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A PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL

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Academic year: 2018

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BRUNA SALES MENDES

A PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA

NO PROCESSO PENAL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Pedro Uchoa de Albuquerque.

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A Deus,

(3)

"Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia."

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RESUMO

Este estudo apresenta reflexões acerca da possibilidade de utilização da psicografia como meio de prova no Processo Penal. Inicia-se por considerações gerais sobre a teoria da prova, a partir de uma discussão do conceito de prova, dos meios de prova e do objeto da prova. Apresenta-se um breve histórico do direito à prova no Brasil, ressaltando-se a sua importância e os elementos que o compõem. Discorre-se sobre a classificação da prova e, mais especificamente, sobre a prova documental. Disserta-se acerca das pesquisas de consagrados estudiosos da mente humana como William James, Frederic Myers e Carl Jung. Enquadra-se a psicografia no conceito de prova e de meio de prova. Demonstra-se a existência de verdadeiro direito à prova psicografada, enfatizando a sua admissibilidade perante o ordenamento jurídico. Classifica-se a prova psicografada como prova documental e discorre-se sobre a necessidade de submissão a exame gráfico. Por fim, discorre-se sobre os casos emblemáticos, bem como aqueles recentes em que se admitiu a psicografia como meio de prova.

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ABSTRACT

This monograph evaluates the possibilities of using the psychography as means of proof within the Criminal Procedure. After general considerations on the theory of proof, based upon a discussion of the concept of proof, it presents a short historical survey about the right to proof in Brazil, focused on the importance of this right, as well as on the elements that compound it. The work analyses yet the classification of proof, specially the documentary one. Then, notable human mind researchers’ works, like William James’, Frederic Myers’ and Carl Jung’s, are discussed. Psychography is classified in the definitions of proof and means of proof, meanwhile the accurateness of right to psychographic proof and its admissibility before the legal system are demonstrated. It’s discussed, yet, the necessity of psychographic proof to be submitted to questioned document examination, once it is retained

as documentary evidence. At last, either recent or remarkable cases in which psychography was admitted as means of proof are released.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...07

1 TEORIA DA PROVA...10

1.1 Conceito...10

1.2 Meios de prova...12

1.2.1 Prova proibida...12

1.3 Objeto da prova...14

1.4 Direito à prova...15

1.5 Procedimento probatório...19

1.6 Classificação da prova...21

1.7 Prova documental...22

1.7.1 Falsidade documental...24

1.7.1.1 Exame grafotécnico...25

2 A PSICOGRAFIA...28

2.1 Conceito...28

2.2 A pesquisa científica...30

2.2.1 William James (1842-1910)...30

3.2.2 Frederic Myers (1843-1901)...32

2.2.3 Carl Jung (1875-1961)...34

2.2.4 Outros pesquisadores...37

3 A PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL...44

3.1 Psicografia como meio de prova...44

3.2 Direito à prova psicografada...44

3.2.1 Admissibilidade da psicografia como meio de prova...45

3.2.2 A pertinência da psicografia como meio de prova...51

3.2.3 A psicografia como meio de prova concludente...51

3.2.4 A psicografia como meio de prova possível...51

3.2.5 Demais elementos necessários à configuração do direito à prova...52

3.3 A mensagem psicografada e a classificação de Malatesta...52

3.4 A psicografia como prova documental...53

3.4.1 Procedimento probatório do documento psicografado...54

3.4.1.1 Proposição, admissão e produção da psicografia...54

3.4.1.2 Valoração da prova psicografada...57

3.5 Casos de uso da psicografia como prova penal no Brasil...58

3.5.1 Caso Henrique Emmanuel Gregoris...59

3.5.2 Caso Maurício Garcez Henriques...60

3.5.3 Caso Gleide Maria Dutra de Deus...65

3.5.4 Casos recentes...66

CONCLUSÃO...67

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INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico, desde que dinamicamente considerado, é completo. Diferente da lei, que é omissa em muitos casos, ele não possui lacunas. Isso significa dizer que, mesmo que a lei não traga uma solução expressa para um conflito, o jurista deve buscá-la nas demais fontes do Direito, tais como os Princípios Gerais do Direito e os costumes, mas nunca poderá se omitir. Não se admite, portanto, que o Direito deixe de se posicionar sobre uma questão, ainda que se trate de situação raramente factível.

Não seria diferente com a psicografia. Fenômeno mediúnico que se manifesta através da escrita, a psicografia começa a suscitar inusitados questionamentos no universo jurídico. A terminologia foi criada por Allan Kardec, sistematizador do Espiritismo, mas o fenômeno em si é velho conhecido de outras religiões, tais como a Umbanda e o Candomblé. As manifestações chamam tanta atenção que pesquisadores de todo o mundo, tais como William James, Frederic Myers, Carl Jung e, mais recentemente, Ian Stevenson já se debruçaram em estudos sobre os diversos casos.

Assim é que, nas décadas de 70 e 80, surgiram alguns casos de repercussão internacional, em que se requereu a introdução, em processos criminais, de comunicações mediúnicas psicografadas por Francisco Cândido Xavier, para que servissem de prova da inocência dos acusados. Trata-se de três casos emblemáticos, ocorridos no Centro-Oeste do Brasil, nos quais se admitiu a psicografia como meio de prova. Recentemente, no ano de 2006, uma carta psicografada novamente foi utilizada como meio de prova, desta vez no Rio Grande do Sul, o que reacendeu as discussões sobre o tema.

É diante desse contexto que o presente estudo objetiva aprofundar-se na teoria da prova no âmbito penal, explorando os conceitos que a compõem e tratando especificamente da prova documental. Busca-se demonstrar as inúmeras evidências reveladoras do caráter concreto e objetivo da psicografia, através da exposição dos diversos estudos existentes acerca do fenômeno mediúnico. Almeja ainda contribuir para o avanço do Direito Processual Penal e da teoria da prova, através da demonstração de que a psicografia é meio de prova admissível no Processo Penal, classificando-se como prova documental.

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pesquisa bibliográfica, a partir da leitura de livros, artigos, revistas e demais publicações especializadas de renomados doutrinadores na área da Ciência Jurídica. Como é notável, o próprio assunto exige uma abordagem interdisciplinar, mediante a utilização de conceitos de outras áreas do conhecimento, e não apenas do Direito, para a apreensão do problema, razão pela qual se fez necessário recorrer a obras e artigos de pesquisadores dos fenômenos psíquicos e da psicografia.

Nessa visão, estruturou-se a monografia em três capítulos, fragmentando-se o objeto de estudo. Primeiramente, analisa-se a teoria da prova penal e, em seguida, estuda-se o fenômeno psicográfico. Por fim, avalia-se a psicografia como meio de prova no âmbito do processo penal.

No primeiro capítulo, procurou-se tecer considerações gerais sobre a teoria da prova, a partir de uma discussão dos conceitos de prova, de meios de prova e de objeto da prova. Após, abordou-se o tema das provas proibidas e as teorias a ele relacionadas. Seguiu-se um breve histórico do direito à prova no Brasil, ressaltando-Seguiu-se a sua importância e os elementos que o constituem. Discorreu-se sobre a classificação da prova e, mais especificamente, sobre a prova documental, expondo as normas que a regulam. Dissertou-se sobre a falsidade documental e o exame grafotécnico.

