• Nenhum resultado encontrado

O livro The Psychology of Number de McLellan e Dewey 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O livro The Psychology of Number de McLellan e Dewey 1"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

O livro “The Psychology of Number” de McLellan e Dewey1

Rafaela Silva Rabelo2 Faculdade de Educação/Universidade de São Paulo

rafaelasilvarabelo@hotmail.com

Introdução

Em 1895 foi publicado o livro The Psychology of Number and Its Applications to Methods of Teaching Arithmetic, sob autoria de James Alexander McLellan e John Dewey. Considerado por alguns autores como um marco na constituição da educação matemática enquanto campo de pesquisa, chama a atenção o fato de Dewey figurar como coautor em uma obra destinada aos professores de matemática. Mesmo sendo uma produção tão peculiar, poucas são as pesquisas que remetem a ela, e mesmo em publicações que abordam a produção intelectual de Dewey, por vezes é totalmente ignorada.

O presente trabalho foca tal publicação, visando discutir o local de produção da mesma bem como a abordagem que é dada ao ensino de aritmética. Para tanto, buscou-se investigar os personagens envolvidos, identificar as ideias-chave presentes no conteúdo do texto e levantar os teóricos e/ou teorias que são mencionados, especificamente no que concerne ao ensino de aritmética.

Além do livro The Psychology of Number, figuraram enquanto fontes artigos e dissertações que tratavam sobre o referido livro, textos de cunho biográfico como o livro de Jay Martin (2002) sobre Dewey, além da correspondência de John Dewey editada por Hickman (1992)3.

Este estudo é parte da pesquisa de doutorado, iniciada em 2012, que tem como temática as contribuições de John Dewey (1859-1952) e Edward Lee Thorndike (1874-1949) à educação matemática em tempos de Escola Nova. Em específico, investigar as apropriações das ideias de Dewey e Thorndike na educação matemática brasileira em meio ao ideário escolanovista. Desta forma, pretende-se investigar o

1 Processo nº 2012/11361-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões,

hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

2 Doutoranda em Educação. Integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação

(NIEPHE) e do Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática (GHEMAT).

(2)

processo de difusão e apropriação desses autores na formação matemática do professor primário no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960. A pesquisa assume como aporte teórico-metodológico a História Cultural, em que os conceitos de prática, representação e apropriação, tratados por Chartier (1990, 2009), são fundamentais, além das noções de circulação, local e global, tratados por Pierre Bourdieu, Serge Gruzinski além do próprio Chartier.

Uma das preocupações que é explorada no presente trabalho consiste em compreender melhor o local social da produção de textos, neste caso do livro The Psychology of Number4, tomando como referência as discussões empreendidas por Michel de Certeau e por Roger Chartier, além de explorar a forma como o ensino de aritmética é tratado no referido livro.

1. Revisão da literatura

O que tem sido discutido sobre o livro The Psychology of Number e de que forma ele é mobilizado em textos da área de educação/educação matemática? A partir de um levantamento inicial, que buscou identificar pesquisas desenvolvidas em diferentes lugares e especificamente no Brasil, é possível verificar que o TPN figura geralmente na forma de uma rápida menção, principalmente para se referir ao cenário das discussões sobre o ensino de matemática ao longo dos séculos XIX e XX.

Iniciando pelas pesquisas brasileiras, o livro é mencionado em diversos trabalhos de mestrado e doutorado da área de educação matemática, não se restringindo somente àqueles de cunho histórico. O que é possível perceber é que o livro é mobilizado como forma de se referir à própria constituição da área de educação matemática, sem no entanto aprofundar a discussão. Mas por que tantos trabalhos, no momento em que buscam traçar o panorama da constituição do campo de educação matemática, estabelecem justamente este livro como um marco? Uma possível resposta é o trabalho encomendado pelo Grupo de Trabalho de Educação Matemática da ANPED em 2003, e que posteriormente foi publicado como artigo na Revista Brasileira de Educação em 2004, o qual conta com subtextos escritos por diferentes autores, sendo um deles D’Ambrosio, e no qual ele faz referência a Dewey e ao The Psychology of Number.

