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Timidez e exclusão-inclusão escolar: um estudo sobre identidade MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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Academic year: 2018

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PUC-SP

Mariana Batista Vieira

Timidez e exclusão-inclusão escolar: um estudo sobre

identidade

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

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PUC-SP

Mariana Batista Vieira

Timidez e exclusão-inclusão escolar: um estudo sobre

identidade

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Profª Drª Mitsuko Aparecida Makino Antunes.

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Dedicatória

À minha mãe e ao meu pai, o apoio, incentivo e

amor de ambos são fundamentais;

À Luísa e ao Vinícius, pessoas maravilhosas e

que permitiram que suas histórias fossem

contadas;

À Luciana da Silva Santana in memoriam,

amiga querida que, juntas, compartilhamos

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Durante os dois anos de mestrado algumas pessoas estiveram presentes com apoios, incentivos e sugestões; chegou o momento de agradecê-las e principalmente de reconhecer que neste estudo tem uma parte de cada uma delas.

À professora doutora Mitsuko Aparecida Makino Antunes, minha orientadora e co-autora deste trabalho, por acreditar neste trabalho, por sempre ser carinhosa, atenciosa e, principalmente, por sua sensibilidade durante a escolha do tema.

À minha mãe e ao meu pai, por estarem ao meu lado e por todo o incentivo e alicerce para que tudo acontecesse da melhor maneira possível.

À minha irmã Ana Paula por todo o apoio e ajuda no resumo em inglês. À professora doutora Laurinda Ramalho de Almeida, pelas ricas sugestões durante o exame de qualificação e por sempre ser muito afetuosa comigo.

Ao professor doutor Lineu Norio Kohatsu, pelas indicações de leituras que muito acrescentaram neste trabalho e por compartilhar um pouco da expressão da sua timidez durante o exame de qualificação.

À Luísa e ao Vinícius, participantes deste estudo, pela colaboração e pelo carinho.

À minha madrinha Maria Estela, por ter me escolhido como afilhada e por sempre estar presente.

À tia Sílvia, pelas nossas conversas e pelo apoio.

À tia Heliane, ao tio Mário e aos primos Sérgio e Renato (obrigada pelas palavras carinhosas no Natal, Rê!), pela torcida e por estarem presentes em cada momento de conquista.

À minha avó Nicolaça, a melhor avó do mundo!

Aos tios e tias de Monte Azul: José Carlos e Maria Rita, Margareth (você sabe o quanto é importante, te amo!) e Jorge, Elizeth e José Humberto, Walter e Mariza. Mesmo morando longe agradeço pelo carinho e apoio de vocês.

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Gilberto e Sílvia e aos primos Alessandra, André, Silvana e Felipe. E também ao “Toninho”, Fátima e Mayara.

Às minhas amigas Cíntia Pazzini, Michelle Capato, Juliana Gualtieri, Rita de Oliveira, Vanessa Sousa, Milene César, Cinthya Martins e Ana Paula de Lima (por estarmos sempre nos ajudando) por todas as palavras incentivadoras e por nossa amizade. Aos amigos Marcus Vinícius Ferreira e Bruno Grecco por estarem presentes em momentos importantes.

Ao Luciano Caputo Portela, obrigada por sempre estar por perto, pelas nossas conversas, por compreender este momento e pelas transformações em mim, um beijo mais que especial.

Às colegas de sala: Ana Claudia, Elizabeth, Fernanda, Lisandra, Nayana, Regina, Rita, Simone Paludeto, Simone Francisco, Thais e Viviani.

À Elaine Vasconcellos e à Sílvia Feldberg, amigas com quem pude compartilhar não apenas trabalhos, mas momentos de suas vidas.

Ao grupo “No limite”: Magna Mendes, Marcelo Gianini, Daniela Leal, Andrea Wuo, Netto Berenchtein, Vivian Rachman, Renata Capelli (você também é do nosso grupo Rê); obrigada por me proporcionarem aprendizados.

