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Novas configurações familiares: é possível falar de constituição familiar desde a relação multiespécie?

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: É POSSÍVEL FALAR DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR DESDE A RELAÇÃO MULTIESPÉCIE?

ANELISE GRAZIELE KNEBEL

SANTA ROSA (RS) 2012

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ANELISE GRAZIELE KNEBEL

NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: É POSSÍVEL FALAR DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR DESDE A RELAÇÃO MULTIESPÉCIE?

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Kenia Spolti Freire

SANTA ROSA (RS) 2012

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ANELISE GRAZIELE KNEBEL

NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: É POSSÍVEL FALAR DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR DESDE A RELAÇÃO MULTIESPÉCIE?

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ KENIA SPOLTI FREIRE

Psicóloga; Mestre;

Professora do Departamento de Humanidades e Educação

____________________________________________ DANIEL RUWER

Psicólogo; Mestre;

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Dedico esta vitória a toda minha família; aos meus pais Eurico e Solmir, aos meus irmãos Carlos e Marcos, ao meu noivo Thiago, e a Dora, meu cão companheiro. Muito obrigada!

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, que me deu força, coragem e bom ânimo para lutar e por nunca me deixar desistir.

À minha família, principalmente meus pais por não terem medido esforços para me apoiar e acreditar em mim. Também por entender a minha ausência e a minha insistência para alcançar este objetivo.

Ao meu noivo e companheiro de todas as horas, o meu amor; aquele que me incentivou e me apoiou e principalmente lutou ao meu lado; nos momentos de angústia e tristeza ele foi minha segurança, e nos momentos de alegria e felicidade ele comemorou comigo; e o mais importante, ele compreendeu a minha ausência nos momentos de estudos e de dedicação a faculdade.

Aos meus amigos (as), e aos colegas de curso que fazem parte da minha vida, por todas as alegrias, felicidades, tristezas e angústias que compartilhamos, e em particular aquelas pessoas que mesmo com minha ausência acreditaram na nossa amizade.

Ao professor Nilson Heidemann que foi o primeiro a apoiar e incentivar esta ideia inovadora na universidade.

A professora Kenia Spolti Freire que aceitou o desafio me apoiou e não impôs limites a minha curiosidade com relação a este trabalho.

A professora Tânia Maria de Souza que durante meu percurso fez parte de muitos momentos importantes, dentre eles os estágios, pois muitas vezes ela não foi apenas supervisora, foi também amiga.

A todos os professores da Unijuí, que apesar de eu não ter citado, foram verdadeiros mestre, impares ao transmitir o aprendizado que vou levar para a minha vida toda.

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buscar o entendimento deste tema, a relação entre os humanos e os seus animais de estimação.

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“Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro.“ Sigmund Freud

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CONSTITUIÇÃO FAMILIAR DESDE A RELAÇÃO MULTIESPÉCIE?

Anelise Graziele Knebel Orientadora: Kenia Spolti Freire

RESUMO

As configurações familiares vêm se modificando com o decorrer dos tempos. As novas proposições de vida culturais, nas últimas décadas, têm apresentado uma modalidade de composição de família, em que a relação multiespécie está se fazendo presente. Este trabalho de Conclusão de Curso aborda um estudo sobre as novas configurações familiares, analisando a possibilidade de falar em constituição familiar desde a relação do humano com os animais. O estudo se constitui a partir de dois eixos. O primeiro eixo fala do significante família desde os tempos antigos até a atualidade. No segundo momento, é analisada a construção dos vínculos familiares atuais, bem como a relação entre os seres humanos e os animais de estimação; assim como a possibilidade de considerar este convívio como fazendo parte destas novas configurações familiares atuais e os efeitos desta relação às pessoas envolvidas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10 1 SIGNIFICANTE FAMÍLIA ... 11 2 A CONSTRUÇÃO DOS VÍNCULOS FAMILIARES NA ATUALIDADE ... 20

2.1 As Relações entre o Humano e os Animais de Estimação: pode-se falar na construção de vínculos familiares? ... 22

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 38

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema central as novas configurações familiares, embasando-se entorno da questão: é possível falar de constituição familiar desde a relação multiespécie? Ou seja, é possível pensar uma configuração familiar entre espécies diferentes, neste caso, os seres humanos e os seus animais de estimação?

Dentre os animais de estimação, não é possível delimitar um grupo de espécies dentre as quais são consideradas animais de estimação, pois, nos dias de hoje, existem diferentes tipos de animais convivendo e relacionando-se com as pessoas. Entretanto, este trabalho abrange principalmente a convivência entre as pessoas e os seus cães; a ponto de considerar estes animais como parte da família, ou seja, como parte de uma mesma configuração familiar.

De início é importante que seja abordada a história social da família, com o objetivo de compreender a evolução histórica do significante família desde a época que a estrutura familiar era pai-mãe-prole, até a diversidade na constituição familiar encontrada nos dias de hoje; diversidade está decorrente de uma cultura e de novos padrões humanos.

Realizada uma incursão acerca da história do conceito de família na cultura ocidental, torna-se importante analisar os vínculos familiares encontrados na atualidade, dentre eles, as transformações contemporâneas marcadas pela instantaneidade e pela velocidade. O subtítulo do segundo capítulo abrange então, o objetivo do presente trabalho, propondo uma análise das relações entre os humanos e seus animais de estimação; dentre elas, os vínculos criados por esta relação e as vantagens que implicam esta relação para os humanos.

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1 O SIGNIFICANTE FAMÍLIA

Torna-se importante, nos dias de hoje, dedicarmo-nos a refletir a cerca das estruturas familiares existentes desde a antiguidade até os dias de hoje, pois as configurações familiares vêm se modificando em decorrência da cultura e também das novas oportunidades de vida oferecidas aos seres humanos.

Sendo assim, pensar a construção de uma estrutura familiar nos remete ao estudo sobre a história desta instituição chamada família na experiência do processo civilizatório ocidental. Os estudos iconográficos realizados por Ariès (1981) apresentam diferentes imagens de formação familiar ao decorrer dos tempos. Cita momentos em que a família encontrava-se agrupada de forma rígida, sem laços de afetividade.

Ariès (1981) relata que a imagem da família era feita através de retratos, e no primeiro destes retratos diz que “o marido apóia a mão esquerda no ombro da mulher; a seus pés, uma das crianças repete o mesmo gesto, apoiando a mão no ombro da irmãzinha.” (p. 140). Os membros da família eram colocados juntos, ligados apenas por gestos, com a intenção de expressar seus sentimentos, porém não participavam de uma ação comum.

Já, no século XVI, as famílias eram retratadas em volta de uma mesa coberta de frutas, ou então a família fazendo música, o que exprimia um grau maior de afeto; e, a partir do século XVIII o retrato era feito através de uma cena mais real da família “os homens reunidos em torno da lareira, uma mulher tirando um caldeirão do fogo, uma menina dando de comer ao irmãozinho.” (p. 141).

A idéia essencial dos historiadores do direito e da sociedade é que os laços de sangue não constituíam um único grupo, e sim dois, distintos embora concêntricos: a família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família conjugal moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de um mesmo ancestral. Em sua opinião, haveria, mais do que uma distinção, uma oposição entre a família e a linhagem: os progressos de uma provocariam um enfraquecimento da outra, ao menos entre a nobreza. (Ariès, 1981, p.143).

A família conjugal moderna seria uma consequência da evolução, sendo que no fim da Idade Média enfraqueceram a linhagem e as tendências à indivisão.

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Surge, então, na iconografia um sentimento considerado novo, o sentimento da família; esta família com mais sentimentos existia no silêncio, o que não era considerado importante para inspirar poetas e artistas. “Daí em diante, a família não é apenas vivida discretamente, mas é reconhecida como um valor e exaltada por todas as forças da emoção.” (Ariès, 1981, p. 152).

