• Nenhum resultado encontrado

Repositório Institucional UFC: Cinco mentes, almas e corações em um espetáculo de som e imagem

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Repositório Institucional UFC: Cinco mentes, almas e corações em um espetáculo de som e imagem"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

I

r m ã o s

A

n ic e t e

Cinco mentes, almas e corações em

um espetáculo de som e imagem

Antônio, Raimundo. Cícero, Jeová e Adriano são categóricos: "Enquanto os Anicete existirem o folclore não se acaba no Brasil."

E n t r e v is t a c o m Ir m ã o s A n ic e te , d ia

05/06/99.

P r o d u ç ã o , r e d a ç ã o , e d iç ã o e t e x t o fin a l: A le s s a n d ra M a rq u e s , A m a u ri A rra is e C la ris s e F u rla n i. T e x t o d e a b e r t u r a : C la ris s e F u rla n i. P a r t ic ip a ç ã o : A le s s a n d ra M a rq u e s , A m a u ri A rra is, C a ro lin a S o a re s , C la ris s e F u rla n i, D a n ie l B ra n d ã o , F e rn a n d o L ira , Ig o r C â m a ra e K ly c ia F o n te le n e F o to : Ig o r C â m a ra

/ /

Ô

c

I s s a b a n d in h a ,e la é s o m ,im a g e m e

e s p e tá c u lo .” À s p a la v ra s s á b ia s d e seu R a im u n d o , to m o a lib e rd a ­ d e d e a c re sc e n ta r: é ta m b é m m e n ­ te, a lm a e c o ra ç ã o , e s s a b a n d in h a . C in c o m e n te s, c in c o a lm a s e c in c o c o ra ç õ e s. P e rs o n a lid a d e s d istin ­ ta s , q u e r e ú n e m o n o v o e o v e lh o , o m o d e s to e o o rg u lh o s o , o a n tig o e o m o d e rn o , a fa m a e a h u m il­ d a d e , o p a s s a d o e o fu tu ro . E x tre m o s o p o s to s n o p a sso a c e rta d o do tra n c e lim d a v id a.

O s o m , a im a g e m e o e s p e tá c u lo , a s s is tim o s n o e n ta rd e c e r d e u m d e s te s sá b a d o s, e n q u a n to o so l se e s c o n d ia a trá s d a C h a p a d a d o A ra rip e . N o s m il to n s d o p ífa ro s , a h e ra n ç a m ile n a r d o s ín d io s C a riri. N a b a tid a c o n ta g ia n te d a c a ix a e d a z a b u m b a , a le m b ra n ­ ç a d o v e lh o J o s é L o u re n ç o , o “ A n ic e te ” , q u e a b e n ­ ç o o u c o m o d o m d a m ú sic a as g e ra ç õ e s d e s c e n d e n ­ te s d a f a m ília S ilv a . N o c h ia d o m e tá lic o d o p ra to in d u stria liz a d o , a lib e rd a d e d e in o v a r, p o is a tra d iç ã o

n ã o se p re s ta a c a m is a -d e -fo rç a .

A in d a c o m o so m e m a lg u m lu g a r e n tre o tím p a n o e a a lm a , c o m a im a g e m d a d a n ç a n a m e n te e o e s p e tá c u lo b rilh a n d o n o s o lh o s , s e n ta m o -n o s e m to m o d e u m a m e s m a c o m o h e ró ic o in tu ito d e d e s ­ v e n d a r a s m e n te s , as a lm a s e o s c o r a ç õ e s d e R a im u n d o , A n tô n io , C íc e ro , J e o v á e A d ria n o . O b rilh o d o s o lh o s foi a o s p o u c o s d a n d o lu g a r à te n sã o d as m e n te s e n o s p e rd e m o s e m a lg u m lu g a r e n tre o d isc u rso e a a ç ã o .

O m u n d o , ta lv e z , fo s s e m a io r q u e o a b ra ç o d e n o ssa s p e rn a s. T a lv e z , e s s e s c in c o se re s -u n iv e rs o n ã o c o u b e s s e m n o s tó p ic o s d e n o s s a p a u ta . O u a in d a , ta lv e z n ã o te n h a m o s c o n s e g u id o s s e r um e m n o v e , a s s im c o m o o s Irm ã o s A n ic e te sã o u m e m c in c o .

M a s a s p a la v ra s sã o m á g ic a s . P o rq u e ta m b é m e la s p o d e m se r so m , im a g e m e e s p e tá c u lo . B a sta q u e sig a m seu c a m in h o n a tu ra l: se ja m re c e b id a s p o r u m a m e n te , se n tid a s p o r u m a a lm a e to m e m as asa s da im a g in a ç ã o p a ra a te rris s a r n u m c o ra ç ã o . D o so m m a g n é tic o d o s g ra v a d o re s às p á g in a s d e s ta re v ista , as p a la v ra s d o s c in c o m ú s ic o s re v e la ra m u m a riq u e ­ z a q u e p o d e te r p a s s a d o d e s p e rc e b id a n a te n sã o d a e n tre v is ta . D a s p á g in a s d a r e v is ta a o c o ra ç ã o d e v o c ê s, e la s p o d e m se tra n s fo rm a r d e n o v o e m e s p e ­ tá c u lo .

N a s lin h a s e e n tre lin h a s , n a s p a la v ra s sim p le s e n a s fra se s n ã o te rm in a d a s , n o d is c u rs o p ro n to e n a s in fo rm a ç õ e s c o n fu s a s , a s c in c o p e rs o n a lid a d e s re v e la m -s e a c o n ta -g o ta s . A s im p lic id a d e d e seu R a im u n d o c o n tra s ta c o m a p o u c a -m o d é s tia d c seu A n tô n io . A tim id e z d e C íc e ro e Je o v á te m seu o p o sto n a d e s e n v o ltu ra d e A d ria n o . A s a b e d o ria d o s m a is v e lh o s s e r e a liz a n a c o n fia n ç a d o s m a is n o v o s.

S ã o p ala v ra s d e m e n te s q u e v ia ja m o B rasil, m as tê m o c o ra ç ã o f in c a d o n o so lo d o C a riri. S o lo q u e é s in ó n im o d e v id a: lá e s tã o p la n ta d o s a lo n g ín q u a tra d iç ã o in d íg e n a , a m e m ó ria d o p a i-ín d io d e o re lh a g ra n d e e d a m ã e -c a b o c la tra b a lh a d e ira , a tim b a ú b a p a ra a z a b u m b a e a ta b o c a p a ra o p ife .

S ã o p a la v ra s d e q u e m se a c o s tu m o u a fre q u e n ­ ta r as p á g in a s d o s jo r n a is e d a s te se s c ie n tífic a s e n q u a n to lid a d ia ria m e n te n a ro ç a , tra b a lh a n d o na te rra a lh e ia . D e q u e m g o s ta d e se a p re s e n ta r e n tre lu z e s p a ra m ilh a re s d e p e s s o a s , m a s n ã o se a c a n h a e m a n im a r a f e s ta d e re n o v a ç ã o d a c a s a v iz in h a .

(2)

Entrevista

Irmãos An ice te

Clarisse -

Eu queria ped ir pro seu Raim undo e p ro Seu Antônio, que são os m ais velhos, com eçarem f a ­ lando da form ação da banda, da época do p a i de vocês.

Raimundo

- Pois nã o . P esso a l, bo a tarde! (todos respondem ). A qu i se ap re se n ta a b an d in h a d o s irm ãos A nicete, daqu i d e Crato (município do sul do Ceará, a 5 7 9 km de Fortaleza),

qu e hoje tá co m e m o ra n d o aqu i esse co n v ite e a gente ve io co m p arec er. E s­ sa b an d in h a ve m d e m eu pai, isso é um a raiz q u e m eu pai d eix o u p ra nós. A í n ó s ve m co n tin u an d o co m essa b an dinh a. E ssa b an d in h a já and ou q u a s e o B ra s il to d o , c o m e s s e s co m p o n en te s, a g en te j á and ou se ap re se n ta n d o em q u ase n o B rasil to ­ do. Já vam os co m d o z e v ia g en s de av ião, e já v am o s co n h e c e n d o um p o u co do m u nd o , v iu ? A í a ban- d in h a é alegria, tá send o a aleg ria do n o sso B rasil, e ssa b an d in h a. N o lu g a r q u e tá m e io triste, e ssa b an ­ d in h a ch e g an d o an im a, q u e ela é g o sto sa, v iu ? (ri)

Igor -

Mas, seu Raimundo, com o é que fo i a form ação da banda? Como é que fo i que co­ meçou ?