Às queridíssimas Andrea Mollica, Claudia Saud, Ludmila Abreu, Carla Andréa Silva e Lindabel Delgado, mesmo com pouco tempo de convivência a amizade é como se fosse de muitos anos.

Ao Edson Aguiar, secretário do PED, por ser sempre atencioso.

Ao pessoal da Academia de Dança André Toffani: Carolina Zorzan, Christian Camargo, Rodolfo Canato, Luciana Ristori Ribeiro, André Toffani, um agradecimento especial à Tathyana Cardilli pelas conversas antes e depois das aulas e pela amizade e ao meu professor Rodrigo Teixo, pelo apoio e por me ajudar a superar cada obstáculo por meio da dança.

Aos professores Luís, pela paixão por Literatura, Marcelo, pelas aulas de Espanhol; Belmira Bueno e Edna Antonia de Mattos por serem marcantes.

Algumas pessoas não estão mais presentes em vida e a elas minha lembrança; agradeço aos meus avôs Benvindo e Walter, à minha avó Carolina, à tia Cida (meu anjo) e ao tio Celso que muitas vezes me ajudou a descer de “árvores” quando eu não conseguia descer, saudades imensas.

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“Há quem leve a vida inteira a ler sem nunca

ter conseguido ir mais além da leitura, ficam

pegados à página, não percebem que as

palavras são apenas pedras postas a

atravessar a corrente de um rio, se estão ali é

para que possamos chegar à outra margem, a

outra margem é que importa, A não ser, A não

ser, quê, A não ser que esses tais rios não

tenham duas margens, mas muitas, que cada

pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e

que seja sua, apenas sua, a margem a que terá

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O presente estudo teve como objetivo compreender a constituição da identidade da pessoa que expressa a timidez e as situações de exclusão-inclusão que essa pessoa possa vir a sofrer na escola. Utilizou-se como base teórica a teoria da Identidade elaborada por Antônio da Costa Ciampa. Segundo Ciampa (2007), identidade é metamorfose e metamorfose é vida, a ideia de movimento e de contínuas transformações constituem o processo identitário; complementando, a timidez é definida por Wallon ([1938] 1985) como sendo uma emoção e, partir do materialismo-dialético, fundamento teórico adotado por Ciampa (2007) e Wallon ([1938] 1985), entende-se a timidez como uma condição humana que se desenvolve nas relações sociais. Foram escolhidos dois participantes cujas trajetórias de vida e trajetórias escolares foram marcadas por situações de timidez. A partir de uma abordagem qualitativa, utilizou-se como método a narrativa de vida dos participantes a partir do recurso de memórias autobiográficas e de entrevistas não-diretivas e reflexivas, pois o método (auto)biográfico é uma alternativa e opção para fazer a mediação entre a história individual e a história social. As narrativas dos participantes foram analisadas separadamente e em um segundo momento levantaram-se as diferenças e semelhanças entre as duas histórias de vida. Os dados demonstram que os participantes se constituíram como pessoas tímidas nas relações familiares e sociais e ambos sofreram situações de exclusão no âmbito escolar, por meio da visibilidade-invisibilidade e, na narrativa do segundo participante, apareceram situações em que foi vítima de bullying. Constataram-se momentos em que os participantes ora permanecem na mesmice, ora superam a timidez em direção a uma metamorfose emancipatória.

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The recent study had as goal understand how is the constitution of the identity from a person who express shyness and the situations of exclusion-inclusion that this personmay come to suffer at school. The theory of identity from Antonio da Costa Ciampa was used as the theoretical basis. Accordingly to Ciampa (2007), identity is metamorphosis, and metamorphosis is life, the idea of moviment and continuous transformations are part of a identity process . The shyness is defined by Wallon ([1938] 1985) as one emotion and accordingly to the materialism dialetic, theoretical basis of Ciampa (2007) and Wallon ([1938] 1985) can be understood that shyness is a human condition that can be developed in social relationships. Two participants that experienced situations involving shyness on their lives and on the school environment were chosen. Using a qualitative approach, life’s narrative, autobiographical memories and non-direct and reflexives interviews were used as resource. The participant´s narratives were analyzed separately then the differences and resembles of both lives were exposed. The data demonstrate that the participants grew as shy persons on the familiar and social ´s relationships and both suffered of exclusion on the school through the visibility-invisibility and on the second participant´s narrative are situations of bullying. Can be noted that are moments that the participants remains the same or they can get over the shyness towards an emancipatory transformation.