No segundo capítulo, tratou-se da psicografia. A princípio, apresentou-se seu conceito. Em seguida, objetivando demonstrar a ocorrência de evidências suficientemente reveladoras da existência do fenômeno da psicografia, dissertou-se sobre um extenso rol de pesquisas científicas sobre o assunto. Assim, foram analisadas as pesquisas de consagrados estudiosos da mente humana, a exemplo de William James, Frederic Myers, Carl Jung, Charles Richet, Joseph Rhine e Ian Stevenson. Destacou-se, ao final do capítulo, a análise grafotécnica realizada pelo perito Carlos Augusto Perandréa, a partir de mensagens psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier.

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1 A TEORIA DA PROVA

1.1Conceito

O vocábulo prova vem do latim probatio, que pode ser traduzido como “ensaio”,

“experimentação”, “verificação”, “exame”, “confirmação”, “reconhecimento”, “confronto” etc., dando origem ao verbo probare, que significa “ensaiar”, “examinar”, “aprovar”, “estar

satisfeito com algo”, “demonstrar”.

Segundo Camargo Aranha, no sentido vulgar, prova representa “tudo aquilo que pode levar ao conhecimento de um fato, de uma qualidade, da existência ou da exatidão de uma coisa.”1 No Direito, o vocábulo é usado para designar os atos e os meios utilizados pelos sujeitos processuais para convencer o magistrado de que os fatos alegados são verdadeiros.

No direito processual penal, a prova assume função de ainda maior relevância.

Por envolver questões relacionadas a direitos fundamentais do homem, tais como a liberdade, a vida, a integridade física e psicológica e até mesmo a honra, o Processo Penal tem como princípio norteador a Verdade Real. Segundo este princípio, o magistrado não pode se conformar com a verdade formal dos autos, inspiradora do Processo Civil e que resulta do estado das provas trazidas aos autos pelas partes, sejam elas suficientes ou insuficientes. A Verdade Real vai além. Portanto, durante a instrução processual, o juiz tem o dever de buscar a verdade material, aquela que mais se aproxima do que realmente aconteceu, à qual se chega através de provas suficientes.

Mas como o magistrado poderá saber que está diante de uma prova suficiente? Quem nos dá a resposta é o doutrinador Framarino Malatesta, para quem a “prova é a relação concreta entre a verdade objetiva e a certeza subjetiva”.2

Segundo o jurista, “a verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade”3. Já a certeza corresponde sempre a um estado subjetivo da alma, consistente na

1

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 05.

2 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. 2. ed. São Paulo:

Bookseller, 2001. p. 90.

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crença, em concreto, de que existe essa conformidade. Assim sendo, nem sempre a certeza coincidirá com a verdade. Com a definição de prova acima exposta, Malatesta quis enfatizar que, no Processo Penal, é necessário buscar a verdade objetiva, de forma que um fato imputado ao réu só restará provado quando o magistrado estiver certo de que ele é

verdadeiro.

Para que o juiz esteja apto a julgar uma questão penal, pois, deve dispor de provas que formem seu convencimento racional acerca dos argumentos das partes. A convicção ou convencimento racional é a afirmação sucessiva da posse da certeza, significando que a certeza é legítima e não há qualquer dúvida quanto àquela verdade.4

Nesse sentido, é o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci:

A meta da parte, no processo, portanto, é convencer o magistrado, através do raciocínio, de que a sua noção da realidade é a correta, isto é, de que os fatos se deram no plano real exatamente como está descrito em sua petição. Convencendo-se disso, o magistrado, ainda que possa estar equivocado, alcança a certeza necessária para proferir a decisão.5

Assim é que, segundo Fabbrini Mirabete, provar é:

[...] produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.6

Logo, pode-se afirmar que a prova penal consiste em um conjunto de atos praticados pelos sujeitos processuais, cuja finalidade é a formação do convencimento do juiz acerca da substância ou verdade de fato ou de afirmação imputados ao acusado para que

4 Idem, Ibidem. p. 52.

5 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2. ed., rev. e atual. São Paulo:

RT, 2006. p. 364.

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sobre estes se pronuncie em momento adequado.

1.2 Meios de prova

Meio de prova consiste em tudo aquilo que pode servir, seja direta ou indiretamente, à demonstração da verdade e à formação da convicção que se busca no processo.7

O Código de Processo Penal elenca, em seu Título VII do Livro I, alguns meios de prova admitidos no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de rol que, segundo consentem unanimemente a doutrina e a jurisprudência, é meramente exemplificativo, sendo possível a produção de prova por outros meios não enumerados em tais dispositivos.

Ressalte-se, porém, que o princípio da liberdade dos meios de prova não é absoluto, sofrendo algumas limitações no Código de Processo Penal e na Carta Magna. Como exemplos de tais restrições, têm-se a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI/CF); a necessidade de observar as mesmas exigências e formalidades da lei civil para a prova quanto ao estado das pessoas (art. 155/CPP); a exigência do exame do corpo de delito para as infrações que deixarem vestígios, não podendo ser suprido nem pela confissão do acusado (art. 158/CPP); a proibição de juntada de prova documental na fase de oferecimento de alegações escritas no procedimento do Júri (art. 406, §2º/CPP) e a vedação de produção ou leitura de qualquer documento, durante os debates no plenário, ainda que essencial, se não tiver sido cientificado à parte contrária, com, no mínimo três dias de antecedência (art. 475/CPP).

1.2.1 Prova proibida

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, traz restrições ao princípio da liberdade probatória, determinando a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, quais sejam, aquelas produzidas em afronta a uma norma, seja ela de direito material ou mesmo processual. Desse modo, os dados que forem obtidos em ofensa ao ordenamento não poderão ser introduzidos no processo e, caso o sejam, não poderão ser valorados.

7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

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Sobre o assunto, é de ver-se a lição de Antônio Magalhães Gomes Filho:

[...] a temática das proibições de prova se funda não somente na necessidade de se assegurar uma mais correta reconstrução dos fatos, mas também ressalta a idéia de que a atividade probatória deve ser limitada diante da tutela conferida pelo ordenamento a outros valores, que se sobrepõem à busca da verdade judicial.8

A terminologia usada para designar tais provas vedadas pelo ordenamento jurídico varia de autor para autor. Este trabalho utilizará a denominação que parece mais adequada e que é utilizada por doutrinadores renomados, como Fernando Capez e Camargo Aranha. Assim, para designar o conceito genérico, que se refere a toda prova defesa em direito, impedida por este mediante uma sanção, será utilizado o termo prova proibida, do qual são espécies a prova ilícita e a ilegítima. Quando a norma ofendida for de direito processual, referente ao momento da produção da prova, estar-se-á diante de uma prova ilegítima. Já quando a prova produzida afrontar norma de natureza material, relativa ao meio e ao modo de sua obtenção, tratar-se-á de prova ilícita.

As provas podem ainda ser ilícitas por derivação. É a teoria americana dos “frutos da árvore envenenada” ou “efeito à distância”. De acordo com referida teoria, as provas produzidas a partir de um mecanismo ilícito, mesmo que lícitas em si mesmas, serão consideradas ilícitas. Exemplo claro é o da apreensão de droga cuja localização foi descoberta através de interceptação telefônica ilícita. Ora, a apreensão da droga isoladamente considerada é prova lícita, mas como fora colhida por meio de interceptação telefônica ilícita, não pode ser considerada como prova penal lícita.

Há ainda uma outra teoria que se refere à aceitação da prova ilicitamente produzida: a teoria da proporcionalidade ou teoria da razoabilidade. Os adeptos dessa teoria afirmam que os valores tutelados pelo ordenamento devem ser sopesados no caso concreto, de modo que, em alguns casos, tal ponderação autorizaria a superação das vedações probatórias. A teoria da proporcionalidade sofre inúmeras críticas, mas a doutrina e a jurisprudência pátria vêm admitindo que essa ponderação de interesses para admissão da prova proibida seja utilizada pro reo. Isso não somente porque a liberdade e a dignidade da

pessoa humana são valores insuperáveis, mas também porque, para o Estado, a punição de

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um inocente pode significar a impunidade do verdadeiro culpado.

