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Professores: Csaba Deák, Nuno Fonseca, Sueli Schiffer Aluno: Marcos Kiyoto de Tani e Isoda. Título: Ferrovias Paulistas e Capitalismo no Brasil

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Academic year: 2021

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Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Pós Graduação – Planejamento Urbano e Territorial AUP 5840 – Estado e Mercado na Organização da Produção Capitalista

Professores: Csaba Deák, Nuno Fonseca, Sueli Schiffer Aluno: Marcos Kiyoto de Tani e Isoda

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Introdução e Objetivos

O objetivo desta monografia é situar a história do transporte ferroviário de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) dentro do processo histórico e econômico brasileiro. Para isso, no entanto, foi necessário o aprofundamento nas bases teóricas nas quais este estudo se apóia, o que acabou por ter tanta importância quanto o histórico em si.

Este estudo faz parte da pesquisa de mestrado em desenvolvimento, intitulada A Rede Sobre Trilhos de Transporte de

Passageiros na Região Metropolitana de São Paulo, que visa

analisar o planejamento dos transportes de massa da RMSP atualmente. Para tal, será realizada uma interpretação do histórico das ferrovias existentes, sobretudo dos processos econômicos e das políticas que nortearam sua implantação e desenvolvimento ao longo do tempo, procurando, a partir dos fatos, compreender as políticas e os projetos econômicos para o país.

A princípio serão estudadas apenas as ferrovias que atendem à RMSP, mas, devido ao processo histórico de implantação dessas vias, é praticamente impossível não ampliar para uma leitura na escala do estado de São Paulo. E, do ponto de vista espacial, a leitura poderia se encerrar aí, devido ao próprio modo fragmentado como essa implantação se deu, o que nos permite refletir sobre porque não se deu a unificação do território brasileiro. De fato, estudar o processo de estruturação espacial da RMSP é estudar o processo de unificação do estado nacional brasileiro.

O objetivo da pesquisa de mestrado é estudar especificamente do transporte de passageiros na RMSP. Porém, aqui nos preocuparemos um pouco mais com a questão do transporte de cargas, que diz respeito diretamente ao desenvolvimento econômico,

à produção, circulação e consumo de mercadorias, e que deu origem às ferrovias em São Paulo (e no mundo todo).

Primeiramente serão apresentados os conceitos que dão base a este trabalho, acerca da produção capitalista no mundo e particularmente no Brasil. Em seguida serão apresentadas algumas conclusões que antecedem este estudo.

Apresentada esta base, será tratada a questão específica das ferrovias da RMSP, e então algumas conclusões e uma tentativa de extrapolação da leitura para o contexto nacional.

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Estágios de Desenvolvimento do Capitalismo e Acumulação Entravada

A periodização do capitalismo aqui adotada foi proposta por Aglietta1 e desenvolvida por Deák2, e divide em dois estágios, o predominantemente extensivo e o predominantemente intensivo de acumulação. Esta periodização e os processos envolvidos serão aqui descritos sucintamente. É importante ressaltar que, na prática, cada formação social desenvolve estes processos de maneira específica.

O Capitalismo tem como base a produção de bens como mercadorias, ou seja, se produz pelo valor de troca, e não pelo valor de uso, como ocorre na produção para subsistência.

Sua economia tem como princípio fundamental a reprodução ampliada, o crescimento contínuo da produção, através do acúmulo e reinvestimento de capital. Significa que a produção tem que gerar excedente suficiente para o lucro e mais uma parcela a ser reinvestida na produção, para a sua ampliação. Este aumento de produção constante precisa de um relativo aumento de consumo, o que significa um aumento de mercado, ou um aumento das condições de compra do mercado.

A expansão inicial do modo de produção capitalista realiza estes dois movimentos simultaneamente, a expansão da produção e a expansão do mercado consumidor, pelo assalariamento da população, que é ao mesmo tempo mão de obra e mercado consumidor. As condições de reprodução da força de trabalho são mínimas, pois há uma enorme população “de reserva” por assalariar,

1

AGLIETTA, Michel – “Fases da Expansão Capitalista nos Estados Unidos da América”, in: Espaços e Debates n°28. São Paulo: NERU, 1989.

2

DEÁK, Csaba – “Acumulação Entravada no Brasil e a Crise dos anos 80”, e também 2 DEÁK, Csaba – À Busca das Categorias da Produção do Espaço.

permitindo a ampliação da produção mesmo com o baixo nível de reprodução, com baixíssima remuneração e condições precárias.

A esse processo também corresponde outro, que no fundo é o mesmo: a unificação nacional, com seu corpo institucional (Estado) e seu mercado unificado (através de unificação aduaneira, de moeda, língua, pesos e medidas, e também da estruturação do espaço), de modo a permitir a produção e o consumo de mercadorias; e simultaneamente a criação de um mercado unificado, pelo assalariamento do trabalho.

Para viabilizar o modo de produção capitalista, cabe ao Estado prover as infraestruturas, que é tudo aquilo que não dá lucro, ou seja, não é rentável ao mercado, mas é necessário à produção. Em resumo, infraestrutura é produzido por seu valor de uso, por não ser viável ser produzido pelo seu valor de troca.

