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Hist. cienc. saudeManguinhos vol.16 suppl.1

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Academic year: 2018

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v.15, n.1, p.73-94, jan.-mar. 2008 7

Teses

Em 2009 comemora-se o centenário de uma das grandes realizações da ciência brasileira: a descoberta, por Carlos Chagas (1878-1934), jovem pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, da doença que leva seu nome.

A tripanossomíase americana atinge, atualmente, cerca de 12 milhões de pessoas na América Latina e integra o grupo das chamadas ‘doenças tropicais negligenciadas’, intimamente relacionadas à pobreza neste continente. Apesar dos notáveis avanços na compreensão científica da doença, e nas ações voltadas a combatê-la, muito há ainda por fazer, alertam os especialistas, os governos dos países afetados e as agências internacionais. Como em outros momentos comemorativos, as atenções se voltam para a história, na expectativa de reconstituição dos fatos e de melhor celebrar a efeméride. A pesquisa histórica, entretanto, vai muito além da celebração, ao buscar respostas para perguntas fundamentais: como seu deu este ‘feito único’ da medicina nacional? Quais foram as circunstâncias sob as quais ele se viabilizou? Qual foi o seu impacto no Brasil e no exterior? Por que depois de tantos anos a doença permanece um problema importante de saúde pública? Os historiadores, municiados com os documentos de época e com as questões e metodologias próprias à disciplina, debruçam-se sobre o tema, em diálogo com os pesquisadores da área biomédica e de saúde.

O centenário desta descoberta traz à reflexão o longo caminho pelo qual a ciência brasileira – mais especificamente a ciência médica do início do século XX, impulsionada pelas ‘conquistas’ da microbiologia e da medicina tropical – instituiu-se como atividade social legítima, com espaços institucionais próprios, reconhecida pela sociedade como importante para identificar e solucionar os problemas da tão sonhada ‘civilização brasileira nos trópicos’.

A perspectiva de associar as reflexões sobre a descoberta de Carlos Chagas como emblema de uma ciência a serviço da saúde e da modernização levou-nos a situá-la, neste número comemorativo, no contexto histórico-social mais amplo que lhe deu sentido como fato histórico e símbolo nacional. Trata-se do debate sobre os ‘males’ deste país que, apesar da confiança no progresso materializado em sua capital da Belle Époque, constituía-se, em seus desconhecidos ‘sertões’, como um ‘imenso hospital’. A célebre expressão de Miguel Pereira, proferida em outubro de 1916, sintetizou discussão vigente no meio médico brasileiro desde a descoberta, no sertão mineiro de Lassance, de que ali grassava um importante ‘flagelo’ do interior do país. Essa discussão ecoaria por muitas décadas com a repercussão da campanha pelo saneamento rural.

O chamado movimento sanitarista da Primeira República constituiu um marco no processo de construção do Estado-Nação no Brasil. A produção historiográfica que o tomou

CARTA DAS EDITORAS CONVIDADAS

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8 História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro Teses

como objeto contribuiu fortemente para a institucionalização da Casa de Oswaldo Cruz e do próprio campo de pesquisa em história da ciência e da saúde no Brasil. Tal produção vem sendo continuada, por meio de novas perspectivas de análise sobre a relação entre ciência, saúde e sociedade, em distintos momentos históricos.

Reunimos, neste número, textos que abordam a descoberta e as pesquisas sobre a doença de Chagas no Brasil e no exterior – alguns deles apresentados na mesa-redonda que a Casa de Oswaldo Cruz organizou (mediante comitê composto por Simone Kropf, Nara Azevedo, Nísia Trindade Lima e Magali Romero Sá) no âmbito do Simpósio Internacional do Centenário da Descoberta da Doença de Chagas (http://www.chagas2009.com.br), pro-movido pela Fiocruz – e trabalhos relacionados ao debate mais geral em torno das idéias e propostas para o saneamento do Brasil. Cabe lembrar que em 2009 também celebramos os 90 anos de importante reforma no aparato sanitário federal do país. Em dezembro de 1919 foi aprovada a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, do qual Chagas foi o primeiro diretor, numa forte evidência do entrecruzamento entre ciência, saúde e política. A metáfora do ‘imenso hospital’ produziu, e continuaria a produzir, não apenas imagens do país, mas ações, políticas e instituições.

Além de artigos escritos por historiadores, o número conta com textos de importantes médicos que atuaram na pesquisa sobre a doença de Chagas: o de Joffre Rezende, na seção artigos; e o depoimento de Francisco Laranja, concedido em 1986, e que integra o acervo de história oral da Casa de Oswaldo Cruz. Enriquecido pela análise de fontes iconográficas relacionadas aos temas da descoberta e do saneamento, o número traz ainda o documento-chave para a criação da imagem do Brasil como ‘imenso hospital’: o discurso de Miguel Pereira. Muito citado, mas pouco acessível aos leitores, esse texto está agora reproduzido na íntegra e analisado em seus múltiplos sentidos.

Convidamos o leitor a nos acompanhar nos caminhos desta história, que, por sua vez, nos leva não apenas a conhecer o passado, mas a refletir sobre os novos desafios e o muito que há por ser feito nos campos da ciência e da saúde.

Referências

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