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Princípio da Proporcionalidade e demais excludentes da ilicitude das provas

2 A (IN)ADMISSIBILIDADES DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL

2.3 Princípio da Proporcionalidade e demais excludentes da ilicitude das provas

é absoluta. Como se sabe, as garantias individuais previstas na Constituição Federal não tem aplicação irrestrita, pois é sempre necessário, diante da colisão entre direitos fundamentais, fazer uma ponderação sobre qual deverá se sobrepor ao outro no caso concreto. E o mesmo ocorre com a inadmissibilidade das provas ilegais, que comportam algumas exceções.

As exceções às exclusionary rules e às fruits of the poisonous tree também surgiram no direito norte-americano, especificamente nos Estados Unidos, devido ao entendimento da própria Suprema Corte de que as regras eram rígidas demais (BRASILEIRO DE LIMA, 2016, p. 839). No entanto, somente algumas são aplicadas no direito brasileiro, destacando-se, para fins de análise no presente estudo, a aplicação do princípio da proporcionalidade (pro reo e pro societate) como forma de excludente e, aquelas previstas no artigo 157 do CPP, que são as teorias da fonte independente e da descoberta inevitável.

Primeiramente, é oportuno explicar que o princípio da proporcionalidade, serve como um limitador das garantias individuais quando da atuação Estatal, a fim de que se atendam os interesses públicos coletivos. Este princípio “se qualifica, enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais, como postulado básico de

contenção dos excessos do Poder Público.” (BRASILEIRO DE LIMA, 2016, p. 857).

Este baluarte, subdivide-se em três elementos principais, os quais fornecem um melhor entendimento de sua aplicação, que são: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Por necessidade podemos entender a ausência de qualquer outra forma menos gravosa a direitos fundamentais para alcançar o almejado; já adequação entende-se como à conformidade dos meios empregados para atingir o fim pretendido; e, ainda, a proporcionalidade em sentido estrito referindo-se ao sopesamento de que o benefício a ser atingido é muito maior do que o prejuízo a ser suportado por aquele que teve seu direito violado.

Para o tema das provas ilícitas, este princípio tem especial importância devido à necessidade, por vezes, de ponderação no caso de conflito entre duas garantias individuais de igual equivalência e qual deverá prevalecer, existindo duas posições defendidas na doutrina: a aplicação do princípio da proporcionalidade pro societate e a aplicação pro reo.

Em relação à possibilidade de admissão de provas ilícitas em desfavor do réu e pró sociedade, existe uma imensa controvérsia por parte dos doutrinadores. Sua justificativa respalda-se, principalmente, no propósito de “evitar aqueles resultados repugnantes e flagrantemente injustos” (LOPES JUNIOR, 2016, p. 410).

Nesse sentido, segundo Brasileiro de Lima (2016, p. 859), um exemplo da possibilidade de aplicação do princípio, defendido por Barbosa Moreira, seria no caso das organizações criminosas, quando o poder destas é maior que o das Polícias e, até mesmo, do Ministério Público, o que justificaria a admissibilidade de provas obtidas ilicitamente, devido à grande desigualdade criada entre a criminalidade organizada e os agentes estatais responsáveis pela investigação criminal.

Porém, ao mesmo tempo, o autor não concorda com a possibilidade de admissão dessas provas em prol da coletividade e detrimento dos direitos do réu, enfatizando também ser este o entendimento majoritário que prevalece nos Tribunais Superiores brasileiros, para os quais

[...] admitir-se a possibilidade de o direito à prova prevalecer sobre as liberdades públicas, indiscriminadamente, é criar um perigoso precedente em detrimento da preservação de direitos e garantias individuais: não seria mais possível estabelecer-se qualquer vedação probatória, pois todas as provas, mesmo que ilícitas, poderiam ser admitidas no processo, em prol da busca da verdade e do combate à criminalidade, tornando letra morta o disposto no art. 5º, LVI, da Constituição Federal (2016, p. 861).

Também é essa a visão de Pacelli (2014, p. 375), ao afirmar que se,

[...] a vedação das provas ilícitas tem por objetivo, pelo menos um deles, e dos mais relevantes, o controle da atividade estatal persecutória, que é a responsável pela produção da prova, a existência de um critério fixo e objetivo já estimularia a prática da ilegalidade, quando se soubesse, previamente, a possibilidade do aproveitamento da prova.

Nesse caso, em que pesem as inúmeras divergências em relação à admissibilidade das provas ilícitas pro societate no processo criminal, certo é que esta somente deveria ocorrer em situações extremas, inadiáveis e incontornáveis, pois não pode ser fundamento de legitimação da atuação estatal ao arrepio da lei, violando garantias fundamentais e sem observância das vedações constitucionais.

Por outro lado, com relação à aplicação do princípio da proporcionalidade pro reo, defende-se que a prova obtida ilicitamente deve ser sempre aproveitada, quando constituir-se no único meio do réu provar sua inocência, tendo em vista o direito fundamental à liberdade do acusado, que não pode ser restringido por uma mera inobservância de norma material ou processual para a aquisição da prova dessa liberdade.

