana.

A metodologia aplicada a esta monografia baseia-se, qualitativamente, em estudos doutrinários de autores dedicados ao estudo da execução penal e na leitura de artigos e publicações periódicas relacionadas ao tema; em análises das leis e dos tratados que versam sobre os direitos do preso, comparando as previsões legais com a

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realidade fática do sistema prisional brasileiro; em pesquisas jurisprudenciais; e em entrevista direta realizada no dia 10 de outubro de 2019 com a supervisora no Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do estado do Ceará, Dra. Marylene Venâncio. Quantitativamente, a análise se dará por meio de pesquisas, cujos dados demonstram a evolução do problema no país.

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2. FUNÇÃO SOCIAL DA PENA

Mas qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes?1

A pena é a resposta dada pelo Estado a quem infringe as leis penais, cometendo um fato típico, ilícito e culpável. Desde os tempos mais remotos, existia a necessidade de controle social, para reprimir o indivíduo que cometia infrações. Mesmo no período em que a escrita ainda não havia sido desenvolvida, exigia-se o respeito às normas impostas pelo costume, como forma de proteção aos interesses coletivos.

Etimologicamente, o termo deriva do latim, poena, que também deriva de outra palavra, grega, poiné, remetendo ao significado de dor, punição, sofrimento, expiação, dentre outros2. Não existe certeza absoluta sobre sua origem, mas é possível traçar uma linha do tempo, demonstrando como ocorreu parte de sua evolução.

2.1. Evolução da pena

Na Antiguidade, o ser humano dava um relevante valor à coletividade. Nilo Batista3 afirma que “havia uma coesão social muito intensa; o indivíduo extrai do clã ao qual está filiado, para além de auxílio e solidariedade, a essência de sua integração e reconhecimento sociais”. Dessa forma, se alguém perturbava a paz da comunidade, recebia uma punição aplicada em grupo, que podia resultar até mesmo em sua expulsão do clã – uma forma de punição altamente temida, pois além de gerar abandono do indivíduo expulso, carregava um forte sentimento de reprovação e censura. Essa reação se explicava, sobretudo, pela devoção dada aos deuses e às forças sobrenaturais. A falta de capacidade de entendimento mais aprofundado explicava o temor que os indivíduos tinham do raio, do trovão, da chuva, dos fenômenos naturais em geral. Por isso, na ocorrência de algum deles, cria-se estar havendo punição para castigar os erros que

1

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Ridendo Castigat Mores. Martin Claret: 2002. P. 23. 2

DRIGO, Carolina Martins. A ineficácia da aplicação das penas privativas de liberdade no Brasil. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/18611/6/IneficaciaAplicacaoPenas.pdf. Acesso em 20 set. 2019.

3

BATISTA, Nilo. Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro, I. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia: Freitas Bastos: 2000, p. 32.

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ocorriam na comunidade. Dessa forma, punindo o infrator, acreditava-se que estaria se evitando a fúria sobrenatural. Essa seria a chamada reação social.

Sucedeu-se a isso, a vingança privada. Na Antiguidade era comum que as penas tivessem relação direta com o corpo do indivíduo. Ela serviria como uma espécie de vingança – o infrator deveria pagar com seu corpo de acordo com o dano causado à sociedade. Ascende aqui o Código de Hamurabi e a Lei do Talião – “olho por olho, dente por dente”. Aquele que infringia uma lei deveria pagar “na mesma moeda”, sendo o ofendido o responsável por aplicar a sanção – a chamada justiça com as próprias mãos, exercitando a autotutela. Assim, se alguém assassinava outrem, deveria, também, ser morto, como forma de punição. John Gilissen4 transcreve parte da lei: “195. Se um filho agrediu o seu pai, ser-lhe-á cortada a mão por altura do pulso. 196. Se alguém vazou um olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o olho”.

Nesse tempo, a ideia de justiça divina também se fazia fortemente presente. A igreja se apresentava como representante da divindade, sendo ela a responsável por aplicar as sanções consideradas como vontade de Deus – a vingança divina. A religião influenciava todos os aspectos da sociedade e, por essa razão, os sacerdotes eram respeitados pelos cidadãos. Farias Junior5 aponta que:

Determinados povos da antiguidade cultivavam a crença de que a violação da boa convivência ofendia a divindade e que sua cólera fazia recair a desgraça sobre todos, todavia, se houvesse uma reação, uma vingança contra o ofensor, equivalente a ofensa a divindade depunha a sua ira, voltava a ser propícia e a dispensar de novo a sua proteção a todos.

Provar sua inocência não era tarefa fácil. Segundo Felipe Machado Caldeira6, “a prova dos fatos era feita através das ordálias ou ‘prova de Deus’: se a pessoa andasse sobre o fogo e não tivesse queimaduras, seria inocente; do contrário, seria culpada”. O desafio era tido como impossível, razão pela qual todos que eram postos a essa prova terminavam sendo condenados a sofrer penas cruéis. Exemplos dessas ocorriam de formas diferentes em várias regiões do mundo: na Assíria, os indivíduos eram jogados aos animais ferozes, sendo amassados por seus pés; na China e na Babilônia, os

4

GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. 2. Ed. Rio de Janeiro: Fundação Calouste, 1995. P. 56.

5 FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Juruá, 1993, p.23-24. 6

CALDEIRA. Felipe Machado. A evolução história, filosófica e teórica da pena. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro: v. 12, nº 45, 2009262. 255-272, 2009. P. 262.

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condenados poderiam ser enterrados em vida, ter seus olhos arrancados, seu sangue retirado e seus ossos esmagados.