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APRESENTAÇÃO...12

INTRODUÇÃO...21

CONSTRUÇÃO TEÓRICA...25

CAPÍTULO 1 A TIMIDEZ COMO EMOÇÃO...26

A TIMIDEZ E O SENTIMENTO DE VERGONHA...32

A INVISIBILIDADE-VISIBILIDADE NA TIMIDEZ...38

O BULLYING E A TIMIDEZ...43

CAPÍTULO 2 A DIALÉTICA EXCLUSÃO-INCLUSÃO SOCIAL E EDUCACIONAL...50

CAPÍTULO 3 IDENTIDADE...58

A PERSONAGEM E A TIMIDEZ EM CENA...60

A PESQUISA...66

CAPÍTULO 4 PROBLEMA DE PESQUISA...67

OBJETIVOS...67

MÉTODO/PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...68

A ESCOLHA DOS PARTICIPANTES LUÍSA E VINÍCIUS...71

CAPÍTULO 5 APRESENTAÇÃO DOS DADOS...72

A NARRATIVA DE LUÍSA...73

A NARRATIVA DE VINÍCIUS...113

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POSFÁCIO...178

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...183

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...187

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Apresentação

O início de um caminho marcado pela timidez

No dia quatro de julho de 1985, em um hospital da cidade de São Paulo, um obstetra segurando um bebê nos braços exclamou: “Nossa! Que menina bonita!”. Pai, mãe e tias da criança, ao saberem que nascera uma menina ficaram muito felizes, especialmente a tia escolhida para ser a madrinha do bebê. Mãe e pai escolheram para sua primeira filha o nome de Mariana e assim começa minha história de vida.

Após duas semanas, fiz minha primeira viagem para Monte Azul Paulista, cidade natal de meus pais. Na época, meu avô materno estava muito doente e o seu desejo era me conhecer e, ao me ver, minha mãe conta que ele ficou muito feliz. Como lembrança desse dia, temos duas fotografias dele me segurando em seus braços. Em início de agosto do mesmo ano ele veio a falecer.

Um pouco mais de três anos se passaram e minha irmã Ana Paula nasceu e com o nascimento da irmã vieram a insegurança e o ciúme. Nesse período, entrei para a escolinha perto de casa, mas não gostava de ir para a escola e minha mãe me deixava faltar, pois na época era dona de casa e podia cuidar das filhas.

No ano seguinte, mudei para uma escola maior, onde permaneci da pré-escola até a quarta série. Minha primeira professora se chamava Ana Lúcia, sempre muito atenciosa e amiga de todos.

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Naquele mesmo ano, um colega me pediu um lápis emprestado e, como não sei dizer não, emprestei, mas ele não me devolveu. Ao dar falta do lápis, minha mãe perguntou o que tinha acontecido e eu disse que havia emprestado; ela falou para eu pedir o lápis de volta no dia seguinte. E quem disse que eu consegui? Nenhuma palavra saía de tanta vergonha; no fim, o menino me devolveu o lápis, talvez por intermédio da professora.

No prédio onde eu moro, as minhas poucas amigas eram mais novas que eu, pois eu me sentia à vontade para expressar minhas opiniões e segura para brincar; quando eu estava na presença das meninas da mesma idade ou mais velhas, a timidez surgia e eu voltava o mais rápido possível para casa. Dessa maneira, os primeiros anos da minha escolarização e também da minha infância foram acompanhados pela timidez; procurava ficar quieta e não chamar a atenção das pessoas com quem eu convivia.

No tópico seguinte, apresento minha trajetória de vida sem uma ordem cronológica, com a finalidade de explicar o motivo de ter escolhido a Pedagogia como profissão.

O percurso escolar e a escolha pela Educação

Na primeira série do Ensino Fundamental, se alguém me perguntava o que eu queria ser quando crescesse a resposta era sempre a mesma: “Eu quero ser professora”.

Minha mãe não gostava da minha resposta, pois dizia que professora tinha um salário muito baixo, mas eu mantinha firme a minha colocação; o fato de minha tia ser professora e sempre falar de suas crianças e atividades que realizavam em aula com um carinho sem tamanho, faziam com que eu achasse essa profissão a mais bonita do mundo.

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Por que Jornalismo? Devido ao meu interesse por arte, principalmente por música; esse era o único motivo, eu queria escrever sobre música ou ser assessora de imprensa de pessoas famosas.

Terminei o Ensino Médio, fiz meio ano de cursinho, prestei o vestibular no meio do ano na Universidade Presbiteriana Mackenzie para Jornalismo e fui aprovada. Percebi, porém, que não era exatamente a profissão que gostaria de exercer pelo resto da vida e acabei optando por continuar no cursinho até o final do ano.

Os meses de agosto e setembro foram de constantes dúvidas; várias profissões me chamaram a atenção e não conseguia me decidir por nenhuma.

Os cursos de Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Psicologia eram as minhas principais dúvidas; uma semana antes da inscrição para a FUVEST, lembrei-me daquela menininha que respondia a todos: “Eu quero ser professora” e percebi que minha escolha já havido sido feita anos antes, quando tudo era mais simples, obtendo total apoio de minha família, principalmente o de minha mãe, que desde 1998 começou a trabalhar na área.

Coloquei como única opção nos vestibulares que me inscrevi a carreira “Pedagogia”, ainda com um pouco de dúvida; a dúvida era se eu seria uma boa professora, se eu conseguiria passar algo de bom para os meus alunos.

Entrei na USP! Que felicidade para todos da minha família! No começo foi complicado me adaptar a essa nova realidade; entretanto, não desisti e fiz todos os anos de curso sem dificuldades.

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Havia duas turmas fixas de vinte alunos cada, em que eu trabalhava leitura, escrita e as quatro operações matemáticas. Eram todos da 4ª série do Ensino Fundamental I.

Os meus primeiros dias como professora foram cheios de dúvidas: “Será que conseguirei?” “Será que eles entenderão da maneira que eu explicar?” “Será que eles gostarão de mim?”

Conforme os dias passavam, observava o jeito daquelas crianças, como elas se comportavam e, uma menina em especial, Lílian, me chamou a atenção por seu olhar triste e sempre estar em seu canto sem conversar muito com os colegas, porém extremamente doce e carinhosa comigo.

Ao final de uma das aulas, ela sentou-se ao meu lado e começou a me contar que no final de semana iria para a casa de seu outro irmão e estava muito feliz, pois sentia saudade dele e também de morar no antigo bairro, mas devido ao falecimento de sua mãe, teve que mudar para a casa do irmão mais velho.

Eu escutei sua história sem interrompê-la; notei a necessidade dela de contar para alguém o que estava acontecendo naqueles últimos meses em sua vida e, no meio desse relato, soube que ela era adotada e que sua mãe biológica a iria jogar no lixo, porém uma mulher não deixou e a adotou.

Depois dessa história, minha vontade era de chorar, e passei a observá-la melhor; com isso, foi como se eu tivesse voltando aos meus tempos de escola ao ver algumas características minhas nela, como a timidez excessiva, o jeito calmo e de ficar sozinha na hora do intervalo, a falta de reação quando algum colega falava algo que eu não gostava, até o sorriso envergonhado era igual.

Me reencontrando com o meu passado

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quem tinha sido, apenas disse que o relógio teria que aparecer até o dia seguinte, senão levaria quem o pegou para a diretoria. Eu, por ser tímida, quase não falar em aula, meus colegas me achavam estranha, às vezes eu tinha a impressão de ser de outro planeta, acabei levando a culpa e, na hora da saída, todos eles saíram gritando: “A Mariana, vai para a diretoria”, a professora não teve nenhuma atitude diante dessa manifestação e, quando foi questionada pela minha mãe o motivo das crianças estarem falando aquilo, ela simplesmente falou que havia sumido um relógio e que sabia que não tinha sido eu quem o pegara e que aquela gritaria era brincadeira dos meus colegas.

Nesse período, até a sexta série passei por várias situações em que eu era excluída do grupo; às vezes, quando brincávamos de “pega-pega” sempre estava comigo, sempre fui a última a ser escolhida nos times para jogar, fazia trabalhos e passava o intervalo sozinha. Em casa, passávamos por um problema financeiro, meu pai havia perdido o emprego e dependíamos da ajuda de parentes. Era difícil ver meus pais se esforçando para manter-me e minha irmã em uma escola particular; foi justamente nessa época que aprendi a dar valor ao dinheiro e ter apenas o necessário para viver. Enquanto a maioria de meus colegas tinha várias calças e camisetas do uniforme, eu tinha apenas uma calça e duas camisetas, o que também era motivo para eu ser a diferente da turma.

Em 1996, eu e minha irmã fomos para uma escola perto de casa, eu na quinta série e ela na primeira. Foi um ano bom, colegas novos e professores diferentes. Minha única dificuldade era na aula de educação física, pois eu não sabia jogar handball e isto fazia com que eu fosse a última a ser escolhida.

Chegou a sexta série e os primeiros meses na escola foram normais, eu realizava minhas atividades e conversava normalmente com a turma. Teve um dia que um professor pediu que formássemos duplas para fazer uma prova e dissesse para ele a dupla, já estava certo com quem eu faria a prova, porém na nossa vez a menina disse o nome de outra colega e eu acabei tendo que fazer com um dos meninos da turma.

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janela e a carteira de trás com um espaço considerável de distância; aquilo representava simbolicamente meu isolamento do resto da turma. Também passava o intervalosozinha ou na companhia da faxineira da escola; ela dizia não entender o motivo de as meninas me excluírem do grupo.

Do meio do ano para a frente a situação foi piorando, minha faltas eram frequentes e na maioria dos trabalhos os professores tinham que pedir para eu entrar em um grupo de meninos. Ganhei uma mochila de aniversário da minha madrinha, ela era cinza com detalhes em rosa; ao verem essa mochila uma das meninas a pegou e a levantou, mostrando-a para a sala inteira com tom de sarcasmo. Essa mesma menina, quando alguém tirava uma nota melhor que a minha, não importava se era um décimo, pegava minha prova da carteira e gritava que tinham tirado nota melhor que a minha.

Qualquer gesto, atitude ou palavra minha eram motivos para deboche e até mesmo humilhações verbais. De tudo, o que mais me atemorizava eram as apresentações orais de trabalho, pois durante e após essas apresentações, as meninas repetiam ironicamente algumas de minhas falas e isso me incomodava muito; eu me sentia humilhada.

Em casa eu expunha o que acontecia, minha mãe entendia o que eu estava passando, pois quando ela estava na terceira série, uma professora agredia-a fisicamente todos os dias e, por causa da timidez, não reclamava com ninguém; entretanto, de imediato, minha mãe não poderia fazer nada naquele momento e eu deveria aguentar até o final do ano, quando eles procurariam outra escola.

Todavia, tudo ficou insuportável. Após uma apresentação de teatro na aula de português feita pelo meu grupo, uma das meninas sentou no meu lugar, alegando que a professora de matemática a tinha mudado para aquele lugar e que era para eu sentar no fundo. Como não estava mais conseguindo viver tudo aquilo, fui até a mesa da professora e perguntei se poderia ir à sala da coordenação; ela perguntou o motivo e eu, sem dizer nada, saí da sala.

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fazer voltar para a sala, porém, eu afirmei que não voltaria de jeito nenhum. Elas tiveram que conversar com os alunos e eles diziam apenas que eu era muito quieta e que eu não gostava de conversar!

Por fim, entrei na sala, mas a menina não devolveu o meu lugar e na hora do intervalo todas vieram para cima de mim, falando que eu não tinha coragem de enfrentá-las e que eu era medrosa por ter chamado a coordenadora. Além de uma série de palavras humilhantes para mim. Uma das coordenadoras estava observando tudo de longe e, ao se aproximar, uma das meninas disse que estava tentando fazer amizade comigo.

Apenas com a chegada da professora de matemática o problema do lugar foi resolvido; ela, na frente de todos, disse que aquele lugar era meu e que a menina havia mentido, se eu voltasse a ter problema, era para eu chamá-la. Naquele momento foi um apoio importante, pois foi o único.

Após o ocorrido, a diretora da escola apareceu na sala, conversou de maneira geral com todos e pediu para que pensássemos que aquele era o nosso primeiro dia de aula, para todos começarem a conversar em duplas com alguém. Porém, isto ficou apenas no discurso, todos conversavam com a pessoa escolhida para dupla e eu fiquei isolada em um canto.

Chegou o final do ano e o dia do teste para a outra escola. Lembro-me que quando entrei naquele espaço senti algo bom, era o primeiro passo para uma vida nova, estava com esperança, pois percebi que havia ido muito bem na prova. Ao chegar em casa, o telefone tocou, era uma ligação a cobrar para mim, supostamente era um dos meninos da classe dizendo que uma das meninas falou que eu tinha contado que gostaria de ficar com ele. O que era mentira, pois não conversava com ninguém na sala. Depois de um tempo, percebi que era um trote de uma delas e desliguei o telefone, me perguntando quando tudo aquilo teria fim.

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Dentro da minha família, minha vida era parecida com a escolar, sempre fui calada, falava apenas o necessário em meio a uma família alegre e brincalhona. Parecia que não me enquadrava e, por isso, vivia em meu canto, sem expressar minhas vontades, meus sentimentos e minhas opiniões. Até hoje acredito ser assim, dizem que estou sempre disposta a ouvir e a ajudar, porém nunca peço ajuda, guardo tudo para mim. Talvez o motivo seja por eu ter aprendido a resolver meus problemas na minha solidão particular, de ter medo que invadissem o meu espaço.

Meu refúgio era ler o livro da primeira comunhão; foi a força que encontrei. Era como se Deus estivesse comigo e me ajudasse a superar cada dificuldade e de eu entender que eu não estava sozinha, minha família estava por perto, mesmo algumas vezes achando que não era entendida, mas esta é a minha família, provavelmente a parte mais significativa e expressiva de mim.

Finalmente, chegou o dia do resultado do teste. Passei a tarde inteira ansiosa para saber o resultado, nem me importei para o que ocorria na classe. A sensação de felicidade foi tão grande quando minha mãe contou que tanto eu quanto minha irmã havíamos passado no teste, foi como se a partir daquele momento tudo mudaria para melhor. E mudou.

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A escolha do tema para a dissertação de mestrado

Voltando para 2005, esse ano foi importante por conta do estágio como professora de reforço oferecido pela Prefeitura de São Paulo e também por eu iniciar as aulas de dança de salão; ambos me propiciaram experiências maravilhosas por mais ou menos dois anos. Principalmente me auxiliaram a falar melhor em público e a perder um pouco minha timidez. Como professora ou como aluna de dança algo se transformava, era o momento de eu me superar e de me conhecer por inteiro.

Ao me ver em Lílian, me questionava o motivo de eu querer ser professora. Vejo que a resposta é simples: para agir de uma maneira diferente dos meus professores, para ensinar meus alunos a respeitar as diferenças de cada um.

A educação inclusiva me mostra como isso é possível; nas aulas da faculdade meus interesses eram basicamente a educação especial, ensino de jovens e adultos e os movimentos culturais nas décadas de 1960 e 1970.