Este é o estágio predominantemente extensivo da acumulação capitalista. A ele corresponde a ideologia liberal, onde se exerce o livre mercado, com a expansão da produção e da ampliação do mercado, e o Estado intervém (diretamente) o mínimo possível na produção, provendo apenas a infraestrutura que permita a produção e o consumo. Porém intervém intensivamente através da institucionalização que legitima as novas organizações sociais e produtivas.

Com a exaustão dessa fase de expansão, pelo assalariamento de praticamente toda a população, o que equivale dizer, a tendência à generalização da forma-mercadoria (predominância da produção para mercado), o crescimento da produção (e consequentemente a acumulação) é drasticamente reduzido. A alternativa encontrada para se manter o crescimento econômico é intensificar a produção e o consumo. O crescimento econômico então passa a ser ditado apenas

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pela evolução dos processos de produção, através dos progressos técnicos, e a melhoria das condições de reprodução da força de trabalho, que resulta numa maior produtividade da mão de obra e também um aumento na capacidade de consumo.

Deste modo o crescimento econômico é dependente da ação cada vez maior do Estado, que passa a intervir diretamente na melhoria das condições de produção e reprodução da sociedade, o que faz com que a parcela de participação deste na economia seja cada vez maior.

Como conseqüência dessa mudança o Estado vai aumentando sua participação na economia, pela própria dialética entre o mercado e o Estado: quanto mais o mercado se expande, mais o Estado abarca responsabilidades através das infraestruturas.

Este é o estágio predominantemente intensivo.

A este estágio corresponde a ideologia do “estado de bem estar”, onde o Estado investe na melhoria das condições de vida, aparentando um caráter mais “socialista”.

Este período de intensificação da produção e do consumo também encontra seu limite, com uma nova redução das taxas de crescimento econômico.

No afã de manter o crescimento, cada vez menor, o mercado tenta tomar para si algumas destas infraestruturas. Trata-se da crise do estágio intensivo, onde o mercado encontra um novo limite, e, por falta de uma alternativa de ação, vem protelando a crise com medidas paliativas. Daí provém as políticas de privatização, em que o Estado delega ao mercado suas responsabilidades, com freqüência tendo que conceder garantias de lucros e subsídios.

É a dialética do mercado e do Estado: para viabilizar o estabelecimento da produção para o mercado, é necessário que o

Estado dê as condições para a produção. Ou seja, para que o mercado cresça, é necessário que o Estado também cresça. Só que a parcela de participação do Estado aumenta cada vez mais, o que é interpretado por alguns como uma “invasão” do Estado no âmbito do mercado.

Em resumo, o capitalismo se desenvolve em dois estágios, o predominantemente extensivo e o predominantemente intensivo de acumulação do capital.

Ao primeiro estágio, corresponde a ideologia liberal, onde há um livre comércio e concorrência, e o Estado intervém o mínimo possível. Ao segundo, a ideologia do estado de bem-estar social, com uma intervenção mais maciça do Estado. Ao pseudo-estágio seguinte corresponde a ideologia do neoliberalismo, em que o Estado é desqualificado, para que o mercado possa tomar a si parte de suas funções.

Concretamente, estes estágios do desenvolvimento do capitalismo ocorrem de maneiras distintas, pois a forma como estes processos ocorrem é distinto em cada formação social3.

No caso particular do Brasil não conseguimos superar o estágio extensivo, desde o início do capitalismo (durante o século XIX, com um dos marcos principais a “Lei de Terras” em 1850), não houve a expansão plena do modo de produção capitalista, nem se

3

Aglietta chama essa formação social de “infraestrutura social”, termo evitado aqui para não conflitar com a questão das infraestruturas de transporte. AGLIETTA, Op. Cit.

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objetivou a acumulação do excedente. Estamos numa situação de entravamento da acumulação, e conseqüentemente da expansão, daí o nome “acumulação entravada”4.

A sociedade brasileira é uma sociedade de elite, em oposição à sociedade burguesa, e tem sua origem no modo de produção colonial, onde a colônia serve de exportador de matéria bruta à metrópole, e importa bens de consumo industrializados, não desenvolvendo uma economia interna, tampouco realizando uma unificação espacial. O que há é simplesmente uma estruturação que permita o escoamento da produção, onde cada centro produtivo em cada “ciclo econômico” foi sendo conectado a Portugal através dos portos, numa organização em constelação, similar à feudal. Nessa organização espacial em constelação cada núcleo se relaciona a um centro, em oposição à organização do espaço em forma em rede, que unifica e homogeneíza o espaço, adequando-o ao modo de produção capitalista.

O espaço brasileiro se estruturou a partir da produção colonial, com essa forma de ocupação fragmentada, com uma elite agrícola que concentra o poder econômico. Com a independência, o fim do trabalho escravo e a criação da propriedade de terras, mudou-se o

4

DEÁK, Csaba – “Acumulação Entravada no Brasil e a Crise dos anos 80”.

modo de produção, mas não houve uma mudança na estrutura da sociedade. Não houve no Brasil um conflito significativo entre os grandes produtores rurais e uma classe burguesa emergente, como aconteceu em outros países, pois esta era ínfima aqui. Houve pequenos conflitos e revoltas liberais, que foram rapidamente contidas e abafadas.

A produção agrícola para exportação constantemente se re-impõe como “carro chefe” da economia nacional, e a sociedade de elite se reproduz, sem a intenção de um desenvolvimento econômico de fato. E, apesar da independência do país e a criação de um estado nacional, não há uma ruptura de fato com o princípio fundamental de primazia da expatriação do excedente, e consequentemente com a forma da sociedade e do seu espaço. Muda-se para se manter o mesmo.

De fato, se analisarmos alguns pontos fundamentais da produção colonial brasileira, percebemos que o cerne ainda é o mesmo: a economia se baseia na exportação de bens primários, pouco beneficiados; predomina a produção agrícola, monocultora; o desenvolvimento de indústrias e a estruturação espacial é o mínimo possível para permitir a produção.

O entravamento é re-imposto diversas vezes ao longo da história, tomando formas diferentes, mas sempre dentro dos mesmos princípios, que podem ser resumidos em poucos itens:

• Ausência de crédito e juros altos no sistema financeiro. • Fragmentação deliberada e precariedade crônica das

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• Exportação de produtos primários e importação de produtos industrializados.

• Atrofia crônica do Departamento I (meios de produção). • Ideologia do Subdesenvolvimento e da Dependência. Todos estes expedientes dizem respeito à expatriação do excedente, ao entregar setores chave da produção ao capital externo e manter o modelo de importação de produtos industrializados; ou ao impedimento do desenvolvimento da produção interna, pela ausência de crédito ou pela falta de estruturação que permita a produção e o consumo de mercadorias. Este último procedimento, a precariedade crônica e deliberada das infraestruturas, é chave para o presente estudo, por tratar diretamente da estruturação do espaço.

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Monografia AUP 5823

Esta monografia é uma continuação direta de outra, por mim apresentada no semestre precedente, intitulada “Ferrovias Paulistas – Estruturação do Espaço Capitalista”5, que procurava iniciar a leitura da história da implantação das ferrovias. Foram buscadas algumas manifestações materiais dos mecanismos do entrave, conformo posto por Deák: O entreguismo e a manutenção de uma divida externa; A fragmentação deliberada e a precariedade das infraestruturas; e a atrofia do Departamento I.

Estão sintetizadas aqui as principais conclusões do trabalho passado, para então poder apontar os caminhos da presente monografia.

5

disponível online no site da disciplina

http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/AUP823/6t-alun/2009/kiyoto/09kiyoto-trens-sp-rev10.pdf

Infraestrutura e Planejamento

A implantação das ferrovias ficou a cargo do capital privado, porém com subsídios do Estado, que dava garantia de lucros, isenção de taxas para importação de equipamentos, garantia de exclusividade no traçado, entre outros benefícios, por períodos longos de concessão (em geral 90 anos).

Ao longo da primeira metade do século XX todas estas companhias foram estatizadas, demonstrando que a operação das ferrovias não era economicamente viável para o setor privado. Com isso, o Estado brasileiro acabou por financiar as ferrovias, sem tê-las planejado. Em alguns casos houve um “protoplanejamento”, onde o Estado traçou diretrizes gerais, como na EFDPII, que deveria ligar Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais; ou a SPR, que deveria ligar o porto de Santo ao interior paulista.

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Os principais problemas desta falta de planejamento são a falta de integração tecnológica da rede, onde cada companhia utilizava equipamentos diferentes, bitolas diferentes, obrigando o transbordo e dificultando a posterior integração; e a ausência de uma visão unificada da rede, cada ramal era construído de acordo com necessidades locais, não sendo criada uma rede propriamente dita.

Economia Agrícola Exportadora

O traçado das ferrovias estava intimamente ligado à produção agrícola, sobretudo de café, que durante o século XIX foi o principal produto brasileiro. A partir do início século XX a sua produção era mantida através de pesadas políticas de valorização, com forte investimento do Estado para a compra do excedente, evitando a quebra do principal setor da economia nacional.

A sua produção era voltada para o mercado externo, sem grandes diferenças do modelo de produção colonial, mesmo depois da independência e da proclamação da república. Exportavam-se produtos agrícolas e se importavam produtos industrializados europeus.

A rede resultante deste modelo é o “pé de galinha”, com todas as linhas convergindo para um único ponto (Santos), visando o mercado externo.

Tecnologia e Industrialização

Grande parte do material empregado na construção e operação das ferrovias foi importado diretamente. No primeiro momento, na segunda metade do século XIX, foram comprados todos os equipamentos – locomotivas, vagões, máquinas – da Inglaterra, e posteriormente de outros países. Eram produzidos aqui apenas coisas mais simples, pois a industria brasileira ainda era muito rudimentar.

Assim, mesmo a produção em grande escala de tijolos e peças de aço fundido já representou um aumento na produção industrial nacional e trouxe avanços no conhecimento da construção civil.

Posteriormente foram construídos alguns vagões de passageiro, mas nunca chegou a ser produzido elementos mais complexos, como locomotivas, e menos ainda chegamos a desenvolver a produção de máquinas para a produção (Departamento I) ou desenvolver tecnologia própria.

Com a implantação do Metrô houve uma política de importação de tecnologia, com a formação de um corpo técnico especializado, e a implantação de diversas inovações em telecomunicações, construção civil, topografia, etc. Também foi incentivada a produção de componentes pela industria nacional, que chegou a produzir trens inteiros (ainda que com projeto importado). Essa política foi abandonada, e a industria nacional foi substituída pela importação direta, no modelo turn key, que é usado hoje na implantação de tecnologia e linhas tanto do Metrô quanto da CPTM.

Neoliberalismo

Nas últimas décadas a política dos transportes ferroviários foi guiado pela privatização em diversos níveis. Permaneceu público apenas o transporte de passageiros na RMSP. O Restante da rede foi entregue à companhias privadas de transporte de carga. As companhias públicas, Metrô e CPTM, tem atuado através de contratos fechados com indústrias internacionais, concessões à consórcios, PPPs, terceirizações, emulando um neoliberalismo. São políticas claramente neoliberais, dentro de um contexto onde o neoliberalismo não se aplica. Estamos desmontando um Estado que nunca foi montado.

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Através das atuais ações do Estado brasileiro, podemos perceber três modos de se realizar as privatizações, sempre com objetivo de entregar ao mercado uma atividade, e se possível desqualificar o Estado para tal. O primeiro é o mais evidente, a venda direta da companhia estatal (como o caso da Vale do Rio Doce) ou a concessão direta de um serviço (como o caso da Telefônica), e tem sido amplamente discutido. Os dois outros expedientes são privatizações indiretas, e nem sempre são considerados como tal.

O segundo modo é pelo sucateamento. O Estado deixa de investir devidamente no setor, e o mercado entra nesse “nicho”. Ocorre claramente em serviços básicos, como educação, saúde, previdência – tornou-se consenso que serviço público equivale a baixa qualidade, e que “não dá pra viver sem” um serviço privado; mas também em setores produtivos, onde indústrias nacionais são abandonadas por falta de demanda do próprio Estado (é notável para o nosso estudo o caso da Mafersa, que faliu devido à falta de demanda do próprio Estado).

O último modo é através das terceirizações. A companhia ou instituição não deixa de existir, mas é reduzida de tamanho, e diversos setores internos são terceirizados. Ocorre em diversos níveis, desde a contratação de serviços especializados como projetos de arquitetura e engenharia (reduzindo drasticamente o corpo técnico das companhias públicas), fornecimento e manutenção de material, até os serviços mais básicos como limpeza. Isso resulta num duplo problema. As companhias públicas são esvaziadas, muitas vezes perdendo corpo técnico qualificado, e consequentemente perdendo conhecimento. E reduz o controle dos serviços em diversos níveis: se é contratado um projeto especializado, a companhia pública é encarregada de coordenar o projeto, nem sempre possuindo um

corpo técnico adequado; se afrouxam as condições de trabalho, dando espaço para trabalhadores informais, contratos precários, tanto nos serviços especializados quanto nos demais serviços, pois o Estado deixa de intervir diretamente na contratação.

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São Paulo, Café e Ferrovias

A Região Metropolitana de São Paulo é hoje a maior aglomeração urbana brasileira, e a quinta maior metrópole do mundo, com cerca de 20 milhões de habitantes (10% da população do país). É constituída por 39 municípios, cada qual com sua administração municipal, tendo como centro o Município de São Paulo (com 11 milhões de habitantes), e a administração das questões metropolitanas fica a cargo do Governo do estado de São Paulo.

Apesar de seu município central possuir mais de 450 anos, tanto a cidade como o estado de São Paulo só vieram a ter importância econômica no Brasil a partir do século XIX, com a produção de café, avançando do Rio de Janeiro pelo Vale do Paraíba. A economia cafeeira impulsionou o crescimento da cidade de São Paulo, transformou Santos no principal porto do país, e estimulou a ocupação do interior do estado.

Através do frete muar, o café conseguiu durante a primeira metade do século XIX vencer a Serra do Mar e atingir o mercado externo. A primeira ferrovia construída no estado foi a São Paulo Railway, em 1867, cuja função era justamente conectar o porto de

Santos ao planalto paulista, e daí para o interior do estado, vencendo com dificuldade os 700m de desnível da serra. A partir de então se iniciou a expansão ferroviária, com a criação de várias companhias. As estradas de ferro se expandiam atreladas diretamente à expansão das plantações de café (eventualmente de outros produtos, como a cana), sem nenhum tipo de planejamento de rede. Todas elas desembocavam na São Paulo Railway, que detinha o monopólio da descida para o porto de Santos, assegurado por privilégios concedidos pelo império. A evolução das ferrovias pode ser verificada na série de mapas do estado de SP associada à expansão do café6.

A rede constituída até o início do século XX é praticamente a mesma existente até hoje, com pouquíssimos acréscimos e a desativação de diversos ramais curtos ou inexpressivos no conjunto da rede.

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Informações extraídas do material de aula da profª Sueli Schiffer, disponível no site da disciplina:

http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/AUP840/index.html

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Tomando como marco do capitalismo no Brasil o ano de 18507 com a criação da Lei de Terras, que institui a propriedade privada, e a extinção do tráfico negreiro, que inicia o processo de assalariamento, temos o início do capitalismo brasileiro durante o crescimento da economia cafeeira. No entanto, o espaço criado – assim como as demais formas de organização necessárias ao modo de produção capitalista – não objetivava o desenvolvimento da produção de mercadorias para o mercado interno, senão a produção agrícola exportadora, mantendo o modelo de produção colonial. Os bens de consumo eram importados, abastecidos principalmente pela indústria inglesa.