Com o passar do tempo, a responsabilidade pela punição saiu das mãos dos religiosos para as mãos do Estado – a chamada vingança pública. O soberano, também instituído por Deus, aplicava a pena de forma institucional. Foi um período em que os infratores protagonizaram grandes espetáculos de horror, pois as punições, vis e cruéis, eram públicas, como forma de satisfazer a sociedade. As modalidades eram diversas, pois a morte poderia ser precedida por torturas ou ocorrer por sufocamento, seja através de fogo ou por enforcamento; o corpo poderia ficar suspenso e putrefazendo-se, sem prazo para seu recolhimento, dentre outros tipos de torturantes mortes. O sofrimento fazia parte da condenação – as penas deveriam ser aplicadas em etapas, de forma que esse momento demorasse o suficiente para possibilitar que a dor purificasse por completo a alma do infrator7. Faria Junior8 aduz que, apesar de existirem penas aterradoras e ostensivas, nunca houve, de fato, um efeito inibitório da criminalidade. Conclui-se que nessa época, a pena era mais retributiva – o indivíduo precisava ser vingado por suas ações, como conclui Ramagem Badaró9:

Pelo visto, a teoria da delegação divina expandiu o conceito de que a pena é essencialmente vingança. Não a vingança privada, mas a vingança pública. Não a vingança gerada pelo ódio, mas a vingança cristã, o zelo justitiae et amore dei. E a expiação teve um significado de experiência espiritual. Sendo a pena a dor que redime.

Já na Idade Média, surgiram as primeiras formas de privação de liberdade. A Igreja e o Estado possuíam estreita relação – nesse período, as decisões tomadas pelos líderes religiosos se aplicavam em tribunais civis. E se a decisão se impusesse contra outros religiosos ela poderia se dar em forma de encarceramento, sob a justificativa de a pena ser uma oportunidade, em razão do silêncio da prisão, para meditar sobre o erro e se arrepender do pecado10. Certo tempo depois, a privação de liberdade foi estendida a todos os cidadãos. O período da Idade Média, portanto, trouxe grande contribuição para

7 OLIVEIRA, Alice. Evolução histórica das penas. Disponível em:

https://aliceoliveira1.jusbrasil.com.br/artigos/347455966/evolucao-historica-das-penas. Acesso em 20 set. 2019.

8

FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Juruá. 1993. P. 24.

9 BADARÓ, Ramagem. Introdução ao estudo das três escolas penais. São Paulo: Juriscredi, 1973, p. 14.

10

CALDEIRA. Felipe Machado. A evolução história, filosófica e teórica da pena. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro: v. 12, nº 45, 2009262. 255-272, 2009. P. 264.

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o entendimento da evolução da pena. A própria origem do termo “penitenciária” vem da época, em referência ao cárcere como penitência11.

Essa, também, foi a época da Inquisição – o período em que a Igreja punia todo aquele que ameaçasse os dogmas cristãos, ainda que sem provas suficientes. Bastava uma simples acusação ou um mínimo desvio dos padrões impostos pela Igreja para que o indivíduo fosse condenado a duras penas. A punição não tinha nenhum caráter humanitário. Seu objetivo era puramente consolidar a soberania dos religiosos, afastando todos que pudessem se impor contra ela. Para isso, utilizavam-se da tortura, especialmente para extrair confissões dos acusados – tesouras, alicates, barras de ferro aquecidas eram alguns dos instrumentos usados à época. E se a pena precisasse ser ainda mais grave, entrava em cena o cárcere privado e, principalmente, a pena de morte pública, em que o indivíduo era morto queimado na praça da cidade, como forma de dar exemplo aos outros cidadãos que assistiam à sua tortura, além do simples objetivo de punição.

Foi no final da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea que a pena passou a ter caráter mais humanitário. Esse período marca uma transição fundamental para a construção do Direito Penal que conhecemos na atualidade. O absolutismo da época ainda trazia consigo as penas cruéis, sendo a pena de morte a mais assustadora delas. Ainda não havia o conceito de justiça bem definido, pois as condenações não precisavam sequer ter justificativa – o arbítrio do rei era suficiente. No entanto, com a grave crise econômica que assolou especialmente a Europa no século XVIII, os crimes patrimoniais ficaram mais constantes. Dessa forma, tornou-se insustentável punir com a morte todos os criminosos, tanto em razão da pena ter se banalizado, não gerando mais medo na população, quanto pelo fato de ser grande o número de pessoas a serem dizimadas. Por essa razão, a pena privativa de liberdade – até então utilizada apenas como abrigo do apenado enquanto esperava a aplicação do seu castigo – passa a ser a melhor alternativa de punição, especialmente após o surgimento do Iluminismo.

O ideal iluminista, do final do século XVIII, foi um grande influenciador no processo de mudança do conceito da pena. O grande desafio desse período era fomentar o pensamento crítico e o uso da razão. Os grandes intelectuais lutavam contra o sistema, para que se superassem os arbítrios e as tiranias do governo.

11

OLIVEIRA, Alice. Evolução histórica das penas. Disponível em:

https://aliceoliveira1.jusbrasil.com.br/artigos/347455966/evolucao-historica-das-penas. Acesso em 20 set. 2019.

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No que diz respeito às penas, o Iluminismo trouxe a ideia de sua humanização. Cesare Beccaria foi o grande nome dessa luta, sendo conhecido por seu clássico livro “Dos delitos e das penas”, publicado em 1764. O autor escreveu contra o modo de punição estatal, que punha o indivíduo em situação vexatória, tornando-o vítima de atos cruéis e desproporcionais, ao mero arbítrio do rei. Sua luta fomentou a necessidade de se aplicar o princípio da reserva legal e da proporcionalidade, além de abrir caminho para as garantias processuais. Dos grandes avanços que esse período trouxe para a construção do conceito atual de pena, a soberania das leis em detrimento do arbítrio dos juízes merece grande destaque. Consolidou-se a ideia de que somente as leis fixam as penas, devendo os magistrados apenas aplicá-las. Junto à Beccaria, outros intelectuais começaram a se insurgir contra o sistema, despertando nos demais cidadãos o mesmo sentimento de indignação. Segundo Michel Focault12:

O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na Segunda metade do século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados, parlamentares; e entre os legisladores das assembleias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco.