Concluí o curso de graduação em dezembro de 2007 e o mestrado apareceu para mim depois de seis meses de formada na faculdade. Minha intenção era de primeiro fazer um curso de especialização em educação especial voltado para deficiência intelectual, porém ainda não havia recebido meu certificado de conclusão de curso na época das inscrições.

Pelo motivo de eu querer voltar a estudar, resolvi tentar a seleção de mestrado do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; para mim foi uma alegria muito grande de ter sido aprovada e, mais importante, de eu ter a possibilidade de pesquisar sobre algo que me identifico e que sempre foi de meu interesse.

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Introdução

O indivíduo está continuamente em processo, ou seja, desde o início da vida até seu término há um movimento contínuo de mudanças e transformações que, segundo a teoria walloniana, se dá pelo jogo de forças, de tensões entre os conjuntos motor, afetivo e cognitivo (ALMEIDA E MAHONEY, 2009). No campo afetivo, há três momentos importantes que são, respectivamente: emoções, sentimentos e paixões, o sujeito demonstra seus desejos e vontades. As emoções são identificadas mais pelo seu lado orgânico, ou seja, há o predomínio da ativação fisiológica; os sentimentos são a expressão representacional da afetividade, não implicam reações diretas e instantâneas como na emoção; as paixões ativam o autocontrole para que se possa dominar uma determinada situação.

Este estudo tem como foco o estudo da timidez, que é definida por Wallon ([1938]1985) como uma emoção, ligada ao medo que se tem diante de outras pessoas; o sujeito tímido sente medo de ser julgado e, por isso, tende a evitar interações sociais. O desconforto, a vergonha e o embaraço são alguns aspectos que caracterizam o modo de ser da pessoa tímida.

O sentimento de vergonha está intimamente ligado à timidez, tanto como uma das vias pela qual essa emoção é expressada, o rubor na face, por exemplo, quanto como um regulador de condutas. Assim, ao passar por alguma situação em que fica com vergonha, a pessoa dirige a atenção para si mesma e se avalia; esse sentimento envolve totalmente o ser, causa insegurança e não aceitação de qualquer fracasso pessoal.

As mãos úmidas, a voz baixa e o enrubescimento do rosto são características que marcam a expressão da timidez e também podem indicar que a pessoa está com vergonha.

Escolheu-se estudar a educação inclusiva com foco no desenvolvimento da identidade da pessoa que expressa como modo de ser a timidez1; observa-se que

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as crianças tímidas têm maior probabilidade de experimentar relações negativas com seus pares, pois a inibição e o retraimento são considerados como desviantes do que se considera como um comportamento padrão.

Dessa maneira, a pessoa tímida pode ser vítima de situações de exclusão e as possíveis conseqüências são o maltrato e a rejeição a que ela é submetida. A invisibilidade também pode ser considerada uma situação de exclusão dessa pessoa, podendo ser considerada como um sofrimento ético-político (SAWAIA, 2008), pois a pessoa não é notada, não recebe atenção e, portanto, não se sente parte de um grupo, pois torna-se invisível. Por outro lado, pode-se afirmar que não ser visto é uma maneira de preservar-se, pois estar visível significa estar vulnerável, exposto ao olhar do outro que percebe, julga e forma conceitos.

A invisibilidade-visibilidade é uma forma de violência e de humilhação. Na invisibilidade a pessoa não é percebida como humana, apenas sua função aparece. A pessoa tímida sofre com a invisibilidade quando, no ambiente escolar, o professor não repara em suas dificuldades ou nas pequenas ações em que esse aluno pode estar sendo vítima de alguma violência, como o bullying escolar, no qual a pessoa está, ao contrário, visível demais. No entanto, a visibilidade que é conferida a essa pessoa, concentra-se no que é considerado fora dos padrões estabelecidos pela sociedade; assim, uma característica que em outras situações é vista como uma qualidade pode ser considerada como um defeito no âmbito escolar.