Raim undo-

E ssa b an d in h a, é o seg uin te: ela co m eç o u co m m eu pai. M eu pai q u a n d o co m eç o u , tin h a o u tro s co m p o n e n te s, tin h a uns am igo s dele. A í foi ch e g an d o o s filh o s, a í fo ra m ap re n d en d o , né? E de fato qu e h oje, pai m o rre u , co m 104 ano s d e id a d e, aí d eix o u essas raízes, d eix o u os filh o s pra c o n tin u a r com a ban dinh a. A í ele d izia - q u e eu ain da assisti ele diz er: “M e u filho , q ua n d o eu m o rrer, n ão d eix a a b an d in h a ca ir, q u e eu ten ho m u ito filho , a í vai p a s­ sa n d o d e um p ra o o u tro ” . A í, d o m e s­ m o setor, a g en te vem p assan do . Já m o rre u do is irm ãos, m a s a b an d in h a tá co n tin u an d o , viu? E u sou irm ão de A n tô n io , e sse aqu i (aponta p a ra C í­ cero) é filh o d e Jo ã o , j á é so b rin h o nosso, esse aqu i (aponta para.Jeová)

tam b ém é sobrinh o, e A driano tam bém j á é filh o d e A n tô n io . E a g en te v em

c o n tin u a n d o co m a b an d in ha .

Fernando -

Seu Antônio, 104 anos o seu pai, né? Q ual é o segredo dessa alegria? Qual fo i esse segredo de tanto tempo de vida?

Antônio

- R ap az , o se g re d o é o seg uinte: é porqu e, qu an d o ele existiu , a g en te to cav a ju n to c o m ele, isso pra nó s foi um a aleg ria m uito g ran de que nó s tiv em o s em e s sa b a n d a ter su rg i­ d o no B rasil, né? A í nó s so m o s o s con- tin u ad o res das ra íz es, e n ós tam o s c o n tin u a n d o c o m esse fo lclo re, pra não d e ix a r e ssas ra íz es se ac ab a re m , né? E nó s te m o s o m á x im o p ra z e r de

incentivara no ssaba n d ae nós querem os q u e o p esso al in c en tiv e tam b ém pra essa b a n d a não se acab ar. N ó s te m o s o m áx im o p raz er d essa b an d a ir pra fren te, se D eu s q u iser. É ta n to q u e eu ten ho dito: “E n qu an to os A n icctc ex is­ tire m , o fo lc lo re não se ac ab a no B ra ­ sil” . P o rq u e cada v ez n ós ta m o s co m alegria e co m aquele m áxim o prazer de ta n g e r essa b an d in h a pra frente, pra n ão d e ix a r se acab ar. A í, tem m uita g en te po r a í q u e fica d izend o: “E u sou os Irm ãos A n icete” - qu e nós gravam os ag o ra u m C D , c tu do m ais - e o p o v o fica co m os "óião" e te m d eles aí, tem m uitas b an d a s, m as eles q u e re m sa b er to car. M a s ele to c a a í d e q u a lq u e r m a­ neira, e nós en ten d e um pouqui nho. A í eles ficam co m o "oio" d esse tam anho.

A í tem g en te q u e diz: “ E u so u os Irm ã o A n ic e te ” (afinando a voz),m as não é. O s A n ic e te é nós. M u ito o b ri­ gado.

Klycia -

Seu Antônio, m e diga uma coisa: de onde vem o nome A n i­ cete ? Era um apelido do pais de vocês ? E o q u e significa?

Antônio

- E um ap elid o. S ig ­ nifica... É p o rq ue nós m o ram o s a í num p é d e se rra, aí tin h a um velh o q u e b o ­ tou esse a p e lid o e m p ai, d e A n icete, e n ós ficam o s tu d in h o p o r A n icete, por apelido.

Fernando -

Seu pai, Raim undo, era índio ?

Raimundo

- E ra índio .

Fernando -

E vocês se co n ­ sideram índios

?

Raimundo

- N ó s já som os j á p o r se g u n d o o u te rc eiro (ele se refere a um a segunda ou terceira geração),

p o r aí, n é? Q u e o m eu pai era índ io , o m eu pai tin h a a "oreia" g ran d e, no ssa "oreia" j á é m iud in h a. Já m ãe não era índia, m ãe era u m a "c ab o q u in h a", não sa b e? A "oreia" d e m ã e e ra b e m m iu ­ d in h a , m as a "oreia" d e pai d a v a q u ase u m a ch ave , a "oreia" era g rand e (todos riem).E ra índio . T in h a um a raç a b o a d e índio .

Clarisse -

M as fo ra a orelha, o

que fa zia ele ser índio? Ele tinha tra­ dições

?

Raimundo

- N ão , p o rq u e as trad içõ es no ssas sã o as m e sm a s dos índios, os índios C ariris (etniajá extin­ ta que habitava a Chapada do A ra r ipe e regiões próxim as. Tidos com o ex­ celentes músicos).A s n o ssa s toc ad as, tu d o é p é-d e -se rra , tu d o p ro v em d o s í n d io j á v em d e longe.

Clarisse -

A s danças também?

Raimundo

- É , as n o ssa s d a n ç a s já foi pai qu e en sin o u a n ós d an çar. E sse tran c elim (dança regional) já v em d e m u ito lon g e, né? V em d c m eu pai.

Klycia -

E a tocar instrum entos? Ele também ensinou a vocês?

Raimundo

- A g o ra é q u e o s in stru m e n to s n o sso s sã o feito s de m ad eira, e o s in stru m e n to s d os índios, an tig am en te, e ra m de c a b a ­ ço (ou cabaça. Fruto da cabacei­ ro, que depois de seco e lim po in­ teriorm ente, se presta com o reci­ piente de líquidos), d a roç a, q u e h o je o p o v o ch a m a m o rin g a, pra ca rre g a r ág u a, p la n ta v a n a roça. A í d e v id o a um p lu ralzin h o q u e o cab aç o tem , a g en te n ão e x p lic a o cabaço , ch a m a c a b a ç a is, tem um fem in in o zin h o p elo m eio , q u e o n eg ó cio m u d o u, né? M a s o c o s tu ­ m e m esm o era ca b aç al, m a s h o je a g en te não p o d e ta la r n o cab aç al não, q u e o p o v o ig n o ra. A í n os b o ­ tam o s o no m e d a b an d a d e ca b aç ais, q u e p eg a um p lu ra lz in h o , n é? A í p ro nto . (Seu Raim undo se confundiu, pois o nome da banda é Banda Caba­ çal do s Irm ãos A nicete. Na pré-entrevista, Seu Ra imundo explicou que a confusão em to m o do nom e se dá porque o term o cabaço tam bém se refere ao hímem, à virgindade das m ulheres)

Antônio

- P o rq u e e sses índios, esses ín d io s C ariris faz ia m o s cu m - bu co s d e ca b aç a, q u e c h a m a m o ring a, m as eles n ão tin ha m os p ífaro s (ou pífanos. Instrum ento de sopro, sem e­

lhante a uma flauta. D o italiano ‘p i­ f e ro

\

A fo rm a popular é pife ou pifo. A s bandas cabaçais tam bém são co­ nhecidas com o ‘banda de pífano

’),

eram u m as gaitas. E les b o ta v am os co u ro s, e se d iv ertiam : “ T u m tun d u m tu n d um , tu n d u m ” (im itando o som dos instrum entos), sem p ífaro. O n o s­ so h o je te m p ífaro, p rato , m a s eles era só o bu m b o, sem p ífaro. A in d a ho je tem o p iad o d eles n a te lev isão , d e vez em q u a n d o a p a rece eles p ia n d o a q u e ­ la gaita.

Igor -

M as qaem começou com os pífaros fo ra m vocês?

Antônio

- Fo i nós.

Raimundo

- Fo i m e u

pai.

J á vem

“ A b an d in h a é aleg ria, tá

sen d o a aleg ria do no sso

B rasil, e ssa b a n d in h a . N o

lu g ar q u e tá m eio triste,

essa b an d in h a ch eg an do

an im a, q u e e la é

g o sto sa, viu? ”

N o v e e n t r e v is t a d o ­ re s e c in c o e n tre v is ­ ta d o s . E s s a p a rtic u ­ la rid a d e e ra a p r in ­ c ip a l p r e o c u p a ç ã o d o s a lu n o s , d e s d e o in íc io d o tr a b a lh o .

S e g u n d o o p r o f e s ­ s o r R o n a ld o S a lg a ­ d o , e s s a s itu a ç ã o fo i

sui generis

n ã o s ó n a R e v is t a E n t r e ­ v is ta , m a s e m to d a a s u a c a r r e ir a jo r n a ­ lís tic a .

(3)

Irmãos Anicete

Entrevista

O p r im e ir o c o n t a t o d a p ro d u ç ã o c o m o s Ir m ã o s A n ic e t e s e d e u c o m m a is d e u m m ê s d e a n t e c e ­ d ê n c ia , a tr a v é s d o ra d ia lis ta E ló i T e le s d e M o ra e s , o e m p re ­ s á r io in f o r m a l d a b a n d a .

D u r a n t e a p r o d u ­ ç ã o , a lé m d e s e u E ló i, fo r a m o u v id o s o m ú s ic o C a lé A le n ­ c a r, a jo rn a lis ta E le u - d a d e C a rv a lh o e o p r o f e s s o r e g u r u G ilm a r d e C a rv a lh o .

3 8

d e m eu pai.

Carolina -

E como é que vocês m antêm essa tradição, da música, da musicalidade, das danças?

Raimundo

- B em , é o se g u in te ...

Carolina -

Vocês não se co n ­ sideram m ais índios?

Raimundo

- N ão . A g en te p o d e te r a té a raça q u e m eu pai tin ha , n é ? A í a g en te, d e v id o ao n ú m ero d e to c ad a q u e a g en te co n he ce , tud o, a g en te tem ta m b cm , n é? A g en te não é lim p o não. A g en te te m a...

Antônio -

(interrom pe) É u m a m is tu ra , né?

Raimundo

- É u m a m istu ra. É.

Antônio

- A qu elas d an ç as q u e eles faz em , aq u eles p u lo s q u e os ín dio faz em , a g e n te faz m ais. (ri)

Igor -

M as a m úsica ? Vocês fa la m das m esm as coisas que o p a i de vocês falava?

Raimundo

- É , te m m uitas q u e é de pai, e te m m uitas q u e é n o ssa , d ’ag o ra m esm o . É o se ­ g u in te , essa b an d in h a n ós faz na h o ra, q u ase não tem n ada, q u ase de n in g u é m , de z a b u m b e iro n en hu m aq u i en c o sta d o não. T u d o é nosso.

O qu e nós fizer, é nosso mesmo...

Antônio

- ...é n o ssa criaçã o...

Raimundo

- N ós fa z na ho ra, v iu ? É d a roça, p ro v ém d a roça, v iu ? É o marimbondo (umadança),

é o caçador e o cachorro e a onça (refere-se à m úsica “ O ca-cho rro, o caçador e a onça ”, quinta fa ixa do CD), é O pulo da cobra...

Antônio - ...

O casam ento da acauã com o gavião (sétim a fa ix a do CD)...

Raimundo -

O casam ento da acauã com gavião, tu d o é co isa nossa.

A briga do Severino B ra b o, tudo é d a g e n te , n ão sa b e? , q u e é com d u a s peixeiras.

Fernando -

Severino Brabo

,

quem é esse Severino?

Raimundo

- S ev erin o B rab o foi u m h o m em q u e tin h a aqui no pé da se rra , a n tig a m e n te , q u e e ra m u ito valente. A í, q u an d o d e não a c h av a c o m q u e m b rig ar, b rig a v a so zin ho , m etia a fa c a p ra c im a ...(m o r). A í eu ap ren d i. Q u a n d o o s m e n in o s to c a m o b a iã o eu b ato d em ais faca e saio d an d o u m tro ca d o b o nito , viu?

Fernando

- E os meninos, os m ais novos, eles lem bram do avô? Têm algum a referência?

Raimundo

- A in da . E les ain d a alca n ça ra m a v id a d e pai ain da , viu? É, ain d a alcançaram .

Clarisse -

O que vocês le m ­ bram ?

Adriano

- E u ain d a m e lem b ro do m eu avô...

Antônio -

(Interrom pe)E le era

m u ito p eq u en o ...

Raim undo-

Já tá co m v in te anos q u e e le m o rre u, é.

Adriano

- Fui m u ito na c a sa dele. A té no d ia qu e e le m o rreu eu m e lem bro. M a s só q u e ele não to cav a m ais não.

Antônio

- A í se a lg u ém p ro cu rar: “ M en in o, vo cê s to c am a m ú sic a de o u tro s alg u ém p o r aí?” N ó s to ca. M as nós g o sta m o s m ais de rep rese n ta r o q u e a g en te ap ren d eu , o q u e a g en te sabe...

Raimundo -

(falando ao m esm o tempo) Am ú sica d o fo lclore, a m ú sica d o fo lc lo re tu d o é nossa, viu?

Antônio

- ...m as a g en te toca, L u iz G o n z a g a ... (can to r p ern a m ­ bucano,já falecido, conhecido como o

“ S ev erin o B rab o fo i um

h o m e m q u e tin h a aq u i no

p é d a serra (...) q u e era

m u ito v alen te. A í, q u an d o

ele n ão ach av a co m q u em

brigar, b rig av a sozin ho,

m e tia a faca p ra c im a ” .

"Rei do Baião ”. Uma das m aiores referências da m úsica nordestina, autor de sucessos como

Asa Branca ” e “Assum P reto ”).

Raimundo

- . . .aí n ós to ca tam bém fo rró a n o ite tod in h a...

Antônio

- ...toc a fo rró , to ca pra dançar...

Raimundo

- ...p ra d an çar. À s vezes n o s v am o s faz er u m sh ow e, q u a n d o n ós te rm in a , tem um rec in to assim q u e n em e s se salão aqui, aí o p e sso a l d a n ç a até d e m a n h ã , n ós to c an d o ... Só fo rró , c o isa b o a, viu?

Fernando -

Q uem f o i qu e descobriu os irm ãos Anicete?

Raimundo

- Q u em d esco b riu os irm ão s A n icete? (pausa)R apa z, qu em d esco b riu o s irm ão s A n icete, pelo seg uin te... Foi o pú blico m e sm o, sabe? Q u e a g en te co m eç o u a to car, n ós não tem le m b ranç a d o descobrim ento, não.

Fernando -

Assim, quem fo i que viu que vocês eram im portantes?

Antônio

- Já v em d e m u ito lo n ­ ge...

Raimundo-

A h, já v em d e m uito lo n g e q u e nós fo m o s d esco b e rto s, né?

Clarisse -

Vocês falaram muito do p a i de vocês. Eu queria que vocês fala ssem um pouco da mãe, também.

Raimundo

- E u falo ... A m in h a m ã e m o rre u co m 102 ano s, qu ase ac o m p a n h a m eu pai n a idad e, não sa ­ b e? A í, era u m a v elh a m u ito tra b a ­ lh ade ira, era u m a co isa ce m p o rce n to . E ra u m a lin d eza , m in h a m ãe, ela m o r­ reu . A in d a h o je eu sin to , q u e a m inh a m ã e m o rre u , n ão sa b e ? E as irm ãs era o seg u in te : tin h a d u as irm ãs q u e to c a­ v am , tam b ém , na bandinha. U m a m o r­ reu e h o je a o u tra tá em Ju a ze iro (Do N orte

,

m unicípio cearense, vizinho ao Crato, que fic a a 5 57km de Fortaleza).

E la to ca b em , tam b ém , n a bandinha, na h o ra q u e faltar um , um não tiver, ela com p arec e.

Clarisse -

Pode tocar m ulher na bandinha?

Raimundo

- P o d e, p o d e, pode. A í n ó s tin h a d u a s irm ã s q u e to c av a m , b em . N ão faz ia viagem pra fo ra n ão m as to c av a e m re­ n o v aç ão ... (festa religiosa tradi­ cional no interior do Nordeste. A renovação é realizada um a vez p o r ano, em cada casa, em datas diferentes)U m a to cada parada, né? E la s tira v a u m a n o ite tod in h a, to ­ cando.

Alessandra

- S e u Antônio, da época em que seu p a i era vivo, que outras lembranças, além da m ú­ sica, o senhor tem ? Como era o convívio do p a i com os filh o s? O que você achava do seu pai?