No início do século XX a economia cafeeira começava a mostrar sinais de saturação. No entanto a sua produção continuou a crescer, mantido pelas políticas de compra de excedente exercidas pelo Estado, como forma de proteger o principal setor da economia nacional. Na década de 1920 o Estado chegou a comprar e destruir 1/3 da produção. Esta proteção fazia com que os produtores continuassem investindo mesmo que não houvesse perspectivas de crescimento do mercado externo, o que fez com que mesmo apontando para uma estagnação do crescimento, ainda houve uma grande expansão da produção até os anos 1940.

Por esse motivo, parte do capital do café era investido na manufatura, principalmente nos momentos de crise, por reunir uma série de condições favoráveis: redução das importações dos países em guerra, desvalorização da moeda estrangeira; que desestimula exportação e protege a produção nacional. Assim foi no período da

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O processo de implantação do modo de produção capitalista é na realidade é mais longo, e pode ser considerado como sendo praticamente todo o século XIX, desde a chegada de D.João até a proclamação da república. Ainda assim se sobrepõe ao período mais próspero do café.

primeira guerra mundial, na crise econômica de 29, e na segunda guerra mundial. Mas nos períodos entre essas crises o pequeno crescimento das manufaturas nacionais foi revertido pela volta das importações, resultando num desenvolvimento vagaroso da indústria nacional.

Esse mesmo período coincide com o crescimento da indústria automotiva, que no entreguerras começou a expandir-se pelo mundo, e transformou o automóvel e o transporte sobre pneus no principal modo de transporte, com uma conseqüente redução do transporte ferroviário no mundo todo. No Brasil resultou numa total estagnação da construção de ferrovias.

Ao longo da segunda metade do século XX o Brasil passou por um intenso processo de urbanização (como pode ser verificado no gráfico). A expansão do modo de produção capitalista pode ser medida aproximadamente pelo processo de urbanização, que mais ou menos equivale ao processo de assalariamento. Ao longo do século XX a proporção de população urbana em relação à rural se inverteu, o Brasil praticamente esgotou a reserva de força de trabalho por

população urbana e rural brasil (dados IBGE) % rural % urbana 0% 25% 50% 75% 100% 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

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assalariar, chegando ao limite do estágio predominantemente extensivo de acumulação capitalista.

Desde a década de 1980 estamos numa crise do estágio extensivo pelo esgotamento da expansão do capitalismo e a impossibilidade de pleno desenvolvimento da produção e subseqüente intensificação.

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Cronologia das Ferrovias e Mapas

Como forma de organização das informações, foram utilizados dois recursos. O primeiro é a linha do tempo8, que reúne as principais mudanças das companhias ferroviárias, permitindo uma apreensão contextualizada. A linha do tempo marca as principais mudanças nas companhias, as fusões ou desmembramentos ocorridos, e as estatizações e privatizações (as companhias estatais estão em azul).

O segundo recurso são os mapas por períodos, em busca do processo que resultou na situação atual. Foi utilizada como base quatro mapas da série de manchas urbanas da RMSP disponível no CESAD9, que representa a área urbanizada, o viário principal, as ferrovias e os rios. Foram destacadas as ferrovias em questão, apontando a quais companhias pertenciam na época (o esquema de cores não corresponde à divisão estatal/privada da linha do tempo).

Das inúmeras companhias criadas – Paulista, Ytuana, Mogyana, etc. – foram destacadas três, as que se inserem na cidade de São Paulo, e que ainda hoje compõe o sistema ferroviário da RMSP, a saber: São Paulo Railway (SPR), Estrada de Ferro D.Pedro II (EFDPII) e Companhia Sorocabana (Co.S). O primeiro terço da linha do tempo (segunda metade do século XIX) é o período de surgimento das ferrovias, impulsionadas pelo grande crescimento da

8

A idéia de utilizar uma linha do tempo vem da monografia anterior, comentada no início do trabalho, mas procurando simplificar sua leitura, simplificando e aprofundando a análise. Por isso foram focadas apenas as companhias que dizem respeito diretamente à RMSP.

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Seção de Produção de Bases Digitais para Arquitetura e Urbanismo (CESAD) conserva a sigla derivada de sua primeira denominação Centro de Coleta, Sistematização, Armazenamento e Fornecimento de Dados. A série contempla os anos de 1881, 1905, 1914, 1930, 1952, 1962, 1972, 1983, 1995 e 2001. Site:

http://www.cesadweb.fau.usp.br

economia cafeeira e estimuladas fortemente pelos incentivos criados pelo Estado (na época, o império de D. Pedro II, grande entusiasta das ferrovias). Até o início do século XX já estavam construídas praticamente todas as ferrovias existentes na cidade de São Paulo (A expansão no estado se deu até os anos 20, como pode ser atestado).

Salta aos olhos um espaço entre os anos 1900 e 1950, tanto na escolha das datas quanto no desenho da linha do tempo. Trata-se justamente do período de ascensão da indústria automobilística (podemos considerar dois marcos, a implantação da General Motors no Brasil em 1925 e o governo JK em 1956-61), que corresponde a um aumento significativo na criação de rodovias, e uma conseqüente estagnação nas ferrovias. O surgimento desta indústria trouxe profundas modificações também para o transporte público urbano, onde predominava (não só no Brasil) o bonde elétrico, além de demandas por novos recursos naturais como a borracha e o petróleo, criando novas tensões econômicas.