No referido artigo, D’Ambrosio não traz os dados bibliográficos do TPN em suas referências, tampouco menciona McLellan. Ele atribui as contribuições apenas a Dewey, como é possível verificar no fragmento a seguir.

A identificação da educação matemática como uma área prioritária na educação ocorre na transição do século XIX para o século XX. Os passos que abrem essa nova área de pesquisa são devidos a John Dewey (1859-1952), ao propor em 1895, em seu livro

Psicologia do número, uma reação contra o formalismo e uma relação não tensa, mas

(3)

cooperativa, entre aluno e professor e uma integração entre todas as disciplinas” (D'Ambrosio, 2004: 71).

Este mesmo texto de D’Ambrosio é citado por diversos outros trabalhos, em que se verifica apenas a reprodução e a ausência de uma preocupação em buscar maiores informações sobre o TPN. Ainda, foi possível verificar que em diversos trabalhos que se referem ao TPN como um marco, os autores não citam as fontes para tal afirmação, mas fica evidente pelo teor do texto que foram baseadas no artigo de D’Ambrosio.

É importante destacar pelo menos uma exceção. No trabalho de Costa (2010), em que ele trata das transformações do conceito de número no ensino de aritmética no curso primário brasileiro entre 1890 e 1946, o autor discute brevemente a concepção de número veiculada no TPN. No entanto, mesmo o autor creditando devidamente que se trata de um livro de dupla autoria, no corpo do texto foca apenas Dewey como autor, havendo apenas um e outro momento em que menciona McLellan, sem no entanto explorar isso.

Além do livro ser geralmente veiculado somente à figura de Dewey, outras informações incompletas e mesmo equivocadas aparecem nesses trabalhos, como considerar Dewey o idealizador da Escola Nova, ignorando totalmente a contribuição de outros educadores, ou que Anísio Teixeira5 estudou com Dewey quando foi para os Estados Unidos. Mesmo quando McLellan é mencionado, ele assume um papel secundário, sendo dados todos os créditos a Dewey.

Com relação às pesquisas em outros países, especificamente americanas, cabe salientar que The Psychology of Number contou com várias resenhas publicadas (Levine, 1996) em revistas da área de educação e psicologia após sua primeira edição em 1895, mas não nos deteremos nisso. Nos interessa verificar de que forma o livro tem sido evocado em pesquisas contemporâneas. Assim como nos trabalhos brasileiros, geralmente o livro é evocado em revisões bibliográficas que se atentam à constituição do campo da educação matemática, e especificamente do movimento progressista nos EUA.

Em trabalho publicado na 17th Annual Conference of the Mathematics Education Research Group of Australasia, Jeong-Ho Woo (1994) se refere ao livro como a origem do construtivismo moderno na Educação Matemática. É interessante notar que Dewey aparece como sendo o primeiro autor. O comentário em relação ao livro se resume a um parágrafo.

Já em sua pesquisa de doutorado, Haitham Sleiman Solh (2009) evoca o livro no capítulo de revisão da literatura em aproximadamente meia página, fazendo uma breve caracterização, e mencionando o livro

5 Anísio Spíndola Teixeira (1900-1971) foi um educador brasileiro conhecido principalmente por sua atuação na

(4)

publicado em 1897, The Public School Arithmetic, que foi baseado no TPN, porém atribuindo erroneamente a autoria também a Dewey6.