Antônio

- Ó i, n ó s a c o m ­ p an h a v a, e era u m a ad m iração, n ó s co m d e z ano s, n ó s co m e ç a m o s a t o c a r c o m d e z a n o s . E n ó s ac o m p a n h a v a pai, p ra essas festa s re lig io sa s, q u e aqui, n ós le v a o sa n to pra ig reja, a í lá m a n d a o pa d re batizar. A í a g e n te vai, fa z a en tro nização . N aq u e le te m p o, q u e a g en te m and a e n tro n iz a r, d e a n o em ano, a í a gente f a z a r e n o v a ç ã o , n ó s c h a m a a R e n o v a ç ã o d o C o ra ç ã o d e Jesu s. Q ue é a sem elh ança de Jesus. A í fica fazendo to d o s o s an o s. E sse p esso al d e pé-d e- s e r r a g o s t a m u ito d e f a z e r a s ren o v a çõ es, e nós era q u e m to c av a - a in d a h o je n ó s to c a - e era um a ad m iração m a io rd o m u n d o q u e o po vo tin h a d e n ó s, g aro tin h o s, ac o m p a n h ar pai, eu j á to c a n d o u m d o z in h o m aior, um ré m en orzinh o, era u m a ad m iração d o p o v o , e n ós tin h a a q u e la satisfaç ão g ran d e d e ac o m p a n h ar.

Clarisse -

Já desde criancinha vocês têm contato com a música?

Raimundo

- E u co m ec ei a to car co m o ito an o s d e idade.

Antônio

- E eu co m dez.

Klycia

-

E vocês sabem quem ensinou ao p a i de vocês? Vocês falam que aprenderam com o pai. E ele?

(4)

Entrevista

Irmãos Anicete

d iz e r qu e de pai pra nós, q u e e u sou de 32, R a im u n d o d e 34. E le m o rreu com 104 ano s, q u e r d izer, eu já tô co m 66, q u er d iz e rq u e fa z is s o 169 an o s d e pai p ra nós, q u e a b a n d a já vem . (Seu Antônio exagera

,

tentando calculara idade da banda. N a verdade, não se pode apontar uma data com exatidão. A banda teve início com. o p a i de Seu Antônio, m as segue raízes seculares.)

Alessandra -

E como era que o p a i de vocês fa zia pra ensinar? Como é que ele ensinava a m úsica?

Antônio

- E le to c av a e en sin av a, e nós ia ap re n d en d o , o qu e ele tava toc an d o nó s escu ta v a, e g rav av a e to cava. A té q u e n ó s ap ren d em o s.

Clarisse -

E os meninos, os m ais novos, com o é que com eçaram a entrar na banda? Como é que com eçaram a se interessar?

Adriano

- D a m esm a form a. N ós en tra m o s ag ora h á p o u c o te m ­ po, tem po u ca h istó ria pra co n ta r e tem m uita, a o m e sm o te m po . A g en te se m p re ac o m p a n h o u eles, d esd e ga ro tin h o , tam b ém . T o d a ren o v a ção a g en te ia m ais eles. E ra ali escu ta n d o eles to can d o , a g en te se n ta v a ali p erto , ia escu ta n d o , escu ta n d o ... T o d o s nós d aq u i, a g e n te se m p re tem aq u e la v on tade , q u a n d o a g en te q u e r um a co isa, a q u e la v o n ta d e p o r d e n tro , d e aprender. E u se m p re ia, q u e eu a c h a v a m u ito b o n ito aco m p an h ar. E u g o s ta v a m u ito , n ã o p e rd ia n en h um a R en o v aç ão ... E scu tav a , e p e g a v a o pife em casa, co m e ç a v a a to c ar e c h e g a v a p ra p erto , escu tan do . S em p re tiv e aq u e la v o n ta d e, n é? Eu sa b ia q u e ia p a ssa r pra m im , m esm o , a í co n tin u ei. Só qu e, até um tem po de sse, an tes d e eu to c ar a zabu m ba aqui, eu tinha um trio (tipo de conjunto m u sica l que ex iste no N ordeste, fo rm a d o p o r zabum ba

,

sanfona e triângulo ou pandeiro), to c av a m ais fo rró , e ssa s c o isa s... M a s se m p re sa b en d o q u e um d ia - q u e é de pai pra filh o - ia to c ar n essa ba n da . A í eu entrei, ag ora há p o u co tem po. A m aior sa tisfaç ão q u e eu ten h o é an d a r m ais eles e g o sta r e d iv u lg a r o trab a lh o da ge n te, folclore, e as c o isa s reg io n ais.

Igor -

E vocês j á tinham a inten­ ção de fa z e r apresentações para o público?

Raimundo

- Já . Já v eio d e m eu pai. Q ue m eu pai fa z ia a q u e le s e sp e ­ tácu los, a í v in h a e n sin a d o a nós, q u an ­ d o n ó s c h e g a v a num recin to , nu m a Renovação, num a igreja, aín ósch ega va co m a M archa de Chegada (primeira fa ix a d o CD),né? E le e n sin a v a : "M eu

fi lho, v am o s c h e g a r c o m a M archa de Chegada

"

. A í, ain d a h o je n ós tem essa

M archa de C hegada, p ro rec in to ,

né? T e m a M archa de Chegada, "de Saída" (M archas Saideiras, vigési­ ma. vigésima segunda e vigésima quarta fa ix a s do CD. Todos as apre­ sentações têm início com a M archa de Chegada e são encerrados com a M archa de Saída),tu d o foi m eu pai qu e en sin ou .

Igor -

E como é que o público recebia, aqui?

Raimundo

- A v e M aria , é um a m aravilha! Q u an d o a g en te p a ra v a a

M archa de Chegadaaí a p a lm a b atia logo, q u e a g en te e ra u n s g aro tin h o s p eq u en os, a í era b o n ito , v iu ? A í a g en te in cen tiv o u a ban din h a, ain d a h o je n ós tam os in c en tiv an d o a b a n d i­ nha. G ra ça s a D eu s, nós tem q u e ir lon ­ g e, viu?

Amauri -

Seu Antônio, a f a ­ bricação do s instrum entos, vocês aprenderam desde criança?

Antônio

- É n ós qu e faz. Z a b u m ­ ba, a c a i x a , é ele q u e faz, R aim u n d o. E u faço o s p ífa ro tam b ém , ele (Rai­ m undo)ta m b ém faz.

Raimundo

- N ós só não fa z o s prato s, m as o resto tu d in h o é a g en te q u e faz.

Adriano-

O in stru m e n to e a m ú ­ sic a q u e a g en te to c a, ta m b ém q u em faz é a gen te.

Antônio

- T u d o é c o isa d a gen te, tu do .

Raimundo

- E s s e co n ju nto, é o segu in te: n ó s so m o s iguais, o q u e um faz o o u tro faz tam b ém . E u toco o pife, esse toca, aq u e le to ca, aqu i tu d o tro ca d e u m p ra ou tro , nâo sa b e? Q u an d o um tá c a n sa d o , u m p eg a, o u tro pega...

Fernando -

M as na apresen­ tação, vocês...

Raimundo

- (interrompe)É , na ap re sen ta çã o tem qu e fec h a r só eu e A n tô n io (nos pífaros).

A driano-

M as nu m a ren o v ação, q u e a g en te fo r, a í um to c a um p ed a ço o p ife, p e g a o o u tro , a í troca, vai tro ­ ca n d o a té te rm in ar a ren o v ação . T e r­ m ina o nze, d oze d a no ite, aí a g en te vai

em bora.

Raimundo

- A g ora, A n tô n io é o m aestro d os p ife. E le é o p rim e iro p i­ fe e eu sou o se g u n d o. E sse aí, d en tro d o B rasil, n ó s não ac h am o s ain d a um c a m a ra d a p ra d e rru b a r ele em to ­ n alid ad e d e p ife, não.

A n tô n io - N ão te m não. N ã o ten h o nem m edo . (todos riem.)

Igor -

M as quando com eçaram os prim eirossh o w s comerciais, p a ­ gos?

Raimundo

- N ão , a g en te q u ase qu e n u n ca toco u d e g raç a não. Q u e u m a ren o v ação, a g en te v em to c an d o nu m a ren o v a ção , a í m eu pai, n esse te m p o aju stav a p o r d ez to n s, m il e q u in h e n to s, c in c o m il réis, a í foi su b in d o , fo i sub ind o. J á h o je n ó s to ca n u m a renov ação po r cem , ce m reais, n é? C e n to e cin q u en ta , c o n fo rm e a d istân cia, ain d a v em n o m esm o lim ite, ainda.

Klycia -

Eu queria voltar só um pouquinho. Queria que vocês falassem um pouco de com o éfeito

o instrumento, a madeira...

Raimundo

- P o is n ão . A m a d eira d e n ós fa z e r za b u m b a é d e tim b aú b a (árvore leguminosa, de m adeira branca e mole, m ais en­ c o n tra d a em e n c o n tra d a em flo resta s pluviais).É feita d e um

pau qu e n ós tem aqui, se ch a m a tim baúba, q u e é u m a m adeira m ole, é b o a d a g en te p e rfu ra r ela. É um ro lo g ro sso , p ra p o d e r d a r um zab um b a, é g ro ssão . A í a g en te fu ra um b u raq u in h o assim n o m eio , não sa b e? A í vai a fu n d a n d o , e vai d e sc e n ­ do , vai d esce n d o, vai d esce n d o , até q u an d o fica d e ssa fm u rin h a aq u i, ó

(m o stra a esp essu ra d o aro no instrumento

,

cerca de um centímetro).

A té q u an d o fic a n esse se to r, ao to ­ do, não tem em en d a não. E ssa m a d ei­ ra, ela não c o m p õ e em en d a n ão , é um ro lo só, não tem e m e n d a não.

Klycia -

Vocês fa ze m isso com faca?

Raimundo

- É co m facão, co m se rro te . A g e n te b e m n ã o te m a ferra m en ta d a g en te cu ltiv ar, n é? A í a g en te trab a lh a co m facão, co m se rro te véi, co m m ach ad o ... N ó s não tem cu rru p io (furadeira) nem essas coisas, nós n ão tem não.

Alessandra -

Q uanto tem po dem ora pra fic a r pronta um a za ­ bum ba dessa ?

Raimundo

É u m m ês. P ra faz er um a b an d in h a é um m ês to d in h o

Alessandra -

O p ife é m ais rápido?

Raimundo

- N ã o , o p if e é lig eirin h o, d e u m d ia p ra o u tro a g en te ap ro n ta. Q u e o p ife a g e n te n ão faz só um , só u m p ife g asta c in c o m in u to s,

“E sse p esso al de p é-d e-

serra g o sta m u ito de fa z e r

as ren o v açõ e s, e nós era

q u em to c av a (...) era u m a

ad m iração m a io r do

m u n d o q u e o po v o tin h a

d e nós, g aro tin h o s,

aco m p an h ar p ai”

A c o la b o r a ç ã o d o a lu n o P a b lo A s ­ s u m p ç ã o fo i e s s e n ­ c ia l. E le e s ta v a p e s ­ q u is a n d o s o b r e o s A n ic e t e p a r a s u a m o n o g ra fia , e já e ra a u t o r id a d e n o a s ­ s u n t o .

Ir m ã o s A n ic e t e o u Ir m ã o s A n ic e t o ? A p r o d u ç ã o r e s o lv e u c h a m á - lo s d e A n i­ c e te . É e s ta a m a ­ n e ir a q u e o s e n tr e ­ v is t a d o s a d o ta m .

(5)

Irmãos Anicete

Entrevista

N o d ia d a d is c u s s ã o d a p a u ta , a jo rn a lis ta E le u d a d e C a rv a lh o d is s e q u e A n ic e to foi a fo r m a im p o s t a p e la m íd ia . P o r q u ê ? N ã o s e s a b e .

A le s s a n d ra e C la ris - s e , a c o m p a n h a ­ d a s d a a lu n a H e le n a F é lix , fo ra m a o C ra - to p a r a a p r ó - e n - tr e v is t a . N ã o a c o n ­ s e lh a m o ô n ib u s “ s e l e t i v o ” n e m a o p i o r i n im ig o .

4 0

né? M as a g en te, q u an d o vai fazer, faz é d e cin q u e n ta p ra lá, logo. (o pife é fe ito de taboca, m adeira oca sem e­

lhante ao bambu. D epois de seca, a ta­ boca é fu ra d a com fe rro quente e uma das extrem idades é tampada com ce­ ra de abelha.)

Fernando -

Vocês fa zem ins­ trum ento pra vender?

Raimundo

- É, faz. Isso a g en te vende.

Fernando -

V ende zabum ba tam bém ?

Raimundo

- V e n d e , v e n d e a b an d in h a co m p leta. V ai o za b u m b a e a ca ix a e u m casal d e pife. Já vai no p o n to de tocar.

Antônio

- E aq u i, eu fab riqu ei isso d aq u i, a í eu tô traz en d o , q u e é pra v o cê s d a re m u m a a ju d a a gente.

(N esse m om ento, seu A n tô n io p e g o u um a ca ix a com vários pífaros que havia fe ito para vender nessa ocasião).

Fernando -

Fazendo comer­ cial, né?

Clarisse -

A gente pode ver isso no final, tá?

Antônio

- A qu i é nós q u e faz.

Clarisse -

V ocês j á fo ra m film a d o s p elo Rosem berg Cariry

(cineasta ce aren seq u e dirigiu, entre o u tros, o lo ng a-m etrag em Corisco e Dadá. R o sem b e rg foi um d os p r im e ir o s p e s q u is a d o r e s d o s Irm ã o s A n ic e te , rea liza n d o em 87 o d o c u m e n tá rio Irm ãos A nicete

-Pifemos e Zabumbas), vêm sempre grupos com o o da gente entrevistar vocês. Vocês lembram quando isso com eçou? Q uando com eçou a vir gente de fo r a pra se interessar pelo trabalho de vocês?

Raimundo

- M enina, é o seguinte: eu m e lem bro d e 58 p ra cá. A p rim e ira viage m n ós fizem o s ao R io G ra n d e do Sul em 60. A í fica m os sa in d o , pra fo ­ ra. A í fo m o s R io G ra n d e d o S u l, R e ci­ fe, R io , S ão P au lo , B rasília, e R oraim a e P o n ta G ro ssa (Paraná)...Já o B rasil q u a se tod o. S ó não sa ím o s do B rasil a in d a, m a s an d o u b em p ertin h o

Fernando -

O que essa banda tem de diferente das outras?

Raimundo

- E ssa b a n d a tem rev o lu ç ão , n ão sa b e ? E ssa b an d in ha , e la tem so m , im a g em e esp etá cu lo . E m u itas b an d in h as têm s ó o som , m as n in g u é m tem e sp etá cu lo d e nada.

Fernando -

E o espetáculo, o que é?

Raimundo

- É brinc ad eira .

Adriano

- O e sp etá cu lo é, to ­ m a n d o a p alav ra dele, é d iv u lg a n d o o trab a lh o d a ro ça , a g en te tira d a ro ça o trab alh o .

vai e d iv u lg a nos sho w s. O trab a lh o , o esp etá cu lo , foi cria d o b asea d o e m fato s reais.

Raimundo

- É, e x a ta m en te, é. M as tem m u itas b an d in h as aqui, m as só to cam m ais é se n tad o , q u e nem nós tarnos aqui. N ão tem rev o lu ç ão n em nada. A í p ro nto .

Carolina -

Vocês ensaiam?

Raimundo

- N ó s en saia , ensaia. D e te m p o s em te m p o s nós ensaia. E n ós ch e g an d o a ssim nu m rec in to , se m u itas b an d in h as j á fizer o q u e nós tarnos fazen d o ... Q u e m u itas b an d i­ nh as h o je faz o q u e n ós faz, n é? Q u e já a p re n d eram c o m a gen te, m esm o . N ó s n u n c a ap re n d e m o s n ada com nin g u ém , m as o q u e é d a g en te o povo to m a d e co n ta, fa z q u e nem P ata tiv a do A ssa ré (poeta cearense da cidade de Assaré. Aos 90 anos, Patativa é ícone da poesia popular e seus cordéis

“E sse co n ju n to , é o

seguin te: nós som o s

ig u ais, o q u e u m fa z o

o u tro faz tam b ém . E u

to co o pife, esse toca,

aq u ele to ca, aq ui tudo

tro ca d e u m p ra outro,

não sab e?”

são conhecidos em todo o Brasil).Q u e o P a ta tiv a fez u m a p ro cla m aç ão , é: “C a n te lá q u e eu C a n to c á ” , j á d ev id o a isso , né? A í é q u e nem nós, tam b ém . O q u e n ó s faz, n ó s não tira n a d a de nin gu ém , nós daq u i j á p eg am o s nossas co isas, já v am o s a p re se n ta r n o u tro s ca n to s, viu?

Fernando -

Quem é que organi­ za os ensaios? Quem é o coordena­ dor, o chefe, o m estre?