Com as conquistas liberais, das quais merece grande destaque a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, fruto da Revolução Francesa, o caráter da pena foi mudando, sobressaindo-se a razão em detrimento das questões espirituais, nascendo a necessidade de prevenção do delito e de reabilitação do condenado. Cesare Beccaria13 afirmou que a finalidade da privação de liberdade “é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”. Michel Foucalt14 também sinaliza a conversão de objetivo da prisão: ela não existe mais para causar dor física de forma cruel e desmedida – agora seu objetivo é ferir a liberdade do indivíduo, atingindo sua mente, o que demonstra a falência da pena de morte como pena suprema. A dor de não ser mais livre, de não dispor mais de relações sociais afetivas, de sentir-se enclausurado e sozinho, leva o criminoso a refletir sobre a gravidade de seu erro e, principalmente, a concluir que as consequências desse são cruéis demais, razão pela qual não irá querer repeti-lo. Além disso, se o crime for associado a grandes desvantagens, mesmo que por um ângulo seja vantajoso, deixará de ser desejável pelo

12 FOCAULT, Michel. Vigiar e punir. São Paulo: Editora Vozes, 2014. P. 63. 13

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Ridendo Castigat Mores. Martin Claret: 2002. P. 62. 14 IBIDEM. P. 64.

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ônus que acarreta. A memória desse sofrimento será mais durável que as lembranças da tortura física, tornando-o, portanto, mais eficaz.

Para sistematizar as características desses períodos de evolução da pena, surgiram as escolas penais – teorias políticas-jurídicas e filosóficas que analisam a problemática do crime e estabelecem os fundamentos do Direito Penal.

2.2. Escolas penais

A primeira das escolas ficou conhecida pejorativamente como Escola Clássica – nome dado pelos positivistas, para dar a ideia de algo ultrapassado, tendo sido seu ponto de partida a obra de Cesare Beccaria, no final do século XVIII. Sua base está firmada na

ideia da humanização das penas, do livre arbítrio e da responsabilidade moral. Nessa

época, o conceito de pena tinha caráter retributivo: o indivíduo merecia um castigo por ter cometido voluntária e racionalmente um crime. Todavia, diferente do que ocorria ainda na Idade Moderna, tal castigo não deveria se assemelhar às penas de tortura que comumente eram aplicadas arbitrariamente pelo Estado – a pena deveria ser proporcional ao dano causado e estritamente legal, servindo, também, de defesa social, para impedir que novos delitos fossem cometidos.

Segundo Beccaria15, a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade, devendo a pena ser relacionada com o crime da forma mais justa e sutil, conforme estabelecido na lei. Se o indivíduo decide romper com a ordem social, utilizando-se de sua liberdade e de sua razão, este deve sofrer as consequências como forma de combate ao crime, para reestabelecer a paz social, não havendo nesse período preocupação com a pessoa do criminoso. Carrara16, outro grande nome do período, defendia que o agente era impelido por duas forças: a física, que lhe movia a produzir o resultado, e a moral, decorrente de sua vontade consciente e livre de praticar determinado delito. O livre arbítrio, portanto, é a grande característica dessa escola: quanto mais o indivíduo tem capacidade de entender a ilicitude da sua ação, maior deve

15 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Ridendo Castigat Mores. Martin Claret: 2002. P. 63. 16

AGUIAR, Leonardo. Escolas penais. Disponível em:

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ser sua responsabilidade sobre esse crime, conforme aponta Antonio Moniz Sodré de Aragão17:

O criminoso é penalmente responsável, porque tem a responsabilidade moral e é moralmente responsável porque possui livre-arbítrio. Este livre-arbítrio é que serve, portanto, de justificação da pena que se impõe aos delinquentes como um castigo merecido, pela ação criminosa e livremente voluntária.

Com o nascimento da escola Positivista, a pena muda o foco do crime para o criminoso, ganhando grande importância a necessidade de ressocialização do indivíduo. Essa escola pode ser dividida em três períodos, sendo o primeiro deles a fase Antropológica, que nasce com o lançamento do livro “O homem delinquente”, em 1876, de Cesare Lombroso. Tal obra quebra com a teoria do livre-arbítrio ao lançar a seguinte proposição: e se o homem já nascesse com predisposição a delinquir? Se suas características próprias o inclinassem ao cometimento natural do delito? Essa escola introduz a ideia da previsibilidade do comportamento humano. O crime é analisado a partir do perfil do criminoso, não o contrário – tendo sido esses dois conceitos tratados por Lombroso como patologias sociais. Não à toa, essa corrente cresce com o surgimento dos estudos científicos, sociológicos e biológicos, ou seja, com o avanço das ciências sociais18.

Lombroso, utilizando-se do método experimental, estudou o cadáver de diversos criminosos, a fim de distingui-los das pessoas normais. Sua conclusão traz respostas afirmativas para as hipóteses apresentadas acima: o criminoso já nasce delinquente, pois seu corpo e sua mente apresentam deformações que o inclinam à prática de delitos. Dessa forma, o crime passa a ser tratado como um fenômeno biológico, não mais como um ente jurídico, de acordo com a Escola Clássica19.

Como o fundamento da pena é a defesa social, esse indivíduo, apesar de ter nascido com problemas psíquicos, deve ser punido por suas ações, pois é um direito natural da sociedade se defender, especialmente nesse caso em que o criminoso é escravo de suas intenções criminosas, gerando mais risco para a convivência social, por

17 NUCCI, Guilherme de Sousa. Individualização da pena. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, P. 66.

18 AGUIAR, Leonardo. Escolas penais. Disponível em:

https://leonardoaaaguiar.jusbrasil.com.br/artigos/333110363/escolas-penais. Acesso em 21 set. 2019. 19 IBIDEM.

