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A (in)admissibilidade das provas ilícitas no processo penal pátrio

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CATIÉLI ZIENTARSKI

A (IN)ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL PÁTRIO

Santa Rosa (RS) 2017

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CATIÉLI ZIENTARSKI

A (IN)ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL PÁTRIO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso.

UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DECJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

Santa Rosa (RS) 2017

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AGRADECIMENTOS

À minha família e queridos amigos da faculdade, pelo grande apoio, carinho e atenção para tornar esta conquista possível, especialmente pelo comprometimento, me auxiliando nos momentos difíceis e nunca me deixando desanimar ou desistir.

À minha orientadora Patrícia Borges Moura, com quem eu tive o privilégio de conviver nos dois últimos semestres e contar com sua dedicação, disponibilidade e paciência para encerrar mais uma fase dentro da Universidade, a partir da concretização de uma simples ideia em um Trabalho de Conclusão de Curso.

Aos meus queridos colegas da 2ª Vara Criminal de Santa Rosa, bem como colegas da 2ª Promotoria e Defensoria de Santa Rosa, com quem pude dividir dois anos de minha vida e adquirir grande aprendizado, assim como com quem pude ter, pela primeira vez, contato prático com a ciência criminal, da qual escolhi o presente tema para estudo.

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“O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais realmente da verdade e moralidade, com que se pratica, do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagrem.”

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RESUMO

O presente trabalho se propôs a analisar como são tratadas as provas ilícitas no ordenamento jurídico pátrio e as possibilidades de admissibilidade destas no processo penal, a partir da previsão infraconstitucional das excludentes de ilicitude da prova ilícita por derivação, verificando também a aplicação do princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, o trabalho foi desenvolvido a partir do método hipotético dedutivo, em dois capítulos, em que se abordou o poder judicial de valoração da prova no sistema acusatório, passando por princípios constitucionais aplicáveis, bem como a importância da atividade probatória nos processos criminais, devido a sua tarefa de comprovar a (in)ocorrência de um ilícito penal, e também a identificação de sua autoria, possibilitando a concretização do poder punitivo do Estado. Também, buscou-se analisar o conceito de provas ilícitas e a vedação constitucional à sua admissão. Por fim, a partir da legislação, doutrina e da jurisprudência, buscou-se verificar as diversas posições sobre a admissibilidade ou não das provas ilícitas no processo penal brasileiro.

Palavras-Chave: Poder judicial de avaliação das provas. (In)admissibilidade das provas ilícitas. Excludentes de Ilicitude. Princípio da Proporcionalidade.

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ABSTRACT

The present study aimed to analyze how the illegal evidence in the legal system is treated and the possibilities of admissibility in the criminal process, based on the infraconstitutional provision of the exclusion of illegality of the illegal evidence by derivation, also verifying the application of the principle of proportionality . In this sense, the work was developed using the deductive hypothetical method, in two chapters, which approached the judicial power of evaluation of the evidence in the accusatory system, passing through applicable constitutional principles, as well as the importance of probative activity in criminal, Due to its task of proving the (un) occurrence of a criminal offense, as well as the identification of its authorship, making possible the concretization of the punitive power of the State. Also, it was tried to analyze the concept of illegal evidence and the constitutional seal to its admission. Finally, based on legislation, doctrine and jurisprudence, we sought to verify the various positions on the admissibility or otherwise of the unlawful evidence in Brazilian criminal proceedings.

Keywords: Judicial power of evaluation of evidence. (In) admissibility of unlawful evidence. Exclusion of Ilicit. Principle of proportionality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 07

1 PODER JUDICIAL DA VALORAÇÃO DAS PROVAS NO SISTEMA ACUSATÓRIO ... 09

1.1 Sistema constitucional de garantias: princípios aplicáveis às provas no processo criminal ... 13

1.2 O modo de gestão da prova no sistema acusatório... 18

1.3 Importância e finalidade da prova na persecução penal ... 21

1.4 Limites ao poder judicial de valoração das provas ... 23

2 A (IN)ADMISSIBILIDADES DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL PÁTRIO ... 27

2.1 Provas ilegais: conceito e restrições ... 30

2.2 A inadmissibilidade das provas ilícitas diretas e por derivação ... 34

2.3 Princípio da Proporcionalidade e demais excludentes da ilicitude das provas ... 37

2.4 As provas ilícitas na visão dos tribunais pátrios: análise jurisprudencial .. 42

CONCLUSÃO ... 51

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho concentra-se no estudo das provas ilícitas, no processo penal brasileiro, tanto as originárias, quanto as derivadas, bem como na análise das excludentes de ilicitude, a fim de verificar se há hipóteses para sua admissibilidade, apesar da vedação constitucional. Nesse sentido, a temática abordada possui especial relevância considerando que o entendimento sobre a possibilidade de serem admitidas provas obtidas por meios ilícitos, ou derivadas destas, apoia-se, precipuamente, nas excludentes previstas no art. 157, do CPP, bem como nos entendimentos doutrinários baseados no princípio da proporcionalidade. Tal aceitação ocorre, pois, nenhuma norma no ordenamento jurídico, nem mesmo constitucional, tem valor absoluto de forma a invalidar outra de igual importância, quando conflitantes.

O objetivo principal deste trabalho é estudar a possibilidade do uso de provas ilícitas no processo penal, sem que tal resulte em afronta à norma constitucional, face à relativização possível de garantias constitucionais em razão da colisão de princípios, também a proteger direitos fundamentais. No caso, não há uma compreensão do tema aceita como definitiva, razão pela qual se faz necessária uma análise acerca do alcance que deve ser dado à admissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro, tanto para a teoria pro reo quanto pro societate.

Nesse sentido, dá-se principal enfoque à influência do Princípio da Proporcionalidade como modo de excepcionar a inadmissibilidade da prova ilícita, assim como outras causas excludentes de ilicitude das provas previstas na legislação infraconstitucional.

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prova é valorada no sistema acusatório de garantias, em cotejo à função limitadora que exercem os princípios processuais constitucionais e entender o modo de gestão, importância e finalidade da prova para a persecução penal.

Nesse ponto do estudo destaca-se que também serão analisados os limites estabelecidos aos juízes para a valoração da prova, uma vez que no sistema acusatório não vige mais a livre convicção no momento das decisões, à exceção do Tribunal do Júri, a qual não será aprofundada por não ser objeto do presente trabalho. Assim, as decisões judiciais deverão sempre ser motivadas, em observância à lei e aos princípios vigentes no ordenamento jurídico.

Em sequência, se verificará quais são os princípios aplicáveis à prova no processo penal pátrio, diante da finalidade social e política do processo, e seu compromisso com a moral e a ética, atribuindo grande relevância a certos princípios, e, mais especificamente, aos postulados do contraditório e da ampla defesa, do livre convencimento motivado, da presunção de inocência e da proibição da prova ilícita.

Também, almeja-se compreender o que são provas ilegais, apresentando a distinção feita por alguns doutrinadores entre provas ilícitas e ilegítimas, e quais as causas excludentes de ilicitude das provas que resulta na admissão destas no processo criminal. Por fim, no último item do trabalho, é realizada uma análise jurisprudencial da visão dos tribunais brasileiros, buscando verificar as diversas

posições sobre a (in)admissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro.