Um autor que é preciso destacar é Kurt Stemhagen, que tanto em sua tese de doutorado quanto em artigos publicados posteriormente, discute o TPN. Na dissertação resultante de sua pesquisa de doutorado, no capítulo 5 intitulado “Evolutionary Perspectives”, Stemhagen fala do TPN na seção “Dewey’s Psychology of Number”. O autor inicia afirmando que “while John Dewey is regarded as a towering figure in the philosophy of education, he is conspicuously absent in contemporary conversations within the philosophy of mathematics education”. O autor faz referência apenas à edição de 1900, mas em artigos publicados posteriormente ele esclarece que a primeira edição data de 1895. Apesar de esclarecer que o livro se trata de uma coautoria com McLellan, o autor foca apenas na figura de Dewey. Em nota de rodapé esclarece que “although Dewey and McLellan co-authored the book, I will refer only to Dewey throughout the paper, as the philosophy of mathematics I am attempting to recover is Dewey’s” (Stemhagen, 2004: 115). E assim, além de mobilizar The Psychology of Number, o autor também evoca outros textos de Dewey, buscando explicar qual a concepção de psicologia que ele assume, a relação psicologia e filosofia e o conceito de experiência, entre outros, contrapondo com o empirismo de Mill e a concepção histórica de Kitcher.

2. Local de produção e circulação

Como foi possível perceber na revisão da literatura, é comum que o foco da autoria do TPN recaia em Dewey, por vezes ignorando completamente a figura de McLellan. Pensar a questão da autoria é fundamental, considerando-se tratar de um texto escrito a duas mãos, em que McLellan, e não Dewey, figura como primeiro ator. Mas afinal, quem são esses autores? Em que lugar estão inseridos no momento da publicação do livro? O que leva a essa parceria? Qual a dimensão da participação de cada um dos autores no referido livro? Estas e outras questões são relevantes, visto que um texto remete às suas próprias condições de produção, e o mesmo é produzido atendendo a determinadas necessidades, visando certo público.

O TPN foi o volume 33 da série “International Education Series”. Na época em que foi publicado, Dewey era professor na Universidade de Chicago e McLellan era diretor da Escola de Pedagogia de Ontario, Toronto. É difícil precisar onde a relação entre esses dois autores teve início. Martin (2002) aponta a publicação de Applied Psychology, de autoria de McLellan, em 1889, como o primeiro contato.

6 O livro The Public School Arithmetic é parte de uma série de quatro livros publicados por James Alexander

(5)

Segundo a biografia de McLellan, Dewey não foi coautor deste livro, apesar dele aparecer como tal na edição americana. Entre as cartas de Dewey há referência à escrita da introdução do livro, no entanto não fica clara a sua participação no restante do texto. Por exemplo, em carta enviada por Joseph Ratner a Dewey em 1946, Ratner questiona qual a participação que Dewey teve na escrita de Applied Psychology assim como na de The Psychology of Number7. Ainda, fica evidente em cartas enviadas a Jo Ann Boydston8 a falta de certeza quanto à participação de Dewey nesta obra, constam comentários acerca da dúvida em relação à real participação de Dewey na escrita do livro, e até que ponto foi apenas uma estratégia da editora para vender mais9.

O primeiro autor de The Psychology of Number, James Alexander McLellan10, nasceu na Nova Scotia, Canadá, em 1832 e faleceu em Toronto em 1907. Se formou na Toronto Normal School em 1857. Lecionou em escolas primárias e desempenhou o cargo de diretor em diferentes instituições. Graduou-se em 1862 e concluiu o mestrado em 1863 na Universidade de Toronto. Se envolveu em polêmicas nas quais era acusado de se valer dos cargos por ele ocupados para promover a venda de seus livros. Publicou sobre temas tais como formação de professores, matemática e psicologia. Entre suas publicações relacionadas ao ensino de matemática estão: Mental Arithmetic – Part I (1878); Mental Arithmetic – Part II (1878); The teacher's hand-book of algebra (1879); The elements of algebra (1886). Além destes, publicou em parceria com Adam Flintoft Ames uma coleção com quatro livros voltados ao ensino de aritmética, que anunciam na folha de rosto que foram baseados no The Psychology of Number. São eles: The public school arithmetic (1897); The primary public school arithmetic (1898); The public school mental arithmetic (1899); The public school arithmetic for grammar grades (1902).