Esse sentimento foi construído em torno da família conjugal, formada por pais e filhos, que não mais permitiu reunir mais de duas gerações em uma tela, e, quando netos ou filhos casados eram retratados junto, isso se dava de forma discreta, sempre ao fundo das telas.

Nada aí lembra a antiga linhagem, nada acentua a ampliação da família ou a grande família patriarcal, essa invenção dos tradicionalistas do século XIX. Essa família, ou a própria família, ou ao menos a idéia que se fazia de família ou representa-la e exaltá-la, parece igual à nossa. O sentimento é o mesmo. (Ariès, 1981, p. 152).

Foi através das atitudes que tomavam com as crianças que se tornou possível retratar como as famílias agiam em cada época.

Até meados do século XV, as crianças permaneciam em casa até os sete ou nove anos, idade em que os meninos deixavam de ser cuidados pelas mulheres e ingressavam na escola ou no mundo dos adultos; estas crianças, meninos e meninas, eram levados para as casas de outras pessoas, para aprender os serviços pesados e os serviços domésticos. As crianças permaneciam nas casas de outras famílias até completar de quatorze a dezoito anos; durante este período elas eram chamadas de aprendizes. Os pais mandavam seus filhos para casas alheias, e recebiam os filhos de outros casais em suas casas, atitude que se tornou comum no Ocidente medieval.

Mais tarde, numerosos contratos de aprendizagem que confiavam crianças a mestres provam como o hábito de entregar as crianças a famílias estranhas era difundido. Às vezes, é especificado que o mestre deveria “ensinar” a criança e “mostrar-lhe os detalhes de sua mercadoria”, ou que deveria “faze-la frequentar a escola”. São casos particulares. De um modo mais geral, a principal obrigação da criança assim confiada a um mestre era “servi-lo bem e devidamente”. (Ariès, 1981, p. 155).

Sendo assim, o serviço doméstico era confundido com a aprendizagem, como uma maneira de educar, pois a criança deveria aprender através da prática; e era

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desta maneira que os mestres, que recebiam filhos de outros em suas casas, transmitiam os seus conhecimentos, experiências e valores.

A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental. No caso de famílias muito pobres, ela não correspondia a nada além da instalação material do casal no seio de um meio mais amplo, a aldeia, a fazenda, o pátio ou a “casa” dos amos e dos senhores, onde esses pobres passavam mais tempo do que em sua própria casa. [...] Nos meios mais ricos, a família se confundia com a prosperidade do patrimônio, a honra do nome. A família quase não existia sentimentalmente entre os pobres, e quando havia riqueza e ambição, o sentimento se inspirava no mesmo sentimento provocado pelas antigas relações de linhagem. (Ariès, 1981, p. 158).

A partir do século XV, o sentimento da família se transformou. A educação passou a ser fornecida pela escola, que deixou de ser instrumento dos clérigos para se tornar um instrumento de iniciação social, era utilizada na passagem da infância para o estado adulto.

Essa evolução correspondeu a uma necessidade nova de rigor moral da parte dos educadores, a uma preocupação de isolar a juventude do mundo sujo dos adultos para mantê-la na inocência primitiva, a um desejo de treiná-la para melhor resistir às tentações dos adultos. Mas ela correspondeu também a uma preocupação dos pais de vigiar seus filhos mais de perto, de ficar mais perto deles e de não abandona-los mais, mesmo temporariamente, aos cuidados de uma outra família. (Ariès, 1981, p. 159).

Significa que a família estava se concentrando mais na criança e esta, por sua vez, só deixava os pais para ir para uma escola distante.

A criança conquistou seu lugar junto dos pais entre o fim da Idade Média e os séculos XVI e XVII. Ariès (1981) menciona: “Essa volta das crianças ao lar foi um grande acontecimento: ela deu à família do século XVII sua principal característica, que a distinguiu das famílias medievais.” (p. 189). A criança passou a ser vista como incluída para a vida cotidiana, e principalmente para os adultos, que começaram a se preocupar com sua educação, com sua carreira e principalmente com seu futuro.

Entretanto, a família do século XVII, não era a família moderna, era distinta desta em função da grande massa de sociabilidade que conservava; ela estava nas grandes casas, era vista como um centro de relações sociais, considerada por Ariès (1981) “a capital de uma pequena sociedade complexa e hierarquizada, comandada pelo chefe de família”. (p. 189).

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Já a família moderna, faz o contrário, separar-se do mundo e opõe à sociedade o grupo só (solitário) de pais e filhos; o grupo concentrava suas energias na promoção das crianças, cada uma delas particularmente, sem ambições coletivas.

Essa evolução medieval para a família do século XVII e para a família moderna durante muito tempo se limitou aos nobres, aos burgueses, aos artesãos e aos lavradores ricos. Ainda no início do século XIX, uma grande parte da população, a mais pobre e mais numerosa, vivia como as famílias medievais, com as crianças afastadas da casa dos pais. O sentimento da casa [...] não existia para eles. O sentimento da casa é uma outra face do sentimento da família. A partir do século XVIII, e até nossos dias, o sentimento da família modificou-se muito pouco. Ele permaneceu o mesmo que observamos nas burguesias rurais ou urbanas do século XVIII. Por outro lado, ele se estendeu cada vez mais a outras camadas sociais. (Ariès, 1981, p. 189).

Até algum tempo atrás, o modelo de família existente era pai-mãe-prole. Este era considerado o modelo ideal pelo seu modo dominante de pensar na sociedade. Atualmente, segundo Ariès (1981) é possível observar diversos tipos de estrutura familiar, decorrentes da cultura e dos novos padrões de relações humanas existentes.

A família intitulada monogâmica é considerada um ponto de partida no decorrer da história. Bock, Furtado e Teixeira (2002) citam:

Pesquisas realizadas pelo antropólogo americano L. H. Morgan (1818-1881) demostraram que, desde a origem da humanidade, houve, sucessivamente:  a família consanguínea – intercasamento de irmãos e irmãs carnais e colaterais no interior de um grupo;

a família punaluana – o casamento de várias irmãs, carnais e colaterais, com os maridos de cada uma das outras; e, os irmãos também se casavam com as esposas de cada um dos irmãos. Isto é, o grupo de homens era conjuntamente casado com o grupo de mulheres;

a família sindiásmica ou de casal – o casamento entre casais, mas sem obrigação de morarem juntos. O casamento existia enquanto ambos desejassem;

a família patriarcal – o casamento de um só homem com diversas mulheres;

e, finalmente, a família monogâmica, que se funda sobre o casamento de duas pessoas, com obrigação de coabitação exclusiva... a fidelidade, o controle do homem sobre a esposa e os filhos, a garantia de descendência por consanguinidade e, portanto, a garantia do direito de herança aos filhos legítimos, isto é, a garantia da propriedade privada. (p. 248).

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A família está inserida na base material da sociedade ou, dito de outro modo, as condições históricas e as mudanças sociais determinam a forma como a família irá se organizar para cumprir sua função social, ou seja, garantir a manutenção da propriedade e do status quo das classes superiores e a reprodução da força de trabalho – a procriação e a educação do futuro trabalhador – das classes subalternas. (p. 248).

A função social atribuída a esta instituição chamada família é a de transmitir os valores culturais, os ideais dominantes da história, ou seja, tem a função de educar as gerações seguindo os padrões dominantes e hegemônicos de valores e condutas de uma cultura.