Na segunda metade do século XX iniciou um processo de grandes modificações na organização administrativa das ferrovias, com a fusão das diversas companhias, a modernização das linhas e a criação do metrô associado ao crescimento econômico, e posteriormente as privatizações devido às políticas neoliberais.

Foram mapeados quatro momentos (aproximadamente 1900, 1950, 1985 e 2000) das ferrovias que hoje se situam dentro da RMSP, procurando retratar situações diferentes, que representassem mudanças na atuação do Estado. A escolha destes períodos se deve a mudanças significativas na organização, mas também foi limitada pela disponibilidade de dados e informações, de modo que cada período mapeado não representa um ano exato.

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1900

A economia cafeeira já estava consolidada, e as principais ferrovias já haviam sido implantadas.

A São Paulo Railway (criada em 1956, inaugurada em 1967) realizava a descida da serra do mar, interligando o porto de Santo a Jundiaí (e consequentemente todo o planalto paulista). As demais companhias (entre elas a Sorocabana) realizavam a entrada para o interior. Ela detinha o monopólio do traçado, pois, entre os incentivos dados pelo império, ela possuía exclusividade de traçado numa faixa de 30km para cada lado da linha (como parâmetro, essa faixa engloba praticamente toda a mancha urbana atual da RMSP) por um período de 90 anos, além de garantia de lucros de 7%, entre outros.

A Estrada de Ferro D. Pedro II (inaugurada em 1874, e rebatizada em 1889 para E.F. Central do Brasil (EFCB) devido à proclamação da república) era uma exceção, pois objetivava interligar os pólos econômicos (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas), e não atender ao café. Também foi uma das poucas do período a ser

criada como companhia estatal (o trecho de São Paulo foi construído por uma companhia privada, mas operada pelo Estado desde o início). Partia do centro do Rio de Janeiro e chegava até o centro de São Paulo (estação Roosevelt, atual estação Brás).

A Companhia Sorocabana (Co.S) foi criada em 1875, e partia do centro de São Paulo (atual estação Júlio Prestes) em direção à cidade de Sorocaba. Um fato curioso foi que a Companhia Sorocabana (Co.S), privada, foi encampada pelo Estado em 1907, mas sua operação foi concedida a uma companhia franco-americana, criando a Sorocabana Railway Company, que durou até 1919, quando se tornou estatal (E.F.S.). Em 1937 foi inaugurado o ramal Mayrink – Santos, como alternativa ao monopólio da SPR, mas que não obteve o mesmo sucesso, pois surgiu já no período de estagnação da economia cafeeira. Não será objeto direto deste trabalho, pois se implanta fora da mancha urbana da RMSP (devido à faixa de exclusividade citada), mas sua presença justifica a criação de outro ramal da mesma companhia, como veremos adiante.

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Estas três companhias – SPR, EFCB e EFS – permaneceram durante meio século, juntamente com a Companhia Paulista (que partia de Jundiaí em direção a Campinas, praticamente uma extensão da SPR), como as principais companhias do estado.

Não há registros precisos, mas é sabido que já na primeira década do século XX havia serviços de subúrbios e trens de passageiros de longa distância, operados em vagões de madeira com locomotivas a vapor. Esses serviços impulsionaram a criação de diversas aglomerações ao longo das ferrovias.

No mapa também consta a linha da E.F. Cantareira, implantada no final do século XIX para a construção do reservatório de água homônimo. A linha permaneceu com serviço de passageiros do início do século XX até 1965, quando foi desativado, e permitiu a ocupação da zona norte da cidade. Por não existir mais, não será objeto de estudos neste trabalho.

1950

No ano de 1934 foi inaugurada a linha variante da EFCB, trecho Poá – Eng. Gualberto, trecho que se implanta ao longo do leito do Rio Tietê, possuindo por isso um traçado mais suave. Esse trecho opera até hoje como trem de subúrbios, e também possui uma importância no transporte de cargas com o Rio de Janeiro e municípios do Vale do Paraíba, por conta do ramal ao norte da Serra do Itapeti, mais utilizado para tal fim do que a linha original, que passa por Mogi das Cruzes.

Em 1946 se encerrariam os 90 anos de concessão de exclusividade da SPR, e ao seu final todo o patrimônio seria passado ao Estado. Porém, em 15 de julho de 1945, o mesmo Estado optou por comprar a companhia, a ultima ainda privada no estado, pois se manteve lucrativa (consequentemente viável ao mercado) durante

mais tempo. A companhia então se tornou a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí. Em 1957 passou a fazer parte da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), companhia estatal que unificava diversas companhias pelo país.

O final deste prazo também permitiu a criação de uma nova linha, o ramal Vila Leopoldina – Evangelista de Souza da E.F. Sorocabana, inaugurado em 1957, uma das poucas construídas neste período. Implantada ao longo do leito do Rio Pinheiros, retificado na década anterior, realiza a conexão do centro da cidade ao ramal Mayrink – Santos. A princípio se conectava no sentido centro, mas posteriormente foi conectada em direção à Osasco, situação que permanece hoje. Desde sua inauguração serve às cargas e ao trem de subúrbio. Vale ressaltar também que nessa época a cidade se estendia até o rio Pinheiros, como pode ser verificado no mapa.