Ao contrário de Applied Psychology, o livro The Psychology of number foi assumidamente um trabalho conjunto, em que Dewey toma parte como coautor. No entanto, não fica claro qual a sua parte no livro, se houve uma divisão na escrita dos capítulos ou se a escrita como um todo foi colaborativa. Em carta enviada a sua esposa em 1894, Dewey dá algumas pistas:

I guess I have told you about the McLellan book, but it won’t hurt to repeat – it’s a book on methods of teaching arithmetic based on psychology – I furnish the psychology, Dr McLellan the methods, the teacher drops his nickel in the slot – and the pupil does the rest, as usual.11

7 Carta enviada por Joseph Ratner a John Dewey em 04 de outubro de 1946.

8 Jo Ann Boydston foi a editora do Collected Works of John Dewey, coleção publicada pela SIU Press. 9 Cartas enviadas por Sidney Ratner em 10 de janeiro de 1965 e Francis Sparshott em 05 de setembro de 1968.

10 Dados biográficos consultados a partir do Dictionary of Canadian Biography Online, disponível em

http://www.biographi.ca/009004-119.01-e.php?BioId=41037&query , acesso em 28 mar. 2013.

(6)

Segundo Martin, o primeiro capítulo, por exemplo, foi escrito por Dewey. Apesar de não ficar explicitada qual parte cada autor toma na escritura do livro, Martin (2002) afirma que o mesmo foi o resultado de três anos de trabalho colaborativo, no que Dewey denominou “my usual crablike speed”. Ainda, que Dewey “saw it as a book suitable for high-school instructions, and he had visions of making a lot of money from it”. Em 1984, Dewey explicou a Alice, sua esposa, o seu foco: “I'm trying to turn the Hegelian logic of quantity over into psychology & then turn that over into [a] method for teaching arithmetic” (trecho reproduzido por Martin, 2002: 191). Martin informa ainda que na elaboração do livro, Dewey ficaria responsável pela psicologia e McLellan pelo método.

The first chapter, written by Dewey, is entitled 'What Psychology Can Do for the Teacher'. Dewey's contribution to the book is general, his philosophical argument running throughout it. He argues that the psychology of civilization is equivalent to the psychology of measurement and that both are essencial to the evolution of educational organization and the minds of each pupil. Here, in an unlikely place – a textbook on teaching arithmetic – Dewey found yet another occasion and medium through which to explain how civilization grows (Martin, 2002: 192).

O primeiro prefácio é escrito pelo editor, W. T. Harris (1835-1909). Nas primeiras folhas aparece que a série “International Education Series” é editada por Harris, e ainda, a seguinte apresentação sobre a série:

The International Education Series was projected for the purpose of bringing together in orderly arrangement the best writings, new and old, upon educational subjects, and presenting a complete course of reading and training for teachers generally. It is edited by W. T. Harris, LL. D., United States Commissioner of Education, who has contributed for the different volumes in the way of introductions, analysis, and commentary. The volumes are tastefully and substantially bound in uniform style.

A relação de Dewey com Harris é anterior à publicação do TPN, e remete à época de graduação do primeiro. Naquela época, Harris era editor do Journal of Speculative Philosophy, cuja leitura Dewey acompanhava, e para a qual submeteu seus primeiros artigos. A referida revista era considerada como “the leading philosophical journal in the United States and one that Dewey had read as an undergraduate. Harris was a sophisticated thinker and one of the few philosophers in the United States who was not a clergyman. Nationally, he was the best known of the St. Louis school of Hegelians” (Martin, 2002: 50). Segundo Martin (2002), Harris teve grande influência no rumo dos interesses de Dewey tanto no que se refere ao pensamento de Hegel como também a sua inserção nas questões da educação. Dewey e Harris mantiveram uma relação profissional e de amizade que se estendeu ao longo da vida, o que é possível verificar pelas correspondências trocadas.

(7)

Quanto à circulação do TPN em outros países, por meio de um levantamento feito a partir dos catálogos de algumas Bibliotecas Nacionais12 (Rabelo, 2013) não foi possível identificar traduções do mesmo. Mais que isso, não constam cópias desta obra nos catálogos consultados, com exceção do catálogo americano. É preciso considerar que os catálogos consultados se tratam apenas de uma amostra, e que mesmo a ausência de títulos no catálogo não implica que determinada obra não tenha circulado no país em questão. Posteriormente verificou-se que o livro foi traduzido em dois países cujos catálogos não fizeram parte da amostra.

O interesse na circulação do TPN leva em consideração que “writings published in the native language naturally attract more readers and exercise more influence among scholars. The reverse is also true – a certain climate of receptivity probably exists before a translator prepares his work and before a Publisher undertakes to make it available” (Boydston e Andresen, 1969: v). Ainda, traz à tona questões que podem ser postas em relação ao que foi traduzido, onde, quando, quantas edições, o que pode explicar a maior aderência de determinada obra que outras, sem esquecer que “Even the omission – those of Dewey’s works that apparently have not yet appealed to a transltor in any language – are significant” (Boydston e Andresen, 1969: vi).

Segundo levantamento de Boydston e Andresen (1969), a única tradução de The Psychology of Number foi no Japão, em 1902, traduzido por Kitaro Nishiyama. No entanto, foi identificada pelo menos mais uma tradução. Em carta enviada a Dewey em 20 de agosto de 1927, Ibrahim Ashky, da Naval College, Halki, Contantinopla, solicita permissão para traduzir o referido livro. Apesar de não constar a carta resposta na correspondência de Dewey consultada, uma nota de rodapé inserida pelo editor informa que a tradução foi publicada em 1928. Portanto, até o momento foram identificadas duas traduções do TPN.

É importante ressaltar que a tradução de um livro não é a única forma de circulação do mesmo. Em carta à segunda esposa de Dewey, Chiu-Sam Tsang, um professor da Chinese University of Hong Kong, agradece o envio de uma cópia do TPN em 196313. Mesmo no Brasil há indícios da circulação desse livro, como a menção ao mesmo em Souza14 (s/d).

É possível que questões editoriais e direitos autorais tenham dificultado a tradução do TPN em outros países. Em carta enviada a William Torrey Harris, Dewey fala do contrato para publicação do livro esclarecendo que “I had no special objections to that part of the contract. What objection was that it did not seem adequately to protect our copyright in Canada & foreign countries”, mas sem maiores detalhes e

12 Os países cujos catálogos foram consultados são: Brasil, Estados Unidos, Argentina, México, Portugal, Espanha,

França, Itália, Chile, Colômbia, Uruguai e Bolívia.

13 Carta enviada por Chiu-Sam Tsang à segunda esposa de Dewey, Roberta Lowitz Grant Dewey em 10 de fevereiro

de 1964.

(8)

a carta de Harris não foi localizada até o momento. Ainda, uma carta enviada por H. McLellan e Richard L. Baker à editora D. Appleton & Co em 1918 (após a morte de J. A. McLellan) trata da transferência dos direitos autorais de McLellan para a editora15. No entanto, os dados levantados até o momento não são conclusivos nesse sentido.

3. Organização e abordagem do livro The Psychology of Number

O livro é composto por 16 capítulos, e dois prefácios. O primeiro prefácio escrito pelo editor e o segundo pelos autores. Os primeiros capítulos focam na importância da psicologia na educação e no desenvolvimento do conceito de número. Os outros capítulos passam a discutir paulatinamente conceitos matemáticos (adição, subtração, multiplicação, porcentagem, decimais entre outros), contrapondo o método psicológico com outros métodos e qual o raciocínio por trás de cada um deles.

O editor, W. T. Harris, destaca em seu prefácio a importância do livro, afirmando que com sua publicação “it is believed that a special want is supplied”. Essa suposta demanda seria resultado de um ensino de aritmética baseado em métodos inadequados, aspecto enfatizado em ambos prefácios. Ainda, a importância do método e a sua relação com a psicologia ganha destaque no prefácio do editor, ao dizer que “Methods must be chosen and justified, if they can be justified at all, on psychological grounds” (Mclellan e Dewey, 1895: v) e ainda que “the authors of this book have presented in an admirable manner this psychological view of number, and shown its application to the correct methods of teaching the several arithmetical processes” (Mclellan e Dewey, 1895: vii).

No prefácio escrito pelos autores, tem início a crítica aos resultados insatisfatórios obtidos com o ensino de aritmética, consequência de um ensino inadequado da disciplina. Enfatizam o aspecto social ao afirmarem que a aritmética, assim como outras disciplinas, é capaz de inserir os alunos nas realidades do ambiente social. Ainda, mencionam em diferentes momentos a dimensão ética. Em relação ao método, os autores falam das reações negativas em relação ao ensino de aritmética, destacando que “it is none the less unwise when turned against arithmetic itself, and not against stupid and stupefying ways of teaching it” (Mclellan e Dewey, 1895: xi).

O aspecto social ganha espaço no prefácio dos autores em relação ao papel que a aritmética desempenha se comparada a outras disciplinas. Neste sentido, o autores afirmam que: “Properly conceived and presented, neither geography nor history is a more effective mode of bringing home to the

(9)

pupil the realities of the social environment in which he lives than is arithmetic” (Mclellan e Dewey, 1895: xiii).

Elementos tais como valor, ética e experiência são evocados ao longo dos capítulos. Logo no primeiro parágrafo do capítulo 1 os autores falam do valor de fatos e teorias ligados às atividades humanas, e que esse valor é determinado por aplicações práticas, para realizar determinados propósitos, e que a questão do valor também se aplica à relação entre psicologia e educação, afirmando que “the study of psychology has a high disciplinary value for the teacher” (Mclellan e Dewey, 1895: 02). Também criticam o estudo por meio de fatos, crítica esta que será retomada diversas vezes nos capítulos seguintes, em relação aos métodos que primam pela memorização, que segundo o autores é o caso do método Grube16.

Os autores também falam do processo de reflexão, processo esse que envolve abstração e generalização. Portanto, a psicologia é importante pelo seu valor no treino prático e profissional do professor. Em relação à educação, eles a definem como a ciência da formação do caráter e que “the problem of education is essentially an ethical and psychological problem” (Mclellan e Dewey, 1895: 04). Grande destaque é dado à importância da experiência, que não se trata de qualquer tipo de experiência, mas sim aquela composta por um certo tipo de prática baseada em princípios racionais. O papel da psicologia seria tornar a experiência racional.

Quanto à origem do número, afirmam que é de natureza psíquica, portanto ele é um processo racional e não se resume apenas à pura percepção, ao sentido. O número é “a psychical product, and has a psychical reason for its origin” (p. 23). Os objetos em si e sua percepção não constituem números, bem como a percepção da multiplicidade das coisas não implica na consciência do número. A consciência do número consiste na capacidade de quantificar, numerar, medir. “Number is not a property of the objects which can be realized through the mere use of the senses, or impressed upon the mind by so-called external energies or atributes” (McLellan e Dewey, 1895: 23-24).

No que se refere à unidade e multiplicidade, os autores defendem que objetos diferentes devem ser vistos como parte de um todo, um grupo, enquanto que objetos iguais devem ser vistos em sua unidade/individualidade, e que “number is a product of the way in which the mind deal with objects in the operation of making a vague whole definite” (1895: 32). Tais operações são a discriminação e a generalização, sendo esta última composta pela abstração e agrupamento. Neste sentido, criticam a abordagem em que se parte do concreto para o abstrato, que os professores geralmente assumem como óbvio, ou do específico para o geral, da unidade para o grupo.

