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Resenha. De forma sintética e competente, faz uma reconstituição histórica desde os processos de colonização que marcaram as sociedades latino-

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Academic year: 2021

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Resenha

O Continente do Labor, de Ricardo Antunes (São Paulo, Boitempo, 2011)

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A iniciativa de Ricardo Antunes de publicar um livro sobre o traba-lho na América Latina – O Continente do Labor – reabre uma nova fase para a sociologia do trabalho brasileira e latino-americana. Ao mesmo tempo é expressão de um novo momento histórico, em que a classe-que-vive-do-trabalho luta, resiste e demonstra que está disposta a enfrentar os velhos e novos dilemas sociais deste continente que, no quadro atual da mundialização do capital, se tornaram globais.

O livro reúne um conjunto de escritos – individuais e em coautoria – inéditos e outros já publicados em outros países e no Brasil, e está divi-dido em três partes: o trabalho na América Latina; o Brasil no continente do labor; e panorama do sindicalismo na América Latina. Nelas, Antu-nes trata historicamente do passado e do presente, indicando os dilemas, os limites e as possibilidades abertas pela crise do capitalismo e pelos movimentos sociais e políticos. Reconhecendo as diferenças históricas entre os países latino-americanos, as especificidades dos movimentos sociais, sindicais e dos partidos, as revoluções e contrarrevoluções em cada país, o autor consegue demonstrar o que há em comum em cada história de ontem e de hoje, justificando a denominação de “continente do labor”. E o faz respondendo à questão: O que é o trabalho na Amé-rica Latina?

De forma sintética e competente, faz uma reconstituição histórica desde os processos de colonização que marcaram as sociedades

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latino-americanas, sustentada na superexploração do trabalho indígena e afri-cano, passando pela transição ao trabalho assalariado e a constituição dos sindicatos e pelas formas de controle do trabalho a partir da in-dustrialização (taylorismo e fordismo), pelas diferentes experiências do trabalhismo, pelos processos revolucionários (México, Cuba, Bolívia), pela era dos golpes militares e da imposição das ditaduras; e reflete ain-da sobre o período mais recente – ain-da “desertificação neoliberal” – e do ressurgimento das lutas dos trabalhadores no continente.

Para Antunes, a América “descoberta” pôs fim às experiências mi-lenares de trabalho coletivo, por meio da expropriação do trabalho e da terra. Entretanto, cabe acrescentar, não conseguiu, pelo menos em parte da região, acabar com culturas milenares e altamente desenvolvidas. O que poderia explicar, nos dias atuais, as formas de organização e de lutas de muitas comunidades e os movimentos em defesa das suas culturas e das suas raízes, conforme observado nos casos do México, Peru, Bolívia e Venezuela, para citar os mais destacados.

Para além das diferenças, marcadas por trajetórias e tradições his-tóricas singulares, o trabalho na América Latina se caracteriza desde a origem da América colonizada, pelo que Antunes chama de “labor”, compreendido como “trabalho árduo”, marcado pelo sofrimento e pela precariedade. E essa condição dá também uma unidade ao continente, pois se ergue subordinado ao capitalismo do Velho Mundo e suas estra-tégias imperialistas.

Ao analisar o contexto atual do trabalho na América Latina, Antu-nes chama a atenção sobre os dilemas vivenciados em todo o continente: altas taxas de desemprego, especialmente entre os jovens que querem trabalhar e não tem onde, trabalho informal, precarização das condições de trabalho e de emprego, perda de direitos, dificuldades de mobilização sindical dada a fragmentação da classe trabalhadora, hoje mais diferen-ciada, hifenizada, complexificada, exigindo novas formas de organiza-ção coletiva e política.

Um quadro que homogeneizou o trabalho nos diferentes países a partir da implementação das políticas neoliberais, baseadas no “Consen-so de Washington”, cujo receituário tem sido exatamente o mesmo: pri-vatizações, desregulamentação dos mercados – financeiro e do trabalho – e uma radical reestruturação da produção subordinada a um processo de financeirização da economia como elemento chave da globalização.

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Os relatórios mais recentes da Organização Internacional do Tra-balho (OIT) referendam a análise de Antunes, pois afirmam que a déca-da de 1990, marcadéca-da pela mundialização déca-das políticas neoliberais, pela hegemonia do capital financeiro e pela flexibilização e precarização do trabalho – que teve continuidade nos anos 2000 – sem sofrer inflexão ou ruptura no quadro mais geral do trabalho, mesmo considerando alguns resultados como a diminuição das taxas de desemprego e a redução dos níveis de pobreza para certos países na América Latina, que não che-garam a se firmar como tendências consolidadas, pois a crise mundial aberta em 2008, em poucos meses colocou por terra alguns avanços lo-calizados, evidenciando a permanência de uma profunda vulnerabilida-de social. Trata-se vulnerabilida-de uma situação em que persiste a precarização do emprego nas sociedades latino-americanas em contraposição às diretri-zes da Agenda do Trabalho Decente, proposta pela OIT.