Em 1971 foi criada a Ferrovias Paulistas SA (FEPASA), que unificou diversas companhias do estado, entre elas a E.F. Sorocabana, e a Companhia Paulista.

Percebe-se uma vontade do Estado em unificar as diversas linhas, fragmentadas em sua origem. Porém, mesmo este esforço ainda não foi suficiente, pois a rede ferroviária do estado estava dividida entre duas companhias públicas, a RFFSA e a FEPASA, uma federal e outra estadual, situação que perdurou por várias décadas. Além disso, havia outras dificuldades técnicas para a integração, sendo uma das principais a variedade de bitolas existentes, devido ao modo desorganizado como foi criada a rede.

Na década de 1960 havia um projeto de criação de um anel ferroviário para cargas e passageiros, como forma de reorganizar todo o transporte da cidade. Não havia ainda a região metropolitana, mas o projeto era de escala metropolitana, pois abarcava os demais municípios. O traçado incluía o novo trecho da Sorocabana citado, e

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envolvia a criação de três novos trechos, dos quais apenas um (trecho leste, Rio Grande da Serra a Suzano) foi construído, que hoje opera apenas para cargas, e faz uma ligação fundamental das cargas provenientes da antiga linha da EFCB com a descida para Santos. Os demais trechos não foram construídos, e o anel metropolitano nunca foi constituído.

Nesta mesma época iniciou-se um processo de modernização das linhas de subúrbio, com um longo processo de eletrificação das linhas, que se estendeu de meados da década de 1940 até a década de

1960, e possibilitou a troca de todo o material rodante, até então movida por locomotivas a diesel, por trens-unidade elétricos (TUE), considerados os mais modernos na época, utilizados em linhas de metrô internacionais. Alguns desses trens ainda podem ser vistos em uso nos dias atuais.

1985

Criada em 1968, a Companhia do Metropolitano iniciou suas atividade em 1972, e na década de 80 já possuía duas linhas, a norte-sul e a leste-oeste (posteriormente denominadas inexplicavelmente linhas 1 e 3). Foram as primeiras linhas ferroviárias criadas exclusivamente para o transporte de passageiros.

Em 1984 é criada a Companhia Brasileira de Trens Urbanos, que abarca a operação de passageiros da RFFSA, que ainda detinha a operação de cargas. Inicia-se então o processo de divisão administrativa das cargas e dos passageiros, possivelmente devido ao grande aumento na demanda de passageiros.

A FEPASA mantém-se como operadora da rede de passageiros e trilhos do estado, dividindo a rede de cargas com a RFFSA e a rede de passageiros com a CBTU. Essas divisões administrativas perpetuaram a fragmentação da rede, problema que foi diagnosticado por diversas vezes, mas nunca solucionado.

2000

A solução para o problema da integração da rede de passageiros da RMSP foi a criação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em 1996, cujo processo levou alguns anos, e que unificou a rede paulistana da CBTU (que ainda opera redes em outras cidades do país) e a rede de passageiros da FEPASA. Dessa forma, foi possível unificar a rede de transporte sobre trilhos da Projeto de anel viário metropolitano.

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RMSP, incluindo a rede de Metrô, uma vez que ambas as companhias fazem parte da Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM). Desse modo, foi possível melhorar consideravelmente a integração entre as diversas linhas, mas ainda longe de um resultado satisfatório (um bom exemplo da desarticulação é a existência de duas estações Lapa).

Como contrapartida, foram desativados todos os demais serviços de passageiros do estado, extinguindo por completo as viagens regionais e interestaduais de passageiros.

Toda a rede de transporte de cargas, pertencentes à RFFSA e à FEPASA, foi privatizada, através de concessões para diversas companhias, como América Latina Logística (ALL), MRS Logística, e diversas outras. Este processo de privatização do transporte de cargas não é exclusivo do estado de São Paulo.

Mapa da rede da FEPASA, que apresenta também a rede da RFFSA(em linha fina). O conjunto não difere muito da rede existente no começo do século.

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Conclusões

O capitalismo no Brasil não logrou superar o estágio extensivo. Não houve uma unificação de fato do território nacional, não houve uma estruturação capaz de dar condições plenas de produção e consumo de mercadorias. Não houve uma ruptura com o modelo de expatriação de parte do excedente, resultando numa acumulação de apenas parte do capital produzido. O resultado disso é um processo de extensão do capitalismo sem o desenvolvimento econômico e a acumulação respectiva, devido à expatriação de parte do excedente, e sua conseqüente crise. Não ocorre a passagem para o estágio predominantemente intensivo, o que necessitaria o desentravamento do processo de acumulação, permitindo o progresso técnico da produção e a melhoria das condições de reprodução da força de trabalho.

Durante a segunda metade do século XIX até o início do século XX temos um período de aparente omissão do Estado no provimento das infraestruturas. As ferrovias (assim como outras infraestruturas de transporte, não apenas em São Paulo, mas em todo o país) foram implantadas pela iniciativa privada, frequentemente internacional, com poucas diretrizes do Estado. Porém com um forte subsídio econômico, políticas de proteção, isenção de taxas alfandegárias na importação de equipamentos, o que viabilizou sua implantação, além de subsídios indiretos na economia cafeeira, através das políticas de manutenção do preço no mercado externo, pela compra de excedente (com empréstimos internacionais). Ou seja, o Estado esteve presente indiretamente no provimento das infraestruturas, delegadas à iniciativa privada.