16 Augusto G. Grube, professor alemão que em 1842 publicou em Berlim o Guia para o cálculo nas classes

elementares, seguindo os princípios de um método heurístico, livro amplamente adotado, traduzido e mesmo imitado

(10)

Se tudo que está relacionado às atividades humanas fosse ilimitado, não haveria necessidade de nos preocuparmos com a noção de quantidade. O limite é “the primary idea in all quantity, and the idea of limit arises because of some resistance met in the exercise of our activity”. (McLellan e Dewey, 1895: 36).

Ao longo do livro os autores tecem críticas ao que eles chamam método Grube, cujo foco seria a memorização, contrapondo ao que eles propõem no método psicológico, cujo foco no é no processo mental, o resultado é apenas um detalhe. Ou seja, no processo mental o foco é no exercício da atenção e julgamento, que forma o hábito definido de análise e síntese. Segundo Costa (2010: 119), o método Grube consiste

em fazer os alunos, eles mesmos e por intuição, as operações fundamentais do cálculo elementar. Tal método tem por objetivo fazer conhecer os números: conhecer um objeto, que não é somente conhecer seu nome, mas vê-lo sob todas as formas, em todos os seus estados, nas suas diversas relações com outros objetos; é poder comparar com outros, seguir nas suas transformações, escrever e medir, compor e decompor, à vontade. Apesar de Hegel ser mencionado apenas no prefácio do editor, quando este discute a relação entre multiplicidade e unidade e faz referência ao texto “Lógica”17, é possível afirmar que o pensamento hegeliano tem um papel importante na elaboração do texto com base nas cartas de Dewey. Outro aspecto que chama a atenção é a presença reduzida de discussões que remetam ao cotidiano do aluno. Um dos poucos momentos que os autores falam explicitamente de situações da vida real é quando defendem que a criança pode trabalhar com operações com números maiores logo no início pois eles vivenciam isso em situações de suas vidas familiares, como por exemplo quando o pai vende algumas vacas ou cavalos, ele conseguem compreender o valor total da venda (1895: 90-91).

Ao longo do livro os autores discutem o processo para ensinar as operações aritméticas e que com isso eles pretendem “to show how these operations represent the development of number as the mode of measurement” (1895: 94).

4. Considerações finais

As pesquisas contemporâneas têm praticamente ignorado o envolvimento de Dewey com questões do campo da filosofia da matemática e da educação matemática. O livro The Psychology of Number é uma referência importante para se discutir essa questão, no entanto as pesquisas que evocam tal produção não raro incorrem no erro de atribuir a autoria somente a Dewey ou mencionam McLellan mas tratam a produção como se a contribuição maior fosse de Dewey. A grande questão aqui é que não é algo tão óbvio

(11)

o papel que Dewey assume na elaboração do referido livro, e é fundamental levar em consideração o contexto de produção, e buscar compreender melhor como se dá essa parceria entre os dois educadores, algo que foi feito em partes no presente trabalho e que está em andamento.

A análise do The Psychology of Number e da correspondência de John Dewey está na etapa final, e algumas questões ainda precisam ser melhor exploradas. Entre elas, o papel que o pensamento hegeliano desempenha no método apresentado por Dewey e McLellan, em vistas da afirmação do próprio Dewey do emprego do mesmo. Ainda, aprofundar a forma como eles mobilizam as concepções de ética e experiência para a aquisição do conceito de número.

Referências

Bidwell, James K. e Robert G. Clason (Ed.) (1970), Readings in the history of mathematics education. Washington, DC, EUA, NCTM.

Boydston, Jo Ann e Robert L. Andresen (eds.) (1969), John Dewey: a checklist of translations 1900-1967, Illinois, EUA, SIU Press.

Chartier, Roger (1990), A história cultural: entre práticas e representações, Rio de Janeiro, Brasil, Bertrand Brasil.

Chartier, Roger (2009), A história ou a leitura do tempo, Belo Horizonte, Brasil, Autêntica.