Forbes (2009) propõe: “A família de hoje se diferencia em um aspecto fundamental da família de ontem: ela é fruto de uma era onde o laço social é horizontal, enquanto, na anterior, era vertical.” (p. 1). O momento anterior se organizava de forma diferente com relação ao laço social, “organizava o laço social em torno a símbolos maiores: na família o pai; na empresa, o chefe; na sociedade civil, a pátria.” (p. 1). A satisfação encontrava-se na proximidade com os ideais propostos, o mundo era padronizado e o futuro era previsível, e é possível perceber estes fatos principalmente na forma com que os pais se referiam a seus filhos; os pais falavam com seus filhos utilizando as palavras “se, então”, “se não fizer tal coisa, então não conseguirá outra”.

Naquele tempo, interpreta a Psicanálise sobre a ideia fundamental do diálogo na família, o que segundo Forbes (2009) “proporcionou o famoso “conversando a gente se entende”.” (p. 1). O pai tirano de antigamente estaria sendo substituído pelo “pai amigo”, muito mais compreensivo e próximo de seus filhos; “tudo gira em torno do diálogo”.

Ainda, desde a análise realizada por Forbes (2009), é possível observar que juntamente com a globalização o ser humano sofreu uma transformação.

Sofremos uma revolução no advento da globalização, perdemos o norte, a bússola, surgiu o Homem Desbussolado e com ele novos sintomas que não passam pelo circuito da palavra. [...] Se antes o aluno contestava a escola, propondo outra coisa, hoje, ele desconhece os valores da escola. (p. 1).

Nesta sociedade, considerada como horizontal, a satisfação não vem mais através de cumprir bem as tarefas. Não há mais um modelo que define o que é este cumprir bem as tarefas; esta nova época tem exigido um movimento triplo, de inventar, responsabilizar e publicar.

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A família de hoje ganhou um novo status, não é mais aquela onde se ganhava objetos, como carros, presentes entre outros; hoje considera-se enquanto maior herança a castração, ponderada como um dos nomes do real. Forbes (2009) acrescenta:

Em algum lugar Lacan chegou a dizer que não adianta a ninguém trocar de família, especialmente de pais, imaginando que terá seus problemas resolvidos. Eles reapareceriam iguaizinhos se isso fosse possível. Família é daquilo que todo mundo se queixa – boa definição – e se o fazemos é porque ela não oferece o que dela, especialmente dela gostaríamos de receber: o nome do desejo. Isso fica mais evidente em um mundo despadronizado. Insisto, seja ela como for constituída: por cama, ou proveta; hetero ou homossexual; parceira ou monoparental, família é a instituição humana que tem a capacidade de fazer com que nos confrontemos ao real da nossa condição: a falta de uma palavra já pronta, prêt-à-porter, que nomeie o desejo de cada um. (p. 3).

A família é considerada a primeira intimidade de cada um, é ela que funda a intimidade de cada pessoa.

Segundo Kupfer (1992):

Do ponto de vista da Psicanálise, a família não é entendida como um módulo da vida social, ou pelo menos não é com esse estatuto que o conceito de família comparece quando se fala, por exemplo, do triângulo edípico. (p. 78).

Os pais são entendidos pela Psicanálise como funções e papéis; o que não tem relação com as funções e papéis sociais que desempenham as pessoas que encarnam as funções materna e paterna. Kupfer (1992) acrescenta:

Tais funções se referem ao papel que pai e mãe desempenham no processo dentro do qual se constitui o que Lacan chama de sexuação. A sexuação não descreve um processo no qual um indivíduo adquire um papel social de homem ou de mulher, mas descreve a constituição de uma posição subjetiva inconsciente frente à diferença sexual. (p. 78).

Com relação às funções materna e paterna é possível dizer que as funções nem sempre coincidem com os papéis sociais que os pais exercem no módulo social familiar, ou seja, um homem pode exercer a função materna, uma mãe pode exercer a função paterna, ou até mesmo, é possível que um irmão da mãe exerça o papel de pai, e assim por diante; por isso, diz-se que a Psicanálise não permanece às voltas

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com a família social, mas sim com a montagem lógica, formal e estrutural que é encarnada pelos personagens.

Os grandes debates da atualidade giram em torno das chamadas “novas organizações familiares”, “novas famílias” ou ainda, “novos arranjos familiares” caracterizados por Ceccarelli (2007):

Formas de ligação afetiva entre sujeitos onde existe, ou não, uma forma de exercício da parentalidade que foge aos padrões tradicionais: famílias monoparentais, homoparentais, adotivas, recompostas, concubinárias, temporárias, de produções independentes, e tantas outras. Temos, ainda, as mudanças que afetam diretamente as condições de procriação tais como: barriga de aluguel, embriões congelados, procriação artificial com doador de esperma anônimo e, muito mais brevemente do que se pensa, a clonagem. (p. 91 e 92).

Pode se dizer que muitos destes modos de procriação citados por Ceccarelli (2007) sempre existiram, no entanto eram ignorados e/ou discriminados pelos padrões considerados oficiais. Porém, a partir do momento em que os protagonistas destes arranjos familiares começaram a exigir seus direitos, estes começaram a ganhar visibilidade. Segundo Ceccarelli (2007), a partir daí começaram a surgir questões com relação à perspectiva psíquica: “a falta de um dos genitores – monopaternidade – ou a presença de duas pessoas do mesmo sexo – homopaternidade – trará desdobramentos significativos nos processos identificatórios e, por conseguinte, na organização psíquica do sujeito?”. (p. 92).

Com relação a estas questões, há os que se preocupam com os possíveis deslizamentos psíquicos destas configurações; alguns demonstram preocupação com crianças criadas por apenas um genitor (o pai ou a mãe), ou aquelas criadas por duas pessoas do mesmo sexo, pois estas crianças poderiam ter seus processos psíquicos fundamentais comprometidos, podendo assim, impedir o acesso ao simbólico e à lei. Outros, por sua vez, acreditam que estas novas formas de procriação e até mesmo adoção são apenas a tradução de uma onipotência narcísica que situa a criança no lugar de objeto e/ou fetiche que encobriria a castração. E, sendo assim, há também, aqueles que sustentam que a presença do par homem/mulher é irredutível na travessia edipiana da criança. Seguindo o raciocínio, há a posição religiosa que se apresenta contra todas as formas de reprodução que não seja a partir do homem e da mulher.

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Ceccarelli (2007) demonstrou interesse por compreender a dinâmica pulsional que sustenta estas novas configurações familiares. Segundo ele:

A psicanálise não é guardiã de uma ordem simbólica suposta imutável, produtora de uma forma idealizada de subjetivação baseada nas normas vigentes e com o poder de deliberar sobre o normal e o patológico. Não nos cabe ditar os caminhos “normais” do desenvolvimento psíquico a partir dos modos tradicionais de filiação, pois os pressupostos da psicanálise — pulsões, desejos, complexo de Édipo, relações de objeto, identificações... — diferem dos da organização social. Valer-se da psicanálise para sustentar que apenas um modo de subjetivação é gerador de “saúde psíquica” corresponde a uma imaginarização do simbólico, o que é, no mínimo, perverso. (p. 93).

Sendo assim, Ceccarelli (2007), reflete quanto aos fundamentos que sustentam a noção de família, “lembrando que a transformação dos genitores em pais não é atrelada ao fato físico que dá lugar ao nascimento de uma criança.” (p. 93). Ou seja, não basta nascer da união de um homem e de uma mulher para ser filho deles; os genitores não são pais apenas por colocar uma criança no mundo. Segundo este autor: “O nascimento (fato físico) tem que ser transformado em filiação (fato social e político), para que, inserida em uma organização simbólica (fato psíquico), a criança se constitua como sujeito.” (Idem, p. 93).