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sua maior periculosidade. Todavia, a individualização da pena não diz respeito ao crime cometido, mas à pessoa que o cometeu – os fatos devem ser analisados no caso concreto, de acordo com o indivíduo criminoso e, a partir dessa análise, aplicada a pena. Dessa forma, a personalidade e a conduta social influenciam na sanção20.

O grande problema dessa corrente diz respeito àquele delinquente ocasional, que não tem predisposição ao crime desde seu nascimento, não provocando tanto perigo. Os autores da época se resumiram a estudar os casos mais graves, tendo sido negligenciada a espécie de criminoso que comete crimes pequenos e eventuais21.

A segunda corrente da Escola Positivista é chamada de Sociologia Criminal e tem como grande nome Enrico Ferri, autor do livro “Sociologia Criminal”. Enrico dividiu os delinquentes em cinco categorias: aquele que nasceu predisposto ao crime, seguindo a teoria de Lombroso; o que possui doença mental; o criminoso que tornou-se habitual por conviver em um meio social sujeito à corrupção; o eventual; e o passional, movido por suas fortes emoções, apesar de possuir bom caráter. Dessa forma, o crime não tem mais razão meramente biológica, assumindo, também, características antropológicas e sociais – características essas consideradas deterministas22.

Por fim, a terceira corrente – fase jurídica - tem como grande expoente Rafael Garofalo, autor da obra “Criminologia”, de 1891. Garofalo afirmava que o crime estava no indivíduo, mas não por razões biológicas – a causa de sua delinquência se justificava por distúrbios morais. Por esse motivo, apresentava-se cético quanto à reabilitação do criminoso mais perigoso, inclusive, defendendo a pena de morte para àqueles que tivessem absoluta incapacidade de adaptação, tendo-os considerado seres inferiores dos quais a sociedade não tem dever algum23.

A terceira escola que obteve destaque na história iniciou-se em 1905, nascendo como oposição à escola positivista. A escola técnico-jurídica, como ficou conhecida, buscava tornar a ciência penal autônoma, com objeto, método e fins próprios, pois

20 IBIDEM.

21

IBIDEM.

22 THUMÉ, Paulo Renato. Uma abordagem acerca das penas e sua execução na Legislação Penal

Brasileira. Disponível em:

https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/865/1/Paulo%20Renato%20Thum%C3%A9.pdf. Acesso em 23 set. 2019.

(23)

acreditava que não deveria haver relação da pena com nenhuma teoria antropológica, cientifica, biológica, política ou de qualquer outra área externa ao meio jurídico. O grande nome que contribuiu para a construção dessa escola foi Arturo Rocco, que propunha reduzir a ciência penal ao simples Direito Positivo, resumido em três partes: a exegese, responsável pelo sentido e interpretação das leis; a dogmática, referente aos princípios e fundamentos norteadores do Direito Penal; e a parte crítica, que analisa o direito vigente, seu funcionamento e suas possíveis necessidades de mudança. Importante frisar que, assim como na Escola Clássica, também se acreditava que o indivíduo agia conforme seu livre arbítrio, movido por sua consciência. O objetivo da ciência criminal, portanto, era proibir essas ações imputáveis que traziam perigo à sociedade, aplicando aos criminosos sanções decorrentes de uma análise puramente jurídica24.

A quarta escola penal, chamada correcionalista, teve sua origem com o filósofo alemão Karl Christian Friederich Krause, tendo, porém, se difundido apenas através da figura de Pedro Dorado Montero, um estudioso espanhol. Essa escola defendia fortemente a responsabilidade social em detrimento da responsabilidade pessoal, advinda da Escola Clássica. A pena deve oferecer correção ao criminoso, para o reeducar e ressocializar. Por isso, a responsabilidade passa a ser da sociedade, que deve criar formas de gerar essa readaptação do indivíduo ao meio social, garantindo o cumprimento de pena até que o mesmo se encontre regenerado25.

Por fim, a escola da defesa social surge no século XX e defende a priorização da proteção da sociedade, tendo caráter fortemente preventivo. A pena é individualizada, num claro objetivo de punir proporcionalmente e subjetivamente o delinquente, almejando sua melhor aplicação, para gerar ressocialização de forma efetiva. Cleber Masson26 destaca os pontos mais importantes dessa teoria: a inutilidade do cárcere privado; a necessidade de existirem medidas educativas; a importância da personalização de cada pena; a responsabilidade da sociedade em cada cometimento individual de delito – a chamada co-culpabilidade social, em que toda a sociedade se responsabiliza igualmente pela criminalidade.

24 IBIDEM.

25

AGUIAR, Leonardo. Escolas penais. Disponível em:

https://leonardoaaaguiar.jusbrasil.com.br/artigos/333110363/escolas-penais. Acesso em 21 set. 2019. 26 MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral. Vol. I. 5ª ed. São Paulo: Método, 2011.

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Apesar da existência de diversas escolas com múltiplas correntes opostas entre si, o que marca cada uma delas é o sentido dado à pena enquanto sanção aplicável ao delinquente: se retributiva, se ressocializadora ou se utilitarista. Dessa forma, é importante conhecer cada uma dessas funções aplicadas ao conceito da punição.

2.3. Funções da pena

Existem três correntes doutrinárias que tratam dos fins a que a pena se destina: a teoria absoluta, a teoria relativa e a teoria mista.

A primeira delas é também chamada de retributiva, pois retribui ao criminoso uma sanção como consequência de seu ato delituoso. É meramente punitiva, carregando em si uma forte noção de aplicação da justiça. Se alguém contraria a lei, merece ser punido na mesma proporção do mal que causou, de forma a compensar sua ação. Assim, o Estado castiga o delinquente objetivando reestabelecer a ordem jurídica que foi maculada. Mirabete27, utilizando-se dos ensinamentos de Kant, aduz:

As teorias absolutas (de retribuição ou retribucionista) têm como fundamentos da sanção penal a exigência da justiça: pune-se o agente porque cometeu o crime (punitur quia pecatum est). Dizia Kant que a pena é um imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impõe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e só está igualdade traz a justiça. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral.