Diante do exposto, é com o intuito de averiguar a possibilidade do uso de provas ilícitas no processo criminal, em um Estado Democrático de Direito no qual vigora o sistema acusatório, sem que tal conduta resulte em afronta à norma constitucional, face à relativização de garantias constitucionais em razão da colisão de princípios de igual importância, que também protegem direitos fundamentais, que foi proposto o estudo do presente tema.

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1 PODER JUDICIAL DA VALORAÇÃO DAS PROVAS NO SISTEMA ACUSATÓRIO A atividade probatória em qualquer processo judicial tem especial relevância, pois é através desta que será averiguada a (in)ocorrência de um ilícito penal, bem como a identificação de sua autoria, a fim de possibilitar a concretização do poder punitivo do Estado, se for o caso. Averiguar a realidade dos fatos não significa alcançar uma verdade absoluta, pois a intenção da atividade probatória é, meramente, realizar a reconstrução histórica e processual dos fatos para que se possa extrair as medidas a serem tomadas a partir do que restou comprovado (ALENCAR; TÁVORA, 2016, p. 826).

Também, nesse contexto, cabe o ensinamento de Mirabete (2007, p. 249 apud AVENA, 2011, p. 468), ao explicar que

[...] provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.

Assim, pode-se extrair que provar, na persecução penal, é o ato pelo qual as partes demonstrarão ao juiz um fato ocorrido no passado, a fim de persuadi-lo sobre a existência ou não deste fato, ressalvando-se que é o julgador quem estabelecerá o peso que cada prova terá no decisum final, devendo, para tanto, sempre fundamentar a sua decisão.

Nessa linha, antes de adentrar especificamente na utilidade da prova no processo, e de que forma esta é admitida, é necessário analisar como se dá sua valoração durante a instrução criminal, apresentando os sistemas probatórios existentes, bem como, qual o adotado pelo direito processual pátrio.

Ao longo da história da humanidade, os sistemas de valoração das provas passaram por diversas alterações conforme a época em que estavam inseridos, fazendo existir uma relação estreita entre o regime legal de provas e o sistema processual adotado (LOPES JUNIOR, 2016, p. 359). Isso porque, nos regimes mais autoritários, que preferiam adotar o sistema processual inquisitório, historicamente as

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provas eram produzidas e valoradas a partir de previsão legal expressa. Diferentemente, em regimes democráticos que aderiam ao sistema acusatório, a característica principal era a valoração da prova com base no livre convencimento, sem qualquer vinculação à prova legal (THUMS, 2006).

Conforme leciona Gilberto Thums (2006, p. 243), seguindo a doutrina de Luigi Ferrajoli1, na atualidade predomina no processo acusatório a existência de duas

categorias de garantias,

a) garantias primárias ou epistemológicas, relativas à formulação da acusação, à carga probatória e ao direito de defesa do acusado; b) garantias secundárias referentes à publicidade, à oralidade, à legalidade do processo e à motivação da decisão judicial.

Isso demonstra que nesse sistema, apesar da valoração das provas poder ser feita com base no livre convencimento motivado do julgador, tal poder não é ilimitado e absoluto, devendo seguir a obrigatoriedade de motivação das decisões.

Considerando que o presente estudo não pretende analisar a evolução histórica dos sistemas de valoração das provas, adentra-se especificamente nos modelos de valoração judicial das provas mais relevantes no processo penal contemporâneo.

Nesse contexto, têm-se contemplado, de acordo com as premissas do sistema processual acusatório, inquisitivo ou misto, basicamente três modelos de valoração das provas: o sistema da livre convicção, o da prova legal e o da persuasão racional ou livre convencimento motivado, sendo que a adoção de um ou outro pelos sistemas processuais, identificará o quão democrática é a Constituição do país.

Pode-se afirmar que o sistema da livre convicção, ou livre apreciação, permite ao juiz valorar as provas sem qualquer limitação ou restrição, sem vinculação às provas constantes dos autos e também sem necessidade de fundamentar com base em pesos estabelecidos para cada prova. Trata-se de uma avaliação discricionária

1Jurista italiano e um dos principais teóricos do Garantismo, definido a si próprio como um juspositivista

crítico. Escreveu diversas obras de destaque, entre elas Derecho Y Razón – Teoria del garantismo penal.

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pelo julgador, a ser estabelecida caso a caso, na qual

[...] o fundamento da sentença é a certeza moral do juiz. O principal argumento da decisão é a convicção do magistrado. É o seu sentimento íntimo, com base em qualquer prova ou experiência pessoal, expressos ou não no processo, não importando se há ou não provas nos autos.(RANGEL, 2015, p. 516)

De todo, apesar de não haver regras preestabelecidas para a valoração das provas pelo julgador, esta liberdade não é absoluta, pois a atividade probatória é amplamente disciplinada por normas materiais e processuais, bem como as decisões são passíveis de reexame, através dos recursos.

Em contrapartida, no sistema da prova legal ou tarifada, é retirado totalmente o poder de valoração das mãos do julgador, ficando este vinculado ao peso previamente estabelecido para cada prova. Em realidade, as regras da prova tarifada buscam impedir valorações racionais das provas, uma vez que o direito já estabelece de plano um determinado resultado probatório.

Não obstante, tal sistema sofre diversas críticas pois não oferece a oportunidade de comprovar-se racionalmente a (in)ocorrência do ilícito e sua autoria, e transforma o julgador em um “mero aplicador da norma, preso ao formalismo e ao valor tarifado das provas.” (DIDIER, 2011, p. 40).

Por outro lado, no sistema da persuasão racional, considerado como um sistema eclético, o julgador não está vinculado de forma absoluta a nenhuma prova, podendo rejeitá-las ou acolhê-las, da forma que entender cabível. Porém, para tanto, deverá sempre fundamentar sua decisão para que fique claro às partes quais foram os motivos que o levaram a tal conclusão.

Aliás, é neste sentido a conceituação apresentada por Guilherme de Souza Nucci (2016, p. 399):

[...] a) livre convicção: é o método concernente à valoração livre ou à íntima convicção do magistrado, significando não haver necessidade de motivação para suas decisões [...] b) prova legal: é o método ligado à valoração taxada ou tarifada da prova, significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida no processo, fazendo com que o juiz fique

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adstrito ao critério fixado pelo legislador, bem como restringido na sua atividade de julgar. [...] Há resquícios desse sistema, como ocorre quando a lei exigir determinada forma para a produção de alguma prova, v.g., art. 158, CPP, demandando o exame de corpo de delito para a formação da materialidade da infração penal, que deixar vestígios, vedando a sua produção através da confissão; c) persuasão racional: é o método misto, também chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada [...]