Raimundo

- H o je é eu e A n tô ­ nio, q u e sã o o s irm ã o s m ais velh os. Q u e o s n o sso s irm ão s m ais velh o já tão d o en te, te m d o en te, te m q u e já m orreu . A g o ra tá se n d o eu e A n tô nio.

Antônio

- A í d ev id o a isso n ós tivem o s ta m b ém rep resen tan te. Q u em rep rese n ta a g en te é c u m p a d re E ló i T eles, E lói T eles d e M o rais (radialis­ ta do Crato, que há anos coordena a carreira da banda, servindo de inter­ m ediário para os convites).

Raimundo-É,

o co n v ite v em pra seu E ló i, e a í e le tran sp o rta p ra nós.

Alessandra -

E po r que vocês acham que vieram tantos estudiosos e profissionais pesquisarem vocês aqui?

Raimundo

- M en in a, esse m a­ terial aí, é p o rq u e eles ac h am q u e a g en te m erece , n é? E le s faz erem a

p e sq u isa . A í v em b a te r em cim a, v em p esq u isar, e a g en te faz co m m u ito p razer. A g en te te m praz er em v o cê s faz erem um a p e sq u isa e lev ar b e m le g a lz in h a ...N ó s te m o s e sse p razer, v iu ?

F e r n a n d o - É folclore?

Raimundo

- É, ex ata m en te, é. A n tô n io - O n o sso é o verda deiro fo lclo re d o B rasil, m esm o .

Fernando -

O que é o verdadeiro folclore?

A n tô n io - R a p az , o v erda de iro fo lclo re é aq u e le q u e é m elh o r, né? A q u e le q u e trab a lh a m elh o r, né?

Raimundo

- É , e é co isa q u e p ro v em d a roç a, pro v em do no sso pé- d e-se rra. A q u i é o lu g a r da cultura, é o C rato , v iu ?

A

mau

r i - N a opinião de vo­ cês, qual fo i a m elhor apresenta­ ção que vocês fizera m

?

Antônio

- O lh e, nó s fizem o s m u ita ap re se n ta ç ã o b o a. Q u er d i­ z e r q u e to d as q u e n ós fize m o s até ag o ra n ós ac ham os q u e foram boas, n en h u m a fo i ruim .

Amauri -O

senhor prefere se apresentar fo ra ou aqui no Crato ?

A n tô n io - O lh e , se alg uém nos p ro cu rar, n ó s e sta n d o co m saú de, n ós m e rg u lh a no o c e a n o e vam os sa ir d o o u tro lado.

Clarisse -

M as, seu R a i­ mundo, queria que o senhor falasse

-

um p o u c o s o b r e co m o é se apresentar aqui no Crato, e se apre­ sentar pra grandes públicos, com toda aqu ela p ro d u ç ã o ...O qu e é m elhor?

Raimundo

- C e r to , ah, inclusive, é bo m , v iu ? A g en te co m p arec e, na Igreja.

Clarisse -

M as o que é melhor, as apresentações aqui no Crato, pras fe sta s de igreja, ou as apresentações

grandes, que têm produção?

Raimundo

- N ão , ap resen taçã o g ra n d e é m a is le g al, n u m sa b e? P o r­ q u e, p o r ex e m p lo , a g en te faz um a “ re p re s e n ta ç ã o ” p ra q u a tro , c in co p esso in h as... A í é desan im ad o. A gora, b o m é q u a n d o é d e d e z m ilh ão (exa­ gerando)p ra lá.

Antônio -

Q u e a g em e b rin c a

animado...

Raimundo

- A í d á assim um a q u e n tu ra n a g en te, a g en te fic a m al a c o stu m ad o .

Igor -

E q u a n d o s u r g iu a necessidade de registrar isso em disco? Q uando é que começou esse processo de ver a gravação das m ú ­ sicas?

(6)

Entrevista

Irmãos Anicete

B rasília. A í j á vem de lá, esse projeto .

(.Segundo o cantor e com positor cea­ rense, Calé Alencar, o prim eiro regis­ tro fo n o gráfico da banda fo i fe ito no Rio de Janeiro, pelo m úsico ep e sq u i­ sador A loisio A lencar Pinto, no fin a l da década de 70. O m aterial gravado fo i lançado m m com pacto da série “D ocum entos Sonoros do Folclore B rasileiro")

Fernando -

Como é que vocês guardam as m úsicas? O nde é que elas estão?

Raimundo

- E la s tã o n a cab eça. E sse m a te ria l, é o se g u in te : e sse m aterial não tem letra nã o . Isso aqu i

(mostra o p ífaro)é o u v id o . D e fato q u e aind a h oje, h o je j á te m letra, né? P o rq u e h o je já te m le tra, a g en te faz um a m úsica, j á é n a letra. M as esse m aterial aqu i não te m letra não, tem q u e se r de ouvido.

Carolina -

Vocês tiraram a carteira de músico. Todos tiraram ? E fo i agora, pra gravar o CD, ou fa z tempo? (A b an d a la nç ou um C D em 22 d e ja n e iro de 19 9 9 .0 C D é o p rim e iro v o lu m e do p rojeto M em ó ri a do P o v o C e aren se, co o r­ d en ad o pelo m ú sico C alé A lencar.)

Raimundo

- N ão , faz tem po. Foi de sd e B rasília , do co m p ac to q u e nós grav am o s.

Antônio

- E sses do is (Jeová e A driano

),

não. S ó nós, o s m ais velhos.

Raimundo

- A g en te tem a c a rte ira d e m ú sico . (Segundo Elói Teles, os Anicete não são m úsicos profissionais. A carteira à que eles se referem é a carteira de trabalho, assinada pela prefeitura, onde consta que são músicos. Essa fo i a fo rm a encontrada, segundo Elói, para que eles re ce b e sse m um sa lá r io da prefeitura.)

Carolina -

E com o é que fo i pra tirar essa carteira?

Raimundo

- Foi bom .

Carolina -

Vocês fizera m teste?

Raimundo

- F iz e m o s teste d e m úsico, fizem o s teste lá co m um c a ­ m a rad a, um técnico . A í fize m os um teste co m um relojão d a n a d o , d esse tam an h o assim . A í e le disse: “R a p az , vo cê s sã o m ú sico s m esm o . V o cês fizeram o te ste” .

Antônio

- N ó s p assam o s. N ão errei ne n h u m a letra, e n em erro.

Daniel -

Seu Antônio, me diga uma coisa. Sobre o dia-a-dia de vocês

,

vocês trabalham na roça, não é isso? D izem aqui no (

material)

que fo i apurado pela produção, que vocês não se consideram m úsicos p rofis­ sionais, vocês trabalham m esm o na roça. Eu queria saber com o é o co-tidiano de vocês, com o é esse tra­

balho no roçado.

Antônio

- O lh e , n ó s "tam o " trab a lh an d o na roça, a í q u an d o vem um co n v ite pra cu m p ad re E ló i, ele m an da n os c o n v id a r ou vem av isa r a nós, a í nós v am o s se c o m u n ic a r. A s vezes é u m a rep rese n ta ç ão (apresen­ tação).A í n ós d e ix a aq u eles d ias d a ro ça e v êm aten de r o co n v ite. Q u an d o nós chega, não tendo m ais conv ite, nós co n tin u a n a ro ça d e novo. N ó s so m o s ag ricu ltor, nós tam o s trabalhand o. A té ch e g a r o u tro c o n v ite no vam ente.

Alessandra -

E vocês plantam o quê?

A ntônio

- M ilh o , feij ão, arro z, só não algo d ão . A qu i n o ssa m a n g a é d e g ad o , nós não p la n ta a lg o d ão não

(m anga refere-se a uma porção de

“E ssa b an d a tem

rev o lu ç ão , n ão sabe? E ssa

b an d in h a, ela tem som ,

im ag em e esp etácu lo . E

m u itas b an d in h as tê m só o

som , m as n in g u é m tem

esp etácu lo de n a d a .”

terra cercada, onde eles trabalham como meeiros).P la n ta m ilh o, feijão e arro z, q u an d o é n o fim do m ês qu e en tra, a g en te ac a b a d e co lh e r p ra eles b otarem d c n ovo o gad o. N ó s so m o s ag ric u lto r p arc eiro , nó s não te m o s os terren o s. N ós p ag a m o s u m a rend a, u m a p arte p o r ta re fa .

Clarisse -

O trabalho na roça, seu Antônio, vem do p a i também? O pai ensinava vocês?