O que houve de fato foi uma estruturação mínima, sem um planejamento por parte do Estado. A provisão das estruturas de

transporte ficou a cargo da iniciativa privada, em grande parte estrangeira, mas com subsídios estatais. Não houve um projeto de unificação do território nacional, a estruturação se restringiu aos centros exportadores, e priorizando a agricultura.

Toda a tecnologia necessária à implantação das ferrovias e das incipientes indústrias era importada, de modo que não se desenvolveu no país nem tecnologia, nem meios de produção. Mal produzíamos o aço utilizado (vale lembrar que a primeira siderurgia foi a CSN, estatal criada em 1946), menos ainda as máquinas, locomotivas, etc.

Na virada do século a economia do café já mostrava sinais de estagnação, mas seu grande desenvolvimento possibilitou algum acúmulo de capital, que foi utilizado na construção de ferrovias (como a Companhia Paulista, construída inteiramente com capital dos cafeicultores), e no início da industrialização de São Paulo. Houve vários momentos de desenvolvimento das indústrias, principalmente em momentos de crises internacionais, como as grandes guerras ou a crise econômica de 1929. Mas estes crescimentos eram rapidamente freados e em poucos anos a importação era retomada. De fato, a industrialização do país era constantemente desestimulada, devido à reimposição constante da elite agrícola frente a uma incipiente burguesia industrial.

A partir do século XX a intervenção do Estado se fez mais direta. As diversas companhias ferroviárias criadas para o café se mostraram pouco lucrativas, e foram sendo encampadas pelo Estado, que se viu na necessidade de prover um mínimo de infraestruturação, sem o qual a produção acabaria estagnando. Acabou por abarcar também alguns setores que tradicionalmente eram delegados ao

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mercado, como a siderurgia, pois a economia nacional era totalmente dependente das indústrias de base e das máquinas importadas.

Na realidade, a estatização de setores que seriam do mercado, se por um lado dá condições mínimas para o desenvolvimento da indústria, por outro evita o desenvolvimento privado deste setor, limitando a formação da respectiva burguesia. Não sabemos se esta era a intenção do Estado brasileiro, mas, dentre as ferrovias do café, a única que não foi estatizada foi a inglesa, a que menos apresentaria risco à elite agrária. Como dito, a presença da burguesia inglesa no Brasil reduzia a necessidade de uma burguesia nacional, e não apresentava riscos aos “interesses predominantemente agrícolas” do país.

Os anos 50 marcam um período de retomada dos investimentos, com a modernização dos trens de subúrbio, eletrificação das linhas, etc. Esta ação estatal se intensificou na virada da década de 1960 para 1970, com o “milagre”, período no qual houve algum planejamento propriamente dito, com o PUB, os PDI e os PNDs. Foi um período de grande estruturação do espaço produtivo, apontando para o desenvolvimento econômico e uma possível superação do estágio extensivo, que começava a se esgotar. Porém, pouca coisa desses planos foi implantada, resultando numa reimposição do entravamento e conseqüente crise do estágio extensivo, a partir da década de 1980.

O país se encontrou num impasse, uma vez que a superação deste estágio implica na ruptura com o modelo econômico “entravado”. Atingimos então uma crise do estágio extensivo de acumulação, onde este se esgota na medida do possível, e não há possibilidade de sua superação sem a ruptura com o modelo econômico historicamente construído, o que equivale dizer ruptura com o status quo.

Desde então, iniciou-se uma “neoliberalização”, com políticas de privatização das poucas companhias estatais, desmontando um Estado que nunca foi efetivamente montado, numa tentativa de protelar a decisão dos rumos da economia. Apesar de ser completamente diferente do neoliberalismo nos países centrais, onde este é uma reação ao crescimento do Estado na economia, aqui a esta ideologia se presta apenas a justificar o que sempre foi feito: manter o Estado com o mínimo de participação possível, sem estagnar a economia.

Podemos perceber que a atuação do Estado é intermitente, com períodos de maior intervenção e períodos de inação, inclusive de desestímulo. Mas a sua aparente inação, como ocorreu em meados do século XIX, é condizente com os objetivos agrícolas da elite, permitindo a entrada massiva dos produtos industriais ingleses e desincentivando a nascente indústria nacional, que dava sinais de existência desde antes da chegada de D. João, mas só veio se desenvolver mais de um século depois.

De um modo geral, sempre predominou a elite agrária, que através da atuação do Estado sempre conseguiu diminuir ao máximo o desenvolvimento industrial. Os conflitos econômicos brasileiros no início do capitalismo eram entre as tentativas de políticas industrialistas liberais de alguns contra os grandes produtores do café, unida aos comerciantes e às indústrias estrangeiras. Na grande maioria das vezes prevaleceu esta última, reimpondo sempre a idéia de que o Brasil possui vocações naturais, agrícolas, e a parte industrial cabia aos demais países. Desta maneira a Inglaterra fez as vezes de uma “burguesia importada”, evitando o desenvolvimento de uma industria e uma burguesia brasileiras e evitando os conflitos com a elite agrária.

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Referências

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