No Brasil, considerando que a Constituição Federal de 1988 adere ao sistema acusatório para a persecução penal, o regime adotado para valoração das provas foi o da persuasão racional ou livre convencimento motivado, ficando o julgador “limitado pela racionalidade, não sendo admitida a apreciação das provas de acordo com critérios irracionais, por mais respeitáveis que sejam.” (DIDIER, 2011, p. 41). A exceção é o Tribunal do Júri, que prevalece o sistema da íntima convicção, visto que os jurados não têm necessidade de motivar seus votos por não estarem vinculados a qualquer regra legal (NUCCI, 2016, p. 399).

Tal sistema encontra respaldo tanto na Constituição Federal, no art. 93, IX2, o

qual prevê a obrigatoriedade de que toda e qualquer decisão judicial deverá ser motivada fundamentadamente, quanto no Código de Processo Penal, em seu art. 1553. Dessa forma, o julgador poderá fixar o peso que entender adequado às provas

trazidas aos autos, motivando sua decisão, de forma fundamentada, para que fique claro às partes quais foram os motivos pelos quais formou sua convicção para o deslinde da demanda, evitando-se, assim, que as partes fiquem a mercê de decisões arbitrárias e irracionais.

Marques (1997, p. 278 apud Rangel, 2015, p. 521) esclarece esse sistema ao estabelecer que:

Em primeiro lugar, o livre convencimento não significa liberdade de apreciação das provas em termos tais que atinja as fronteiras do mais puro arbítrio. Esse princípio libertou o juiz, ao ter de examinar a prova, de critérios apriorísticos contidos na lei, em que o juízo e a lógica do legislador se impunham sobre a opinião que em concreto podia o magistrado colher; não o afastou, porém, do dever de decidir segundo as ditames do bom-senso, da

2Art. 93. [...] IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

3Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório

judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

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lógica e da experiência.

Nesse contexto, para melhor entender esse sistema e sua observância, o qual também é tratado como um dos princípios referentes às provas, indispensável é a análise dos princípios constitucionais que regem e norteiam a aplicação de todas as suas regras, a serem expostos no próximo item.

1.1 Sistema constitucional de garantias: princípios aplicáveis às provas no processo criminal

No processo criminal pode-se afirmar a existência de dois objetivos principais. Um deles tem o processo como instrumento para satisfazer a pretensão punitiva do Estado; o outro tem o processo como mecanismo para garantia de direitos fundamentais do indivíduo, com especial enfoque ao direito à liberdade individual. Conforme José Cirilo Vargas (1992, p. 67), “o processo é que assegura a efetivação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando violados, com base nas linhas principiológicas traçadas pela Constituição.” Assim, quando se alude a um processo penal de garantias, mister é a caracterização dos princípios que o informam.

Primeiramente, deve-se definir o que é princípio, momento em que se enfatiza o caráter do princípio como valor fundamental de um ordenamento e “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas” (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 53).

No caso, os princípios são tidos como valores do ordenamento jurídico e se apresentam como informadores e enformadores de um sistema normativo, porquanto darão forma e conteúdo às normas jurídicas, bem como servirão para sua interpretação posteriormente (MAZZA, 2016, p. 117).

No processo penal, que tem suas diretrizes mestras calcadas na Constituição Federal, e é responsável pela aplicação do Direito Penal, bem como pela observância das garantias fundamentais do indivíduo, ainda mais relevante é o estudo dos princípios que lhe dão base, pois, conforme Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p. 57),

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O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representam senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável instrumento a serviço da liberdade individual

Assim, compreendendo-se a finalidade social e política do processo, e seu compromisso com a moral e a ética, atribui-se uma grande relevância a certos princípios, que servem ao sistema processual como alicerce legitimador, sendo que, no caso do estudo da prova, é essencial a análise dos seguintes princípios basilares: contraditório e ampla defesa, livre convencimento motivado, presunção de inocência e proibição da prova ilícita, entre outros.

Os princípios do contraditório e o da ampla defesa estão previstos no artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” Tais princípios estão intimamente ligados ao devido processo legal, pois se pressupõe que, quando alguém é processado, todas as normas e garantias processuais deverão ser observadas, sob pena de nulidade.

O princípio do contraditório tem sua base na expressão audiatur et altera pars, que significa “ouça-se também a parte contrária.” (AVENA, 2011, p. 471). Ele diz respeito à própria estrutura dialética do processo e significa dizer não apenas dar a oportunidade da parte se manifestar, debater com a outra e participar do processo, mas garantir a igualdade processual. Desse modo, a parte tem o direito à informação dos fatos que são alegados, e contrários aos seus interesses, bem como tem direito à reação contra estes fatos, sendo que sua resposta deverá ser na mesma extensão e intensidade que a alegação inicial.

Quanto à ampla defesa, pode-se afirmar que está umbilicalmente ligada ao princípio do contraditório. Conforme ensina Renato Brasileiro de Lima (2013, p. 15):

O direito de defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório. A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta. Afinal, o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório - o direito à informação.

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Assim, a ampla defesa refere-se a todos os meios que podem ser utilizados para que a defesa do indivíduo ganhe a máxima amplitude possível em relação à imputação que lhe foi feita, que poderá ser exercida por intermédio da autodefesa e defesa técnica. Por autodefesa, deve-se entender o direito do réu de participar de todos os atos do processo, bem como de apresentar sua versão e tentar influir diretamente na convicção do julgador.

Já a defesa técnica é aquela exercida por advogado, constituído ou dativo, ou defensor público, e é considerada como indispensável no processo, sob pena de nulidade absoluta dos atos praticados em sua falta. Inclusive, sua obrigatoriedade está prevista no Código de Processo Penal, art. 261, que assim dispõe:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.

Estes dois princípios constituem os direitos fundamentais do acusado, assegurando que a persecução penal seja realizada de forma justa e regular, com observância das normas estabelecidas para cada procedimento, e refletirão em todo o processo.

Ainda, outro princípio relativo às provas, o do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, também permite o exercício pleno da defesa, pois a decisão embasada deixa cristalino às partes se o juiz decidiu com base no que foi produzido nos autos e se o seu entendimento não é fundado em um convencimento arbitrário e parcial.

Tal princípio, que guarda correspondência com o sistema escolhido para valoração das provas no processo pátrio, conforme acima exposto, é um atributo constitucional-processual que assevera ser livre ao juiz decidir desde que o faça de forma motivada, permitindo às partes que impugnem as decisões e concedendo à sociedade em geral uma garantia de que as decisões não estão à mercê de posições arbitrárias, ou à margem da lei, mas sim em conformidade com as normas legais (AVENA, 2011, p. 35).

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Paulo Rangel (2015, p. 518), quando se refere à necessidade de motivação das decisões, esclarece que “[...] a fundamentação é um instrumento de controle de que dispõe a sociedade sobre as decisões judiciais, evitando os excessos e os abusos por parte dos órgãos estatais, limitando o exercício do poder.”

Este princípio possui previsão expressa no artigo 93, IX, da Constituição Federal de 1988, e foi abordado no item 1, restando demonstrada sua importância para o sistema acusatório e para o processo penal democrático, evitando decisões de julgadores que se apaixonam pela causa e decidem com base na íntima convicção, sem qualquer respaldo jurídico e probatório.

Nesse sentido, o juiz possui liberdade para valorar as provas que foram introduzidas no processo pelas partes, ou por ele próprio, em alguns casos, estando vinculado no momento de decidir ao sistema jurídico-processual existente, tanto pela existência de uma norma expressa, quanto pela necessidade de observância dos demais princípios que regem as provas.

A garantia constitucional da presunção de inocência, da qual decorre a do in dubio pro reo, que é o princípio reitor de todo o processo penal e sustentáculo do Estado Democrático de Direito, garante o “estado de inocência” até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Cabe aqui fazer uma breve menção ao atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal, tomado na decisão do Habeas Corpus n.º 126.292, no final do ano de 2016, relativizando a aplicação deste princípio, ao permitir o cumprimento antecipado (ou provisório) da pena, antes de trânsito em julgado de sentença penal condenatória, quando esgotadas as vias ordinárias de recurso, justificando que o fato de não se considerar alguém culpado não significaria impedir a possibilidade de ter início a execução da pena. Tal decisão acarretou fortes críticas doutrinárias, pois apresenta uma afronta literal à Constituição Federal e também ao artigo 283 do Código de Processo Penal.

No que diz respeito ao tema do presente estudo, a princípio, permanece a aplicação deste postulado em favor do réu, pois como será visto mais adiante no trabalho, a partir dele surgirá umas das exceções à inadmissibilidade das provas

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ilícitas, uma vez que não é cabível, em regra, condenar alguém que o próprio Estado acredita ser inocente, pela inobservância de uma formalidade.

O princípio da presunção de inocência está sedimentado na Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVII; já o postulado decorrente deste, do in dubio pro reo, embora não previsto expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, aparece em tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, sendo portanto de observância obrigatória no processo judicial, conforme art. 5º, parágrafo 2º, da CRFB4. Eles impõe

uma obrigação para o Estado, uma vez que deve haver equilíbrio entre a efetiva satisfação de sua pretensão punitiva e a garantia à liberdade pessoal do acusado. É um dever de tratamento a ser observado a partir de duas dimensões, sendo uma delas intrínseca e a outra extrínseca ao processo, conforme Lopes Junior (2016, p. 369):

Dentro do processo, a presunção de inocência implica um dever de tratamento por parte do juiz e do acusador, que deverão efetivamente tratar o réu como inocente, não (ab)usando das medidas cautelares e, principalmente, não olvidando que a partir dela se atribui a carga da prova integralmente ao acusador [...]. Na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado [...]

A dimensão que se analisará com o presente estudo é a intrínseca, no que diz respeito à carga probatória, pois se o acusado é presumidamente inocente, o ônus da prova sempre será da acusação, oportunizado ao réu, se quiser, contrapor as teses apresentadas. Ao juiz caberá analisar as provas e somente prolatar um juízo condenatório se a tese apresentada pelo órgão acusador e as provas trazidas conseguirem derrubar a barreira do estado de inocência, acima de qualquer dúvida. Em caso de dúvida, com fundamento no princípio do in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência, impõe-se a absolvição.

Cabe ressaltar que as provas introduzidas pelas partes deverão sempre observar normas de direito material e processual para sua obtenção, proposição, produção e avaliação, sob pena de inadmissibilidade, com algumas exceções que

4 Art. 5º [...]

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

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serão oportunamente estudadas.

Por fim, têm-se o princípio da vedação das provas obtidas por meios ilícitos, insculpido no artigo 5º, LVI, da CF/88, que prevê a inadmissibilidade de todas as provas obtidas mediante violação direta ou indireta a normas constitucionais. Da mesma forma, a legislação infraconstitucional, no Código de Processo Penal, também prevê esta proibição.

Rangel (2015, p. 473), ilustra a incompatibilidade entre a admissão de provas ilegais e o reconhecimento de um Estado Democrático de Direito, ao referir que,

No Estado Democrático de Direito, os fins não justificam os meios. Não há como se garantir a dignidade da pessoa humana admitindo uma prova obtida com violação às normas legais em vigor. Do contrário, estaríamos em um Estado opressor, totalitário e não Democrático de Direito.

Nesse contexto, a proibição das provas obtidas por meio ilícito na persecução penal ocorre, pois as garantias fundamentais do indivíduo dizem respeito à própria natureza do homem e são indisponíveis, inclusive pelo Estado na busca pela “verdade real” do processo. Assim, quando ocorrer a admissão de uma prova obtida dessa maneira e o juiz a valorar em sua decisão, tal situação acarretará a nulidade do feito.

O princípio ganha especial destaque no trabalho, uma vez que o objetivo do presente estudo é entender as possibilidades de que, em uma situação específica, quando há colisão de princípios, um prepondere sobre outro de igual equivalência, afastando a aplicação daquele, inclusive hipóteses que permitem afastar a proibição das provas ilícitas, as quais serão oportunamente explanadas.

Feita uma breve exposição de alguns dos princípios constitucionais que regem a atividade probatória, passa-se agora a uma análise da gestão da prova no sistema acusatório, analisando-se de quem é o dever de trazer as provas aos autos, com que finalidade é feita e qual a importância desta atividade para a persecução penal, bem como os limites estabelecidos aos julgadores para a valoração destas provas.

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No sistema acusatório, que preza pela imparcialidade do julgador como meio de garantir uma decisão justa e que respeita o direito fundamental do acusado ao estado de inocência, compete, precipuamente, às partes, a iniciativa da atividade probatória.

Isso ocorre em razão de que, caso a iniciativa da produção probatória fosse prioridade do julgador, este poderia ter a intenção de fazer prevalecer sua convicção inicial, o que acabaria maculando sua imparcialidade. Dessa forma, o julgador deve se afastar ao máximo da proposição e produção das provas de ofício, cabendo-lhe a condução, a presidência da instrução criminal, cujo ônus probatório deve ser suportado pelas partes. O julgador é o destinatário da prova, sua condição é de expectador, pois, nas palavras de Jacinto Coutinho (apud THUMS, 2006, p. 237) “o sistema que permite ao juiz julgador gerenciar a prova quanto à sua produção é um sistema inquisitório.”

Esta característica sofre duras críticas, pois a consequência de uma possível atividade probatória incompleta pelas partes deixa o julgador na difícil posição de decidir a demanda com base em elementos insuficientes para formar sua convicção. Ocorre que, restar com uma atividade incompleta pelas partes, na visão de Lopes Junior (2006, p. 165), é um inconveniente a ser suportado pelo sistema acusatório, pois é menos danoso que o risco de comprometer a imparcialidade do julgador. E, em especial, em se tratando da precariedade da hipótese acusatória, por insuficiência probatória, o resultado há de ser a absolvição, em razão dos postulados da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

Nas palavras do autor citado (2006, p. 180):

[...] dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios, externam a adoção do princípio inquisitivo, que funda um sistema inquisitório, pois representam uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador.

Essa é também a visão de Geraldo Prado (2006, p. 137), ao explicar que “quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente

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comprometedora da imparcialidade do julgador.”

