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Eric Hobsbawm - As Lições do Tempo

Ruy Belém de Araújo*

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ste artigo tem como objetivo expor aspectos da trajetória do intelectual inglês Eric J. Hobsbawm como historiador marxista e militante comunista. A exposição tem como base leituras de suas obras, em especial, Era dos Extremos: o breve século XX – 1914/1989; Sobre História e Tempos Interessantes: uma vida no século XX. O artigo pretende demonstrar que o intelectual em tela, ao longo de sua vida, preservou como historiador a sua fidelidade aos princípios do materialismo histórico e, como militante, apesar de sentir-se derrotado, em conseqüência do rumo que tomaram as experiências comunistas stalinistas, continuou a se posicionar criti-camente diante da sociedade capitalista, ao mesmo tempo em que seguiu apoiando os movimentos sociais (Chiapas, MST, Fórum So-cial Mundial entre outros), que objetivam a construção de uma so-ciedade mundial centrada nos princípios da solidariedade e da de-mocracia. Ainda, o artigo é dedicado a homenagear os noventa anos da Revolução Soviética (outubro de 1917) e do emérito historiador Eric J. Hobsbawm (junho de 1917).

PALAVRAS-CHAVE: Eric J. Hobsbawm; Materialismo Histórico; Militância.

* Professor de História Econômica e História Contemporânea do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: ruybelem@ufs.br.

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Introdução

No final do século XX, o pensamento marxista de viés stalinista sofre um forte desprestígio, em virtude de acontecimentos que marcam a história contempo-rânea mundial: a falência dos regimes stalinistas do leste europeu e a hegemonização do pensamento neoliberal.

Para garantir a superação da crise que domina o ca-pitalismo, os governos baseados em teses neoliberais têm destruído, violentamente, os direitos sociais histo-ricamente conquistados pelos trabalhadores, ao mesmo tempo em que tentam impor à sociedade “um pensa-mento único” que privilegia a concepção mercantilista de sociedade e o individualismo e desqualifica as re-flexões teóricas1 e as ações desenvolvidas por

institui-ções que resistem ao projeto de dominação neoliberal. Porém, a atmosfera que domina o mundo é negati-va para o pensamento stalinista, não impede um his-toriador filiado ao pensamento de Karl Marx, Eric Hobsbawm, de tornar-se um dos intelectuais mais con-vidados pela mídia para opinar sobre questões do mundo contemporâneo, sendo um dos historiadores mais lidos atualmente, sobretudo após a publicação do livro “Era dos Extremos: O breve século XX – 1914/ 1991”. Na academia, em especial nos cursos de Histó-ria, a partir da década de 70 são de uso quase obriga-tório os trabalhos escritos pelo historiador britânico.

Para o estudioso Harvey J. Kaye, o reconhecimento de ser Eric Hobsbawm o mais importante historiador marxista, em atividade: “... se debe, sin duda al enor-me conjunto de temas sobre los que há realizado contribuciones destacadas, en particular, la historia de la clase obrera, los estudios sobre la clase campesina y la historia mundial” (Kaye, 1989, p.121).

Emir Sader escreve um artigo sobre o historiador inglês Hobsbawm, afirmando que ele foi responsável

pela preservação da corrente historiográfica mais im-portante do século XX, a “Escola marxista inglesa”, iniciada por Maurice Dobb e que inclui historiadores do quilate de Edward Carr, Christopher Hill, Edward Tompson, Rodnei Hilton (Sader, 2000).

O sociólogo Emir Sader, ainda em seu comentário, faz alusão à vasta obra realizada pelo historiador in-glês, com reflexões que vão da Revolução Francesa ao declínio do estado soviético (1789 – 1991), as quais podemos acompanhar através dos livros: A Era das Revoluções; A Era do Capital; A Era do Império e Era dos Extremos: O Breve Século XX – 1914/1991.

Juntam-se aos trabalhos de Hobsbawm, citados aci-ma, as reflexões que discutem a teoria da História, o nacionalismo, a organização dos trabalhadores urba-nos e camponeses, jazz entre outros.

O presente artigo pretende refletir sobre aspectos da trajetória do intelectual inglês Eric J. Hobsbawm como um historiador marxista e militante comunista. O texto está organizado em quatro unidades: I – De Berlim a Londres: Comentários sobre a formação inte-lectual e política de Hobsbawm; II – A Contribuição de Karl Marx para a ciência da história, segundo Eric Hobsbawm; III – Comentários sobre o Materialismo na obra de Eric Hobsbawm – IV – Eric Hobsbawm: o militante e as considerações finais.

A primeira unidade procura traçar de maneira genérica a evolução da formação intelectual e política do historiador em questão; a segunda trata da avalia-ção feita por Hobsbawm sobre a contribuiavalia-ção de Marx para a ciência da história; a terceira se manifesta com a reflexão sobre a obra do historiador na tentativa de perceber uso de algumas categorias pertinentes ao Ma-terialismo Histórico; e, finalizando, o texto faz al-guns comentários sobre o historiador/militante das causas socialistas (humanistas) que dominaram o sé-culo XX.

1 Para aprofundar o conhecimento sobre a questão ler, Emir Sader, A Vingança da História. São Paulo: Boitempo Editorial,

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1. De Berlim a Londres: Comentários sobre a

formação intelectual e política de Hobsbawm.

Eric Hobsbawm nasce na cidade egípcia de Alexandria, em 9 junho de 1917, filho de pai inglês de origem judaica e mãe austríaca. Encerrada a pri-meira Guerra Mundial em 1919, conflito que colocou de lados opostos à Inglaterra e Áustria, a família de Hobsbawm transfere-se para Viena, cidade em que o historiador dá início a sua formação educacional.

Com a morte dos pais, em 1931, vai residir com sua irmã em Berlim, onde vivenciam o fim da Repú-blica de Weimar, a Grande Depressão e o embate pelo poder entre os comunistas e os partidários do nacio-nal – socialismo liderado por Hitler.

Hobsbawm descreve assim o panorama político de Berlim no momento de sua estada:

Entre o verão de 1930 e fevereiro de 1932, o Reichstag esteve reunido por dez semanas no total. E, à medida que crescia o desem-prego, também cresciam inelutavelmente as forças de alguma espécie de solução radi-cal-revolucionária: o nacional – socialismo à direita e o comunismo à esquerda. Era esse o cenário de quando cheguei a Berlim, no verão de 1931 (Hobsbawm, 2002, p. 165). Comentando sobre sua educação em Berlim, o his-toriador inglês ressalta que ela pouco ou nada contri-buiu para a sua opção política, mas sim para iniciar o gosto pelo debate, ainda que superficial, sobre litera-tura, poesia e atividades esportivas. Mas a ausência do debate político no início de sua formação não im-pediu que o historiador desse os primeiros passos na militância de esquerda, ainda que parcial.

A agitação política que domina Berlim durante os anos 30 torna impossível para o jovem Hobsbawm, com quatorze anos, ficar alheio à política; é tanto que ele inicia, por conta própria, a leitura do Manifesto do Partido Comunista e se engaja na militância política, filiando-se, em 1932, a uma pequena organização co-munista formada por estudantes secundaristas de Berlim – Sozialistischer Schülerbund, SSB (Hobsbawm, 2002). A organização comunista tem como sua “inspiradora” a militância de Olga Benário.2

Em 1933, em virtude das dificuldades econômicas da família, aprofundadas devido às restrições impos-tas pelo governo nazista às atividades comerciais rea-lizadas pelos judeus, os Hobsbawm migração uma vez mais e deixam a Alemanha e voltam para Londres, onde fixam residência. Na capital do império britâni-co, Hobsbawm, concluiu o curso secundário na Saint Marylebone Grammar School e depois o curso superi-or na famosa Universidade de Cambridge.

Relatando sua passagem na escola secundária St. Marylebone, Eric fala sobre a importância da institui-ção na sua formainstitui-ção intelectual que possibilitou o con-tato com “as surpreendentes maravilhas da poesia e prosa inglesa” (Hobsbawm, 2002, p.114). Mas deixa bem claro que a maior riqueza para sua formação foi retirada do acervo da “esplêndida Biblioteca Pública Municipal” da cidade.

Escrevendo sobre sua educação, é bastante signifi-cativo o realce dado a todo o momento por Hobsbawm a seu envolvimento com a literatura durante a sua for-mação. Porém, quando se lêem comentários sobre his-toriadores marxistas ingleses da geração de Hobsbawm, observa-se que a intimidade com a literatura não foi privilégio só dele, mas sim uma especificidade da for-mação intelectual dos ingleses de sua época.

2 Judia alemã de nome Maria Bergner, conhecida politicamente por Olga Benário, nasceu em Munique, no ano de 1908.

Inicia sua militância comunista junto a uma organização estudantil secundarista em 1923. No ano de 1926 filia-se ao Partido Comunista Alemão. Em 1935 chega ao Brasil com o objetivo de auxiliar Luís Carlos Prestes na articulação da revolução comunista no Brasil. No ano de 1936 é capturada juntamente com o seu marido Carlos Prestes pela polícia de Getúlio Vargas e logo depois entregue à Gestapo, que a leva para um campo de concentração na Alemanha, onde é executada em 1942 pelos nazistas.

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Segundo o historiador em tela, na Inglaterra no tem-po de sua juventude, no curso secundário, a Filosofia não era uma matéria obrigatória; esta particularidade, coopera para que a literatura ocupe o espaço vazio deixado pela filosofia (Hobsbawm, 2002).

Esta característica da educação inglesa contribui para dar aos historiadores ingleses da geração de Hobsbawm um entendimento muito peculiar sobre o materialismo histórico. Sobre essa peculiaridade, afir-ma o historiador:

Como, ao contrário dos licées e Gimnasia continentais, a filosofia não era matéria obrigatória da educação secundária, não nos dedicávamos a Marx com o interesse filosó-fico de nossos contemporâneos do continen-te, e muito menos com o conhecimento de filosofia que já possuíam. Isso me ajudou a anglicizar rapidamente minha maneira de pensar. Aquilo que Perry Anderson chamou de “marxismo ocidental” – o marxismo de Lukács, da Escola de Frankfurt e de Korsch – jamais atravessou o canal da Mancha até a década de 1950. Ficamos satisfeitos em saber que Marx e Engels haviam colocado Hegel na posição ereta, sem nos preocupar-mos em descobrir o que era exatamente aqui-lo que ficara de pé (Hobsbawm, 2002, p. 116).

Mais adiante, continua o historiador a caracterizar a especificidade dos historiadores marxistas ingleses, reafirmando a importância da literatura; diz ele:

Os historiadores marxistas britânicos havi-am começado, em grande parte das vezes, como jovens intelectuais que passaram para a análise histórica a partir de uma paixão pela literatura, ou dela se aproximaram jun-tamente com a literatura: Christopher Hill, Victor Kiernan, Leslie Morton, E. P. Tompson, Raymond Williams e eu também (Hobsbawm, 2002, p. 116).

Segundo os organizadores do livro sobre E. P. Thompson, “As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos”, o grupo dos historiadores ingleses marxis-tas, filiados ao partido comunista, ao qual está ligado o nosso historiador, possuía como “ferramentas teóri-cos – metodológicas”, três fontes: a primeira seria as cartas trocadas entre Marx e Engels que tratavam das “questões relativas ao papel da ação humana no pro-cesso histórico diante do peso das estruturas,...”; em segundo lugar, seriam o trabalho historiográfico pro-duzidos pelos historiadores liberais – radical inglês, dos quais se consideravam seguidores; por último, a outra vertente teórico – metodológica viria dos deba-tes realizados no partido comunista inglês sobre críti-ca literária, que, segundo Hobsbawm, possibilita de-senvolver no seio do grupo a história social dos ingle-ses, ao mesmo tempo em que afasta o grupo do determinismo econômico (Thompson, 2001, p. 29).

Ao analisar o tripé teórico – metodológico de Hobsbawm, é impossível fazê-lo sem levar em consi-deração o envolvimento político dos historiadores nos acontecimentos nacionais e internacionais, situação comentada por Silva em seu artigo “Breves reflexões sobre a historiografia inglesa da revista Past & Present”:

De fato, em relação à postura política, o gru-po teve sempre um papel destacado não só na formação da consciência democrática, tanto a nível nacional quanto internacio-nal, mas também interveio de maneira ati-va e através de ações diretas na vida política da Inglaterra, pondo ao serviço destas duas causas sua rica e instigante produção historiográfica (Silva, 2001, p. 32).

Nesta investida militante, Eric não está só; junta-se a um grupo de historiadores inglejunta-ses marxistas, entre os quais estavam E. P. Thompson, Asa Briggs, Chistopher Hill, Royden Harrison, que, seguindo o caminho indicado por Maurice Dobb no seu trabalho Estudos sobre o Desenvolvimento Capitalista, optam por elaborar a história do desenvolvimento capitalista inglês dentro de uma perspectiva marxista.

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E mais recentemente, em uma entrevista dada ao jornalista Robert Maggiori, corres-pondente londrino, do jornal francês La Libération, em 2000, reafirmou que o seu engajamento político tem forte peso na sua biografia e no seu trabalho historiográfico, tecendo o seguinte comentário: “Evidente-mente existe um fator subjetivo forte, pelo simples fato de que vivi, como “ espectador engajado”, a maior parte deste” século cur-to” (Hobsbawm, 1999).3.

As peculiaridades contidas na formação de Hobsbawm definirão a forma de compreender e de utilizar o materialismo histórico em suas obras, e não poderá ser o contrário, fato que é corroborado no de-poimento do autor da Era dos Extremos.

Segundo ele, o seu marxismo se desenvolve com a preocupação de compreender as humanidades e não o desenvolvimento histórico via sucessão de “modos de produção”. O que interessava ao historiador “era o lugar e a natureza do artista e das artes (de fato, a literatura) na sociedade, ou, em termos marxistas”, De que forma a superestrutura está ligada à base? (Hobsbawm, 2002, p.116).

Para responder ao seu problema, o historiador em foco não se limita a ficar preso à “ortodoxia marxis-ta”, procurando em outras áreas de conhecimentos (antropologia), elementos que ajudem em sua tarefa e trava um diálogo acentuado com outras escolas, em especial, a “Escola dos Annales”, na qual ele subtrai, entre outras influências, a categoria da longa dura-ção, tão cara à escola francesa. Mas deixa claro que a subtração não significa uma repetição da escola fran-cesa, pois, segundo Hobsbawm, possui uma diferen-ça, na medida em que, para a “École dos Annales”,

existem estruturas permanentes enquanto para ele a história muda.

Sobre o relacionamento do autor com a escola his-tórica francesa, para arrepios de muitos marxistas4,

fica estampado seu ensaio “A História Britânica e os Annales: um comentário”, que descreve toda admira-ção e agradecimentos aos seus fundadores Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel.

2. Contribuições de Karl Marx para a história na

visão de Eric Hobsbawm

A todo o momento, Hobsbawm reafirma a sua confi-ança e a importância do materialismo histórico para ex-plicação dos processos históricos. Em diversas entre-vistas, artigos e livros esse posicionamento fica eviden-te, a exemplo do depoimento escrito no prefácio do seu livro Sobre História, no qual faz a seguinte afirmação:

Mesmo que eu achasse que grande parte da abordagem da história por Marx precisasse ser jogada no lixo, ainda assim continuaria a levar em consideração, profunda, mas cri-ticamente, aquilo que os japoneses chamam de um sensei, mestre intelectual para quem se deve algo que não pode ser retribuído. Acontece que continuo considerando (...) que a concepção materialista de Marx é, de longe o melhor guia para a história,.... (Hobsbawm, 1998, p. 09).

Ao ser provocado pelo jornalista italiano Antonio Polito para falar sobre a atualidade do Manifesto do Partido Comunista e a contribuição dele para a sua formação, o historiador inglês demonstra, mais uma vez, a sua gratidão para com o pensamento elaborado

3 Sobre o tema ler artigo de Hobsbawm de titulo “Engajamento”, contido no livro “Sobre História”, p. 138/154. 4 Ler artigo de Golbery Lessa, “E. J. Hobsbawm – Um olhar moderado sobre o - Século dos Extremos.” publicado na

Revista Práxis, n.º 10, out., 1997. “O historiador inglês repete, como já assinalamos, na sua extensa carreira, os mesmos erros cometidos pela história dos Annales e por muitos outros que não foram capazes de entender o método dialético, ou seja, aparta a história da filosofia e se recusa a perceber as relações sociais de produção como momento predominante no complexo social” (p. 4).

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por Marx e Engels fazendo a seguinte observação so-bre a lição do marxismo:

Acima de tudo, o fato de ter compreendido que determinada etapa histórica não é per-manente, que a sociedade humana é uma estrutura bem – sucedida porque é capaz de mudança e, assim, o presente não é seu des-tino final. Segundo ter estudado o modus operandi, a maneira de funcionamento de um sistema social específico, e por que mo-tivo ele gera ou deixa de gerar as formas de mudança (Hobsbawm, 2000, p.13).

Refletindo sobre as contribuições do pensamento de Karl Marx para a História, Hobsbawm afirma que uma delas foi a de cooperar para superar a influência do Positivismo (que tenta subordinar o estudo da so-ciedade ao das ciências naturais) contribuindo para transformar a História em uma das ciências sociais (Hobsbawm, 1998). Para ele, a concepção marxista entende que a História tem como objeto de sua análise as relações sociais que se estabelecem entre os huma-nos e as que se estabelecem com o “ambiente externo” – ser humano e natureza – construídas com a finalida-de finalida-de produção e reprodução da sociedafinalida-de.

A outra finalidade advém da aplicação teórico – metodológica do materialismo histórico. Neste momen-to, Hobsbawm ressalta a existência de dois tipos de mar-xismo: o “marxismo vulgar” e aquele advindo “do com-ponente marxista na análise histórica”, que para ele se-ria aplicação genuína do arcabouço teórico – metodológico do materialismo histórico (Hobsbawm, 1998).

Para o historiador, os “marxismos vulgares” são aquelas contribuições que apesar de terem “alguma” inspiração no pensamento de Marx, “não são necessa-riamente representativas do pensamento maduro de Marx”. Chega a ser taxativo quanto ao afastamento do marxismo vulgar do pensamento de Marx, ao afirmar que: “Devemos repetir que essa tendência, embora sem dúvida produto da influência marxista, não tem ne-nhuma ligação com o pensamento de Marx” (Hobsbawm, 1998, p. 161).Aponta como

característi-cas do “marxismo vulgar” sete elementos, dos quais o primeiro, o quarto e o sétimo são os mais marcantes:

1- A interpretação economicista da história; 2- Modelo da “base e superestrutura” (que usado

mais amplamente serve para explicar a história das idéias), porém foi bastante utilizado dentro de uma concepção de que a base seria o alicerce da sociedade que molda a superestrutura; 3- A lei da luta de classe como único elemento

explicativo das transformações sociais;

4- Leis históricas e a inevitabilidade histórica – generalizações a partir das sucessões dos mo-dos de produção;

5- Trabalhos produzidos seguindo as preocupa-ções de Marx e às vezes partindo de comentári-os pontuais registradcomentári-os em seus trabalhcomentári-os; 6- Trabalhos não derivados das obras de Marx ou

partindo de preocupações associadas a sua teoria; 7- A aplicação do método, a partir da análise da base e superestrutura garantindo a “busca im-parcial da verdade...”. E reproduzindo “aquilo que verdadeiramente aconteceu (Hobsbawm, 1998, p.159, 160).

Apesar de reconhecer que o maior número de con-tribuições para a história de teor marxista tiveram como base o “marxismo vulgar”, Hobsbawm afirma que a mais importante contribuição de Karl Marx para as ciências sociais, especialmente para a História, está na formulação de sua teoria – o materialismo histórico. Fazendo uma ressalva de que o materialismo histórico não deve ser considerado como História em si, mas como uma base teórica para a explicação histórica.

Esta ressalva leva a depreender que, quando se lêem as reflexões de Karl Marx contidas nos trabalhos como A Sagrada Família, Teses contra Feuerbach, Miséria da Filosofia e, principalmente, Ideologia Alemã, nos

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quais ele expõe os fundamentos do materialismo his-tórico, o recurso à história realizado por Marx, não deve ser encarado como um trabalho de história, mas sim como a elaboração de um esboço teórico para uma reflexão sobre a história.

Portanto, segundo Hobsbawm, das contribuições trazidas por Marx para a história, uma foi a de fixá-la como uma ciência social e a outra a de fornecer um consistente modelo teórico – metodológico para o es-tudo da sociedade humana, o materialismo histórico.

3. Uma visão panorâmica sobre o materialismo

histórico na obra de Hobsbawm

Como se pode perceber, o materialismo histórico na obra de Eric Hobsbawm? Em primeiro lugar, deve-se ressaltar a sua constante afirmação de que todos os fenômenos sociais são transitórios. Que nada produ-zido pelas relações humanas é eterno. Na melhor apli-cação do entendimento de Karl Marx e Friedrich Engels, escrita no Manifesto do Partido Comunista: “Tudo que é sólido desmancha no ar” (Marx, 1998, p. 11).

Para fazer a demonstração do entendimento de que a história se desenvolve processualmente pelo histo-riador, vale uma longa citação retirada da introdução do livro – A Era Das Revoluções:

E ainda assim a história da dupla revolu-ção não é meramente a história do triunfo da nova sociedade burguesa. É também a história do aparecimento das forças que, um século depois de 1848, viriam transformar a expansão em contração. E mais ainda, por volta de 1848, esta extraordinária mudança de destinos já era até certo ponto visível. Naturalmente, a revolta mundial contra o Ocidente, que domina a metade do século XX, era então apenas escassamente discernível. Somente no mundo islâmico podemos observar os primeiros estágios do processo pelo qual os que foram conquista-dos pelo Ocidente adotaram suas idéias e

suas técnicas para se virar contra ele: ..., (Hobsbawm, 1977, p. 19).

E ainda se poderia citar a sua conclusão do livro Era dos Extremos, que, apesar de ser bastante pessi-mista, convida a todos para lutar na perspectiva de modificar o rumo da história presente, pois, se isso não for feito, o preço será o da “escuridão” (Hobsbawm, 1995, p. 526).

As duas referências anteriormente anunciadas tra-zem outra característica da concepção histórica norteadora dos trabalhos de Eric, a de que a dinâmica dos fenômenos sociais é fruto das contradições e dos conflitos que se estabelecem no seio da sociedade, entre forças e relações de produção ou, principalmente aque-las contradições entre as caque-lasses sociais que se estabe-lecem no desenvolvimento histórico.

Outro princípio metodológico do materialismo his-tórico presente na obra de Eric Hobsbawm é o da totalidade entendida como a articulação que se esta-belece entre as diversas estruturas que compõem uma determinada realidade social, e que, entender um aspecto da realidade é impossível sem fazer relação com o conjunto. Para deixar mais claro, eis Michael Löwy:

O princípio da totalidade como categoria metodológica obviamente não significa um estudo da totalidade da realidade, o que se-ria impossível, uma vez que a totalidade da realidade é sempre infinita, inesgotável. A categoria metodológica da totalidade signi-fica a percepção da realidade social como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão, sem perder a sua relação com o conjunto (Löwy, 1998, p. 16).

O princípio da totalidade é sempre perseguido pelo historiador em seus trabalhos, principalmente os de longa duração como: A Era das Revoluções; A Era do Capital; A Era do Império e o Era dos Extre-mos.