Em resumo, pode-se afirmar que são proibidas aquelas provas obtidas em afronta à lei, aos costumes, aos Princípios Gerais de Direito ou aquelas contrárias à moral e aos bons costumes. O ordenamento jurídico veda ainda as provas ilícitas por derivação.

1.3 Objeto da prova

O objeto da prova no Processo Penal consiste nos fatos sobre os quais versa a ação penal e que devem ser demonstrados. Somente será necessário provar o direito quando for invocado direito estrangeiro ou consuetudinário ou ainda quando se tratar de direito estadual ou municipal e o juiz da causa não possuir jurisdição sobre o respectivo estado ou município.

A prova penal não recai sobre qualquer fato ou alegação, mas apenas sobre aqueles que não se tem certeza e que sejam relevantes para o julgamento da causa. Ressalte-se que, no Processo Penal, diferente do que ocorre no processo civil, os fatos ainda que incontroversos necessitam ser provados tendo em vista o princípio da Verdade Real.

Os únicos fatos que não necessitam ser provados são os fatos axiomáticos ou intuitivos (fatos evidentes, verdades axiomáticas do conhecimento), os fatos notórios (fatos de conhecimento de uma determinada esfera social, fazendo parte de sua cultura ao tempo da decisão), as presunções legais (conclusões determinadas pela lei) e os fatos inúteis (fatos que não têm qualquer relevância para o deslinde da causa).

Todos os demais fatos devem ser provados, obedecendo ao princípio do ônus da prova. Para que seja produzida, a prova pretendida precisa ser admissível, ou seja, permitida pela lei e costumes, bem como pertinente ou fundada, quer dizer, deve ter relação com o processo, esclarecendo o fato em debate. Deve ainda a prova ser concludente, esclarecendo um ponto determinado e relativo a alguma questão controvertida, e, por fim, possível de ser realizada.

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o direito à prova das partes.

1.4 Direito à prova

Desde a República, as Constituições brasileiras vêm incluindo, entre os direitos individuais, cláusulas que consagram o direito de defesa, no qual se insere o direito à prova.

Desse modo, o artigo 72, §16º, da Constituição de 18919, dispunha que “aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com os recursos e meios essenciais a ela [...]”, bem como o artigo 113, n.25, da Constituição de 193410, determinava que “a lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a esta”. Da mesma forma, o artigo 122, n.11, da Carta do Estado Novo, em 193711, assegurava que “[...] a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa”, como ainda o artigo 141, §25º, da Lei Maior de 194612, segundo o qual “é assegurada aos acusados plena defesa [...]. A instrução criminal será contraditória”. As garantias do direito de defesa e do direito à prova foram contempladas até mesmo durante a ditadura militar pelo artigo 150, §§ 15º e 16º, da Carta Magna de 1967 e pelo artigo 153, §§15º e 16º, da Emenda Constitucional nº1, de 1969.

Atualmente, a Constituição Federal de 1988 consagra, além dos tradicionais princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII), dos quais também se extrai, como assevera Antônio Magalhães Gomes Filho, “o direito de defender-se provando, que não somente é pressuposto de um processo justo e eqüitativo, mas também condição indispensável para que se possa obter, validamente, a prova da culpabilidade”.13

O reconhecimento do direito à prova, a partir dos princípios constitucionais, já é consente tanto na doutrina processual civil quanto entre os processualistas penais. Da mesma forma, a jurisprudência pátria em âmbito criminal, que já vinha extraindo essa garantia da

9 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (24 de fevereiro de 1891). Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao91.htm>. Acesso em: 04 jul. 2007.

10 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (16 de julho de 1934). Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>. Acesso em: 04 jul. 2007.

11 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (10 de novembro de 1937). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 04 jul. 2007.

12 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (18 de setembro de 1946). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 04 jul. 2007.

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Carta de 1969, tem reconhecido o direito à prova na atual Constituição Federal, levando em consideração a importância, no processo penal, do contraditório para as partes e o direito de ampla defesa para o réu.

O direito à prova teve sua consagração definitiva no Brasil no ano de 1992, com a incorporação das garantias contidas no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 ao ordenamento jurídico brasileiro.

De regra, a prova é tratada sob o prisma de um ônus que cabe à parte que alega. Nesse caso, a prova é vista sob uma ótica negativa, vez que aquele que tinha o encargo de provar e não o fez sofrerá os riscos da falta de prova no julgamento da causa. Tal visão é própria do formalismo positivista.

No entanto, é sob uma dimensão positiva que deve ser encarada a relação entre a prova e as partes, vez que tal relação implica, na verdade, o reconhecimento de um direito subjetivo das partes de se utilizar de todos os meios de que dispõem para demonstrar a veracidade dos fatos alegados.

O direito à prova tem a mesma natureza constitucional e o mesmo fundamento que os direitos de ação e de defesa, significando, não somente a faculdade de apresentar suas pretensões ao Poder Judiciário, mas também a garantia de influir na formação do convencimento do magistrado. Afinal, como bem assevera Torquato Avolio:

Se o escopo do direito de ação e de defesa é o de dar ao interessado uma adequada oportunidade de interferir sobre o desenvolvimento e o êxito do julgamento, pareceria evidente que o exercício concreto desse direito seja essencialmente subordinado à efetiva possibilidade de servir-se dos instrumentos apropriados, as provas, com as quais se procura verificar aquele determinado evento.14

No mesmo sentido, leciona Elmir Duclerc, in verbis:

14 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: Interceptações telefônicas, ambientais e gravações

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[...] a faculdade de provar, isto é, de tentar convencer o juiz da verdade fática, deve ser vista, necessariamente, como manifestações específicas do direito de ação, de um lado, e do direito de defesa, do outro, tudo, aliás, em perfeita consonância com a idéia de um processo de tipo acusatório, em que todas premissas (fáticas e jurídicas) que devam ser consideradas pelo juiz no momento de sua decisão, sejam construídas dialeticamente pelas partes.15

Releve-se que, apesar de os textos internacionais falarem em um direito à prova do acusado, tal direito também se estende ao autor, tendo em vista os princípios constitucionais do contraditório e da isonomia.

Segundo Antônio Magalhães Gomes Filho, o direito subjetivo à prova, cuja titularidade pertence às partes, “[...] supõe considerar que as mesmas devem estar em condições de influir ativamente em todas as operações desenvolvidas para a constituição do material probatório que irá servir de base à decisão”16, ou seja, tal direito somente se concretizará se for observado na integralidade do procedimento probatório.

Assim, o direito à prova abrange o direito à investigação, o direito de proposição de provas, o direito à admissão das provas propostas, o direito à produção de provas, e, por fim, o direito à valoração das provas. O direito à investigação é indispensável ao exercício do direito à prova, já que consiste na faculdade de procurar e encontrar provas.

O direito à prova inclui ainda o direito à proposição de provas, que consiste em uma faculdade das partes e de outros interessados de indicar e requerer a introdução de provas no processo. Tal direito, no entanto, só se concretiza através de um efetivo direito à admissão das provas propostas, vez que este é verdadeira permissão para a introdução das provas no processo.