Bitencourt28 faz relação da teoria com a liberdade do indivíduo – se houve livre arbítrio para escolher entre o justo e o injusto, deverá existir uma penalidade que imponha um mal capaz de compensar a culpa do autor.

A segunda teoria – teoria relativa - é também chamada de utilitária ou prevencionista, pois se importa em prevenir a ocorrência de mais delitos no futuro. Dessa forma, a pena perde sua função de punição e ganha um caráter ameaçador.

Essa teoria pode ser dividida em prevenção geral e prevenção especial. Pela ideia da prevenção geral, em seu aspecto negativo, o delinquente, ao ser punido, torna-se exemplo para os demais cidadãos, que ao pretorna-senciarem o sofrimento causado pela

27

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direto Penal, Parte Geral, 22º edição, São Paulo, editora Atlas, 2005, p. 244.

28

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1, 9º ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 74.

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sanção, absorverão a lição de não cometer o mesmo delito, para não sofrerem a mesma pena. Dessa forma, por meio do medo o indivíduo é afastado da criminalidade. O aspecto positivo dessa teoria relaciona-se com a observação e o cumprimento do disposto no ordenamento jurídico. A pena imposta ao infrator vai gerar na sociedade confiança no Estado e em seu poder punitivo, demonstrado a veracidade das leis e a força da pena29.

Quando à prevenção especial, o efeito gerado alcança especialmente o próprio infrator, que não deverá mais delinquir, pois terá sentido pessoalmente as consequências da prática do crime – sendo esse o caráter negativo da teoria. Dessa forma, a reincidência é evitada através da intimidação pessoal do condenado, da sua neutralização, já que tem sua liberdade privada, e da sua ressocialização ou reintegração social – nascendo aqui o caráter positivo da prevenção30.

Para essa corrente, portanto, o delito não se apresenta como causa da pena, mas como oportunidade de sua aplicação, de forma a salvaguardar a paz social evitando novos crimes futuros, por meio da propagação do medo – vindo daí sua utilidade social. Além do caráter preventivo, a pena também pode ter função reparadora, quando se importa em remediar os danos causados pelo delinquente.

Existe ainda uma terceira teoria, chamada mista, que une aspectos da teoria absoluta com aspectos da teoria relativa. Gilberto Ferreira31 defende que, “a pena tem duas razões: a retribuição, manifestada através do castigo; e a prevenção, como instrumento de defesa da sociedade”. Ao passo que a pena continua com seu caráter de punição, também passa a ter aspectos utilitários. O criminoso deve ser punido proporcionalmente pelo mal que causou a sociedade, no entanto, sua pena deverá objetivar sua ressocialização, bem como a prevenção da sociedade – e do próprio indivíduo - quanto às consequências pelo cometimento daquele delito. A união dessas duas correntes consolidou a individualização e humanização da pena, expostas no capítulo 4 do presente trabalho, gerando um conceito de pena mais justo e preventivo.

29

MORAES, Henrique Bandeira Viana. Das funções da pena. Disponível em:

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/das-funcoes-da-pena/#_ftn30. Acesso em 01 out 2019.

30

IBIDEM

(26)

3. ANÁLISE NORMATIVA E REALIDADE PRISIONAL NO BRASIL

A Lei de Execução Penal (LEP) – a Lei nº 7.210/84 - traz recomendações acerca do cumprimento de pena no Brasil, especificando quais os direitos e deveres do condenado, bem como as condições em que a penalidade deve ser cumprida. Todavia, apesar da extensa regulamentação, a realidade prisional brasileira é diversa dessa previsão legal, fato que impõe ao indivíduo sobrevivência de forma precária durante a privação de sua liberdade.

3.1. Progressão de regime

A progressão de regime está estabelecida na LEP. Seu objetivo é transferir o preso de um regime mais rigoroso para um regime mais brando, após ter cumprido determinado quantum de pena e ter comprovado bom comportamento carcerário, cumprindo, portanto, dois requisitos: o objetivo e o subjetivo, conforme descreve o art. 112 da LEP:

A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso estiver cumprido ao menos um sexto da pena em regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

O artigo mencionado refere-se aos crimes comuns no que tange ao cumprimento de um sexto da pena como requisito objetivo. No caso dos crimes hediondos, a fração necessária para a progressão de regime será de dois quintos se o apenado não for reincidente e de três quintos se houver reincidência, mudança ocorrida com o advento da Lei nº 11.464/2007. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sua Súmula nº 471, pacificou o entendimento de que esta lei só seria aplicada aos casos posteriores à sua entrada em vigor – “Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no artigo 112 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.

Quanto ao requisito subjetivo, deve ser atestado pelo diretor do estabelecimento prisional que o preso possui bom comportamento carcerário. Além disso, existe a possibilidade de o juiz solicitar exame criminológico, nos casos de crimes de maior gravidade, com o objetivo de classificar os antecedentes e a personalidade do condenado. Apesar desse requerimento não constar mais expressamente na LEP, ao

(27)

avaliar o caso concreto o magistrado pode determinar a realização do exame para atestar as condições psicológicas, sociais, físicas e jurídicas do apenado, realizado por uma equipe multidisciplinar composta por um psicólogo, um assistente social, um médico e um profissional da área jurídica.

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a possibilidade do requerimento do exame criminológico em sua Súmula Vinculante nº 26:

Para efeito de progressão de regime no cumprimento por pena de crime

hediondo, ou equiparado, o juízo de execução observará a

inconstitucionalidade do art. 2° da LEP, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivo e subjetivo do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

O Superior Tribunal de Justiça também confirmou esse entendimento ao editar a Súmula nº 439: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada".