Nesse sentido, se o juiz se investir em função diversa da de mediador entre as partes, e introduzir meios de prova não propostos pelo órgão acusador, acabará fundamentando sua decisão a partir dos elementos que ele mesmo trouxe aos autos, comprometendo psicologicamente sua decisão, uma vez que pode ter decidido desde o primeiro momento que o acusado era culpado e produziu provas para conseguir uma condenação, em total desrespeito aos direitos do réu.

Em realidade, crer que o juiz busca provas ex officio5 para beneficiar o acusado

é uma ilusão. Quando pratica atos de ofício é para condenar, pois, quando há dúvida, fica obrigado a decidir em favor do acusado, ou estaria afrontando diretamente a Constituição Federal (RANGEL, 2015, p. 511).

Atualmente, pelas premissas do Código de Processo Penal pátrio, a gestão das provas está nas mãos das partes, conforme estabelece expressamente a primeira parte do artigo 1566 “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer.” Não obstante, há

ainda resquícios de um sistema inquisitivo, pois na continuação o artigo permite aos juízes agirem de ofício na proposição de outras provas que considerarem indispensáveis, mesmo antes de iniciada a ação penal. Esta situação cria um ativismo probatório por parte do julgador, passando este a ser sujeito da demanda e desequilibrando a relação processual.

O que se está aqui a defender, em coerência com o sistema acusatório, é que o juiz detém o poder de valoração das provas e, nessa condição, enquanto sujeito imparcial, se tivesse a iniciativa probatória estaria assumindo posição semelhante a de parte. Assim, teria de valorar ou avaliar aquilo que ele mesmo propôs: como tal conduta não afetaria sua imparcialidade?

5 Locução adjetivo. Jur. realizado por imperativo legal ou em razão do cargo ou da função (diz-se de

ato).

6Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

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Inclusive, a Constituição Federal de 1988, ao instituir o Ministério Público como legitimado, em regra, a propor as ações penais e, sempre, a fiscalizá-las, pretendia justamente manter a exclusividade da persecução penal nas mãos do Estado, uma vez que se abriu mão da vingança privada nos Estados democráticos de direito.

A situação mencionada visa a garantir a imparcialidade do julgador, o qual não mais acumula as funções de acusar e julgar, não devendo introduzir provas de ofício no processo, mesmo em caso de insuficiência da atividade por parte do Ministério Público. Como sustenta Thums (2006, p. 252), “se há um órgão estatal organizado e estruturado por lei, com atribuição exclusiva de promover a ação penal, está proibido o magistrado de assumir o papel de acusador.”

Ainda, o magistrado não poderá assumir a posição de acusador quando, por exemplo, entender que a atuação do representante do Ministério Público restou insuficiente, pois estaria criando uma desarmonia, desigualdade entre as partes no processo e, assim, violaria os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa (PACELLI DE OLIVEIRA, 2014, p. 338).

As críticas tecidas acima ao modo de gestão da prova que permite, em algumas oportunidades, a atuação do magistrado nesta atividade, surgem, principalmente, pela importância que a prova assume na persecução penal, como se verá a seguir, juntamente com a finalidade da atividade probatória.

1.3 Importância e finalidade da prova na persecução penal

Após a análise do poder judicial de valoração das provas, gestão e principiologia da atividade probatória, necessário entender-se a importância e finalidade da prova na persecução penal.

Etimologicamente, prova deriva do latim proba ou de probare, que significa demonstrar, verificar, confirmar, reconhecer. No campo jurídico, segundo De Plácido e Silva (2007, p. 1.127, grifo do autor), prova é “a denominação que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência do fato ou do ato demonstrado.”

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Completa, ainda, que “consiste, pois, na demonstração de existência ou da veracidade daquilo que se alega como fundamento do direito que se defende ou que se contesta.”

Ainda, de acordo com Nucci (2016, p. 365), o termo prova pode ser entendido em três sentidos:

a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo; b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo; c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato.

Também, segundo Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2017, p. 308), a prova pode ser entendida em dois sentidos: objetivo e subjetivo. Segundos os autores, sob a ótica objetiva, “prova é o elemento que autoriza a conclusão acerca da veracidade de um fato ou circunstância.” E, por outro lado, sob o aspecto subjetivo, ela serve “para definir o resultado desse esforço probatório no espírito do juiz.”

A partir do conceito de prova, pode-se extrair a sua finalidade, seu objetivo, como sendo o convencimento do juiz sobre os fatos alegados pelos sujeitos processuais. Na visão do autor, a finalidade da prova “é a demonstração lógica da realidade, no processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar, no espírito do julgador, a certeza em relação aos fatos alegados.”

Convém mencionar que é também essa a visão de Tourinho Filho (2012, p. 563), ao explicar que:

[...] a finalidade da prova é formar a livre convicção do Juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Para julgar o litígio, precisa o Juiz ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade da prova é tornar aquele fato conhecido do Juiz, convencendo-o da sua existência.

Assim, pode-se afirmar que a prova possui o objetivo precípuo de auxiliar na formação do convencimento do juiz, afinal, é através deste instrumento que se valem as partes para dar ciência ao julgador dos fatos da causa, a fim de que se alcance uma decisão final, que poderá condizer com a realidade ou não, a depender do que

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restou demonstrado nos autos. Também, por meio delas é que o juiz poderá embasar seu convencimento, permitindo às partes que aceitem ou não sua decisão como fruto daquilo que as partes produziram no processo, aquilo que o processo evidencia.

Nesse contexto extrai-se a importância da prova para a persecução penal, pois o processo busca o resultado mais aproximado da realidade quanto possível, e só permite uma condenação quando obtida através da certeza de ocorrência do delito e culpabilidade do agente, não podendo basear-se em deduções e presunções incertas, mas em um sólido supedâneo probatório (ALENCAR; TÁVORA, 2016, p. 827).

Aliás, é através da atividade probatória que o processo penal conseguirá completar sua imensa tarefa de aproximar os fatos alegados à realidade, atingindo sua finalidade enquanto atividade estatal jurisdicional (PACELLI DE OLIVEIRA, 2014, p. 328). Mesmo que a verdade judicial seja sempre uma verdade de natureza jurídica, pois foi reconstruída na via judicial, não se pode negar que os meios de prova exercem função essencial nessa construção, uma vez que são o único instrumento capaz de auxiliar o juiz e as partes a alcançá-la.

Ressalta-se nesse ponto outro objetivo das provas, que não somente se destinam a averiguar a ocorrência e corroborar a responsabilidade penal de determinado delito, mas também para, por exemplo, demonstrar a inocorrência do delito, determinar que o agente sendo acusado não foi o autor, atestar que o agente agiu sob a égide das excludentes de ilicitude previstas no artigo 23 do Código Penal7,

o que afasta a responsabilização criminal, ou, até mesmo, afirmar que o fato em análise sequer constitui um ilícito penal.

Por fim, menciona-se a importância das provas também em relação à sociedade, pois, diante de sua natureza jurídica de “direito subjetivo de índole constitucional” (RANGEL, 2015, p. 467), própria do direito de ação e de defesa, fazem

7Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

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crer que o processo penal busca a verdade dos fatos, ligando esta verdade à certeza de uma sentença que se aproxime tanto quanto possível da realidade e de que os indivíduos terão suas garantias observadas, não ficando à mercê da arbitrariedade dos operadores do direito.