Ademais, o direito à prova também se manifesta como direito à produção de provas, isto é, como faculdade de participar dos atos de produção da prova, impugnando, criticando etc. Por fim, do direito à prova se infere o direito à valoração das provas, o qual se realiza através de uma concreta apreciação do conjunto probatório pelo juiz, verificável pela fundamentação da decisão.

Como visto, o direito à admissão das provas consiste em conceito nuclear do

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direito à prova. Especial interesse, pois, assumem as questões de admissibilidade, pertinência, possibilidade e concludência, as quais são elementos indispensáveis ao ingresso das provas no processo.

A admissibilidade consiste em um juízo antecipado dos meios de prova feito pelo legislador, ao determinar que a atividade processual se desenvolva de acordo com os ditames legais que regulam o ingresso de provas na relação processual, assegurando assim a participação dos interessados e a correção do procedimento. Nesse sentido, Antônio Magalhães Gomes Filho ensina:

A admissibilidade da prova constitui, portanto, um conceito de direito processual e consiste numa valoração prévia feita pelo legislador, destinada a evitar que elementos provenientes de fontes espúrias, ou meios de prova reputados inidôneos tenham ingresso no processo e sejam considerados pelo juiz na reconstrução dos fatos. [...]17

A pertinência é critério de ordem lógica, que consiste em averiguar se há uma conexão entre a prova oferecida e os fatos controvertidos, ou se a prova apresentada representa, na verdade, perda de tempo, trazendo apenas confusão ao processo. A aferição da pertinência de uma prova que se pretende introduzir no processo dependerá da utilidade e da relevância de seu conteúdo para o deslinde da causa.

Em nosso ordenamento, não há nenhuma norma genérica que trate da exclusão das normas impertinentes. Contudo, o Código de Processo Penal trata do indeferimento da perícia quando não necessária ao esclarecimento da verdade, em seu artigo 184, bem como da recusa de perguntas à testemunha se não tiverem relação com o processo, em seu artigo 212. A Lei nº 9.099/95, em seu artigo 81, §1º, permite ao juiz limitar ou excluir as provas que considerar impertinentes, excessivas ou protelatórias.

Releve-se, porém, que o critério da pertinência deve ser interpretado cuidadosamente para que não restrinja ou, até mesmo, suprima o exercício do direito que as partes possuem de influir positivamente na convicção do juiz, através das provas.

Por fim, a prova concludente é aquela que se presta à prova do fato alegado,

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esclarecendo alguma questão importante para o julgamento do processo criminal. Já meio de prova possível, segundo Denilson Feitosa Pacheco, é aquele “capaz de ser realizado segundo as leis naturais e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia”18.

1.5 Procedimento probatório

A instrução probatória tem quatro momentos. O primeiro deles é o da

proposição, oportunidade prevista processualmente para que as partes indiquem os meios por

que pretendem fazer prova dos fatos alegados, sob pena de preclusão. Via de regra, as provas devem ser propostas com a denúncia ou a queixa-crime e com a defesa prévia ou, no Tribunal do Júri, com o libelo e com a contrariedade. Encerrada a instrução, o Código de Processo Penal, em seu artigo 499, permite que as partes proponham diligências, no prazo de vinte e quatro horas, desde que as novas provas tenham relação com fatos supervenientes e apurados no decorrer da instrução. Só existe uma prova possível de ser requerida a qualquer momento pelas partes, ainda que em grau de recurso: a que diz respeito ao estado mental do acusado.

O segundo momento é o da admissão, ato personalíssimo do juiz, em que analisa

as provas propostas pelas partes, deferindo ou não a sua produção. É também conhecido como recepção, primeiro contato entre o magistrado e as provas. O terceiro momento é o da

produção em que se realizam os atos processuais necessários para formar a convicção do

juiz.

Por fim, o momento da valoração, em que o magistrado exerce seu juízo de valor

sobre as provas produzidas, de acordo com a sua convicção, dando ao processo o seu desfecho. Ressalte-se que as provas não devem ser consideradas isoladamente, mas em conjunto, de modo que sua aptidão para servir de fundamento à decisão será verificada através de sua avaliação perante as demais provas existentes. Nesse sentido, leciona Antônio Magalhães Gomes Filho que “assim, somente através da seleção, da crítica, da aceitação ou da rejeição do material produzido será possível extrair-se uma convicção a respeito dos fatos

investigados [...]”19.

São três os sistemas de valoração da prova conhecidos: sistema legal ou tarifado,

18 PACHECO, Denilson Feitosa. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis. 4. ed., rev. e atual.

Niterói: Impetus, 2006. p. 570.

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sistema da íntima convicção e sistema do livre convencimento motivado. O Brasil adota o sistema do Livre Convencimento Motivado ou da Persuasão Racional, segundo o qual o magistrado se encontra livre para formar sua convicção acerca da verdade dos fatos alegados, não estando atrelado a qualquer critério legal que determine previamente o valor das provas. No entanto, para que o controle popular sobre a atuação do Poder Judiciário seja garantido, e o ordenamento não escolte decisões arbitrárias, o julgamento deve ser fundamentado nas provas dos autos. A motivação é imperiosa e exige que o juiz explicite não somente o conteúdo das provas, mas também o raciocínio utilizado para chegar à decisão final.

É de ver-se, nesse sentido, o que leciona Tourinho Filho:

Sem o perigo do despotismo judicial que o sistema da íntima convicção ensejava e sem coarctar os movimentos do juiz no sentido de investigar a verdade, como acontecia com o sistema das provas legais, está o sistema da livre convicção ou do livre convencimento. [...] De um modo geral, admitem-se todos os meios de prova. [...] Inteira liberdade ele tem na valoração das provas. Não pode julgar de acordo com o conhecimento que possa ter extra-autos. [...]20

Acrescente-se ainda a lição de Malatesta:

O convencimento não deve ser, em outros termos, fundado em apreciações subjetivas do juiz; deve ser tal que os fatos e provas submetidos ao seu juízo, se o fossem, desinteressado ao de qualquer outro cidadão razoável, deveriam produzir, também neste, a mesma convicção que naquele21.

Releve-se que o Processo Penal brasileiro tem algumas exceções a esse sistema, como, por exemplo, o júri popular em que vigora o sistema da Íntima Convicção, no qual o julgador tem total e irrestrita liberdade para avaliar a prova, não estando vinculado a qualquer regra legal e podendo formar seu convencimento por qualquer meio, seja através de elementos internos ou externos ao processo. A solução das questões de fato decorre de um posicionamento pessoal dos jurados em face do conjunto probatório apresentado. Assim, os jurados não precisam motivar seus votos, exteriorizando os motivos determinantes de sua convicção, e isso se dá porque a sociabilidade da decisão está suficientemente garantida no Tribunal do Júri, já que este é composto por vários cidadãos conhecidos pelo acusado e

(21)

contra os quais o réu tem amplo direito de recusa.

1.6 Classificação da prova

A prova encontra na doutrina inúmeras classificações. Nenhum método tão seguro e verdadeiramente científico como o utilizado por Framarino Malatesta, que assentou sua classificação em três critérios, quais sejam, a classificação quanto ao objeto, quanto ao sujeito e, por fim, quanto à forma.

Veja-se, primeiramente, a classificação quanto ao objeto. A prova será direta quando se referir diretamente ao delito, de forma que a conclusão seja imediata e objetiva; e será indireta quando respeitar a algo diverso do delito, sem deixar de ser passível de vinculação, mediante trabalho racional do juiz, com o delito. Nesse caso, cabe ao magistrado formular hipóteses, aceitações e exclusões para chegar a uma conclusão.

Quanto ao sujeito de que emana, a prova pode ser pessoal, quando emanar de uma pessoa, ou real, quando emanar de uma coisa, tudo considerado do ponto de vista do juiz de debates. É de se atentar para as considerações de Camargo Aranha sobre a questão, in verbis:

A coisa atesta, inconscientemente e sem influência do espírito humano, vestígios do fato probando; é a prova real que, em última análise, consiste na atestação inconsciente feita por uma coisa na qual ficou impresso um sinal. [...]

O homem testemunha, mediante uma afirmação pessoal e consciente, um fato por ele conhecido por ciência própria ou por meio de terceiros: é a prova pessoal. É a revelação consciente feita por uma pessoa das impressões mnemônicas de um fato.22

Quanto à forma ou aparência, a prova pode ser testemunhal, documental ou material. Será testemunhal quando prestado depoimento por sujeito estranho ao processo sobre fatos relevantes ao deslinde da causa. A prova será documental quando se tratar de verificação de pessoa na forma escrita ou de outra materialidade permanente e, por fim, será material quando produzida por meio de exame químico, físico ou biológico.

22

(22)

1.7 Prova documental

A prova documental é a que oferece mais interesse para este trabalho acadêmico, razão pela qual merece um aprofundamento.

Como ensina Fernando Capez, “em sentido estrito, documento é o escrito que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato de relevância jurídica”23. Atualmente, porém, utiliza-se um conceito mais amplo, que abrange outras formas que corporificam a expressão do pensamento humano, a exemplo da pintura e da gravação.

Assim é que Guilherme de Souza Nucci define documento como sendo “toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um pensamento, uma idéia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, que sirva para demonstrar e provar um fato juridicamente relevante”24.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 232, conceitua legalmente documento como sendo “quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”.

O termo documento abrange tanto o conceito de documento stricto sensu quanto

o de instrumento. O instrumento é documento pré-constituído com o intuito formal de servir de prova, no futuro, do ato nele relatado. Para tanto, são necessárias algumas solenidades estabelecidas na lei. Já o documento stricto sensu é aquele que é elaborado sem qualquer

pretensão de servir como meio de prova, mas que, eventualmente, pode ser utilizado como tal.

Diferente do que ocorre no Processo Civil e salvo casos expressos em lei, a prova documental pode ser apresentada em qualquer fase do Processo Penal, desde que seja providenciada a ciência das partes envolvidas. Ressalte-se que aqueles documentos essenciais à propositura da própria ação penal, por evidência, só podem ser colacionados ao processo juntamente com a denúncia ou queixa-crime. Ademais, como exceção a essa regra de liberdade de apresentação das provas documentais, tem-se que, no procedimento do júri,

(23)

não se admite que a parte apresente, no plenário, um documento não juntado aos autos, com ciência do adversário, pelo menos três dias antes do julgamento, nos termos do artigo 475 do Código de Processo Penal. Do mesmo modo, segundo o artigo 406, §2º, da codificação processual penal, é proibida a juntada de novos documentos na fase de alegações finais do procedimento do júri.

A admissão do documento é momento de suma importância no processo. Assim, primeiramente, deve o juiz averiguar se o documento foi proposto em momento adequado para, empós, verificar se foi oferecido com o fim de provar fatos e circunstâncias relativos à demanda. Nessa oportunidade, o magistrado deve verificar as condições exteriores do documento. Por fim, em face da garantia constitucional do contraditório, será ouvida a parte contrária à proponente, a qual deverá, no prazo legal, contestar ou não a veracidade do conteúdo do documento ou a autenticidade da assinatura.

Autor de um documento é toda pessoa que deu origem ao documento, não somente quem o confeccionou, mas também aquele que ordenou a sua feitura. O realizador será o autor material, o autor do documento, enquanto o emissor da declaração será o autor jurídico, o autor do fato documentado, a quem se atribui a autoria do fato narrado no escrito.

Quando o autor do documento e do fato documentado coincidirem, o documento será autógrafo. Por conseguinte, estar-se-á diante de um documento heterógrafo quando o autor do documento for outrem que não o autor do fato documentado. O documento pode ser ainda público ou particular. Será público quando formado e lavrado por quem esteja exercendo função pública que o autorize a tal, e desde que esteja dentro dos limites de suas atribuições. Será privado quando formado por um particular ou ainda por um oficial público que não haja nesta qualidade.

(24)

Nos documentos particulares, de regra, desde que não haja dúvida quanto à sua autenticidade, presumem-se verdadeiras em relação às partes as declarações por elas assinadas. Já no que se refere ao signatário do documento, só serão presumidamente verdadeiras quando o documento for autêntico. Ressalte-se que não é qualquer declaração que se presume verdadeira, mas somente aquelas dispositivas e enunciativas diretas. Segundo Fernando Capez “as enunciativas indiretas, somente quando relativas à ciência de determinado fato, valem como simples declarações, e, como tais, são havidas como provadas. O fato declarado deve ser provado pelos meios regulares”25.

Ocorre, no entanto, que um documento público ou particular presente nos autos pode ser falso. Nesse caso, cabe à parte contrária à proponente alegar, no prazo legal, a existência de vícios no documento. A falsidade pode ser extrínseca ou intrínseca. A primeira se refere às formalidades externas impostas aos documentos, enquanto a falsidade intrínseca relaciona-se com a essência do documento ou com a substância do ato ou fato nele relatado.

1.7.1 Falsidade documental

Segundo Aurélio Buarque de Holanda26, a falsidade é a qualidade de falso, aquele em que há mentira, fingimento, dissimulação ou dolo. É a desconformidade com a verdade.

A falsidade pode se apresentar sob dois aspectos, seja como vício de vontade, seja como vício de instrumento. O vício será de vontade quando as palavras das partes forem resultado de dolo, coação, fraude etc. Caso a falsidade decorra do próprio documento, há vício instrumental, o qual pode ser material ou ideológico. A falsidade material se dá quando o documento falso é criado ou um documento existente é adulterado ou modificado. A falsidade ideológica refere-se à introdução de afirmativas não verdadeiras.

O ônus da prova da falsidade cabe a quem a alegar. No caso de contestação de assinatura, no entanto, a prova de sua veracidade caberá à parte que produziu o documento.

A parte que entender falso instrumentalmente um documento apresentado pela

25 CAPEZ, Fernando.

Op. Cit. p.329.

26 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro:

(25)

parte adversa, pode alegá-lo por meio do incidente de falsidade, previsto a partir do artigo 145 no Código de Processo Penal. No caso de documento público, tanto a falsidade ideológica quanto a material podem ser invocadas e apuradas pelo incidente de falsidade. Já no caso de documento particular, apenas é possível invocar o falso material, pois a introdução de afirmativa falsa em escrito privado consiste em vício de vontade e não em falsidade ideológica. Vale ressaltar ainda que o incidente de falsidade só se refere ao vício de instrumento, de modo que os vícios de vontade devem ser provados por outros meios.

Declarada judicialmente a falsidade de um documento, seja ele público ou privado, o documento perde a sua fé.

1.7.1.1 Exame grafotécnico

A grafoscopia é estudo que determina as normas, os princípios técnicos e os procedimentos a serem adotados nos exames de grafismo, possibilitando a análise concludente dos resultados. De acordo com Carlos Augusto Perandréa, trata-se de “um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação da autenticidade gráfica e da autoria gráfica”27. A grafoscopia, portanto, tem por objetivo basear os exames para verificação da autenticidade, da autoria gráfica e da falsidade.