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Outro elemento característico dos trabalhos de Eric Hobsbawm é a determinação de se contrapor à tentati-va de reduzir o materialismo histórico ao determinismo econômico, pois, como afirma ele, “nem todos os fenô-menos não - econômicos podem ser derivados de fe-nômenos econômicos específicos, e determinados even-tos ou datas não são determinadas nesse sentido” (Ho-bsbawm, 1998, p.176). Apesar de compreender o peso que possui o conceito de modo de produção, (entendi-do como “o agrega(entendi-do das relações produtivas que cons-tituem a estrutura econômica de uma sociedade e for-mam o modo de produção dos meios materiais de exis-tência”) e afirmar a primazia do conceito para o enten-dimento dos processos históricos, não permite que suas explicações históricas se encerrem no econômico.

Critica ainda a leitura “linear” e “simplista” da idéia de Marx, declarada no Prefácio da Crítica à Economia Política, que expõe a supremacia da base sobre a supe-restrutura. Observa que é de consideração válida o entendimento de que às vezes, em determinado pro-cesso, a superestrutura atua como base, valorizando o papel das idéias no processo histórico. Como exem-plos deste entendimento, pode-se citar os ensaios “Tom Paine e o Metodismo” e a “Ameaça de Revolução na Inglaterra”, contidos no livro “Os Trabalhadores”. Se-guindo o caminho percorrido por Chistopher Hill, recupera a importância das idéias puritanas para ex-plicar a revolução inglesa do século XVII.

Outra característica dos trabalhos do historiador in-glês é a de compreender o papel do indivíduo, “da gen-te comum” no desenvolvimento histórico, evitando, sa-biamente, não cair no equívoco da grande personagem, não permitindo que alguém se coloque acima de uma história que se produz coletivamente. Uma “história vista a partir de baixo”. Nesta direção está o primoroso traba-lho “A história social do Jazz” (trabatraba-lho, que em seu primeiro lançamento foi assinado com o nome de Francis Newton) que através dos músicos como Count Basie,

Duke Ellington possibilita o estudo sobre a história ame-ricana. Nessa mesma linha, está o recente livro Pessoas Extraordinárias: Resistência, Rebelião e Jazz.

No contexto da priorização da reflexão histórica “vista a partir de baixo”, podemos listar toda a obra do historiador que aborda as revoltas camponesas de resistência ao aprofundamento do capitalismo no cam-po na Inglaterra no século XIX.5

Outro elemento que não se pode deixar de citar e que pertence à natureza dos trabalhos do historiador em questão, é de ser radical quanto ao uso do materia-lismo histórico, mas sem deixar cair no sectarismo que empobrece o conhecimento, fato esse demonstrado ao permitir o diálogo entre escolas distintas, por exemplo, a existente entre a marxista inglesa e os Annales.

As asseverações feitas por Hobsbawm, concernen-tes ao materialismo histórico, demonstram que, não obstante as críticas recebidas pela concepção teórica formulada por Marx, principalmente, as oriundas no seio da academia, embaladas pelo pós – modernis-mo6, em que, algumas, chegam a afirmar que o

marxis-mo já não tem nada a dizer sobre a sociedade contem-porânea, o materialismo histórico continua pertinente para a tarefa daqueles historiadores que objetivam ana-lisar o processo histórico a partir da observação das contradições e conflitos entre os elementos que pro-vocam o dinamismo da história ou não.

4. Eric Hobsbawm: o militante

A concepção de mundo do historiador Eric Hobsbawm e o instrumento teórico – metodológico uti-lizado em seus trabalhos históricos o impeliram a ser um militante atuante, tanto no nível de seus trabalhos acadêmicos quanto no nível da política partidária e em relação ao movimento revolucionário internacional.

5 Tema explorado pelo historiador Eric Hobsbawm nos seus trabalhos: Capitão Swing, Primitivos Rebeldes e Banditismo

Social.

6 Para atualização sobre a temática sugere-se a leitura do livro: Em Defesa da História: marxismo e pós-modernismo,

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A militância política que havia iniciado ainda como estudante secundarista, nos anos 30, na organização comunista – Sozialistischer Schülerbund - SSB, é apro-fundada durante seus estudos em Cambridge, em 1936, filiando-se ao Partido Comunista Britânico, do qual se considera um militante disciplinado e extremamente dedicado. Essa revelação fica clara na afirmação que faz, ao escrever a sua autobiografia, de que: “..., o par-tido era minha paixão primordial” (Hobsbawm, 2002, p.133). É interessante ressaltar que uma das premis-sas fundamentais para o movimento comunista inter-nacional era a construção da revolução mundial que poria fim à sociedade capitalista.