1.4 Limites ao poder judicial de valoração das provas

Verificada a relevância das provas e sua finalidade para a persecução penal, cabe agora analisar alguns dos limites impostos aos juízes para garantir a integridade dos julgados. Nesse contexto, primeiramente, ressalta-se a função dos princípios estudados também como limitadores ao poder judicial de valoração das provas, pois, apesar do ordenamento jurídico brasileiro adotar o livre convencimento motivado para avalição da atividade probatória, não concede ao juiz um poder absoluto de decidir à sua livre convicção, devendo ser observadas algumas regras legais.

Conforme ressaltado, a instrumentalidade do processo não é apenas satisfazer a pretensão do Estado em punir o agente, quando comprovada a ocorrência de um delito e sua autoria. É também meio de se oportunizar sejam efetivados os direitos fundamentais garantidos aos indivíduos pelas normas constitucionais, e isso pode ocorrer através da limitação do poder de valoração do julgador.

Entre estas limitações, há que se considerar a obrigatoriedade do processo judicial oportunizar uma atividade probatória construída com observância do princípio do contraditório, sem a qual o juiz não poderá fundamentar sua decisão.

Ainda, o artigo 157 do Código de Processo Penal, assim como o inciso LVI do art. 5º da CFRB, estabelecem a inadmissibilidade das provas ilícitas, com vistas a impedir a introdução no processo de provas obtidas através da violação de direitos fundamentais, que serão minuciosamente analisadas no próximo Capítulo.

Também, há o limite imposto pelo artigo 155 do Código de Processo Penal (grifo nosso), o qual dispõe o seguinte:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua

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decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Conforme depreende-se da redação do artigo, é facultado ao julgador apreciar livremente a prova trazida aos autos, no entanto, somente aquela que foi produzida em contraditório judicial, ou seja, na ação penal. Fica limitado a admitir elementos probatórios colhidos na fase de investigação somente quando se tratarem de provas cautelares que não poderão ser repetidas, como um exame de corpo de delito, por exemplo, e aquelas antecipadas em função de possível perecimento da prova. Ou seja, apenas de forma excepcional poderá decidir com fundamento nestas provas.

Nesse contexto, além do julgador não poder decidir exclusivamente com base em provas colhidas durante o inquérito policial, lhe é defeso respaldar decisão em elementos não trazidos aos autos, pois, conforme o brocardo jurídico, nascido no Direito Romano, “quod non est in actis non est in mundo” (o que não está nos autos, não está no mundo), a prova que não integrou o processo, não existe.

Cabe mencionar um último limite, não tão rotineiro nos manuais de processo penal, mas tão importante quanto os demais, resultado da interpretação conjunta das normas constitucionais e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário: da observância do princípio da presunção de inocência, da qual decorre o in dubio pro reo.

A partir do presente estudo, pode-se afirmar ser este um limite ao poder judicial de valoração das provas em razão de que, no momento do julgador formar seu convencimento, lhe é defeso não só não decidir em favor do acusado, em caso de dúvida quanto à hipótese acusatória, bem como valorar provas contrárias, e de mesma equivalência, de forma a prejudicar o acusado.

Assim, quando duas provas de igual relevância existirem nos autos, uma delas amparando a tese da acusação, e outra derrubando-a, deve sempre prevalecer àquela que for mais benéfica ao acusado, pois quando o juiz não tem certeza sobre o réu ser o autor do delito, ou até mesmo sobre a materialidade deste, não lhe cabe outra saída

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mas absolvê-lo. Até porque a função final do julgador não é aplicar a sanção, mas também deixar de condenar um inocente, quando não restar comprovada sua culpabilidade.

Ressalta-se que o limite que impede o julgador de admitir e valorar provas ilícitas poderá comportar algumas exceções quando não há outra solução para impedir um julgamento injusto, garantindo os direitos fundamentais espalhados por toda Constituição Federal de 1988 e tanto defendidos pelos juristas.

Com efeito, tais exceções poderão ser tanto em prol do acusado quanto em prol da sociedade, quando mais de um princípio constitucional é violado e o julgador fica obrigado a ponderar qual deve prevalecer no caso concreto, a partir do princípio da proporcionalidade, como se verá minuciosamente no próximo Capítulo deste trabalho.

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2 A (IN)ADMISSIBILIDADES DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL PÁTRIO

Conforme explicado no primeiro capítulo, a prova é um elemento essencial para o processo, pois destina-se à comprovação da (in)existência de um fato, ao convencimento do juiz e à legitimação da decisão do magistrado perante à sociedade. Assim, a forma como for obtida, introduzida e valorada no processo será o “termômetro” para a verificação do quão inquisitório ou acusatório/democrático é o sistema legal do país. Por tudo isto, resta uma questão a ser resolvida: o que são provas obtidas por meios ilícitos e qual o alcance da vedação constitucional para sua utilização no processo?

Pois bem. A definição das provas ilícitas será objeto de estudo do próximo item do trabalho, enquanto que neste item serão feitas algumas considerações sobre o surgimento e a forma como é trabalhada a teoria de inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal pátrio.

Considerando que, no Processo Penal vigora o princípio da liberdade probatória, em prol da elucidação do caso penal, não existe um rol exaustivo dos meios de prova que são admitidos, portanto, as partes podem utilizar-se deles com certa liberdade. Ocorre que, como visto anteriormente, existem algumas normas constitucionais e infraconstitucionais que limitam a atividade probatória, com o intuito de proteger garantias individuais e coletivas como, por exemplo, o direito à liberdade8,

à inviolabilidade do domicílio9 e de correspondência10, bem como a inadmissibilidade

das provas ilícitas11.

Aliás, limitações impostas aos meios de provas somente serão aceitas quando pautadas na justificativa de proteção a garantias individuais (PACELLI DE OLIVEIRA, 2014, p. 342), pois, caso contrário, também estariam ferindo outro direito fundamental, qual seja, o direito à prova.

8 Art. 5º, caput, e LIV, Constituição Federal de 1988. 9 Art. 5º, XI, Constituição Federa de 1988.

10 Art. 5º, XII, Constituição Federa de 1988. 11 Art. 5º, LVI, Constituição Federa de 1988.

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É oportuno frisar que as restrições aos meios de prova podem relacionar-se tanto com a forma de obtenção desta quanto ao grau de convencimento que o magistrado poderá inferir a partir do meio utilizado. Nesta segunda hipótese se está diante da especificidade da prova, ou seja, quando a legislação prevê que a comprovação de determinado fato se dê através de prova específica (PACELLI DE OLIVEIRA, 2014, p. 342), como, por exemplo, a necessidade de exame pericial em crimes que deixam vestígios, não podendo a falta do laudo ser suprida, em regra, por prova testemunhal ou confissão do acusado12, salvo se motivada no desaparecimento

dos vestígios13, hipótese em que a legislação admite seja suprida pela prova

testemunhal, sendo porém vedada a confissão do acusado como meio a suprir sua ausência.