O exercício da perícia grafotécnica se fundamenta no fato de que o grafismo de cada pessoa é único, individual e inconfundível, não sendo possível modificar voluntariamente a escrita natural senão introduzindo no seu traçado a própria marca do esforço que foi feito para obter a modificação.28 É isso que permite distinguir, com absoluta segurança, através de uma análise grafotécnica, as origens de duas escritas assemelhadas.

Para elaboração de laudos de grafoscopia, os peritos realizam levantamento de dados da grafia da pessoa a quem se atribui o escrito e da escrita contestada. No que se refere à coleta de material para exame de reconhecimento de escritos, por comparação de letra,

27 PERANDRÉA, Carlos Augusto. A Psicografia à Luz da Grafoscopia. São Paulo: Ed. Jornalística Fé,

1991. p. 23.

28 BASÍLIO, Márcio. Grafoscopia. Disponível em:<http://br.geocities.com/marciobasilio/Falsificacoes.html>.

(26)

observa-se, nesse caso, o que dispõe o artigo 174 do Código de Processo Penal29.

Em seguida, é feita uma análise comparativa entre o documento questionado e o padrão técnico identificador da suposta autoria. Trata-se de exames individuais e conjuntos de todos os documentos periciados, para a apuração das convergências e divergências gráficas, que, devidamente interpretadas, fornecem os dados técnicos sobre a origem documental.

Os exames comparativos dos grafismos devem abranger tanto os aspectos gerais como os genéticos da escrita. Assim, o perito deve analisar, primeiramente, os elementos genéricos, tais como o calibre (dimensões dos caracteres), o espaçamento gráfico, o comportamento gráfico (direção e sentido da escrita), proporcionalidade gráfica, valores angulares (predominâncias de ângulo nas formações gráficas), valores curvilíneos (predominâncias de curvas da grafia), inclinação axial e a inclinação da escrita.30

Segue-se a avaliação dos aspectos genéticos da escrita, que englobam a dinâmica e a trajetória da escrita. O primeiro aspecto decorre do efeito dinâmico das interações das forças aplicadas no ato de escrever, seja vertical (pressão) ou horizontalmente (progressão). Já a trajetória envolve análise do ataque (traço inicial da escrita), do desenvolvimento (traço intermediário), do remate (traçado final), do momento gráfico (traçado contínuo da escrita) e do mínimo gráfico (modo peculiar do traçado).

Via de regra, em se tratando de exames de autenticidade gráfica, os quais objetivam a certeza de que o documento efetivamente provém do autor nele indicado, não há dificuldades para se chegar a uma conclusão segura, exceto quando há insuficiência de padrões para levantamento das constantes e variáveis gráficas ou mesmo insuficiência de

29 Art. 174. No exame para reconhecimento de escritos, para reconhecimento de escritos, por comparação de

letra, observar-se-á o seguinte:

I – a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se for encontrada; II – para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem

sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida; III – a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que existirem em arquivos

ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados;

IV – quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever.

30 FIGUEIREDO, Flávio Fernando. Norma de Procedimento de Grafoscopia. São Paulo, IBAPE. Disponível

(27)

substância gráfica (assinaturas diminutas).

Já no exame de autoria gráfica, em que se busca definir o autor do documento, necessária se faz, para uma conclusão categórica, uma quantidade maior de substâncias gráficas a serem trabalhadas. Nesse caso, o perito terá que encontrar no documento característicos suficientemente reveladores, em quantidade e em qualidade, da identidade, de modo que exclua qualquer possibilidade de erro.

Caso a perícia grafotécnica não conclua pela autenticidade do documento, estar-se-á diante de uma falsificação. São quatro os tipos de falsificação: a falsificação sem imitação, a falsificação de memória, a falsificação por imitação servil e a falsificação exercitada.

Utilizada por falsários eventuais ou primários, a falsificação sem imitação é a reprodução de assinatura, sem se procurar dar a forma da legítima, que se desconhece.

A falsificação de memória é aquela em que o falsário, estando familiarizado com a assinatura de sua vítima, procura reproduzi-la sem ver o modelo, valendo-se da memória. No traçado dessas falsificações, há traços morosos, reprodução pela memória da assinatura, e outros mais rápidos, que são resultantes da própria escrita do falsário.

A falsificação por imitação servil é aquela em que o falsário, fiel a um modelo, o reproduz no documento que está forjando. Nesse caso, além do lançamento ficar arrastado, apresenta paradas do instrumento escrevente em sítios que no modelo não ocorrem. Verifica-se que o falsário vacila para realizar alguns movimentos, resultando um traço hesitante e trêmulo.

Na falsificação exercitada, o falsário se apossa de um modelo autêntico e, depois de cuidadoso treino o reproduz. O confronto de uma falsificação exercitada com o modelo mostra relativa coincidência na qualidade do traço, mas discrepâncias nos elementos genéticos.31

(28)

2 A PSICOGRAFIA

2.1 Conceito

Entre as diversas conceituações possíveis para o fenômeno mediúnico, do qual a psicografia nada mais é do que uma modalidade ou forma de expressão particular, a que propõe o pesquisador norte-americano Jon Klimo parece bastante adequada, por sua isenção e objetividade. Para ele, a mediunidade é “a comunicação de informação para, ou através de, um ser humano fisicamente encarnado [médium], provinda de uma fonte que se considera existir em um outro nível ou dimensão da realidade, além daquela física conhecida por nós”32.

O termo psicografia é conceituado por Allan Kardec da seguinte forma:

“Psicografia (do gr. psyché, borboleta, alma e graphô, escrevo): transmissão do pensamento

dos Espíritos por meio da escrita pela mão do médium. No médium escrevente a mão é o instrumento, porém a sua alma ou Espírito nele encarnado é o intermediário ou o Intérpetre do Espírito estranho que se comunica”33.

Como avaliam os pesquisadores da Universidade de São Paulo Almeida e Lotufo Neto, o fenômeno mediúnico pode ser identificado em quase todas as sociedades de que se tem notícia na história da humanidade, a exemplo do:

[...] surgimento das principais religiões do Oriente Próximo e Ocidente: Moisés e os profetas hebreus recebendo mensagens de Jeová ou dos anjos (Ex 19 e 20; Jz 13:3; IIRs 1:3; Jl 2:28; ISam 28), a conversão de Paulo às portas de Damasco (At 9:1-7) e os dons do Espírito Santo dos primeiros cristãos (At 2:1-18; 19:6; ICor 12:1-11 e 14), bem como Maomé recebendo os ditados do anjo Gabriel que compõem o Corão34

Apesar disso, só a partir de meados do século XIX, dentro do amplo panorama

32the communication of information to or through a physically embodied human being from a source that is said to exist on some other level or dimension of reality than the physical as we know it”, no original.

KLIMO, Jon. Channeling: investigations on receiving information from paranormal sources. Berkeley: North Atlantic Books, 1998.

33 KARDEC, Allan. Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita. São Paulo: Lúmen, 1966. p. 36.

34

(29)

dos estudos voltados para a fenomenologia anômala, ele passou a merecer ampla investigação por parte de psicólogos, físicos, químicos e pesquisadores científicos em geral. Naquele contexto, o movimento espiritualista ganhava cada vez mais força, preconizando a possibilidade de se investigarem cientificamente os fenômenos tidos então, por leigos e estudiosos dos mais diversos matizes ideológicos, filosóficos e religiosos, como mediúnicos. A esse respeito, explica Moura Silva:

O movimento espiritualista colocou-se como uma revolução do pensamento de sua época, num século que aboliu os preconceitos e perseguições religiosas e teve na ciência um avanço intelectual, um aliado valioso. Este movimento aplicou a ciência nas comunicações com os mortos, investigou os fenômenos na sua lógica e veracidade mas, também, combateu o materialismo simplista e lançou bases para pensar as verdades religiosas, antes dominadas pelo dogmatismo da religião tradicional. Começou como ciência do mundo espiritual, da sobrevivência da alma, uma fé racional encarando os fatos sobrenaturais à luz da razão, sob princípios éticos e de veracidade comprovada, sem negação ou aceitação sistemática para, alguns anos mais tarde, transformar-se em um movimento religioso e filosófico específico. Uma ciência que virou religião e uma religião que virou ciência35.