Estes três fatos (físico, social e psíquico) apresentam cada vez menos relação de dependência entre eles; na reprodução assistida não há relação entre nascimento e genitores, ou seja, não há o fato físico. Com relação ao fato social, a filiação não tem que ser exercida pelos genitores biológicos, como é o caso de uma criança adotiva. Quanto ao fato psíquico, Ceccarelli (2007) menciona: “à inserção do recém-nascido no simbólico, interessa-nos saber quais os elementos indispensáveis para que ele se realize.” (p. 93). Ou seja, no modelo de família dito tradicional, os agentes que promovem o fato psíquico são um homem e uma mulher, os novos modelos de família, por sua vez, indicam ser possível outros modos de produção de subjetividade.

No modelo de família chamado de tradicional, os homens e as mulheres tinham suas funções e lugares muito bem definidos:

O pai, que trabalhava fora, dirigia o carro e passeava com a família nos finais de semana – cabeça da família –, era o provedor que detinha um poder inquestionável. Os cuidados da casa – a comida, a faxina, enfim, o necessário para que o bem-estar de todos fosse o melhor possível – eram garantidos pela rainha do lar. Neste arranjo, todos pareciam felizes e tudo

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concordava com uma ordem imutável. Unidos para sempre, “para o melhor e para o pior”, pelos laços sagrados do matrimônio, as desavenças do casal não constituíam ameaças à estabilidade do lar. (Ceccarelli, 2007, p. 94).

A heterogeneidade dos arranjos familiares permite a cada um, dentro de seu universo discursivo, atribuir os lugares simbólicos de pai e mãe de diferentes formas. Devido a grande diversidade de modelos familiares, os antropólogos não mais descrevem a sociedade em termos de civilização; estes procuram por em evidência as invariantes sobre as quais são criadas as diversidades culturais.

Ceccarelli (2007) acrescenta:

Se os elementos que definem o sistema representativo que chamamos “família” variam segundo a sociedade, podemos concluir que o significante “família” é representado, como todo significante, por fatores conscientes e/ou inconscientes, que definem a maneira e engendram as categorias pelas quais o mundo social é organizado. (p. 95).

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2 A CONSTRUÇÃO DOS VÍNCULOS FAMILIARES NA ATUALIDADE

Todo modelo de família é contribuinte da ordem social que o produz. Isto nos remete ao fato de que as novas configurações familiares são sentidas como ameaça à estabilidade social, o que, segundo Ceccarelli (2007), “evidencia o seu caráter imaginário” (p. 95), pois se esta fosse fixa, nada poderia muda-la. Ou seja, “as novas organizações familiares produzem um modo de circulação pulsional diferente daquele criado pelo modelo tradicional.” (p. 95).

Com o passar dos séculos, os valores da moral cristã formam se transformando, passaram a ser os ideais de sustentação imaginária da cultura ocidental. Ceccarelli (2007, apud Freud 1924) menciona Freud ao dizer que “Tais ideais, que juntamente com a autoridade paterna fazem parte do superego, derivam do mundo externo, guardam as influências do passado e da tradição que, outrora, foram sentidas intensamente” (p. 96).

Assim, é possível entender o porquê de as novas configurações familiares estarem ameaçando a supremacia do modelo de família tradicional, provocando reações cruéis, “o que está, no fundo, sendo ameaçado é a posição libidinal que sustenta a representação de família no imaginário judaico-cristão, ou seja, os ideais culturais.” (Ceccarelli, 2007, p. 96). Além das ameaças provocadas pelas novas configurações familiares, estas não encontram representação pulsional no discurso social.

Sabe-se, entretanto, que família tradicional não é sinônimo de normalidade e, também, que a presença do par homem e mulher não garante a emergência da subjetividade “saudável” da criança (cfme. Ceccarelli [2007]).

Meira (2008) analisa a configuração familiar atual, assim como as antecipações e vivências que nela se estabeleceu.

Segundo Meira (2008):

Paul Virilio escreve a respeito das transformações que se processam na contemporaneidade, marcada pela crescente maquinização que se opera no universo hegemônico das imagens virtuais. Aponta que as máquinas de visão, os perceptrons, dentre os quais destacam-se a televisão, as câmeras de vídeo de controle, os aparelhos de guerra, determinam a automação da percepção, que passa a ser pautada pelo instantâneo. (p. 157).

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Nas configurações familiares atuais, vivem-se relações embasadas pela virtualidade, em que os vínculos e as expectativas dos pais sobre os filhos são intermediados pela instantaneidade, pela automatização e pela velocidade.

Deixa claro que a percepção e a inteligência artificial não passam de desdobramentos do processo que impõe a supremacia do virtual sobre o real, e também do inanimado sobre o humano, segundo Meira (2008) “funda-se a “telepresença em tempo real dos objetos”, pela via da publicidade que povoa a cidade com anúncios que jogam com a instantaneidade, a sugestão e as mensagens subliminares.” (p. 157).

Sendo assim, a temporalidade social ocupa o lugar marcado pela velocidade; e, esta aceleração passa a se sobrepor ao espaço e a extensão do tempo da era clássica, e, a partir daí cresce o domínio do objeto sobre a sociedade contemporânea, em que as máquinas de visão substituem o olhar.

Para Meira (2008): “Esta automatização das imagens tem efeitos sobre as crianças que estão cotidianamente expostas às inúmeras fontes visuais e à aceleração do tempo.” (p. 157).

Meira (2008) cita Chesneaux, ao refletir quanto à programação do tempo feita pelos adultos: “os pais organizam com não menor ardor o tempo de seus filhos “fora da escola”.” (p. 158). Os pais organizam as saídas com os filhos, os passeios, os cursos, e as crianças acabam se habituando muito rapidamente a esta sequencia rígida, “elas já possuem um medo apavorante do tempo realmente “livre”.” (p. 158).

Refletindo quanto às alterações que o tempo veloz de hoje instaura na subjetividade Meira (2008) menciona:

Basta abrirmos os jornais, ligarmos a televisão, transitarmos pela cidade, para constatar que os ideais vigentes hoje elevam ao mais alto grau o imediatismo e a constante mutabilidade do laço social. A permanência, o tempo que se estende, são traços que submergem em meio ao culto ao descartável. As brincadeiras das crianças são metáforas desta posição: revelam em sua transitoriedade a fragmentação do tecido social. Os objetos a elas oferecidos incessantemente são frágeis tentativas de obturar a angústia que revelam diante do mundo que se lhes apresenta. (Meira, 2008, p. 159).

Então, é possível dizer que é com estas crianças e pais (famílias) que nos encontramos hoje em nosso trabalho clínico; sendo que o trabalho de intervenção está para além do imaginário, pois exige certa distância com relação às demandas

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constantes, que estão presentes no discurso social, pois o discurso do Outro é marcado pela linguagem e pela cultura, e as palavras presentes no campo social fazem parte do que será oferecido às crianças muito antes de seu nascimento. “Os avanços da ciência marcam este discurso fundando uma articulação que acaba por apagar a dimensão da experiência, como bem aponta Giorgio Agamben em seu livro

Infância e História. Ali onde o conhecimento e o saber científico ganham terreno,

perde-se a experiência.” (Meira, 2008, p. 160).

Para pensar este fato, Meira (2008) reflete acerca do nascimento dos bebês nos centros urbanos e na tecnologia que os cerca; segundo ela, as ecografias são tomadas como a primeira foto do álbum de fotografias do bebê e, os pais costumam participar do parto com uma filmadora, preocupando-se em registrar todos os movimentos do bebê. “Mal este chega ao mundo, já é apresentado a este cultuado objeto que marca a sociedade: a câmera de vídeo, o olhar de vidro, transparente, sem palavras.” (Meira, 2008, p. 160). Meira (2008) acrescenta: “Primeiras marcas: diante do bebê, o pai escolhe segurar a máquina, gravar em vídeo seu nascimento, para que depois se assistam as cenas em família. Destas, o pai está subtraído, porque está atrás, filmando, fora da cena.” (p. 160).