Costa, David Antonio (2010), A aritmética escolar no ensino primário brasileiro: 1890-1946, Tese de Doutorado em Educação Matemática, São Paulo, Brasil.

D'Ambrosio, Ubiratan (2004), “Algumas notas históricas sobre a emergência e a organização da pesquisa em educação matemática, nos Estados Unidos e no Brasil” em Antonio Miguel et al. A educação matemática: breve histórico, ações implementadas e questões sobre sua disciplinarização. Revista Brasileira de Educação. n. 27, p. 70-93, set.-dez. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n27/n27a05.pdf . Acesso em: 31 mar. 2013.

Hickman, Larry (ed.) (1992), The Correspondence of John Dewey, 1871-1952 (I-IV): Electronic edition, Charlottesville, Virginia, EUA: InteLex Corporation.

Levine, Barbara (1996), Works about John Dewey: 1886-1995, EUA, SIU Press.

Martin, Jay (2002), The education of John Dewey: a biography, New York, EUA, Columbia University Press.

Mclellan, J.A. e John Dewey (1895), The psychology of number and its application to methods of teaching arithmetic, International education series, Vol XXXIII, New York, EUA, D. Appleton and Company. Disponível em http://archive.org/details/psychologyofnumb00mcleuoft . Acesso em 01 mar. 2013.

(12)

Rabelo, Rafaela Silva (2013), Os livros de Dewey e Thorndike: análise da circulação por meio das bibliotecas nacionais. In: VIII Congresso Brasileiro de História da Educação, Cuiabá. Anais do VII CBHE, Cuiabá, Brasil.

Solh, Haitham Sleiman (2009) Investigating conceptual teaching strategies in a computer based mathematics curriculum: the case of R2R. Disponível em http://etd.lsu.edu/docs/available/etd-07082009-210213/unrestricted/Solh_diss.pdf. Acesso em 14 dez. 2013.

Stemhagen, Kurt (2004), Beyond absolutism and constructivism: the case for an evolutionary philosophy of mathematics education, Dissertação de Doutorado, Virginia, EUA.

Souza, Alfredina de Paiva (s/d), O ensino do Cálculo na Escola Primária: Problemas metodológicos, Rio de Janeiro, Brasil, Imp. No Est. Gráfico “Apollo”.

Woo, Jeong-Ho (1994), Radical constructivism versus Piaget’s operational constructivism in mathematics education. Australia. Disponível em http://www.merga.net.au/documents/Keynote_Woo_1994.pdf. Acesso em 14 dez. 2013.

Referências

Documentos relacionados

A relação encontrada entre a economia das artes e o turismo é fundamental para a análise do caso de Faro, na medida em que, quer na capital do Algarve, quer na grande maioria

A medicação devolvida vem acompanhada por uma nota de devolução com o medicamento e respetiva quantidade bem como a indicação do serviço e a assinatura

If we start with a given table of intercorrelations it is possible by Spearman's method, and also by other methods, to investigate whether the given coefficients

No campo, os efeitos da seca e da privatiza- ção dos recursos recaíram principalmente sobre agricultores familiares, que mobilizaram as comunidades rurais organizadas e as agências

Tem como características: ser tolerante a falhas, os dados são replicados automaticamente para vários nós, em vários centros de dados; esquema descentralizado; ter

Trata-se de um estudo que descreve o desenvolvimento de um infográfico digital interativo que poderá ser utilizado como estratégia de educação em saúde para

kaka ye wene he he nerehe haha 4 haaha he ye haaha e ye haaha e ye hahaha haaha hee ye haaha e ye haahaaha hee ye haaaaa hina hinaya inahuyjaya kami he huypõyjõy kami heehe huypõy

Mas, apesar das recomendações do Ministério da Saúde (MS) sobre aleitamento materno e sobre as desvantagens de uso de bicos artificiais (OPAS/OMS, 2003), parece não