Entretanto, para além do continente do labor, Antunes analisa o outro lado do trabalho, com o ressurgimento das lutas sociais, cujos movimentos expressam que as classes subalternas na América Latina continuam vivas e dispostas a enfrentar as imposições do capital finan-ceirizado e flexível.

Retoma assim os percursos dos movimentos sociais e sindicais em cada país, indicando alguns dos principais desafios, a exemplo da necessidade de uma organização sindical que acompanhe as mutações no trabalho e na classe trabalhadora, ampliando a sua representação, horizontalizando a sua organização para agregar todos os segmentos, dos estáveis aos instáveis e precários, aos desempregados, aos informais etc. Mostra a necessidade da incorporação das dimensões de gênero, geração e etnia no interior da luta sindical. Alerta sobre a necessidade de romper com todo tipo de neocorporativismo, de institucionalização e de burocratização. E, diante da mundialização do capital e da preca-rização do trabalho, afirma a necessidade de se criar formas internacio-nais de ação e solidariedade ativa dos trabalhadores, politizando a ação sindical e superando a divisão entre luta econômica e luta política. Ou, como já formulara Antunes em outros escritos: trata-se de romper com a hierarquização dos organismos de classe, pois “a velha máxima de que primeiro vinham os partidos, depois os sindicatos e, por fim, os demais movimentos sociais, não encontra mais respaldo no mundo real e em suas lutas sociais”. E a América Latina tem sido um campo empírico fértil de comprovação dessas teses.

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Assim, este livro atualiza a análise da realidade latino-americana, retomando clássicos do marxismo – além do próprio Marx –, a exemplo de Mariátegui e Florestan Fernandes, cujos estudos contribuíram para a compreensão da rebeldia das classes sociais num continente dominado e dependente, mas marcado por lutas radicais dos operários, camponeses, negros, indígenas, mulheres, enfim sujeitos sociais que fizeram a história da América Latina.

Para Antunes, a nova morfologia do trabalho e as recentes lutas sociais reafirmam as teses principais de Marx: numa sociedade produ-tora de mercadorias, pautada na valorização do capital através do traba-lho alienado, estranhado e expropriado, não tem lugar para o trabatraba-lho dotado de sentido. Há que se buscar um novo metabolismo social, um novo modo de vida que supere o capitalismo. É nesta direção que os mo-vimentos sociais do passado e do presente, agora reforçados pelo atual momento da crise capitalista, têm criado e recriado formas de expres-são e organização na Europa, nos EUA e na América Latina, como, por exemplo, as assembleias populares nas ruas, a organização direta, as ocupações, cujas bandeiras estão centradas na defesa da condição huma-na, qual seja, o direito ao trabalho como primeira necessidade, como ato de sobrevivência.

Na parte II do livro, Antunes reúne um conjunto de escritos que situa o Brasil no continente do labor, retratando distintos períodos his-tóricos, analisando as greves, o movimento sindical, o papel de partidos operários no passado, a exemplo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido dos Trabalhadores (PT), do quadro mais recente e das es-pecificidades da reestruturação produtiva no Brasil. Vale ressaltar sua análise sobre a era Lula, quando de forma crítica e corajosa, expõe as contradições e metamorfoses do polo mais combativo do movimento sindical, organizado na Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do “transformismo” do PT, processos pautados em estratégias de concilia-ção e negociaconcilia-ção, que passaram a caracterizar a maioria das forças de esquerda nos sindicatos e nos partidos. Para Antunes, o governo Lula cooptou as principais lideranças políticas e sindicais para garantir uma “governabilidade” em sintonia com o capital financeiro, conforme ex-presso em sua “Carta ao Povo Brasileiro”, perdendo assim uma opor-tunidade histórica para a ruptura com as políticas de cunho neoliberal levadas até então por Fernando Henrique Cardoso.

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Em síntese, se o Brasil esteve de costas para a América Latina, como se costuma afirmar, incluídos aí os estudiosos do mundo do traba-lho, Ricardo Antunes começa a protagonizar uma mudança fundamental. A partir de suas andanças pela América Latina, levando seus estudos teóricos e seus trabalhos sobre o Brasil, teve a sensibilidade de iniciar uma discussão sobre o continente do labor, para além de um país do la-bor, como é o Brasil. Uma iniciativa que não só devemos saudar como seguir. Pois, como questiona o autor: “Nesse limiar do século XXI, não estaríamos presenciando o esgotamento do neoliberalismo no solo la-tino-americano e o consequente afloramento de um novo ciclo de lutas e rebeliões populares tecido pela ação das forças sociais do trabalho, que começam novamente a sonhar com uma sociedade livre, verdadei-ramente latino-americana, emancipada e socialista?” (p.51) Para buscar respostas, não basta se voltar (de frente) para América Latina em nossas pesquisas no Brasil, mas refletir sobre a diversidade das experiências e daquilo que nos unifica: o labor e o trabalho em suas configurações pas-sadas e recentes. Este tem sido, diga-se de passagem, o tema central da

Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, espaço acadêmico

privilegiado para contribuir nessa busca. E o livro do Ricardo Antunes oferece argumentos e pistas para se orientar nesta caminhada, por isso mesmo, desejamos que seja muito bem recebido pelos seus leitores.

Referências

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