Antes o nascimento de um bebê era marcado por um ritual, da enunciação do nome, em que o pai e a mãe logo pegavam o bebê no colo; nos dias de hoje, este ritual encontra-se às voltas com os olhares dos outros, que posteriormente assistirão ao vídeo do nascimento do bebê como espectadores.

Meira (2008) menciona: “Nesta cena familiar há quatro personagens: o bebê, a mãe, o pai e a câmera, que tenta suprir o que falta.” (p. 161). Muitas crianças são submetidas, desde muito pequenas, a posição de espectadores ao vivenciar, desde muito cedo, a subtração da presença dos pais.

2.1 As Relações entre o Humano e os Animais de Estimação: pode-se falar na construção de vínculos familiares?

Hoje encontramos protótipos de formações familiares que mesclam a relação entre humanos e animais. Como pensar esta questão, considerando as diferentes formações de laços familiares?

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Santos (2008) reflete a cerca da convivência entre os humanos e outros seres vivos:

Você pode não estar ciente disso, mas nesse exato momento inúmeras espécies convivem com você numa relação muito íntima. Estima-se que haja por volta de 100 trilhões de microorganismos em nosso corpo, presente no estômago, no intestino, nas axilas, na boca etc. A convivência com outros seres – harmoniosa ou não – faz parte da vida humana. (p. 21). No entanto, a ligação dos humanos a outros seres vivos nem sempre é vista como uma relação entre diferentes espécies; esta relação existe há milhares de anos; é a relação entre os humanos e os animais domesticados.

Segundo Santos (2008), os biólogos estudam esta relação entre seres humanos e animais, e estes a classificam em três categorias: “quando há benefícios para ambas as partes, como no mutualismo; quando somente uma das partes é beneficiada e a outra é indiferente, como no comensalismo; e quando é benéfica para uma das partes e maléfica para a outra, como no parasitismo.” (p. 21).

Características da relação entre os humanos e os animais de estimação têm intrigado muitos cientistas e psicólogos evolucionistas que estudam o comportamento animal. Segundo Santos (2008), a questão é: “como, do ponto de vista evolutivo, desenvolvemos uma forma de convivência tão similar a que temos com outros humanos – com fortes laços emocionais – com outra espécie?” (p. 21).

Para responder a esta questão, a autora faz uma análise em termos de benefícios e malefícios desta relação entre os seres; ou seja, as vantagens e desvantagens que os cães proporcionam aos humanos. Santos (2008) menciona:

Para a nossa associação com os animais de estimação ter sido adaptativa, no sentido evolutivo, é preciso que tenham trazido vantagens adaptativas para nossos antepassados e que os benefícios advindos daí tenham superado os custos. (p. 21).

Ao analisar o mutualismo, comensalismo ou parasitismo, torna-se possível aprender acerca das relações entres os humanos e animais, suas vantagens e desvantagens.

As vantagens para os animais se tornam óbvias se pensarmos no fato de sermos fonte de alimentação, abrigo, proteção e cuidado, ou seja, “Provemos muitos

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recursos aos nossos animais, alimentando-os, protegendo-os e levando-os ao veterinário.” (Santos, 2008, p. 22).

Já no caso dos humanos, o convívio com animais traz benefícios tanto para a saúde fisiológica como psicológica:

Por exemplo, menor incidência de doenças cardiovasculares, redução dos níveis de triglicérides, colesterol e pressão sanguínea, melhor recuperação, menor incidência de doenças, diminuição das reações típicas do estresse, ampliação do bem-estar psicológico e aumento do cuidado pessoal e da auto-estima. (Santos, 2008, p. 22).

Além disso, cães treinados são muito usados na assistência e propostas terapêuticas com portadores de deficiências e também com idosos.

Há uma grande discussão quanto à classificação das relações entre os seres humanos e os animais de estimação. Santos (2008) menciona que alguns autores, incluindo Serpell, acreditam que este tipo de relação faz parte do mutualismo: “Ele argumenta que os animais têm sido úteis aos humanos para transporte, vestimenta, caça, alimentação e como animais de estimação.” (p. 22). Outros autores, por sua vez, acreditam que a relação é de comensalismo, pois o que proporcionamos aos animais não é tão custoso.

No entanto, “John Archer, outro pesquisador, tem uma hipótese curiosa: a relação seria de parasitismo, porém de um tipo especial – o parasitismo social.” (Santos, 2008, p. 22). O parasitismo social é definido como “a situação em que uma espécie manipula o comportamento de outra para obter um benefício, sem fornecer vantagem à altura em troca.” (Santos, 2008, p. 22).

Santos (2008) faz outra importante colocação:

Archer nos convida a olhar para as características faciais e comportamentais dos cães: face rechonchuda, movimentos desajeitados, testa larga, olhos expressivos. Há tempos estudiosos do comportamento humano sabem que tendemos a responder de forma parental a certas características faciais e corporais encontradas em bebês humanos. Significa que sentimos vontade de cuidar de seres que apresentem essas características, típicas dos bebês humanos. Por isso também somos facilmente atraídos por personagens de desenho animado como Piu-Piu, Dumbo e Mickey Mouse, gostamos de acariciar brinquedos como ursos de pelúcia e nos atraímos tanto por animais a quem muitas vezes tratamos como bebês – os cachorros, por exemplo. (p. 22).

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Evidências importantes mostram que as pessoas geralmente veem sua relação com seus animais de estimação como parecidas com as relações que têm com seus filhos; os “donos” de animais de estimação muitas vezes os tratam como crianças, pois brincam com seus animais falando em tom maternal, e alguns costumam se referir a eles chamando-os de “meu bebê”, cuidam e os acariciam como se eles fossem bebê humano. “Em estudo conduzido por Berryman e outros pesquisadores, conclui-se que os animais de estimação são vistos como tão próximos quanto “o próprio filho” pelos humanos.” (Santos, 2008, p. 23).

Santos (2008) cita Archer ao refletir quanto à criação de cães, acredita que quando começamos a criar cães, escolhíamos aqueles que tinham características de bebês, pois estes nos atraiam; mas, ao longo do tempo estes animais se reproduziram e hoje são representados pela domesticação. “Os cães podem ser considerados manipuladores da espécie humana, no nível de análise evolutiva.” (Santos, 2008, p. 23). No entanto, esta manipulação se refere a conseguir benefícios do hospedeiro, sendo que se aproveita de dispositivos comportamentais que já existem.

Estudos apontam que esta relação emocional com os cães pode ser substituta às relações com outras pessoas, como por exemplo, cônjuge ou até mesmo com os pais.

O cachorro parece suprir, em muitos casos, uma necessidade emocional. Pode ser uma fonte de segurança e, quando as pessoas se sentem ansiosas, o cão pode ter um efeito calmante. Assim, a natureza do laço entre humanos e cães contém um forte elemento de segurança, por isso o animal pode substituir a companhia de outro humano. (Santos, 2008, p. 23 e 24).

Acredita-se que o humano pode produzir um apego especial com os cães:

Pesquisadores construíram um questionário contendo frases que indicavam níveis de apego com um cachorro de estimação, como, por exemplo, carregar a fotografia dele, deixa-lo dormir em sua cama, frequentemente falar e interagir com ele e defini-lo como um membro da família. Os dados indicaram altos níveis de apego entre donos e seus cães. Quase a metade definia seu cachorro como um membro da família, 67% carregava uma fotografia dele em sua carteira, 73% deixavam que eles dormissem em sua cama e 40% comemoravam o aniversário do cachorro. As mulheres apresentaram apego ainda mais forte com seus animais do que os homens. (Santos, 2008, p. 24).