O reeducando necessita, portanto, comprovar bom comportamento carcerário, seja pelo simples atestado do diretor do estabelecimento prisional, seja pela soma ao resultado do exame criminológico. Do contrário, sua progressão de regime estará comprometida, ainda que tenha atingido o requisito objetivo, pois a LEP deixa claro que a progressão só será possível com o cumprimento de ambas as condições.

Quanto às possibilidades de regimes prisionais e seus estabelecimentos, de acordo com o art. 33, §1º, do Código Penal Brasileiro (CPB), se um criminoso comete um crime mais grave, deve iniciar o cumprimento de pena em regime fechado, dentro de uma unidade prisional, sem possibilidade de saída; se comete um crime intermediário, a ele está reservado o regime semiaberto, em uma colônia agrícola, industrial ou outro estabelecimento similar, sendo possível que a pessoa trabalhe ou estude fora da prisão; e, por fim, se comete um crime mais brando, inicia o cumprimento em regime aberto, em uma casa de albergado ou local semelhante, sendo necessário ficar recolhido apenas em período noturno e nos dias de folga do trabalho ou dos cursos.

O CPB adota o sistema de cumprimento de pena progressivo. Por esse sistema, o apenado progride do regime fechado para o semiaberto e do regime semiaberto para o aberto, na medida em que for cumprindo os requisitos necessários, conforme demonstra o art. 33, §2º, do CPB:

(28)

A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

A progressão de regime tem o condão de estimular o apenado a contribuir com sua reeducação, objetivando voltar ao convívio social. Se o preso obedece às regras, demonstra seu compromisso e respeito ao sistema e à sociedade. Por esse sistema, infere-se que o apenado tem entendido a importância de não infringir as leis penais, razão pela qual o Estado pode voltar a confiar em sua conduta. A ideia da progressividade é fundamental para proporcionar gradativamente essa reinserção do preso à convivência social, pois a saída abrupta de uma situação de absoluto confinamento poderia acarretar dificuldades de acolhimento.

A progressão de regime é um direito que não pode ser negado ao reeducando, pois contrariaria os princípios da individualização e da humanidade da pena. Todas as especificações trazidas tanto no CPB, quanto na LEP, possuem a finalidade de punir o criminoso de acordo com seu nível de evolução no cumprimento da pena e de prepará-lo para retornar ao convívio social, prezando pela máxima efetividade da sanção e respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana.

3.2. Principais estabelecimentos prisionais e suas especificações legais

O art. 83 da LEP diz que “o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. Apesar de a prisão ser uma forma de punição, não devem ser vedados aos presos os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal. Em nenhuma hipótese o Estado pode negligenciar a assistência aos presidiários, deixando de investir em sua qualidade de vida. Guilherme Nucci32 leciona sobre isso:

32

NUCCI, Guilherme. Curso de Execução Penal. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 1ª Ed. 2018. Vol. I. P. 129.

(29)

Os presídios não devem ser construídos, organizados e administrados para dar lucro ao Estado. Infelizmente, lida-se com o lado cruel da sociedade, que é a criminalidade. Se várias pessoas erraram, muitas delas pelas carências impostas pela própria política estatal, que lhes retirou a chance do emprego lícito e os demais benefícios em função disso, tornando-se condenadas, necessitam de reeducação. Esse é um processo caro e complexo, motivo pelo qual não vemos com bons olhos nenhuma administração que se proclama econômica no patrocínio do cumprimento das penas dos presos.

Da mesma forma, deve-se observar, por exemplo, a previsão da lei quanto à necessidade de prover dependências voltadas para a educação dos presos, conforme o art. 83, §4º, da LEP. Previsões como estudos e trabalho, além de engrandecerem e dignificarem o indivíduo, ajuda-o a ocupar seu tempo e alimentar em si a sensação de estar tornando-se útil à coletividade.

O art. 84 da mesma lei trata da separação entre os presos provisórios e os condenados, bem como da divisão interna destes entre si. Esse dispositivo existe, também, visando ao processo de ressocialização do apenado. Contra o preso provisório existem apenas suspeitas, razão pela qual sua prisão é cautelar – caso seja inocentado, não será mantido encarcerado. Ora, como o Estado poderia permitir que um possível inocente convivesse com condenados perigosos, sujeitando-o a aprendizados errôneos? Seria, também, o caso de unir no mesmo ambiente, indivíduos primários e reincidentes, pois estes já estão mais inseridos na realidade do crime, tendo menor chance de efetiva ressocialização. Já aqueles estariam sujeitos a imergir ainda mais na criminalidade, fugindo do propósito do encarceramento33. Segue a mesma lógica qualquer junção de condenados por crime hediondo com condenados por crime sem violência ou grave ameaça, dentre outras combinações.

Os arts. 87 a 89, da LEP, tratam sobre as penitenciárias – locais reservados aos presos em regime fechado. De acordo com a lei, as celas devem ser individuais, contendo dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Além disso, aponta dois requisitos básicos do ambiente: salubridade pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana e área mínima de seis metros quadrados. Por se tratar de presos condenados à reclusão, prioritariamente, os presídios devem ser construídos de forma a garantir segurança máxima, com muralhas ou grades

33 IBIDEM. P.133.

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de proteção, e com a atuação constante de policiais e de agentes penitenciários. Segundo Henny Goulart34:

A preocupação acerca da arquitetura e localização dos presídios é relativamente recente, surgindo quando a pena de prisão passou a ostentar uma maior aspiração reformadora, embora mesmo em épocas mais afastadas não tivessem faltado reclamos e sugestões no tocante às condições básicas das prisões.

Nesse regime, de acordo com o art. 34 do CPB, o condenado fica sujeito a trabalho coletivo no período diurno, em conformidade com suas aptidões ou ocupações anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena, e a isolamento durante o repouso noturno. Admite-se, também, trabalho externo em serviços ou obras públicas.

Os arts. 91 e 92 da LEP explanam as condições necessárias para a existência da colônia agrícola, industrial ou similar, destinada aos condenados no regime semiaberto. Trata-se de um estabelecimento de segurança média, sem necessidade de muralhas e de guarda armada. Nesse regime, o preso já alcançou certa confiança do Estado, passando a ser responsável por sua própria disciplina, independente de fiscalização de superiores. Por essa razão, seu alojamento passa a ser coletivo, não havendo mais necessidade de isolamento noturno, como ocorre no regime fechado. Considera-se, portanto, que já se encontra apto a socializar por mais tempo com outras pessoas sem oferecer perigo. Devem ser observados os mesmos requisitos básicos da penitenciária. Além disso, a lei ordena que se atente, também, à seleção adequada dos presos e ao limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. Pelo art. 35 do CPB, o condenado, assim como no regime fechado, fica sujeito a trabalho em comum durante o dia, sendo admissível trabalho externo, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

Por fim, os arts. 93 a 95 da LEP tratam do estabelecimento reservado aos que cumprem pena em regime aberto ou aos que cumprem a pena restritiva de direitos relacionada à limitação de fim de semana – as casas de albergado. Segundo a lei, o prédio deve situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga e pela inexistência de segurança armada. Nesse regime, o apenado recebe confiança ainda maior, aumentando sua responsabilidade sobre o próprio cumprimento da pena. Durante o dia, segundo o art. 36 do CPB, deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar

(31)

curso ou exercer outra atividade autorizada, e durante a noite e nos dias de folga permanecer recolhido dentro da casa de albergado. No sistema progressivo adotado no país, esse momento de cumprimento de pena é aplicado aos presos em seu estágio mais avançado do processo de ressocialização.

3.3. Realidade dos estabelecimentos prisionais no Brasil

Contrariando todas as normas legais ora elencadas, a realidade do sistema prisional brasileiro fere completamente o princípio da humanidade. O art. 85 da LEP aduz que o estabelecimento penal deve ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. No entanto, o maior problema do sistema penitenciário contemporâneo é a superlotação dos presídios. Ao invés de celas individuais, tem-se um grande aglomerado de indivíduos dividindo o mesmo ambiente, sem as mínimas condições de higiene e de salubridade.

O INFOPEN35 é um sistema de informações estatísticas integrante do regime penitenciário brasileiro, gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN. Sua última atualização ocorreu em 2016 e segundo essa análise, até o ano da pesquisa, tinham-se no país 726.712 pessoas presas, o que equivale a uma taxa de ocupação de 197% em presídios e carceragens – ou seja, à época existia um déficit de vagas de 358.663 nas unidades prisionais.

Como não ocorrem mudanças estruturais, esse número tende a crescer. Segundo a mesma pesquisa36, por exemplo, do início da década de 1990 até o ano de 2016, o número de pessoas privadas de liberdade aumento 707%.

De acordo com o levantamento mais atualizado do G137, relativo ao ano de 2019, intitulado Monitor da Violência, em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somando todos os apenados, inclusive os que estão cumprindo pena em regime aberto, chegamos ao número de 754,2 mil presos no país. No entanto, existem apenas 415.960 vagas no sistema, o que acarreta a taxa de 69,3% de superlotação. Apesar de estarem sendo construídos ambientes que propiciarão novas 56.641 vagas, essas não serão suficientes para

35 Dados divulgados no site oficial do DEPEN. Disponível em:

http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorio_2016_22-11.pdf. Acesso em 15 out. 2019. 36 IBIDEM.

37 Dados divulgados em matéria veiculada no portal de notícias G1. Disponível em:

https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/04/26/superlotacao-aumenta-e-numero-de-presos-provisorios-volta-a-crescer-no-brasil.ghtml. Acesso em 15 out. 2019.

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cobrir sequer 1/5 do déficit atual. Ademais, 35,9% do atual número de presos são provisórios – esses são encarcerados juntos aos presos condenados, em clara dissonância à previsão legal.

Desde 2014, Pernambuco é o estado com maior população carcerária, com exceção do ano de 2017. Segundo a mesma pesquisa do G1, o sistema está 178,6% acima de sua capacidade. O presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do estado, João Batista de Carvalho Filho, afirma que existem presos que exercem força de liderança dentro dos presídios – os chamados “chaveiros”, pois possuem, inclusive, as chaves das celas e o controle dos pavilhões. O alto número de presos atrelado à baixa força de trabalho de guarda - aproximadamente, em Pernambuco, existe um agente penitenciário para 200 presos - contribui para que a criminalidade se perpetue dentro dos estabelecimentos prisionais, alimentando, por exemplo, o tráfico de drogas.

Ainda utilizando números, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Sistema Geopresídios38 – responsável por levantamentos oficiais de dados do sistema prisional, informa que existem 2.615 estabelecimentos que oferecem juntos 426.543 vagas, número aproximado ao levantado pelo G1.

Apesar, também, das previsões da LEP quanto à necessidade de o Estado prover estudos e trabalho para os reeducandos, a realidade no país ainda está bem distante. Ainda de acordo com o levantamento do Monitor da Violência39, no Raio X do sistema prisional em 2019, apenas 12,6% dos presos tem acesso a algum programa de estudos e somente 18,9% do total de encarcerados têm oportunidade de trabalhar. Esses dados englobam, inclusive, àqueles que estão em regime aberto, sem demandar vagas nas prisões.

O art. 10 da LEP diz que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. O art. 11 da mesma lei prevê que essa assistência seja material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

No que tange à assistência material, segundo os arts. 12 e 13 da LEP, o Estado deve fornecer alimentação, vestuário e instalações higiênicas aos presos, bem como atender a suas necessidades pessoais, além de dispor de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

38

Dados divulgados pelo site oficial do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php. Acesso em 15 out. 2019.