Com comprometimento político – ideológico com a causa comunista, Eric Hobsbawm , mesmo reconhe-cendo o retrocesso imposto pela hegemonia stalinista nos PCs, continua filiado ao Partido Comunista glês, sendo o último dos historiadores marxistas in-gleses, de sua geração, a se desligar do movimento comunista. E, ao ser consultado por sua permanência como militante comunista, o historiador dá a seguinte resposta: “Porque no queria encontrarme en compañia de todos esos comunistas que se convertieron en anti-comunistas” (Portal La Jornada, 2007).

A derrota da revolução comunista internacional, cau-sada pelos atos adotados por Stalin e seguidores, contri-bui para que Eric Hobsbawm assuma um posicionamento de descrença em relação ao movimento comunista. Esse desencanto pode ser observado nesta sua sentença:

A causa a que devotei boa parte de minha vida não prosperou. Espero que isto me te-nha transformado em um historiador me-lhor, já que a melhor história é escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou bem por-que eles estavam certos, ao passo por-que os perdedores perguntam por que tudo foi dife-rente, e esta é uma questão muito mais rele-vante (Hobsbawm, 2002, p. 117).

Apesar de se considerar derrotado quanto ao proje-to de construção de uma sociedade socialista, dentro

de uma visão internacionalista, causa que ocupa a mai-or parte de sua vida, Eric Hobsbawm mantém a sua postura de um historiador determinado a lutar pela construção de um mundo diferente do atual, criticando o desenvolvimento capitalista e o “socialismo existen-te”, fazendo observações contundentes sobre o possí-vel futuro da humanidade, se as coisas continuarem no mesmo diapasão do incremento econômico que não leva em consideração a continuidade da vida do ser huma-no e da natureza, pois, como afirma Eric Hobsbawm:

Se a humanidade quer ter futuro reconhe-cível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos cons-truir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para a mudança da sociedade é a escuridão (Hobsbawm, 1995, p. 562).

A despeito da afirmação pessimista que tem em rela-ção ao passado e ao presente da história da humanida-de, o historiador não abdica de sua esperança em mudar o futuro, colocando o devir histórico na responsabilida-de do ser humano, incitando a humanidaresponsabilida-de a não acei-tar o discurso que pretende ser único, na interpretação do caminho a ser percorrido pela sociedade mundial, na medida em que esse discurso dominante tenta inculcar nas pessoas a compreensão de que só existe uma trajetó-ria para a sociedade mundial, que é a de seguir, de ma-neira indubitável, a lógica do mercado e do desenvolvi-mento pelo desenvolvidesenvolvi-mento, conclamando todos a não abandonarem a luta por um mundo novo, pautado na democracia e na justiça social, pois “...,. A injustiça social ainda precisa ser denunciada e combatida. O mun-do não vai melhorar sozinho” (Hobsbawm, 2002, p. 455). A pertinência na esperança da construção de uma sociedade mundial diferente da de hoje, demonstrada pelo historiador Eric J. Hobsbawm, leva a continuar acreditando que a prática militante dos atores sociais é de fundamental importância para a construção de uma história que vá em direção à instituição de uma sociedade mundial embasada nos princípios da soli-dariedade, da democracia e da harmonia entre a soci-edade e a natureza. Enfim, uma sociedade socialista.

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HOBSBAWM, Eric. Era das Revoluções – 1789/1848. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.

_____. Era dos Extremos: o breve século XX. São Pau-lo: Companhias Das Letras, 1995.

_____. Sobre História. São Paulo: Companhias Das Letras, 1998.

_____. O Novo Século: Entrevista a Antonio Polito. São Paulo: Companhias Das Letras, 2000.

_____. Tempos Interessantes: uma vida no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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