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Alguns relatos sobre a perda de animais de estimação também mostram como é grande o apego desenvolvido. Santos (2008) acrescenta que o sentimento causado pela perda de um animal de estimação pode até ser proporcional ao sentimento de perder uma pessoa querida: “O processo de luto envolve angústia e pensamentos e sentimentos que acompanham o lento processo de se despedir de uma relação estabelecida.” (p. 24).

É importante mencionar que os arranjos sociais são facilitadores dos laços entre as pessoas e seus animais. Segundo Santos (2008), “a demografia está caindo, as famílias são menores e estão sendo modificadas, com mais pessoas morando sozinhas.” (p. 25). As pessoas que moram sozinhas ou não têm filhos, demonstram ser mais apegadas aos seus animais de estimação; no entanto, isto não significa que estas tenham dificuldades de contato com outras pessoas.

Este hábito de ter animais de estimação é muito mais característica do Ocidente, provavelmente pelo fato de ao animal estar suposto o acolhimento e/ou suprimento de algumas necessidades emocionais, enquanto nas outras sociedades estas necessidades são preenchidas de outra forma. Santos (2008) acrescenta:

[...] estudos transculturais indicam que a posse de animais de estimação está mais relacionada a tradições e crenças a respeito dos animais – como a idéia de que são inferiores, pouco dignos do cuidado humano – do que com a extensão da família ou com a dimensão coletiva ou individualista da sociedade. Porém, em uma tradição cultural particular, a existência de menos contatos sociais pode acentuar o apego aos animais. (p. 25).

Os animais podem servir também como catalisadores sociais, como diz Santos (2008), pois aumentariam a ocorrência de interações sociais podendo elevar ou reforçar as relações entre as pessoas. “Em algumas pesquisas se conclui que o animal agiu como um facilitador de contato inicial, “quebrando o gelo”, removendo inibições em conversas casuais e provendo um tópico neutro e seguro de conversação.” (p. 25).

Santos (2008) refere algumas pesquisas realizadas com pessoas que passeavam com seus cães. A primeira pesquisa mostrou que enquanto experimentadores passeavam com um cão nas praças de uma determinada cidade, mais desconhecidos se aproximaram dele, do que quando os experimentadores passeavam sozinhos. Outra pesquisa apresentou que os donos de cães conversam

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e interagem mais com outras pessoas ao passear com seu cão. “A sensação de integração social que possuir um animal de estimação pode causar, contribuiria também para elevar o bem-estar de seus donos.” (p. 25).

Calçada (2011), por sua vez, pauta seu artigo em uma pesquisa realizada em diversos países pela Ipsos/Reuters – referência mundial em pesquisa de mercado e interpretação de dados. A autora nos lança a seguinte questão:

Será que o afago de um bicho de estimação, um abanar de rabo do cachorro ou um miado do gato podem substituir o afeto oriundo do relacionamento com um ser humano? O animal não discute, pode ser punido sem maiores problemas e provavelmente não vai trocar de dono. Controlá-lo é muito mais fácil e confortável. Mas isso basta? (p. 25).

A pesquisa realizada globalmente detectou que uma em cada cinco pessoas do mundo prefere passar o Dia dos Namorados com seu animal de estimação: “um em cada cinco adultos (21%) em 23 países (que representam 75% do PIB mundial), se pudesse optar, passaria o dia com seu mascote, e não com seus companheiros. Mas 79% discordam e preferem passar o dia com seus parceiros ao animal de estimação.” (p. 25). Já no Brasil, 18% da população prefere passar o Dia dos Namorados com seu animal de estimação; o Brasil ficou atrás da Argentina, da Espanha, dos Estados Unidos, entre outros; ficou em 14º entre 23 países.

Esta pesquisa revelou que não é o sexo que determina a troca, mas sim a idade; os mais velhos estão menos propensos a fazer esta troca. A pesquisa foi realizada com mais de 24 mil pessoas (mais de mil pessoas por país), e aponta que na Turquia 49% das pessoas estão propensas a troca, seguidos pela Índia com 41%, Japão 30%, China 29%, Estados Unidos 27% e a Austrália com 25%; por outro lado a França com 10%, o México com 11% a Holanda e a Hungria com 12%, são os menos dispostos a passar o Dia dos Namorados com um animal de estimação ao invés de passar este dia com os parceiros e parceiras.

A pesquisa ainda revela que os que estão menos propensos a passar o Dia dos Namorados com os animais de estimação deixando de lado os parceiros são homens (79%) e mulheres (70%), com mais de 50 anos (86%), seguidos por aqueles que têm entre 35 e 54 anos (82%) e dos que estão abaixo de 35 (75%), de classe média (80%) e alta (80%), seguidos pela classe baixa (76%). (Calçada, 2011, p. 26).

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Estudos mostram que a relação entre pessoas e animais de estimação pode trazer grandes benefícios para a saúde e para o estado emocional do ser humano; “esta relação aumenta a produção de endorfina, o que melhora sentimentos depressivos. Diminui ainda a percepção “da dor” e aumenta o número de células de defesa do organismo.” (Calçada, 2011, p. 27). Os animais de estimação têm grande importância para os idosos, pois se deixam tocar e acariciar; são muito indicados como recurso terapêutico que acompanham casos de depressão, pois tornam-se motivação de vida e podem ocupar os vazios existenciais na vida das pessoas.

No caso das crianças, a convivência com os animais de estimação pode incentivá-las a respeitar a natureza, além de torná-las mais calmas e carinhosas; Calçada (2011) afirma que crianças com problemas psicológicos também se beneficiam com esta convivência. “Pesquisadores já demonstram que a posse de um animal de estimação durante a infância é uma influência extremamente importante para a construção de uma conduta adulta favorável e para alcançar um ótimo desenvolvimento social.” (Calçada, 2011, p. 27).

O que chama atenção na pesquisa citada anteriormente é o número elevado de pessoas que trocariam a companhia do parceiro pelo animal de estimação; apesar de o número de pessoas que não fariam esta troca ser mais elevado. Segundo Calçada (2011), o dado de maior relevância é de que a preferência está mais vinculada à idade e não ao sexo, ou seja, quem trocaria o parceiro pelo animal de estimação no “Dia dos Namorados” são as pessoas mais jovens. A autora vincula a ocorrência destes resultados às questões culturais e sociais da contemporaneidade.

Os mais jovens nascem em uma época de consumismo exacerbado, da internet, das informações fugazes e extremamente rápidas que se modificam a todo o momento. Diferentemente do que os mais velhos viviam há poucas décadas, os jovens vivenciam as relações mediadas pelas redes sociais que facilitam a interação por um lado e dificultam por outro. A facilidade hoje é viver o que se chama de extimidade, contrariamente ao que chamaríamos de intimidade. Os segredos, acontecimentos e sentimentos são vividos em exposição pública, divididos nas redes sociais para quem quiser olhar. É a intimidade para que todos olhem. (Calçada, 2011, p. 27).

Calçada (2011) parte para um ponto importante, ao analisar a pesquisa e compará-la com os relacionamentos e vínculos estabelecidos hoje. Ela afirma que

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estabelecer uma relação nos dias de hoje não é tarefa fácil, requer certo trabalho das partes envolvidas e pode gerar dor e sofrimento. Sofrimentos causados por várias circunstâncias, entre as quais se pode citar: os términos dos relacionamentos, a rejeição, a traição, e ainda a dor da mudança, ou seja, a dor causada pelo crescimento que pode ser alcançado em um relacionamento.

A ameaça do abandono e o medo de envolvimento podem ser um dos principais motivos para se querer passar o Dia dos Namorados apenas com o animal de estimação. Nada contra esse desejo, desde que isso seja uma exceção à regra, e não uma constante e feita de forma consciente. Defender-se do amor gera desamor contínuo e infelicidade. (Calçada, 2011, p. 28).

Pensemos, então, na lenda e no personagem de Narciso, que Roudinesco e Plon (1998) descrevem:

Filho do deus Céfiso, protetor do rio do mesmo nome, e da ninfa Liríope, Narciso era de uma beleza ímpar. Atraiu o desejo de mais de uma ninfa, dentre elas Eco, a quem repeliu. Desesperada, esta adoeceu e implorou à deusa Nêmesis que a vingasse. Durante uma caçada, o rapaz fez uma pausa junto a uma fonte de águas claras: fascinado por seu reflexo, supôs estar vendo um outro ser e, paralisado, não mais conseguiu desviar os olhos daquele rosto que era o seu. Apaixonado por si mesmo, Narciso mergulhou os braços na água para abraçar aquela imagem que não parava de se esquivar. Torturado por esse desejo impossível, chorou e acabou por perceber que ele mesmo era o objeto de seu amor. Quis então separar-se de sua própria pessoa e se feriu até sangrar, antes de se despedir do espelho fatal e expirar. Em sinal de luto, suas irmãs, as Náiades e as Díades, cortaram os cabelos. Quando quiseram instalar o corpo de Narciso numa pira, constataram que havia se transformado numa flor. (p. 530).

O narcisismo, por sua vez, é descrito como:

Na tradição grega, o termo narcisismo designa o amor de um indivíduo por si mesmo. [...] Foi em 1914, em “Sobre o narcisismo: uma introdução”, que o termo adquiriu o valor de um conceito. Fenômeno libidinal, o narcisismo passou então a ocupar um lugar essencial na teoria do desenvolvimento sexual do ser humano. [...] Articulada com a teoria lacaniana, que reconhece a existência do narcisismo primário antes mesmo do estádio do espelho, a reflexão de Françoise Dolto situou as raízes do narcisismo no momento da experiência privilegiada que é constituída pelas palavras maternas, mais centradas na satisfação de desejos do que no atendimento de necessidades. (Roudinesco e Plon, 1998, p. 530, 531 e 532).

O estado narcisista apresenta dificuldades na formação de vínculos baseados nas relações de troca, em que se faz crucial o acolhimento e a consideração ao

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outro. As relações fundamentadas na problemática narcísica geralmente se mantêm através da superficialidade e do controle, e este apresenta uma conduta de manipulação e persuasão, ou ainda, poder de coerção e intimidação. Calçada (2011) menciona:

Contrariá-lo pode gerar graves conflitos. Preservar a própria individualidade de quem convive com eles é um grande desafio. Normalmente, seus parceiros são pessoas submissas, com baixa autoestima. O outro existe para satisfazer suas necessidades, mesmo que para isto precise feri-las (em vários sentidos). (p. 29).

Calçada (2011) menciona ainda o fato de o narcisismo excessivo ser denominado pela Psicologia e pela Psiquiatria como Transtorno de Personalidade Narcisista. “Talvez aqui, relacionar-se apenas com seu bicho de estimação seja uma boa saída. Os bichos de estimação não reclamam e dificilmente haverá conflitos nesta relação.” (p. 29).

Outro fator importante, segundo Calçada (2011), é encontrado nos escritos do sociólogo Clairton Lopes: Este menciona drásticas mudanças sofridas nos dias de hoje pelo contexto cultural, em que este contexto antes garantia certa estabilidade as relações amorosas e também ao casamento. “As relações afetivas não são mais garantidas por um quadro normativo e a família não é mais o único espaço de relações de convivência entre homens e mulheres. Os relacionamentos ocorrem por escolhas das pessoas, não havendo garantia de estabilidade.” (Calçada, 2011, p. 29). As relações afetivas e amorosas encontram, hoje, elos mais frágeis, pois os relacionamentos são desencadeadores de angústia, são prévias de incertezas, são investimentos afetivos que encontram conflitos,

Calçada (2011) acrescenta que esta pesquisa, que de início se mostrou superficial, merece maiores aprofundamentos; através de suas articulações conclui:

Querer conviver com animais é importante, porém, o animal não pode ser substituto das relações humanas. Trocas afetivas amorosas são fundamentais para o crescimento pessoal e social e não podem ser substituídos de forma rígida e inflexível pelo convívio com o animal, correndo o risco de se transformar em defesa neurótica contra o medo do abandono. Amar é risco, se doar é risco, ouvir e ser ouvido é sempre bom. [...] Que o mito de Narciso seja metáfora útil para que não definhemos ao beber a própria imagem, isolados e acompanhados apenas do bichano da vez. (p. 30).

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Faraco (2008) considera importante refletir quanto aos benefícios físicos e psicológicos que o convívio com animais de estimação pode trazer aos seres humanos. Apresenta inclusive, resultados clínicos e terapêuticos dentre os quais:

[...] redução na pressão sanguínea, na frequência cardíaca, modulação em eventos estressores, redução de sentimentos de isolamento social, auxílio em estados depressivos e incremento na auto-estima. Surpreendentemente, estes efeitos são evidenciados em diferentes culturas e contextos (SIEGEL, 1990; ZASLOFF E KIDD, 1994; FARACO E SEMINOTTI, 2002; DALY E MORTON, 2006). (p. 14).

Faraco (2008) cita Maturana para falar de um sistema social: “o conjunto de seres vivos que constitui uma rede de interações que opera como meio para que estes se realizem como seres vivos e que assegure para as unidades a conservação da organização e adaptação.” (p. 37). Segundo ele, este conceito pode ser aplicado a um conjunto de seres constituídos por humanos e cães, “e para analisar esta possibilidade distinguimos o grupo familiar composto por pessoas e outros animais, que denominamos família multiespécie, que se reconhecem e legitimam criando um domínio social.” (p. 37). Propõe ainda:

A família multiespécie, de forma análoga ao que denominamos como grupo multiespécie, é o grupo familiar que reconhece ter como seus membros os humanos e os animais de estimação em convivência respeitosa. (Faraco, 2008, p.37).

Faraco (2008) acrescenta:

Cohen (2002) acredita que, para residentes em centros urbanos, os animais de estimação são membros do núcleo familiar e cumprem a função de conforto e companhia para os demais familiares. Ressalva que estes ocupam um espaço diferente dos humanos e destaca o seu funcionamento congruente ao sistema familiar. (p. 38).

Quanto a estas configurações familiares multiespécie, Faraco (2008) acrescenta: “Bowen (1978) sugere a existência de um sistema familiar emocional que pode ser composto por membros da família estendida, por pessoas sem grau de parentesco e por animais de estimação.” (p. 38). Neste sistema familiar os vínculos não são sanguíneos, mas sim laços emocionais, ou seja, aqueles que estão emocionalmente próximos.

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Self: a noção de self (si mesmo) foi empregada para designar uma instância da personalidade no sentido narcísico: uma representação de si por si mesmo, um auto-investimento libidinal. (Roudinesco e Plon, 1998, p. 700).

Com relação a isto Faraco (2008) menciona:

Beck e Katcher (1996) identificaram que mais de 70% das pessoas que convivem em lares norte-americanos com animais acreditam que a família pode ser constituída por animais de outra espécie. Salientam que estes possam até mesmo ser mais significativos do que membros humanos da família e, inclusive ser parte do self. (p. 38).