Aliás, por óbvio que, além da proporcionalidade subjetiva do aproveitamento de provas ilícitas em favor do acusado, objetivamente pode-se observar a possibilidade de reconhecimento da excludente de ilicitude do estado de necessidade ou legítima defesa, conforme o caso, daquele que, na busca de provar sua inocência, viola outros direitos, bem como, que o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente, enquanto garantia individual expressa, não pode ser utilizado contra aquele que possui a titularidade desse direito (PACELLI, 2014, p. 376).

Nesse ponto, faz-se apenas uma ressalva com relação às provas obtidas mediante tortura e sua validade. No caso de uma interceptação ou escuta ilegal

realizada pelo acusado na tentativa de comprovar sua inocência, não há motivos para que o magistrado duvide da veracidade das informações contidas na gravação, pois não houve constrangimento para os interlocutores. Ao contrário, pois, é o caso da confissão mediante tortura, caso em que há o uso de violência física ou grave ameaça a fim de que o depoente preste aquelas declarações, inviabilizando seu uso no processo em razão da impossibilidade de se aferir a veracidade das afirmações (BRASILEIRO DE LIMA, 2016, p. 859).

Ainda, ressalta-se que a prova ilegal utilizada pelo réu para comprovar sua inocência, não poderá ser reaproveitada como prova contra qualquer pessoa em outro processo, ou no mesmo procedimento quando houver corréus, pois, em relação a estes últimos prevalece o princípio constitucional que veda a admissão das provas ilícitas, salvo se for evidenciada uma das causas excludentes de ilicitude no caso de provas ilícitas por derivação.

Seguindo, atenta-se agora para a existência de duas excludentes de ilicitude, para o caso de provas derivadas de outras consideradas ilegais, previstas expressamente no Código de Processo Penal: teoria da fonte independente e da descoberta inevitável. Fonte independente é a inexistência de qualquer conexão entre a ilicitude da prova originária e àquela posteriormente descoberta. Isso quer dizer que, “a validação da prova em razão da fonte independente exige que não haja qualquer nexo de causalidade entre a prova que se quer utilizar e a situação de ilicitude ou ilegalidade antes ocorrida.” (AVENA, 2017, p. 330).

Nesse caso, inclusive, seria possível se afirmar que não se trata de prova derivada, pois a prova não foi obtida a partir de uma conexão com a prova originariamente ilícita, aquela é independente desta (GIACOMOLLI, 2008, p. 43). Ainda, seguindo a doutrina de Nereu José Giacomolli (2008, p. 46), para analisar a existência ou não de um liame entre as provas, serão três os critérios utilizados, a saber, o temporal que demonstrará “se a prova discutível (derivada) foi produzida antes, após ou concomitantemente com a prova considerada ilícita”, bem como a regularidade de sua produção e os meios probatórios que foram empregados.

estreme de dúvidas, que sua origem não guarda qualquer relação ou subordinação com as provas ilícitas descobertas. Nesses casos, o ônus probatório recairá exclusivamente na acusação, bastando à defesa a alegação de que se está diante de uma prova ilícita. Ainda, restando dúvidas sobre a independência da prova, aplica-se o princípio do in dubio pro reo, determinando o desentranhamento desta do processo.

Quanto à teoria da descoberta inevitável, também chamada de exceção da fonte hipotética independente, pode-se dizer que será reconhecida “caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser considerada válida.” (BRASILEIRO DE LIMA, 2016, p. 841). Isto é, será válida e admitida no processo quando restar comprovado que, apesar de derivada de uma prova ilícita, e, assim sendo ilícita por derivação, ela seria inevitavelmente descoberta através dos meios legais, incumbindo novamente à acusação o ônus probatório.

Seu conceito extrai-se do próprio Código de Processo Penal, no artigo 157, parágrafo 2º, para o qual é considerada como descoberta inevitável “aquela que por si só seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.” Nesses casos, não será discutida a conexão causal entre as provas, pois ela é ilícita por derivação, mas se demonstrará que ela poderia ser obtida através de outro modo, seguindo os trâmites típicos da polícia judiciária (GIACOMOLLI, 2008, p. 47).

Nesse ponto, não se pode deixar de, mais uma vez, apresentar as críticas tecidas pela doutrina à real aplicação destas teorias no processo penal. Como explica Lopes Junior (2016, p. 417 e 418), em teoria:

[...] a tese da fonte independente (e também do encontro inevitável) é bastante clara e lógica, mas revela-se perversa quando depende da casuística e da subjetividade do julgador, na medida em que recorre a conceitos vagos e imprecisos (como o é a própria discussão em torno do nexo causal) que geram um espaço impróprio para a discricionariedade judicial.

Isso porque, quem analisará os argumentos apresentados pela acusação sobre a independência da prova, ou na previsão de que ela seria inevitavelmente encontrada é o magistrado, que fundamentará sua decisão em mera futurologia. Dessa forma, a

teoria da contaminação das provas acaba por ser mitigada pelas inúmeras variações, hipóteses e conjecturas que decorrem das excludentes previstas no CPP, conduzindo a um alargamento extremado da tolerância judicial face as provas derivadas das ilícitas.

Feitas estas considerações sobre as principais formas de excludente de ilicitude das provas, passa-se agora a uma breve análise da visão que os Tribunais Superiores brasileiros têm a respeito da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo.