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MEMÓRIA, ORALIDADE E ESCRITA: UMA ANÁLISE SOBRE BOAVENTURA PEREIRA SOUSA NA ASSEMBLEIA DE DEUS EM BACABAL-MA ( ) Poliane Pereira Almeida

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MEMÓRIA, ORALIDADE E ESCRITA: UMA ANÁLISE SOBRE BOAVENTURA PEREIRA SOUSA NA ASSEMBLEIA DE DEUS EM BACABAL-MA (1963-1996)

Poliane Pereira Almeida INTRODUÇÃO

O pastor Boaventura Pereira de Sousa (1926-2017) foi uma das principais vozes que anunciaram a mensagem pentecostal assembleiana no campo religioso do Maranhão. Suas atuações evangelísticas ocorreram em vários municípios do interior maranhense, porém foi na região do Médio Mearim, sobretudo na cidade de Bacabal1, que o pastor Boaventura obteve notoriedade dentro do meio religioso e se consolidou como um agente propagador do movimento pentecostal maranhense.

No ano de 1963, Boaventura Sousa foi transferido a cidade Bacabalense para substituir o Pr. Manoel Ribeiro Alves, uma vez que, este precisou retornar ao estado do Pará. Conforme o historiador Lyndon Santos (2006, p. 52), que em sua tese dividiu a história da Assembleia de Deus (AD) no Maranhão em três fases. Na década de 60 (século XX), a AD já havia concluído a fase de ampliação e estruturação a qual Santos afirma ser a segunda fase e dava início ao terceiro momento que seria o de crescimento e formação da maior denominação do estado. Essa terceira etapa foi chamada de fase do pastor Estevam Ângelo de Sousa que caracterizou esta liderança de carismática e centralizadora. (SANTOS, 2003, p.145)

Como parte dessa política centralizadora de Estevam Ângelo de Souza, pode-se considerar que a transferência de Boaventura Sousa a Bacabal foi ordenada de maneira estratégica por Ângelo Souza contava com alguém de sua família no controle e comando da denominação, já que se tratava de seu irmão consanguíneo. Além disso, a cidade estava passando pelo processo de desenvolvimento econômico, urbano e populacional. naquele momento Bacabal era um terreno fértil para expansão da AD.

Mestranda em História pelo Programa de PósGraduação da Universidade Federal do Maranhão -UFMA. Esta pesquisa possui apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES

1 Bacabal foi elevada à categoria de Vila pela Lei nº 932, sancionada pelo Governado Urbano Santos. Em

17 d Abril de 1920; seu município foi oficialmente instalado a 07 de setembro do mesmo ano. Pelo Decreto Lei nº 159, de 6 de dezembro de 1938, foi elevada à condição de cidade[...] localiza-se a 240 km da capital do Maranhão, São Luís, possui área total de 1.983km². Sua população foi estimada em 2014 pelo IBGE em 102.265 habitantes. Vide FERREIRA, Márcia Milena Galdez. Configurando o espaço social no Vale do Mearim: Terra, Trabalho e Migração. In FERREIRA, Márcia Milena Galdez Ferreira; FERRERAS, Norberto

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O Médio Mearim é uma região marcada pelo intenso fluxo de migrantes, devido a vasta extensão de terra, fertilidade do solo e abundância de água por causa do rio Mearim. utilizado como meio de transporte pelos moradores e também para o escoamento da produção agrícola local. De acordo com Márcia Milena Ferreira (2015, p.64), na década de 30 do século XX Bacabal juntamente com Pedreiras foram os maiores produtores de algodão do estado. Passado o ciclo do algodão, começou o ciclo do arroz no qual Bacabal foi um dos principais exportadores no Maranhão em 1968 (SOARES, 2018, p.24). Ainda conforme Mateus Soares, “com a BR-316, Bacabal estava conectada ao resto do Brasil e melhorou a exportação do arroz” (2018, p.24).

É nesse cenário que Boaventura Sousa começou sua atuação dentro da Assembleia de Deus bacabalense por quase três décadas e meia, quando em meados do século XX, o pentecostalismo teve significativo crescimento e o déficit de pastores e auxiliares era expressivo. Foi também um momento de constantes transferências e locomoção de lideranças assembleianas na capital e no interior do estado. Prática corriqueira em Bacabal, que só se estabilizou após o Pr. Boaventura assumir a liderança da igreja a qual deixou o cargo de pastor presidente no ano de 1996, quando foi jubilado (aposentado).

Construção da memória de Boaventura Sousa a serviço da assembleia de Deus. Boaventura Sousa foi uma referência ao histórico do pentecostalismo maranhense por sua atuação evangelística, educação continuada, conhecimento teológico, memória prodigiosa e convicção de fé. Exerceu seu ministério pastoral ao longo dos quarenta e nove anos que lhe deram respeito e renome, porém nos debruçaremos sobre os trinta e três anos (1963-1996) em que Boaventura esteve à frente da AD em Bacabal.

Como um dos pastores pioneiros da AD maranhense, Boaventura defendia a manutenção dos usos e costumes assembleiano. Buscou incorporar as práticas e preceitos do pentecostalismo, disseminando aos fiéis um discurso contrário as mudanças advindas na igreja decorrentes do movimento do neopentecostalismo. Em seu discurso e práticas se colocou como conservador dos dogmas identitários religiosos no seu cotidiano, pois acreditava ser assembleiano genuíno.

Umas das formas de preservação da memória, história, usos e costumes da AD no Brasil, segundo o historiador Maxwell Fajardo, ocorreu a partir de 1959 quando a igreja estava prestes a celebrar seu cinquentenário. Conforme Fajardo “o cinquentenário da AD marcou o início de uma linha historiográfica que estabeleceu a “memória oficial da igreja”,

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elegendo fatos, personagens e locais como protagonistas da edificação do movimento pentecostal assembleiano no início do século passado” (2012, p.279). A oficialidade história

da AD foi composta principalmente através da de biografias e autobiografias de pastores, sobretudo dos seus fundadores Daniel Berg e Gunnar Vingren, que contribuíram para a consolidação da memória coletiva e afirmação identitária do grupo. (FAJARDO, 2015, p.52)

O contexto assembleiano maranhense não diferiu do cenário nacional, acerca da escrita de biografia, autobiografia e resenha de conversão nas quais os autores eram influentes pastores na AD do Maranhão. Dentre esses podemos citar: Estevam Ângelo de Souza que iniciou a escrita de sua autobiografia intitulada Nos rastros de um servo, porém de acordo com Elba Mota (2013, p.68) a escrita do pastor não foi concluída e nem publicada em razão do seu falecimento. Boaventura Sousa também escreveu sua autobiografia, publicada e lançada no ano de 2016, na ocasião comemorava-se seus noventa anos e por fim, mas não o último podemos citar o pastor Francisco Assis Gomes que escreveu em 1985 sua resenha de conversão, embora esta não tenha ocorrido na Assembleia de Deus.

Francisco Assis Gomes foi o primeiro pastor da AD em Bacabal e logo após foi transferido ao estado do Rio de Janeiro, mas exatamente para Ilha do Governador onde atuou por longos anos e escreveu artigos ao jornal Mensageiro da Paz (MP) advertindo leitores e a membrasia assembleiana. A narrativa de sua conversão contribuiu significativamente para construção da historiografia da AD bacabalense, por relatar os primeiros conversos, batismos em água, casamentos e organização do campo evangelístico.

Havia por parte de Francisco Gomes a preocupação em registrar a nucleação assembleiana em Bacabal. Em cartas escritas ao Pr. Boaventura, Assis Gomes narrava as primeiras famílias que fizeram parte da igreja, fundação de outras denominações, origem do círculo de oração, os primeiros auxiliares pastorais, além de fotografias, cópias do jornal Mensageiro da Paz e revista A Seara. Visando formar um acervo memorialístico ou nos utilizando do conceito de Pierre Nora, lugares de memória. Conforme a narrativa de Francisco Gomes nas cartas endereçadas ao Pr. Boaventura no ano de 1972, esses documentos deveriam servir de atestado histórico para as gerações futuras da AD.

A preocupação em construir acervos com catalogação de exemplares de jornais e revistas, fotografar todos os eventos realizado pela igreja e enviar a redação do Mensageiro da Paz para serem publicados, já apontavam para a construção de uma

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história oficial alicerçada na memória coletiva e individual. Neste sentido, faz-se necessário a utilização de conceitos empregados por Maurice Halbwachs em memória coletiva, que são as recordações a partir do ponto de vista de um grupo. A memória coletiva imbrica com a memória individual, ambas interagem entre si, fortalecem recordações, porém elas não se confundem e nem ao menos se adicionam, já que conforme Barros (2011, p.322) elas evoluiriam segundo suas próprias leis.

Nessa perspectiva é possível afirmar que o acervo memorial que o Pr. Boaventura construiu ao longo da vida, não ocorreu de maneira despretensiosa. Havia a intenção na construção da memória sobre si e na recordação do grupo religioso, AD, o qual ele compunha. O que legetima a construção de um relicário sobre si e sobre as atividades profissionais que desenvolveu paralelo ao cargo de pastor. A partir disso, é notório o cuidado que Boaventura Sousa teve na sua construção identitária e afirmação dela frente ao grupo que pertencia. Michel Pollak defende que: “a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros” (POLLAK, 1992. p. 204).

Em outubro de 1984, o pastor Nemuel Klessler escreveu um artigo ao jornal Mensageiro da Paz cuja a proposta era estruturar um acervo pós- memória das Assembleias de Deus no Brasil. Klessler tinha como proposta reorganizar os arquivos da Casa Publicadora da Assembleia de Deus (CPAD), mas para isso pedia a colaboração dos assinantes e membrasia da igreja para enviarem revista de Escola Bíblica Dominical (EBD), periódicos editados e publicados pela CPAD que foram extraviados e os jornais que estavam faltando no acervo.

No texto ele citou que estavam faltando jornais do ano de 1930, 1931, 1932 e etc. argumentou que era importante os tê-los, pois muitos dos fatos daquele período, seriam desconhecidos; a segunda proposta do Nemuel Klessler era que a AD estava trabalhando com gravações de depoimentos audiovisual de personagens que contribuíram de alguma forma com a igreja, mas que a medida não se restringia apenas a cargos eclesiástico, contemplava também os anônimos. É notável a presença da metodologia da História Oral na construção do projeto memorialístico da Assembleia de Deus no Brasil.

A metodologia da história oral nos permite chegar a uma recuperação aproximada do vivido, pois o entrevistado ao (re)elaborar o vivido, há uma disputa de memória entre o dizível e o indizível, entre o individual e o coletivo, “como reelaboração, passa não só

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pelo crivo das críticas feitas aos acontecimentos da sociedade, mesclando memória individual e oficial; como também por um repensar da própria ação, por uma reconsideração das suas atitudes, a partir de um ponto de vista reconsiderado no tempo” (VIDAL, 1990, p.81)

A Assembleia de Deus teve origem e expansão entre a população menos favorecida, sem nenhuma assistência do Estado. Os primeiros convertidos e pastores em sua maioria eram analfabetos, com uma escrita rudimentar, onde facilmente percebemos que enfrentaram dificuldades devido ao baixo grau de escolaridade. Boaventura Sousa afirma em entrevista2 que “quase todos os pastores eram semianalfabetos”, pois muitos não tiveram acesso à escola e nem permissão para estudar. O historiador Maxwell Fajardo (2015) pontua em seu trabalho o papel da Igreja em aproximar pessoas com pouca escolaridade ou analfabetas da linguagem escrita através da mediação da Bíblia já que o seu uso é obrigatório nas reuniões de culto. Segundo Boaventura, quando se tornou pastor, só havia lido 67 livros, 66 na Bíblia e a carta de ABC.

Oralidade no campo religioso: A arte do ouvir e contar

A oralidade é muito presente dentro da AD, não somente por ser um espaço onde os fiéis trocam experiencias religiosas através de testemunhos, mas como nos afirma Cartaxo Rolim: “o pentecostalismo ofereceu as funções e o púlpito dos pastores aos semianalfabetos e sem instrução socialmente admitida. Com isso, abriu às portas de suas igrejas a cultura oral das massas populares” (1985, p.65). Conforme o sociólogo Gedeon Alencar: “a membrasia assembleiana é fundamentalmente formada pelos mais pobres, os “deserdados” ...” (2000, p.127). comunidades que viviam na extrema pobreza e através da conversão deixaram de ser sujeitos figurante e “tornam-se protagonistas de algo novo (mesmo sem ter noção da dimensão que isto vai tomar, futuramente); melhor, algo que eles estão construindo” (2000, p.127).

No jornal Mensageiro da Paz o pastor Nemuel Klessler argumenta que: “os irmãos desconhecidos não poderiam ficar no ostracismo, pois suas informações ajudariam a enriquecer os fatos que fazem a nossa história” (1984, p.03). Como nos relata Gedeon Alencar: “Pode parecer muito pouco hoje, mas na época, para eles não era. Agora, como “crentes”, podem escrever para o jornal, ver seus nomes publicados junto a “bênçãos””

2 Entrevista concedida a Poliane Pereira Almeida em 2016 na cidade de Bacabal para a realização da monografia de conclusão de curso em História pela Universidade Estadual do Maranhão-UEMA.

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(2000, p. 127). Muitos sentiam-se lisonjeados ao ver seus nomes, cartas e fotos publicados. Outros não tinham acesso ao jornal, já que nem todos os pastores eram assinantes. o Pr. Boaventura por exemplo, teve acesso a alguns exemplares por meios de cópias que o Pr. Assis Gomes o enviava juntamente com cartas endereçadas do estado do Rio de Janeiro.

O pastor Nemuel Klessler propôs a classificação de todo material já disponível como: fotos, reportagens, entrevistas e materiais uteis para que pesquisadores pudessem encontrar farta documentação para produção de “trabalhos verossímeis”. Pediu ainda, que houvesse união dos membros na empreitada da recuperação “plena” da identidade histórica da AD.

A construção da história da AD no Maranhão, sobretudo no interior, foi desenvolvida a partir de narrativas dos primeiros convertidos. Em alguns casos encontramos divergências na datação de inauguração dos trabalhos evangelísticos, aniversários de templos assembleianos, tempo de atuação de pastores em determinadas igrejas entre outros. Em sua autobiografia, Boaventura Sousa relatou que os pastores não se preocupavam com o histórico das ADs onde trabalhavam, motivo o qual muitos desconhecem a data de fundação das Assembleias de Deus nos interiores do Maranhão. Ao relatar fundações de algumas Igrejas, Sousa enfatiza a militância em prol do evangelho, as privações, perseguições, porém relata também no final o sucesso, um discurso de vitória.

Boaventura Sousa: a escrita sobre si e sobre Assembleia de Deus no Maranhão.

A família de Boaventura não difere das famílias de migrantes nordestinos que viviam em trânsito contínuo, Boaventura Sousa quando estava com três anos de idade os seus pais foram viver no Piauí, estado onde morou em vários lugares e depois voltaram novamente ao Maranhão. Conforme o pastor, “eles chegaram ao Maranhão, acharam muito onde trabalhar, tinha muitas terras produtivas, trabalharam muito, fizeram uma coisa, Deus os abençoou, mas nenhum era evangélico” (SOUSA, 2015). Na fala do pastor era corriqueiro a associação temporal ao momento da conversão ou algum evento do exercício pastoral. Ao narrar sua vida posteriormente, o pastor estabelece um novo sentido a sua conversão como um divisor de águas e se utiliza dela como um fio condutor para demonstrar continuidade nos acontecimentos que balizaram sua existência. Através do trabalho de reconstrução de si mesmo, ele tenta dar uma lógica, “tenta definir seu lugar

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A abundância de terra produtivas no Maranhão e a agricultura de subsistência contribuíram para Boaventura trabalhar desde cedo na lavoura com os pais e ajudar no sustento da família, a simplicidade vivida desde a infância colaborou para que exercesse ao longo da vida 13 profissões (pedreiro, carpinteiro, ferreiro, flandeiro, sapateiro, fotógrafo, marceneiro, soldador, desenhista, eletricista, contador e etc.) diante das dificuldades financeiras e materiais, a força do trabalho era o único meio de sobrevivência e o acúmulo de tantas profissões explica as adversidades vividas por Boaventura desde criança. A lavoura foi a principal atividade desenvolvida pela família e determinante para se fixarem no Maranhão, pois na sua visão de lavradores as terras maranhenses eram boas para o cultivo.

O trabalho árduo se fez presente na vida de Boaventura muito cedo e a escola foi pouco frequentada por ele. O acesso a educação era privilégio de poucos, principalmente no interior, pois “durante a década de 1920, a realidade maranhense era de pobreza, convivendo com uma população isenta de educação, marcada pelo analfabetismo e grande simplicidade nas camadas baixas” (MOTA 2009, p.28).

A família Sousa assim como a maioria das famílias nordestinas, seguia o catolicismo. Conforme a autobiografia do pastor Boaventura, a conversão dos seus pais aconteceu após leituras comparativas entre a Bíblia católica e a Bíblia protestante, presente que ganhou de um padre. Logo após retornar de uma viagem de Santa Catarina, juntamente com o seu irmão Estevam, ambos passaram dois anos fora, sua família havia se convertido ao protestantismo. Sob imposição de Estevam Ângelo de Sousa, o pastor Boaventura fez sua confissão de fé. Ao episódio relata o seguinte:

Nós fomos a um culto e naquele momento fizeram o apelo, ele (Estevam) levantou-se, eu fiquei sentado, ele deu um passo em frente e ele voltou e pegou meu braço e vamos, me puxou pela mão e eu fui ajoelhamo-nos e aceitamos Jesus. Quando eu notei, já estavam orando por mim. Eu digo: agora que entrei, então eu vou ser crente, eu entrei na lei e fiquei como crente, [...] Então, a minha infância quer como ser humano, quer como evangélico foi acidentada, mas de muita convicção voltada para Deus, buscando a Deus, procurando servir a Deus da melhor forma possível. Então, aceitei a Jesus aos meus 17 anos e permaneço até hoje, sou crente a 73 anos incompletos, hoje com 90 e poucos anos, (corrige a idade) 90 anos e poucos meses, mas continuo alegre porque aceitei Jesus ainda na infância, ainda na minha adolescência. (SOUSA, 32016).

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É importante ressaltar, conforme Mota, (2013, p.77) a conversão de Estevam Ângelo de Sousa ocorreu após desencantamento com o catolicismo, depois de iniciar estudo sobre os ofícios da igreja católica, pois desejava encontrar uma saída para que a alma de sua mãe entrasse no purgatório, já que não possuíam dinheiro para pagar missas em seu favor. Ainda segundo a autora, a conversão de José Romão de Sousa, pai de Estevam Ângelo de Sousa e de Boaventura Pereira Sousa, ocorreu após a conversão de Estevam (MOTA, 2013, p.79) e não o contrário, como afirma o pastor Boaventura, onde juntamente com Estevam foram os últimos da família a se converter ao protestantismo.

Comparando as duas versões sobre a mesma história, surge a seguinte inquietação: qual a veracidade dos depoimentos autobiográficos? Embora esta não seja a preocupação central do texto. É importante destacar que a memória além das amnésias, é infiel e modifica incessantemente a hierarquia dos fatos (LORIGA, 2011, p.69) Boaventura Sousa em sua autobiografia é o autor-narrador que fala de si mesmo, para reconstituir suas experiências vividas, ele seleciona e “escreverá sobre sua vida aquilo que é permitido, seja em função de sua memória, de sua posição social, ou mesmo de sua possibilidade de conhecimento” (ALBERTI, 1991, p.76) ou como ele quer ser lembrado em determinado momento.

Nos anos iniciais da AD, as marcas do pentecostalismo eram: glossolalia (falar em línguas estranhas como resultado do batismo com o Espírito Santo), cura divina e forte escatologia (ALENCAR, 2000, p.11) Boaventura Sousa, como genuíno pentecostal, foi batizado no Espírito Santo, logo após a sua conversão, se envolveu nas atividades cotidianas da igreja, ainda em Magalhães de Almeida, foi professor de Escola Dominical e tornou-se auxiliar do pastor José Cândido, por quem foi batizado em água.

Ao converter-se, o indivíduo passa por um processo de interiorização de conceitos e valores religiosos conhecidos como “discipulado”. Segue-se o batismo nas águas, um rito de passagem que representa a transição de uma vida marcada pelo “pecado” para outra caracterizada pela “santidade” e que simboliza o renascimento. Nesse sentido, a identidade é aqui entendida como um discurso que legitima a noção de pertencimento e produz um corpo de valores e práticas internas ao grupo (SOUSA, 2010, p.78)

O batismo em água, conforme Mircea Eliade representa os simbolismos batismais, onde a água simboliza a morte e a vida. “O “velho homem” por imersão na água dá nascimento a um novo ser regenerado” (ELIADE, 1992, p.112). O simbolismo presente na vida religiosa, a água lava, purifica, produz vida, traz fecundidade, porém o simbolismo

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aquático é dual porque a água também traz morte, o dilúvio (água) aniquilou a população “pecadora” preservando somente a família de Noé, homem religioso, considerada justa. “é importante observar que essas valorizações do simbolismo batismal não contradizem o simbolismo aquático universalmente difundido” (ELIADE, 1992, p.113, grifos do autor).

O engajamento de Boaventura e a deficiência de obreiros para ajudar nas atividades cotidianas da igreja, foram responsáveis para que o Pr. José Cândido o aconselhasse a casar. Na AD, um dos principais requisitos para se chegar ao cargo de pastor é ser casado. Conforme Marina Correa (2013, p.142), muitos deles se casam cedo para se preservar dos desejos mundanos. Se o objetivo de Boaventura era ser pastor, assim como seu irmão, Estevam Ângelo de Sousa, o casamento seria uma experiência inevitável, embora Gedeon Alencar (2010, p.135) nos apresente que alguns pastores foram consagrados ao cargo ainda solteiros, Gunnar Vingren por exemplo, casou-se após ser ordenado pastor, algo impensável hoje dentro da AD.

Além de receber aconselhamento para casar-se, o Pr. Boaventura afirmou que seu pastor José Cândido recebeu revelação de Deus, quando disse: “Deus te levará a lugares distantes e tu evangelizarás muitos municípios” (SOUSA, 2016, p.145). As predições do Pr. Cândido começaram então a realizar-se na vida do jovem Boaventura dia 05 de abril de 1947, quando se casou com Inácia Saraiva Menezes Sousa, que viveu ao lado de Boaventura quarenta e seis anos, auxiliando-o no trabalho evangelístico, na vida ministerial e no cuidado da casa e dos dez filhos que tiveram. Em 1994 Inácia Sousa faleceu e Boaventura contraiu novo casamento dois anos depois.

No mesmo ano após casar-se, Boaventura Sousa foi ordenado pastor e, por unanimidade, seu nome foi indicado para assumir a congregação em Redenção (atual município de Mata Roma), em uma reunião convocada pelo Pr. José Cândido para escolher quem iria administrar a igreja na cidade. Na sua visão, Deus estava cumprindo progressivamente o plano que havia planejado à sua vida. O Pr. Boaventura atuou em diversos municípios maranhense a serviço da AD, até chegar na cidade de Bacabal.

Em sua autobiografia, em diversos momentos Sousa relata as mudanças nos usos e costumes da AD e não hesitava em manifestar seu incômodo e insatisfação frente a forma como a Igreja foi se moldando. Em seu relato o pastor se posicionou da seguinte forma:

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As mulheres se pintam das cabeças aos pés, os homens usam cordões e muitas modas muitas modas que não existiam nas Assembleias de Deus. A dança faz parte da liturgia de algumas Assembleias de Deus, a Harpa Cristã foi substituída por CDs, e a Bíblia por celular. Nos últimos tempos tenho viajado muito no Brasil, e tenho visto que o Maranhão, ainda mantém um pouco dos princípios pentecostais [...] conheci a Assembleia de Deus no tempo, que se uma crente aparasse as pontas dos cabelos, precisava reconcilia-se com a igreja ou era disciplinada. Se um crente deixasse o cabelo crescer de forma anormal, sofria a mesma pena. (SOUSA, 2016, p.236-237)

Ao mesmo tempo em que havia um saudosismo da AD de outrora e um estranhamento com a AD da atualidade é perceptível na fala de Boaventura Sousa, certo heroísmo ufanista quando fala sobre o crescimento do patrimônio da AD no Maranhão. Afirma que:

Quem viu o começo das Assembleias de Deus no Maranhão e a vê hoje, fica maravilhado [...] eu vi cinco pequenos templos das Assembleias de Deus no Maranhão e hoje só um campo da Assembleia de Deus chega a possuir maior patrimônio do que todas juntas possuíam na década de 40 (SOUSA, 2016, p.57)

As atuações evangelísticas de Boaventura Sousa ocorreram em vários municípios do interior maranhense como: Rio Novo e toda área praiana do município de Tutóia, Santana do Maranhão, Barreirinhas, Magalhães de Almeida, Santa Quitéria, Caxias, São José de Ribamar, Paço de Lumiar, Raposa, Morros, Axixá, Icatú, Timon, entre outros municípios. Ele tribuiu à família Sousa parte do crescimento das Assembleias de Deus no Brasil (SOUSA, 2016, p.103) e destaca os nomes de membros de sua família que foram ordenados a pastor a começar pelo seu pai José Romão de Sousa, Estevam Ângelo de Sousa (irmão), João Pereira de Sousa (irmão), Raimundo Pereira de Sousa (irmão), Levi Câmara de Sousa (vice presidente da IADESL), Semaías Saraiva Sousa (filho), Benjamin Sousa (Sobrinho), João Pereira de Sousa Filho (sobrinho), João Escócio Sousa, Paulo Farias de Vasconcelos e Telmí Farias de Vasconcelos.

Um dos grandes orgulhos do Pr. Boaventura é a construção do templo central da Assembleia de Deus em Bacabal. O pastor afirma que toda a estrutura do templo, em cada detalhe foi revelação de Deus e a ele coube somente obedecer às ordenanças divinas, e que Deus teria agido da mesma forma como agiu “com Moisés, mostrou como devia ser o tabernáculo” (SOUSA, 2016). O tamanho do templo que media 75x16 com dois pavimentos chamava atenção dos membros, conforme Orlando Alencar (1977, p.23) o plano da construção era um sonho para muitos, mas tornou-se realidade. O templo central

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da AD em Bacabal foi inaugurado dia 25 de dezembro de 1993. A obra teve duração de 07 anos (1986-1993).

Em 1996, o Pr. Boaventura recebeu sua jubilação (aposentadoria) do cargo de pastor presidente da AD em Bacabal, no mesmo ano dia 19 de abril entregou a liderança da Igreja ao pastor Francisco Raposo Soares Filho. Em diversos momento Boaventura Sousa afirmou sua aprovação a maneira como Raposo conduz a igreja e o considerava um homem visionário.

Boaventura Sousa assegurou que não foi fácil desapegar-se inicialmente das atividades da Igreja, mas que era necessário, já que não disponibilizava mais de condições físicas. Boaventura fez algumas viagens internacionais na companhia do Pr. Estevam em 1995, viajou para Portugal, Roma, Egito, mas que guardava mais fortemente representações da sua viagem à Israel “a viagem a Israel é muito gratificante a gente lucra muito com essas viagens, a gente entra em sensações que não evita lágrimas” (SOUSA, 2016).

O legado deixado por Boaventura Pereira de Sousa é de total entrega ao serviço da Igreja, em seu discurso é visível como ele internalizou os princípios bíblicos e incorporou as práticas religiosas no seu cotidiano. Como se fosse uma segunda natureza que Bourdieu (1996) conceitua de habitus que se apresenta como social e individual ao mesmo tempo, e refere-se tanto a um grupo quanto a uma classe e, obrigatoriamente, ao indivíduo também.

Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas- o que o operário come e, sobretudo, sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que é bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar. (BOURDIEU, 1996, p. 22)

Dia 11 de junho de 2017, numa data simbólica que é comemorado o dia do pastor, Boaventura Sousa faleceu aos 90 anos de idade em Bacabal, vítima de pneumonia e problemas renais. A morte de Boaventura repercutiu na cidade, o prefeito Zé Vieira decretou luto oficial de três dias, figuras do meio religioso e político lamentaram a perda do pastor mais antigo Maranhão, destaque ao senador João Alberto que emitiu uma nota de condolência aos familiares. O corpo foi velado na residência do pastor e depois seguiu ao templo central da AD.

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CONSIDERAÇÕES

No interior maranhense, mais especificamente no Médio Mearim, as contribuições de Boaventura Pereira Sousa ao pentecostalismo assembleiano com estratégias evangelísticas e organizações interna da Igreja, foram significavas para percebemos o crescimento da AD em Bacabal, embora ocorreu em passos lentos, pois o Pr. Boaventura chegou neste município no início da década de (19)60 e encontrou na cidade somente um templo da AD e após 33 anos de atuação entrega a presidência da Igreja com quatorze templos, entanto seu sucessor, Francisco Soares Raposo Filho, em menos tempo de liderança já organizou a mesma quantidade de congregações.

Porém não desconsiderar as dificuldades enfrentadas por Boaventura Sousa, falta de recursos financeiros e tecnológicos, instabilidade no número de membros causados pela migração frequente e tensões com fieis do catolicismo. Também não desconsideramos a entrega do Pr. Boaventura ao serviço da AD no Médio Mearim, homem visionário e que conseguiu administrar a igreja com carisma e simplicidade.

Boaventura Sousa presidiu sete campos da Assembleia de Deus, na CEADEMA (Convenção Estadual das Assembleias de Deus do Maranhão) ocupou a cadeira de número 25 e sua inscrição na CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil) era de número 1270. Foi reconhecido por sua dedicação ao estudo bíblico. Boaventura Sousa era bacharel em Teologia pela FAETAD (Faculdade de Educação Teológica da Assembleia de Deus) e curso de enfermagem pela Universidade Estadual do maranhão- UEMA e UNITI- Universidade da Terceira Idade em parceria com a UEMA. Além de diversos cursos nos níveis médio e técnico.

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REFERENCIAS

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