Para além dos aspectos religiosos que, com o tempo, passaram a dominar o espiritualismo e seu braço latino, o espiritismo, como bem coloca Moura Silva, há uma notável dimensão científica que perpassa tais movimentos, dimensão essa que suscita o interesse independente de investigadores e instituições científicas de grande notoriedade na segunda metade do século XIX e início do século XX.

Há, como se procura destacar mais à frente, uma diversidade de abordagens que se propõem a explicar essa gama de fenômenos incomuns que serviram de base e desdobramento para o espiritualismo, mas não deixa de ser digno de nota que uma porção significativa, quantitativa, mas, em especial, qualitativamente, de pesquisadores chegou a defender abertamente o valor da teoria mediúnica, fosse para explicar alguns das ocorrências com que se depararam em seus trabalhos, fosse para dar sentido ao conjunto dos fatos analisados, como se discute a seguir.

35

MOURA SILVA, Eliane. Reflexões teóricas e históricas sobre o Espiritualismo entre 1850-1930.

(30)

2.2 A pesquisa científica

2.2.1 William James (1842-1910)

Um dos pioneiros dos estudos psicológicos modernos, e considerado, em pesquisa realizada entre os chefes dos departamentos de psicologia do Reino Unido, um dos cinco psicólogos mais importantes de todos os tempos36, William James fundou a Sociedade Americana para a Pesquisa Psíquica (SAPP) e, em meio a décadas de investigações sobre a

mente humana, dedicou pelo menos 25 anos à pesquisa voltada para os fenômenos anômalos, ora sozinho, ora à frente de comissões científicas.

Entre os casos notáveis que relata, destaca-se o da médium norte-americana Leonora Piper, cujas faculdades consideradas mediúnicas expressavam-se tanto através do transe quanto da escrita automática ou psicográfica. Já em 1886, em relatório à SAPP sobre Piper, James reconhecia a natureza incomum dos acontecimentos observados por ele durante as sessões conduzidas pela médium.

Quinze dos consulentes ficaram surpreendidos com as comunicações que receberam. Nomes e factos foram mencionados desde a primeira entrevista e parecia improvável que a médium deles tivesse conhecimento pelas vias normais. Que ela não possuía nenhum fio condutor respeitante à identidade do consulente, isto parece-me suficientemente provável para cada um e para o conjunto destes quinze casos. [...] No conjunto destes quinze consulentes, cinco (senhoras) eram parentes de sangue e dois (um dos quais era eu) estavam unidos por aliança à família de que elas faziam parte. Dois outros parentes desta família estão compreendidos entre os doze que nada obtiveram. A médium manifestou um conhecimento absolutamente surpreendente dos assuntos desta família, falando de numerosas coisas totalmente desconhecidas das pessoas estranhas e que nenhuma bisbilhotice poderia ter-lhe revelado.37

Apesar de não ter considerado o conjunto de sessões das quais participou para a composição desse primeiro relatório como suficientes para levar a um parecer conclusivo, o psicólogo reconhece a necessidade de rever sua predisposição inicial para explicar convencionalmente as faculdades apresentadas por Leonora Piper:

(31)

Estou persuadido da honestidade da médium e da autenticidade do seu transe; e embora disposto, desde o início, a considerar as suas respostas pertinentes, quer como felizes coincidências, quer como o resultado do conhecimento pessoal que ela tinha da identidade do consulente e dos seus assuntos de família, actualmente creio que ela está na posse de uma faculdade ainda não explicada38.

Após muitos anos mais de pesquisas focadas na médium, James passou a considerar genericamente as seguintes hipóteses para o fenômenos de transmissão de informações “pertinentes” através de transe e/ou escrita direta: os acertos aleatórios; a obtenção prévia e consciente dos dados pelo médium; a percepção de pistas fornecidas involuntariamente pelos assistentes, chamada hoje em dia de leitura fria; a criptomnésia, ou

o acesso prévio, mas inconsciente, às informações por parte do médium, que só lembraria delas durante o transe; a telepatia, ou o acesso à informação obtida, por vias desconhecidas,

da própria mente dos presentes; o acesso a um reservatório cósmico em que estariam

“acumuladas as recordações da terra”; e o retorno dos espíritos, compreendido como a

manifestação da porção inteligente do homem que sobreviveu à morte do corpo39.

Contudo, para as diversas ocorrências semelhantes àquela transcrita, que se repetiram durante as sessões subseqüentes, até 1909, o psicólogo julgava apenas as três últimas hipóteses como aceitáveis. E, particularmente a última, a dos espíritos, era vista por James como digna de consideração entre as explicações possíveis para o “conjunto dos fatos” relacionados à médium e aos outros casos semelhantes já estudados por ele, embora até o final da vida não tivesse fechado questão de forma decisiva por nenhuma teoria específica:

Se nos ligarmos ao pormenor, pode daí tirar-se uma conclusão anti-espírita; se nos ligarmos mais ao significado possível do conjunto, podemos muito bem inclinar-nos no sentido das interpretações espíritas40.

Crítico ferrenho da superficialidade, do dogmatismo e do apriorismo materialista

dentro do meio científico, James foi um dos maiores estimuladores da pesquisa psíquica, e

um dos nomes cujo prestígio contribuiu significativamente para o desenvolvimento e a gradual legitimação desse ramo de investigações científicas no contexto de transição entre os

38

Idem, ibidem.

(32)

séculos XIX e XX. Em suas “Impressões Finais”, ele se permite uma analogia no mínimo curiosa entre as teses darwinistas e as idéias espiritualistas.

Pouco tempo depois do aparecimento de Origem das Espécies de Darwin, fazia eu os meus estudos em Harvard na companhia do excelente anatomista Jeffrie Weyman, que era também um homem excelente. Era um discípulo, meio convertido, de Darwin; mas ouvi-o um dia fazer uma observação que se aplica muito bem ao assunto que me ocupa neste momento. Quando uma teoria, dizia ele, torna a vir incessantemente à luz da discussão de cada vez que a crítica ortodoxa a enterrou, e parece cada vez mais sólida e mais difícil de perfurar, pode ter-se a certeza de que há nela uma parte de verdade. Tinha-se enterrado rapidamente Oken e Lamarck, e Chambers, mas o único resultado para Darwin foi tornar a mesma heresia um pouco mais plausível. Quantas vezes a «Ciência» matou os espíritos e enterrou os fantasmas e a telepatia como se fossem meras superstições populares! E, no entanto, jamais se falou dessas coisas com tanta abundância nem com aparências de autenticidade tão grandes e tão boas cartas credenciais.41

2.2.2 Frederic Myers (1843-1901)

Literato por formação e ocupação, na cadeira de Estudos Clássicos da Universidade de Cambridge, o inglês Frederic Myers dedicou-se intensamente aos estudos sobre a psicologia e a personalidade humana. É considerado pelo psiquiatra francês Henri F. Ellenberger “um dos grandes sistematizadores da noção de mente inconsciente42”.