Antônio

- É , ex ata m en te, é. E o pai ta m b ém era ag ricu lto r, n ós tudo som os ag ricu lto r.

Daniel -

Seu Raimundo, qual a influência desse trabalho na roça na m úsica de vocês?

Raimundo

- É , isso é o seg u in te: a g en te tá trab alh an d o , e nós so m o s am a d o r d a b an d in ha . N ó s não so m o s p ro fissio nais. E a ban dinh a, não d á pra nós v iv e r só co m ela não. S ó co m a roça. A í nós so m o s am ad o r. D o je ito qu e m eu pai era, a g en te é ta m b é m . A í, a m ú sica, é o seg u in te: a g en te fa z , às vezes, a gente im p ro v isa m ais dois, três irm ãos qu e nós tem o s trab alh an d o n a ro ç a . A g en te im p ro v isa u m a m ú si­ ca, né? A í, aquele m aterial, qu an d o nós ch e g a em ca sa , a í v am o s to car a q u e la m ú sica. N ó s faz a m ú sica n o ssa m e s­

m o. À s vezes vem um ca n to d u m p á s­ sa ro , um latid o du m ca ch o rro , um a c o isa e a g en te faz a m ú sica . “ Q u an d o nós ch eg ar, vam os fa z e r a m ú sica d aq u ele ca ch o rro ac u ad o co m um a o n ç a ? ” A í n ós faz (ri).

Klycia -

Adriano, m e diga um a coisa: você que é um rapaz novo, tá numa banda que trazmuito da origem, muito da cultura de um a tradição... Como é que as pessoas da sua idade, os seus amigos, vêem esseseu trabalho aqui na banda ? Quando você entrou, qualfoi o tipo de comentário que você escutou das moças, dos rapazes?

Adriano

- O tip o d e c o m e n tá rio q u e e u escu tei foi o seg u in te: an tes d e eu en tra r na b an d a, eu to c av a n u m co n ju n to de fo rró, n u m a ban din h a. Q u an d o fo i p ra p a ssa r pra b an d a agora, aí m eu sam ig o sco m en taram , um b o c a d o d a v a conta: “R apaz, v ocê tem q u e se g u ir é a tra d iç ã o d o seu pai m esm o , fo lc lo re ” . E os m e u sam ig o sd ab a n d aq u e eu tocava d iz ia m : “N ão , rapaz, não d eix e nós não, sa ir pra to car b u m b a d e pífaro, d eix ar a b a n d a ...” . A í eu disse: “ R apaz, é o se g u in te , eu ten h o qu e sa ir p o rq u e eu te n h o q u e se g u ir a tradição, é u m a co isa q u e é d e nossa fam íliam esm o, a g e n te sem pre toca p ra frente, eu vou sa ir” . P o rq u e é o seg u in te: tem g en te q u e d á m uita força à b an d a, g o sta d o fo lclo re, prin cipal m ente.

É c o m o s e d iz , te m u m a p ergu n ta a í q u e não foi p ra m im m as eu p o sso resp o n d er, é o seg uinte: eu acho m e lh o r q u an d o a g en te vai a um

show fora, a p re se n ta r fora, d o q u e aqu i m e sm o n o 1 u g ar d a gen te, p o rq u e o artista, m e sm o, p arece q u e ele não tem tanto v alor assim no lu g a r dele, né? O pessoal já c o n h e c e , é co nh ecid o, aqui o p esso al não a p re cia m uito. M uita g en te aprecia, assim m ais no vo, dc m in h a idade, m as n ão sã o b em ch e g ad o s, o la d o d eles j á é o u tra s c o i­ sas, o u tras cu rtição , e tudo. A í, lá fo ra a g en te é b e m rec eb id o , p o r no vo, velho , idoso, de todo je ito . A í a m in h a raz ão de eu se g u ir o fo lc lo re é isso, p o rq u e eu g o sto , tenho essa aleg ria d e rep rese n ta r a cu ltu ra, o n o sso trab alh o m e sm o. É a raz ão d e eu ac o m p a n h a r eles, se g u ir p ra frente. É s a in d o d e n ós e p assa n d o p ra o u tra g era ção , e n u n ca se acabar.

Igor -

E você queria viver só de m úsica ?

Adriano

- A h, co m ce rte z a. R o ­ ça é bom , e tudo, m as eu p retend o m ais ir pro lad o d a m ú sica m e sm o, p o rqu e é m elhor.

Clarisse -

Os três m ais novos tam bém são agricultores, não é?

Adriano

- E le s são. E u p o sso d

i-P a b lo já e s ta v a lá , e s p e ra n d o n o C ra to H o te l. F o i e le q u e m le v o u a s a lu n a s à c a s a d e S e u R a i­ m u n d o , o n d e a p ré - - e n t r e v is t a a c o n t e ­ c e u .

N o d ia s e g u in te , P a- b lo c h e g o u c o m o r e c a d o : S e u R a i­ m u n d o h a v ia f e it o trê s p ífa ro s . “ É p ra s m e n in a s ” . F ic a m o s f e liz e s e v o lt a m o s e n c a n ta d a s .

(7)

Irm ãos Anicete

Entrevista

A b a n d a d o s A n i­ c e te , h o je , é c o m ­ p o s ta p o r d u a s g e ­ rações. C íc e ro e J e o ­ vá s ão filho s d e Seu João, que já s aiu da b a nd a. A d ria n o é fi­ lho de S eu A n tô n io .

O

Show

d e la n ç a ­ m e n to d o C D d o s A n ic e te , e m ja n e iro de 99, foi recorde de p ú b lic o d o C e n tro C u ltu ra l D ra g ã o do M a r, s e g u n d o C a lé A le n c a r .

4 2

ze r q u e s o u ag ric u lto r, as sim , p o rq u e aj u d o m eu pai n a roça, m a s eu n ão b o to ro ça . N u n c a b o te i ro ça p ra m im não. E u trab a lh o se m p re, eu tra b a lh a v a de se rv e n te , e m o ficin as , es sas co isas. E u se m p re aju d ei m eu p ai n a ro ça. P a ­ ra fa la r a v erd a d e, a ro ça m esm o eu ig n o ro , p o r m im m e sm o . S e for p ara a ju d a r ele eu aju d o .

A l e s s a n d r a - Q u a is sã o a s dificuld ades, seu R aim undo, q u e o se n h o r vê em tra balhar num a roça q u e não é do senhor?

R a im u n d o - M e n in a , eu ac h o s e m g raç a. E u m e sm o só a c h o b o m tra b a lh a r n a ro ça m in h a, m as na ro ça d o s o u tr o s eu n ã o a c h o b o m n ão . P o rq u e a g e n te trab a lh a m u ito d e ro ça , é u m trab a lh o ca n sa tiv o . A í n a ro ça d a g en te, a g en te fa z à v o n ta d e, a g ente v ai s e te h o ras, v em d e n o v e h o ras, vai m eio d ia e ch e g a d e noi te e chega a h o ra q u e qu iser, é da g ente m esm o, n é? E a d o s o u tro s , a g en te só ch eg a n a q u e la h o r a m a rc a d a , e fic a b o ta n d o o p é n o b u c h o : “V o c ê só v ai d a q u i q u a n d o p a g a r o m eu d in h e iro ” . A í a p ro fis sã o d e ro ça eu g o s to d em ais . E u so u p io r d e q u e m e u p a i, v iu ? M e u p ai g o sta v a de ro ç a e eu g o sto m ais ain d a. A m inh a p ro fis s ã o é a ro ça m esm o .

C la r is s e - Seu R aim undo, se tiv esse ch a n c e d e vive r só da bandinha, de viver só d e m úsica, o se n h o r largava a roça ?

R a im u n d o - N ão ... e ra ca p a z d e eu d eix ar a ro ça , n é ? É p o rq u e é o se- g u in te : a b a n d in h a é u m a v e z p o r an o e a ro ç a é p o r to d a a v id a.

F e r n a n d o - Q ua ndo tem seca?

R a im u n d o - Q u an d o tem s e c a aí p ro n to , m o rreu to d o m u n d o ! (riso de to dos)

F e r n a n d o - O que é q u e o sen h o r f a z q uando tem seca?