Partindo dessa observação, destaca-se que as hipóteses de limitação à prova em relação ao grau de convencimento não serão o objeto de estudo do presente capítulo, que focará na primeira hipótese citada: restrição à forma de obtenção das provas.

Dada a relevância da função das provas de reconstrução da realidade histórica para oportunamente permitir a obtenção da “verdade” processual, a descoberta dessa verdade não pode ser alcançada a qualquer custo. Isso porque, a vedação às provas ilícitas confunde-se com a própria existência de um Estado Democrático de Direito, “que não permite a prova do fato e, consequentemente, punição do indivíduo a qualquer preço.” (RANGEL, 2015, p. 471). Na mesma linha de raciocínio, acrescenta o autor que:

No Estado Democrático de Direito, os fins não justificam os meios. Não há como se garantir a dignidade da pessoa humana admitindo uma prova obtida com violação às normas legais em vigor. Do contrário, estaríamos em um Estado opressor, totalitário e não Democrático de Direito.

Nesse contexto, foi estabelecida a vedação da inadmissibilidade das provas ilícitas no direito brasileiro pela Constituição Federal de 1988 e, somente vinte anos

12Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

13Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

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depois, com a reforma do Código de Processo Penal em 2008, foi também disciplinada de forma expressa na legislação infraconstitucional penal, no artigo 157, antes citado.

Esta restrição possui como principal finalidade tutelar direitos e garantias fundamentais, impondo limites para a atuação estatal e impedindo abuso de poder por parte dos agentes responsáveis pela persecução penal. Isso demonstra a preocupação do legislador em impedir que o Estado, na busca pela elucidação dos fatos, viole direitos reconhecidos e positivados como fundamentais, o que já ocorreu e foi tolerado em tempos mais remotos.

Aliás, não seria coerente que o próprio Estado admitisse que seus agentes ou particulares violassem normas jurídicas sob o subterfúgio de busca da justiça, pois, conforme explicam Gonçalves e Reis (2017, p. 319): “assim, estaria, paradoxalmente, incentivando comportamentos contrários à ordem jurídica que pretende tutelar com a atividade jurisdicional.”

Conforme ressalta Brasileiro de Lima (2016, p. 828):

Mesmo que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, não se pode admitir a utilização em um processo de provas obtidas por meios ilícitos. A eficiência processual, compreendida como a funcionalidade dos mecanismos processuais tendentes a alcançar a finalidade do processo, que é a apuração dos fatos e das responsabilidades, não pode prescindir do respeito aos direitos e garantias fundamentais, sob pena de deslegitimação do sistema punitivo.

Na verdade, todo processo, servindo como instrumento do Estado para o exercício da jurisdição, seja ele, administrativo, civil ou penal, rege-se pelos princípios da legalidade e do devido processo legal, ou seja, devem ser observadas as normas e os procedimentos positivados para sua adequada tramitação. Dessa forma, caso algum ato seja realizado, dentro ou fora do processo, sem observância dos preceitos legais não poderá produzir efeitos, pois inválido ou ineficaz.

Aliás, a respeito do assunto, cabe mencionar o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas Corpus n.º 90376, tendo por relator o Ministro Celso de Mello, aduzindo que,

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A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual) [...]

É certo que, a proibição à inadmissibilidade das provas ilícitas apresenta diversos desdobramentos, uma vez que não tem apenas o condão de proteger direitos individuais, como também de tutelar a própria qualidade da atividade probatória que será introduzida no processo e garantir a igualdade entre os sujeitos processuais.

Além disso, menciona-se a função pedagógica exercida pela restrição. Nas palavras Brasileiro de Lima (2016, p. 828),

a vedação das provas ilícitas também funciona como uma forma de controle da regularidade da persecução penal, atuando como fator de inibição e dissuasão à adoção de práticas probatórias ilegais.”

Merece destaque que, embora tanto a Constituição quanto o código processual penal tragam em suas redações vedação às provas ilícitas, o fazem de forma genérica, sem qualquer definição do que seriam, deixando tal função para os doutrinadores, como se verá a seguir.

2.1 Provas ilegais: conceito e restrições

A expressão prova ilegal, segundo a doutrina, compreendia o conjunto de duas espécies de provas: as ilícitas e as ilegítimas. Contudo, diante das alterações realizados pelo legislador quando da reforma do Código de Processo Penal em 2008, sugerem alguns autores que as distinções entre provas ilícitas e ilegítimas deixaram de existir (AVENA, 2011). Por questões didáticas, o presente estudo mantém a distinção dos conceitos, apresentando-os como dois tipos de provas diferentes.

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Ilegítimo, de acordo com Silva (2007, p. 699, grifos do autor), “derivado do latim illegitimus, exprime o vocábulo o que não é conforme à lei [...] É tudo, pois, que, não tendo as qualidades indicadas em lei nem tendo atendido as suas prescrições [...].” Dessa forma, a prova ilegítima será aquela produzida em violação a normas de direito processual, sendo que o momento de sua produção será dentro do processo, ou seja, intraprocessual.

Por outro lado, ilícito, “em seu sentido próprio quer exprimir o que é proibido ou vedado por lei. Ilícito, pois, vem qualificar, em matéria jurídica, todo fato ou ato que importe numa violação ao direito [...]” (SILVA, 2007, p. 700, grifos do autor). Portanto, prova ilícita será aquela colhida em detrimento, com violação a direitos materiais, sejam eles constitucionais ou não, sendo que, sua obtenção/produção poderá ocorrer tanto em momento anterior, quanto durante o andamento do processo, mas sempre fora deste.

Doutrinariamente, também é apontada a existência de provas simultaneamente ilícitas e ilegítimas, entendidas como aquelas obtidas a partir da violação, ao mesmo tempo, de normas de direito material e processual, tendo-se como exemplo, a realização de busca e apreensão pela autoridade policial em uma residência, sem a presença de situação de flagrância, nem prévia autorização judicial. Nesse caso, há violação de norma de direito material, a saber, a inviolabilidade do domicílio (art. 5, XI, CF), bem como de direito processual, pois não observados os requisitos legais para o cumprimento de busca e apreensão domiciliar previsto nos artigos 240 a 250, do CPP (BRASILEIRO DE LIMA, 2016, p. 831).

No caso, quando for a prova considerada ilegítima, ou seja, produzida em juízo com inobservância de alguma regra processual, como ocorre com uma prova produzida unilateralmente, existe ainda a possibilidade de validar-se o ato, através de sua repetição, quando permitido. No entanto, as provas ilicitamente obtidas não são passíveis de repetição nunca, uma vez que seu vício fica vinculado ao momento em que foi obtida (LOPES JUNIOR, 2016, p. 408).

Cabe ressaltar a distinção defendida anteriormente às mudanças provocadas pela reforma do Código de Processo Penal em 2008 quanto às consequências

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jurídicas da produção dessa espécie de provas. No caso das provas ilegítimas, a sanção era de natureza processual, já prevista no ordenamento e seguindo a Teoria das Nulidades, podendo ser reconhecida e declarada a nulidade do ato viciado, bem como dos atos correlatos a este.