Em seus estudos, Myers procurou formular uma teoria da consciência que ao mesmo tempo se originasse, e fosse capaz de reunir num modelo único a ampla gama de fenômenos ligados à mente humana, fossem aqueles tidos como normais, fossem os considerados anômalos, ou sobrenaturais, mas experimentalmente verificáveis.

Para tanto, desenvolveu, a partir de suas pesquisas à frente da Sociedade Britânica para a Pesquisa Psíquica (SPR), da qual foi um dos fundadores, o conceito de Self subliminal, a vasta porção da mente que se encontraria fora do raio de alcance da consciência

ordinária.

De acordo com os levantamentos feitos por Myers, os conteúdos subliminais que

41 Idem, ibidem, pp. 163/164.

(33)

“emergem” para o consciente podem apresentar, em certos casos, elementos absolutamente alheios a qualquer vivência anterior do indivíduo. Segundo Almeida e Lotufo Neto:

Tais habilidades envolveriam uma grande ampliação de nossas faculdades mentais, incluindo as inspirações dos gênios, telepatia, clarividência e mesmo a comunicação com os mortos. Ao longo da obra, o autor vai passando gradualmente de fenômenos corriqueiros para aqueles considerados supranormais. Dessa forma, o Self subliminal é implicado, numa visão evolutiva, na causa de eventos como as enfermidades histeroconversivas, inspirações dos gênios, sono, hipnotismo, alucinações, telepatia, automatismos motores e transes de possessão43.

Para Myers, a maior parte dos fenômenos de transe, aparentemente mediúnicos, deviam-se a expressões mais ou menos claras do Self subliminal do próprio médium. Fosse pela simples manifestação de conteúdos inconscientes, fosse pela apreensão telepática ou clarividente de informações pelo Self do indivíduo, os casos, em geral, explicavam-se por meio do Self.

Contudo, ele defendia a existência de um continuum que abrangeria das

manifestações incomuns da personalidade à comunicação telepática, passando pela clarividência, pela possessão de espíritos e pela concreta sobrevivência das camadas subliminais da personalidade após a morte do corpo. Assim, dentro de um corpo teórico complexo, que levava em consideração a freqüente possibilidade de intercorrência das causas citadas para os fenômenos ligados à mente, Myers julgava necessário considerar também a comunicação entre vivos e mortos, entre homens e espíritos, na condição de hipótese de trabalho válida e digna de atenção.

Como explica ao final de sua última e mais importante obra, “a evidência para a comunicação com os espíritos de pessoas falecidas através dos transes ou escritos de sensitivos aparentemente controlados por estes espíritos está estabelecida além da possibilidade de um ataque sério44”.

A obra em questão é uma compilação analítica de mais de 20 anos de estudos de caso realizados na SPR, que englobam histeria, neuroses, alucinações, superdotação,

43 ALMEIDA, Alexander Moreira de; LOTUFO NETO, Francisco. Idem, p. 132.

44 MYERS, Frederic William Henry. Human Personality and Its Survival of Bodily Death. Charlottesville:

(34)

hipnose, sonambulismo, automatismos sensórios e motores, e outros diversos tipos de casos cujo estudo detalhado e comparado levou Myers à defesa da hipótese espiritual para explicar certos fenômenos de escrita direta e possessão.

2.2.3 Carl Jung (1875-1961)

O psiquiatra suíço, discípulo dileto de Sigmund Freud, e fundador da psicologia analítica possuía uma forma extremamente particular de compreender a mente humana. Diferente dos psicólogos comportamentais, da psicologia experimental, a idéia de Jung era a de descobrir os segredos da consciência por vias alternativas, a exemplo da arte, da mitologia, dos sonhos, e do mundo hermético dos grandes sistemas religiosos.

Foi do cruzamento das informações obtidas por meio de investigação nessas áreas com estudos científicos conduzidos em campos ainda mais alternativos, como a velha alquimia, a astrologia e a cultura oriental, que Jung desenvolveu alguns dos conceitos-chave presentes em sua obra, e que caracterizam sua contribuição peculiar para os estudos acerca da mente. Entre eles, destacam-se o inconsciente coletivo:

Ao lado desses conteúdos inconscientes pessoais, há outros conteúdos que não provêm das aquisições pessoais, mas da possibilidade hereditária do funcionamento psíquico em geral, ou seja, da estrutura cerebral herdada. São as conexões mitológicas, os motivos e imagens que podem nascer de novo, a qualquer tempo e lugar, sem tradição ou migração históricas. Denomino esses conteúdos de inconsciente coletivo45.

Os arquétipos:

[...] naturalmente não se trata de idéias hereditárias, e sim de uma predisposição inata para a criação de fantasias paralelas, de estruturas idênticas, universais, da psique, que mais tarde chamei de inconsciente coletivo. Dei a essas estruturas o nome de arquétipos. Elas correspondem ao conceito biológico do pattern of behavior46.

E a sincronicidade, enunciada por Jung nos seguintes termos: “O princípio da

45 JUNG, Carl Gustav. “Tipos Psicológicos” in Obras Completas. Vol. VI. Par. 851. Petrópolis : Vozes,

1991.

(35)

causalidade nos afirma que a conexão entre causa e efeito é uma conexão necessária. O princípio da sincronicidade nos afirma que os termos de uma coincidência significativa são ligados pela simultaneidade e pelo significado47”.

Para o presente estudo, interessa destacar o papel exercido por tais conceitos dentro das formulações hipotéticas aventadas pelo psicólogo para explicar os fenômenos mediúnicos. Seu interesse por eles surge cedo, ainda quando Jung estudava para receber o título de médico. Foi nessa época que escolheu o tema da fenomenologia anômala para investigar, o que resultou na dissertação Sobre a Psicologia e a Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos, publicada em 1902.

O trabalho, realizado a partir do estudo de caso empreendido pelo psicólogo sobre uma prima de 15 anos, concluiu que “a paciente sofria de uma inferioridade psicopática com uma tendência a histeria. Em seu estado de exaustão nervosa, ela tinha falas de estupor epilético48”, em acordo com as teorias vigentes de Pierre Janet49. Apesar disso, Jung arremata a obra com uma reflexão mais ampla, que deixa entrever uma predisposição para maiores estudos sobre a temática:

Longe estou de acreditar que com este trabalho tenha conseguido um resultado definitivo ou cientificamente satisfatório. Meu esforço visou, sobretudo, à opinião superficial daqueles que dedicam aos fenômenos chamados ocultos nada mais que um sorriso de escárnio; também teve como objetivo mostrar as várias conexões que existem entre esses fenômenos e o campo experimental do médico e da psicologia e, finalmente, apontar para as diversas questões de peso que este campo inexplorado nos reserva. Este trabalho me convenceu de que neste campo está amadurecendo rica colheita para a psicologia experimental [...]50

De fato, décadas mais tarde, em carta a um certo Dr. Künke, ele relata haver se aprofundado bastante na literatura espírita. O suficiente para se ver obrigado a reavaliar as hipóteses de trabalho que julgava suficientes para explicar a vasta produção mediúnica a que

47

Idem. Sincronicidade. Rio de Janeiro: Vozes. p. 53.

48 JUNG, Carl Gustav. “On the psychology and pathology of so-called occult phenomena: 1. Introduction” in Collected Works of C. G. Jung. Vol. 1. 2. ed. Princeton University Press, 1970. p. 260. (p. 3-17).

Disponível em: <http://www.fundacion-jung.com.ar/ingles/cuadernos/cuaderno14.htm>. Acesso em: 30 jun. 2007.

49 ALMEIDA, Alexander Moreira de; LOTUFO NETO, Francisco.

Idem. p. 132.

Referências

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