R a im u n d o - Q u a n d o tem s e c a a g e n te n ã o fa z n ad a. V a m o s c o m e r d a s to c a d a q u e a g en te to ca r, n é ? E a í p ro n to : n in g u é m n ã o trab a lh a, n ã o fa z n a d a n u m a se ca . A g o ra, q u e n em u m in v e rn o q u e h o u v e aq u i e s s e an o , a g o ­ ra p ró x im o , n ão ; eu j á tô m e se n tin d o m e io g ran d e , v iu ? Q u e eu j á tô co m s e s s e n ta s a c o s d e a rro z e m ca sa , n é? P ra m im j á é u m a m a ra v ilh a , q u e e u j á d o u d e c o m e r à m in h a fam ília b a s ta n ­ te, o v erã o to d in h o , c o m s e ss en ta s a ­ c o s d e a rro z, n é ? T ô m e se n tin d o b em c o m o in v e rn o d esse ano . A í eu m e sin ­ to b em e a ro ç a p ra m im é u m a m a ra ­ v ilh a. N o a n o q u e tem in v ern o , eu faço o q u e co m e r, o q u e v en d er, p ro n to ... A í o p au to ra m esm o !

I g o r - O sen h o r acha que é bem p a g o o trabalho de vocês, m usic al­ m ente?

R a im u n d o - É ...é ... É le g al, v iu ?

N ão é b em p ag o , p o rq u e é o se g u in te: es sa b an d i nha, n u n ca ni n g u é m fe z n a­ d a c o m ela, é só a s sim m e sm o . É u m a b a n d in h a p o b rez in h a, nós n ão te m um ca rro n em p ra an d a r, v iu ? Q u e as c o n d iç õ e s n ão d á. Q u an d o v em u m a to c ad a j á é fo ra d e lim ite...

K ly cia - O C D , vocês com eçaram a g ra va r em 95 m a is ou m en os?

R a im u n d o - É , m a is o u m en o s. K ly c ia - F o i lançado em 99.

R a im u n d o - É foi.

K ly c ia - Com o é esse tem po to ­ do, longo, de expectativa da saíd a des­ se CD ? Q uando vo cês p egaram o CD na m ão, o que f o i q u e vo cês sen ti ram ? Eu queria que cada um p u d esse d a r a su a opinião.

R a im u n d o - M e n in a, eu m esm o

m e sen ti feliz, co m es se C D . E u m e sen ti b as ta n te sa tisfe ito , q u e a g e n te já v in h a b atalh a n d o n es se m a te ria l, e n u n c a q u e n in g u é m co n s e g u ia , n é ? E d u m tem p o d es se p ra c á , a g en te fico u s a tis fe ito p o rq u e R o s e m b e rg C a riry to m o u d e c o n ta d e s s e m a te ria l. N ó s fize m o s u m a m ú s ic a p ra e le ... F iz e ­ m o s 2 4 m ú sica s e m a n d am o s p ra ele, d e ix a m o s lá. A í lá ele c o n s e g u iu a m a n d ar g ra v a r e s s e C D . A í p ra n ó s foi u m a sa tisfa ç ã o g ra n d e q u e n ó s tiv e ­ m o s, n é?

A n tô n io - P ra n ó s, eu ac h e i q u e foi u m a aju d a m u ito g ran d e , q u e n ó s tiv e m o s ag o ra e eu fiq u ei m u ito sa ­ tisfeito . E n ó s ta m o a tra v é s (atrás) d e g ra v a r d e n o v o o se g u n d o C D , sc D eu s q u iser.

A le s s a n d r a - E p a r a você, Jeová?

J e o v á - F o i b o m , ta m b ém . C h e ­ g u ei e m ca sa , o p o v o tu d o p ro c u ra n ­ d o , a í q u a n d o eu ch e g u ei co m o s C D , (d iziam ): “ E u q u ero u m , eu q u e ro d o is ...” . A í "tam o " v e n d e n d o . A in d a ten h o u n s c in c o C D ’s e m ca sa , m as já tá tu d o referid o (fala n o sen tid o de reservado) a alg u ém . A ch o q u e a g en te ain d a v ai v en d e r tu d in h o , se D e u s q u ise r.

K ly c ia - V ocês n ã o a ch a ra m

“A p re se n ta ç ã o g ra n d e é

m a is le g a l, n u m sa b e ?

(...)A g e n te fa z u m a

‘re p re s e n ta ç ã o ’ p ra

q u a tro , c in c o p e sso in h a s..

A í é d e sa n im a d o . A g o ra,

b o m é q u a n d o é de d ez

m ilh ã o p ra lá ” .

estranho e n tra r num estúdio, gravar, a co stu m ados a to ca r p ra várias p e s ­ soas? Enfim , to ca r p ra um a m áquina, g ra va r? Com o é que f o i isso?

R a im u n d o - P ra m im foi m u ito b o m .

A d r i a n o - P ra m im fo i n o rm al... R a im u n d o - P o rq u e n o n o sso se to r, ta n to fa z c o m o ta n to fez. T a n to faz n ó s e n tra r d e n tro d e u m a ig reja c o m o e n tra r d e n tro d u m fo rró . T u d o é u m a c o is a só. N ó s n ã o te m o s c e ­ rim ó n ia d e n ad a n ão , p o rq u e j á so m o s p raç a "v éia", n ó s n ão tem o s ce rim ó n ia d e to c a r m a is n ão , d e je ito n en h u m . T a n to fa z u m a co isa c o m o a o utra. N ó s to c a p ra q u a tro p e s s o a s , e to ca p r a d e z m il p e s s o a s . N ã o te m d if ic u ld a d e , n ão , d e u m p ra o u tro .

D a n ie l - V ocês disseram que tiv era m a ju d a d o g o ve rn o do Estado. Então, seu A ntônio, o que o sen h o r acha d o g o verno?

A n tô n io - A h , eu a c h o m u ito b o m n é ? E u a c h o q u e ele g o s ta m u ito d a g e n te , e le n o s ap ó ia, e o p re s id e n te ta m b ém . E n a rea lid a­ d e, n ó s te m o s u m a aju d in h a ta m ­ b ém , p o u q u in h a , m iu d in h a, lá d a • p re fe itu ra , d o te m p o d e E rn e sto G eisel (P residenteda R epública de 1975 a 1979, em cujo m andato c o m e ç o u a a b e r tu r a p o lític a d u ra n te o p erío d o de dita dura m ilitar). N ó s "tam o co m " ca to rz e a n o s q u e n ó s g a n h a um p o u q u in h o d a p re fe itu ra , v iu ? U m salário ...

K ly c ia - E essa o p in iã o é de todos?

R a im u n d o - É . . .

A le s s a n d r a - Cícero, o que você acha do g o verno?

C íc e r o - O g o v e rn o ?

A n tô n io - P ra m im , é g en te b o a . C íc e r o - R a p a z , o g o v ern o tem m esm o aju d ad o , b astan te. E u co n c o rd o c o m ele. A g e n te re c e b e u m ap o io d o g o v ern o ...

C l a r is s e - Seu A ntô nio , quan do vocês sa em d a q u i p ra tocar, em São Paulo, em P orto Alegre, onde vocês j á p a ssa ra m , vo cês tã o leva n d o um p o u co d a cu ltu ra a q u i d o Crato, da cultu ra d o Ceará, e espalh ando isso p e lo país. O sen h o r a ch a isso im ­ p o rta n te ? O se n h o r se se n te im ­ p o rta n te fa ze n d o esta divulg ação?

A n tô n io - E u a c h o d e m a is . É p o r is s o q u e n ó s sai, é p ra n ó s d iv u lg a r o n o m e d o n o ss o C rato . É p o r isso q u e j á fize m o s e s s a s v ia g en s to d in h a s, e a c h o m u ito b o m n ó s d iv u lg a r o n o m e d o C ra to em v á rio s c a n to s.

C la r is s e - S ó d o C rato ou do C eará todo ?

Referências

Documentos relacionados

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

Esse comportamento, bastante nocivo à saúde, torna-se mais perigo- so quando se trata de ruído no ambiente de trabalho, pela sua intensi- dade, tempo de exposição e efeitos

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Preliminarmente, alega inépcia da inicial, vez que o requerente deixou de apresentar os requisitos essenciais da ação popular (ilegalidade e dano ao patrimônio público). No

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Considerando que, no Brasil, o teste de FC é realizado com antígenos importados c.c.pro - Alemanha e USDA - USA e que recentemente foi desenvolvido um antígeno nacional

By interpreting equations of Table 1, it is possible to see that the EM radiation process involves a periodic chain reaction where originally a time variant conduction

O desenvolvimento desta pesquisa está alicerçado ao método Dialético Crítico fundamentado no Materialismo Histórico, que segundo Triviños (1987)permite que se aproxime de