Nesta hipótese, para o reconhecimento de nulidade, deveriam ser observados alguns requisitos: o primeiro, previsto no artigo 566, do CPP, ditando que não seria declarada nulidade de ato processual se não houvesse influído na apuração da verdade ou resultado da causa; o segundo, conforme artigo 563, do CPP, esclarecendo que deveria resultar prejuízo da nulidade para a parte; e, por fim, nos termos do artigo 565, do CPP, vedando a arguição de nulidade pela parte que a ela tivesse dado causa, bem como arguir nulidade que só à parte contrária interessava.

Nesse contexto, caso ausentes estes requisitos, poderia ser reconhecida a mera irregularidade do ato processual e o prosseguimento do processo, em razão de a inobservância da norma processual não ter influenciado de maneira significativa no resultado, nem causado prejuízo à nenhuma das partes.

Por outro lado, quando tratava-se de provas ilícitas, além do desentranhamento dos autos e inutilização da prova, poderiam ocorrer sanções de natureza civil, penal ou administrativa, devido à violação a direitos materiais, como por exemplo, em caso de prova adquirida mediante tortura, conduta vedada constitucionalmente e tipificada como crime pela Lei 9.455/97, haveria responsabilização criminal para aquele que produziu a prova desta forma.

Atualmente, seguindo e entendimento majoritário de que desapareceu a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, ambas são tidas como ilícitas, seja pela violação a normas constitucionais ou infraconstitucionais, de direito material ou processual. Ou seja, independentemente do tipo de violação, sustenta-se que as provas produzidas ao arrepio da lei acarretam a sua ilicitude. Nesse caso, quando constatada alguma violação, todas recebem o mesmo tratamento, sendo desentranhadas dos autos, ressalvada, ainda, a hipótese de aplicação de sanções, conforme exemplificado no parágrafo anterior.

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Ainda, é oportuno mencionar que o artigo 157, § 3o, do CPP (grifo nosso),

preconiza que: “Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.” Por obséquio que, quando determinado o desentranhamento e inutilização dessa prova, há que se observar a existência de responsabilização legal, ressaltada no parágrafo anterior, pois, caso destruída a prova, a demonstração de ocorrência do ilícito carecerá de materialidade. Nesse caso, portanto, a prova deverá ser desentranhada e preservada, não inutilizada (PACELLI, 2014, p. 347).

Também, há necessidade de observar se a prova desentranhada não poderia ser utilizada em outro processo, uma vez ser possível que parte de seu conteúdo veicule informações sobre outros fatos, para os quais não foi considerada ilícita a forma de sua obtenção.

Diante dessas considerações, pode-se afirmar que, independentemente da espécie de prova ilegal, seja ilícita ou ilegítima, “sua utilização será sempre vedada, constituindo o reconhecimento de sua ineficácia importante mecanismo para evitar abusos e arbitrariedades pelos órgãos incumbidos da investigação.” (GONÇALVES; RIOS, 2017, p. 320).

Salienta-se, por fim, a existência de diversos dispositivos na legislação penal que contém regras de exclusão de determinadas provas, mas, quando questiona-se a licitude do meio de obtenção de provas, elas serão relativas ao direito à intimidade e privacidade, seja do acusado ou de terceiros, como por exemplo, a subordinação da interceptação telefônica, de correspondência e quebra do sigilo bancário à existência de ordem judicial prévia.

Estas restrições serão tema de análise mais minuciosa nos próximos itens, que abordarão especificamente as hipóteses de inadmissibilidade de provas ilícitas diretas e por derivação, bem como serão analisados os entendimentos jurisprudenciais dos Tribunais brasileiros acerca da temática.

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2.2 A inadmissibilidade das provas ilícitas diretas e por derivação

No mundo, a jurisprudência norte-americana, mais especificamente no que se refere à Corte Constitucional dos EUA, foi a precursora na teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas. Sustentava-se que, quando a obtenção de uma prova ocorresse de forma ilícita, surgiria um direito da parte à exclusão desta prova do processo, chamado exclusionary rules. A partir da teoria, a Corte estadunidense buscava conter os abusos cometidos pela polícia, violando garantias individuais e, também, manter a integridade dos julgados ao não admitirem tacitamente as condutas abusivas perpetradas durante as ações investigativas.

A teoria do Fruits of the poisonous trees (frutos da árvore envenenada) também foi importada para o Direito brasileiro a partir de uma construção jurisprudencial da Suprema Corte dos Estados Unidos (caso Silverthorne Lumber Co v. United States, 1920), país no qual vigora o commom law, sistema baseado em precedentes, ou seja, em outras decisões judiciais e não por atos legislativos, como ocorre no Brasil.

A aceitação das provas ilícitas por derivação foram motivo de grande controvérsia na jurisprudência e doutrina brasileira. A princípio, o Supremo Tribunal Federal, em suas decisões, foi favorável à admissão dessas provas, alegando que não haveria contaminação e, portanto, a prova era válida e poderia ser utilizada. No entanto, após diversos questionamentos e fortes críticas doutrinárias, aderiu à teoria norte-americana e solidificou-se o entendimento majoritária da vedação à admissibilidade das provas ilícitas por derivação.

Porém, somente algum tempo depois, com a edição da Lei n. 11.690/2008, a teoria passou a integrar o ordenamento processual penal brasileiro, quando o legislador a inseriu no artigo 157, §1º, com a seguinte redação:

São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

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obtidas por meios ilícitos, também não conceituou o que seria prova ilícita por derivação, tarefa árdua para a doutrina e jurisprudência, considerando que não se comprova tão facilmente a dependência de uma à outra, ou seja, o nexo de causalidade entre ambas.

A teoria Fruits of the poisonous trees faz a analogia de que o tronco envenenado de uma árvore contaminaria todos os seus frutos, portanto, as provas obtidas por meio ilícito também contaminariam todas aquelas decorrentes desta. Nesse sentido, segundo Brasileiro de Lima (2016, p. 835), as provas ilícitas por derivação “são os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal.” Ou seja, são provas que devem ser consideradas ilícitas pois sua obtenção deu-se a partir de outra prova ilegal.

Seguindo a mesma linha, Avena (2017, p. 330) explica que:

[...] a contaminação determinada pela aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada exige relação de exclusividade entre a prova posterior e a anterior que lhe deu origem. Em outras palavras, faz-se necessário que a prova tida como contaminada tenha sido decorrência de uma outra, manifestamente viciada, ou de uma situação de ilegalidade.

Para melhor elucidar essa conceituação imagine-se, por exemplo, no caso da localização de bens subtraídos por um acusado, mediante busca e apreensão em sua residência, autorizada por determinação judicial (prova aparentemente lícita), a partir de uma interceptação telefônica não autorizada pela autoridade judicial, nos termos do que preconiza o artigo 1º da Lei 9.296 de 199614. Nesse caso, tanto a interceptação

telefônica, quanto a prova da materialidade (bens apreendidos) serão considerados inadmissíveis no processo e determinado seu desentranhamento.

Outro exemplo, trazido por Avena (2017, p. 331), refere o seguinte:

A autoridade policial prende Pedro de forma ilegal, vale dizer, sem que esteja

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