Sendo assim, os animais são observados por Faraco (2008) como constitutivos do self1, principalmente no desenvolvimento infantil. Acrescenta, ainda, que pesquisadores que também analisam a família multiespécie apontam a necessidade de revisar o conceito de família.

Faraco (2008) explica que a sensibilidade é uma propriedade fundamental de todos os mamíferos, e dentre estes estão os humanos e os cães; ou seja, eles têm a capacidade de vivenciar emoções, são capazes de perceber e de sentir.

O reconhecimento desta capacidade, até há pouco tempo considerada como exclusivamente humana, repercute e auxilia no desvelamento de coerências operacionais desconhecidas entre seres humanos e cães e que não podem ser atribuídas ao acaso ou explicadas como meramente produto de uma relação estímulo-resposta. Em outras palavras, é questionada a visão cartesiana do animal-máquina em um mundo coisa (MATURANA E VARELA, 2005), na qual o comportamento é resposta a estímulo externo. (Faraco, 2008, p. 40).

Menciona também, que nos dias de hoje no Brasil existem aproximadamente 28,8 milhões de cães convivendo com os humanos, e na maioria das vezes, convivem na condição de parceiros sociais. Segundo Faraco (2008) isto pode indicar escolhas individuais e mudanças de prioridades sociais. Cita Maturana (2002) ao dizer que “define como fator determinante de um sistema social, isto é, uma vez que a conduta dos membros de uma sociedade particular mude, as características sociais serão modificadas.” (Faraco, 2008, p. 41).

Faraco (2008) acrescenta:

Em estudos comparando a importância dos animais de estimação com os demais membros humanos da família, registrou-se que em 44% dos casos é o animal o familiar mais acariciado e que 81% dos respondentes acreditam que em situações de tensão ou ansiedade na família, os animais somatizam e manifestam distúrbios gástricos ou convulsionam (CAIN, 1993). (p. 41).

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Há evidências da vida compartilhada entre os humanos e os cães, que, segundo Faraco (2008) “são reveladas na complexidade interacional do processo autopoiético comunicacional estabelecido entre ambos, e nos permite pensar que alcançaram a congruência estrutural e a possibilidade de compreensão criando um universo de referências em comum” (p. 46). Estas referências em comum seriam explicitadas nas práticas comunicacionais cotidianas, como por exemplo, ao brincarem juntos, quando buscam pistas um do outro com o objetivo de superar obstáculos e também ao compartilhar emoções.

Sendo assim, podemos pensar na utilização dos signos feita pelos animais. Segundo Jerusalinsky (1999):

[...] no campo animal, qualquer percepção, sensação, que se recorta do fundo por obra de uma seleção que privilegie certas sensações do animal, as recorta por obra de um sistema nervoso geneticamente condicionado a diferenciar tal ou qual sensação do conjunto que se lhe oferece. (p. 51 e 52).

Significa que, biologicamente, para qualquer animal, desde o seu nascimento, o mundo se organiza em função de diversos signos que o animal percebe, e se dá conta destes signos devido ao fato de, “já está organicamente definido o objeto, a coisa, a sensação, em torno da qual seu comportamento depara.” (Jerusalinsky, 1999, p. 52). Ou seja, neste caso, a sensação é o signo; pois, no reino animal e em todos os animais, os signos são apenas signos e funcionam como tal, independente de o comportamento ser desigual.

Já no caso do ser humano, segundo Jerusalinsky (1999) “ocorre algo diametralmente diferente, nada funciona como puro signo, porque tudo corre do lugar.” (p. 52), decorre da incursão pelo campo da linguagem, pelo registro do desejo. Ainda refere este psicanalista: “O que diferencia os seres humanos dos animais é que o ser humano tem linguagem (...) o sujeito humano não é mais do que linguagem, e fora dela não é nada.” (1999, p. 55-56). Depreende-se, pois, que a linguagem é o único campo pelo qual o ser humano pode articular-se. A linguagem não é a neurofisiologia do ser humano, mas sim a rede do mundo, a rede simbólica que o compõe e que o humano compõe.

Na condição humana, os significados constituídos às experiências de vida são produzidos pela amaragem numa linhagem discursiva, na qual se presentifica, como

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verdade de uma existência, os significantes desde os quais o humano é referido. Através desta experiência humana de revestimento significante orientam-se as relações estabelecidas com o mundo e com os objetos, inclusive, pode-se pensar, suas versões de família ou de familiaridade.

Sendo assim, torna-se importante refletir acerca do que Ceccarelli (2007) mencionou quanto às novas configurações familiares, que são caracterizadas como ligações afetivas entre os sujeitos, onde pode existir ou não a parentalidade. (p. 91).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho contemplou a questão das configurações familiares e buscou embasamento teórico para a possibilidade de ser pensada uma nova configuração familiar partindo da relação multiespécie, ou seja, da relação entre seres de diferentes espécies; mais especificamente, o convívio das pessoas com seus animais de estimação enquanto vínculo familiar.

Dificuldades se apresentaram quanto ao encontro de bibliografias relacionadas, devido ao fato de este ser um assunto atual, encontrado bibliograficamente apenas nas últimas duas décadas; livros referentes ao assunto propriamente dito ainda não há. No entanto, baseei-me em estudos bibliográficos de diferentes autores quanto ao tema referente à relação multiespécie e também quanto aos efeitos que um animal de estimação pode trazer para o convívio familiar, bem como em pesquisas relacionadas.

Baseando-se nisto o presente trabalho abordou, em dois capítulos, a história social da família enquanto um significante, a construção de vínculos familiares atuais e também a possível existência de vínculos familiares na relação entre os seres humanos e os seus animais de estimação.

As novas configurações familiares são descritas como uma forma de ligação afetiva entre os sujeitos em que não necessariamente deve existir vínculo sanguíneo, pois os vínculos são de laços emocionais, e pode existir ou não uma forma de exercício da parentalidade, que, no entanto, não é a mesma dos padrões tradicionais; estas já existiam há muito tempo, porém só se tornaram possíveis de serem vividas desde o modelo atual de afetividade, quando os membros destas novas famílias passaram a se relacionar a partir dos laços de intimidade.

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Foi possível entender que de fato as configurações familiares de hoje não são as mesmas de antigamente, apesar de esta última ter deixado resquícios para a família de hoje. Assim como as crianças conquistaram seu espaço junto à família no decorrer da Idade Média; nos dias de hoje os animais de estimação também vêm adquirindo seu espaço; espaço este que não é conquistado, mas sim dado a eles pelos seres humanos. Então, estes novos protótipos de formação familiar que mesclam a relação e o convívio entre humanos e animais tem se tornado cada vez mais presente em nossa sociedade.

Considero de grande importância o desdobramento deste assunto/tema devido a crescente inserção dos animais na vida dos seres humanos e também por ser um assunto presente na atualidade, pois assim como afirma Faraco (2008), existe hoje no Brasil aproximadamente 28,8 milhões de cães convivendo com as pessoas, e na maioria dos casos este convívio se dá de forma social.

Questiono a possibilidade de considerar a hipótese de este novo modelo de relação entre as espécies ser uma nova configuração familiar, devido a grande importância - apresentada por pesquisas realizadas - que é dada aos animais de estimação. No entanto, acredito que esta é uma afirmação precoce, que merece maiores pesquisas, inclusive pesquisa de campo, para que então possa se falar em novas configurações familiares incluindo os animais de estimação enquanto parte de um modelo de família ou, então, na constituição de relações de familiaridade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.

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CECCARELLI, Paulo Roberto. Novas Configurações Familiares: mitos e

verdades. São Paulo: Jornal de Psicanálise, jun. 2007, p.89-102.

FARACO, Ceres Berger. Interação Humano-Cão: o social constituído pela

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