39 Dados divulgados em matéria veiculada no portal de notícias G1. Disponível em:

http://especiais.g1.globo.com/monitor-da-violencia/2019/raio-x-do-sistema-prisional/. Acesso em 15 out. 2019.

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De acordo com a CPI carcerária40 organizada pela Câmara dos Deputados em 2009, no entanto, foi constatado que, na maioria dos presídios ou não existe água ou existe de baixa qualidade; ou não existem banheiros e pias dentro das celas ou quando existem não proporcionam privacidade; não há fornecimento de produtos de higiene pessoal, ficando o preso dependente da ajuda de sua família; vestimentas não são providas, devendo os presos utilizar suas próprias roupas; não existem camas suficientes, sendo essas em número mínimo, razão pela qual a maioria dos apenados dorme no chão ou nas pedras frias; quando existem colchões, são de fina espessura, sem nenhuma qualidade; não são disponibilizados pratos e talheres para as refeições, devendo o preso comer com as mãos a comida que recebe dentro de marmitas ou de sacos plásticos; não existe padrão de higiene na cozinha, o que influencia bastante na qualidade dos alimentos; dentre tantas outras omissões estatais.

Quanto à assistência à saúde, o art. 14 da LEP diz que essa assistência consistirá em tratamento preventivo e curativo, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e odontológico, seja no presídio ou em outro local adequado, na situação em que aquele não possuir estrutura adequada para suprir as necessidades do preso. Todavia, de acordo com a CPI carcerária ora analisada, não é propiciado aos reeducandos atendimento médico, ficando, muitas vezes, desamparado em meio a dores; faltam medicamentos básicos para curar até mesmo dor de cabeça; inexistem profissionais qualificados para tratar de doenças. O seguinte trecho, escrito em virtude das diligências da CPI41, exemplifica a situação, que hoje está ainda mais agravada:

Em suas diligências, a CPI se deparou com situações de miséria humana. No distrito de Contagem, na cela nº 1, um senhor de cerca de 60 anos tinha o corpo coberto de feridas e estava misturado com outros 46 detentos. Imagem inesquecível! No Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo, vários presos com tuberculose misturavam-se, em cela superlotada, com outros presos aparentemente “saudáveis”. Em Ponte Nova, os presos usavam creolina para curar doenças de pele. Em Brasília, os doentes mentais não dispunham de médico psiquiátrico. Na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, presos com gangrena na perna... Em Santa Catarina, o dentista arranca o dente bom e deixa o ruim no lugar.

A assistência jurídica, prevista nos arts. 15 e 16 da LEP, é prevista de forma gratuita para os internos sem condições financeiras de constituir advogado particular, devendo as unidades da federação dispor de serviços de assistência jurídica nos estabelecimentos penais. Essa previsão é constitucional, presente no art. 5º, LXXIV, CF: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ocorre que, a

40 Dados divulgados pelo site oficial da Câmara dos Deputados. Disponível em:

http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/2701. Acesso em 15 out. 2019. 41 IBIDEM.

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despeito da importância desse dispositivo, essa assistência é completamente deficitária. Muitos apenados ficam presos além do tempo necessário pela ausência de uma defesa que pleiteie seus direitos e acompanhe seu processo. Além disso, contrariando também dispositivo legal, não há sequer, na maioria dos estabelecimentos prisionais, local adequado para atendimento da defesa42.

A assistência educacional, de acordo com os arts. 17 a 21 da LEP, deveria compreender a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. A lei dispõe até mesmo acerca da instalação de biblioteca nas unidades prisionais. Todavia, como já citado, a quantidade de presídios que dispõe de algum estabelecimento dedicado à educação é ínfima e os serviços prestados não são suficientes para obedecer todas as previsões legais.

A assistência social, trazida nos arts. 22 e 23, objetiva amparar o preso e o internado preparando-os para o retorno à liberdade. Os profissionais devem conhecer os resultados dos diagnósticos psicológicos dos detentos e acompanhar seu progresso. Na última CPI carcerária43, realizada em 2017, também pela Câmara dos Deputados, foi informado pelo DEPEN que um dos maiores problemas atuais refere-se à falta de profissionais de serviço social. Os exames criminológicos, quando requeridos, muitas vezes geram resultado depois de meses da solicitação, em virtude do baixo número de profissionais que compõe a equipe multidisciplinar.

A mesma CPI carcerária de 201744 apontou, de forma geral, as deficiências que continuam existindo no sistema penitenciário. Através desse relatório mais atualizado, depreende-se que a omissão quanto às assistências previstas no art. 11 da LEP se aprofundaram: a assistência jurídica está ainda mais deficitária pela falta de defensores em diversos estabelecimentos penais; existe crise de abastecimento relativo à alimentação e à vestimenta; há falta de atendimento médico; as celas estão ainda mais precárias. Além disso, a revista vexatória e a restrição de visitações têm se tornado comuns na maioria dos presídios.

No que diz respeito às especificações da LEP quanto à estrutura dos estabelecimentos prisionais, inexiste no país, segundo a CPI carcerária, presídio que cumpra integralmente a lei. É fato que a LEP estabeleceu um cenário bastante distante das possibilidades econômicas do país, que não tem garantido sequer as necessidades básicas para todos os cidadãos brasileiros, como educação e saúde. Todavia, o

42 ARGÔLO, Caroline. Sistema penitenciário atual: incompatibilidade com a lei de execução penal. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41175/sistema-penitenciario-atual-incompatibilidade-com-a-lei-de-execucao-penal. Acesso em 16 out. 2019.

43 Dados divulgados pelo site oficial da Câmara dos Deputados. Disponível em:

http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/31899. Acesso em 15 out. 2019. 44 IBIDEM.

Referências

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