Existe uma contradição em que ao mesmo tempo que a pessoa tímida não quer ser notada, para não ser objeto do olhar e julgamento do outro, ela se sente excluída e deseja ser vista em sua totalidade, além do papel que desempenha. A partir dessa discussão, pretende-se abordar o fenômeno da exclusão-inclusão na escola.

Dessa maneira, este estudo tem como objetivo compreender como se dá a constituição da identidade da pessoa tímida e verificar as relações que a mesma estabelece e as situações de exclusão-inclusão escolar. Segundo Ciampa (2007),

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a identidade é metamorfose e metamorfose é vida. A identidade não está dada, pronta, nem se esgota ao longo da vida. A constituição da identidade implica história, movimento e transformação; portanto, pode-se afirmar que é construída pelo sujeito nas relações que estabelece socialmente ao longo de sua história.

Para a realização desta pesquisa, foram escolhidos dois participantes cujas trajetórias escolares foram marcadas por situações de exclusão relacionadas com a timidez, que pode fazer com que as pessoas sejam objetos de uma possível situação de bullying ou de invisibilidade. Para tanto, utilizou-se a narrativa da história de vida dos participantes a partir do recurso de memórias autobiográficas, por meio de entrevistas não diretivas e reflexivas, pois esse método permite desvelar como a pessoa se percebe nas diferentes situações vividas e as transformações por que passa.

Dividiu-se este estudo em duas partes:

Construção Teórica: adotou-se a perspectiva do materialismo dialético como fundamentação teórica consubstanciada nas construções teóricas de Ciampa (2007), para se falar de identidade e utilizada como teoria base neste estudo que busca a compreensão do processo de constituição da identidade da pessoa que expressa a timidez; de Wallon ([1938] 1985) suporte para a definição e compreensão da timidez, de Sawaia (2009) suporte para a compreensão da situação de exclusão-inclusão da pessoa que expressa a timidez e que ao ser excluída, pode ser vítima da visiblidade-invisilibilidade e do bullying.

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Construção Teórica

Imagem retirada do site: < http://www.1000imagens.com > .

Intitulada: “Que neste mar de Malmequeres, nasça o Poema do Tempo...”

Autora: Fátima Silveira

“Quantas vezes, para mudar a vida, precisamos da vida inteira, pensamos

tanto, tomamos balanço e hesitamos, depois voltamos ao princípio, tornamos a

pensar e a pensar, deslocamo-nos nas calhas do tempo com um movimento

circular, como os estorninhos que atravessam o campo levantando poeira,

folhas secas, insignificâncias, que para mais não lhes chegam as forças, bem

melhor seria vivermos em terras de tufões. Outras vezes uma palavra é quanto

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Capítulo 1

A timidez como emoção

“A timidez é uma condição estranha da alma,

uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai

fundamentando, numa longa circunstância, a

perpetuidade do ser”. (Pablo Neruda)

A partir da psicologia genética e utilizando pressupostos do materialismo dialético, para explicar e analisar as mudanças e transformações pelas quais a criança passa ao se transformar em adulto, Henri Wallon elaborou seu próprio método: a análise genética comparativa multidimensional; dessa maneira, por meio de várias determinações orgânicas, neurofisiológicas, sociais e a relação entre esses fatores, o fenômeno é estudado (MAHONEY, 1999).

O indivíduo está continuamente em processo, ou seja, desde o início da vida até seu término há um movimento contínuo de mudanças e transformações que se dá pelo jogo de forças, de tensões entre os conjuntos motor, afetivo e cognitivo. Conforme Mahoney (2004), a teoria de Wallon se distancia de um raciocínio fragmentário, ao analisar o desenvolvimento do indivíduo pela ideia de integração entre as funções motoras, afetivas e cognitivas, ou seja, funções psíquicas que são responsáveis pelo sistema como um todo, constituindo o indivíduo.

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Estudar separadamente os conjuntos funcionais é por necessidade de descrição, uma vez que na realidade eles são inseparáveis. Neste trabalho, em que será estudada a emoção timidez, abordar-se-á apenas o conjunto funcional afetividade.

A afetividade “refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo e interno por meio de sensações ligadas a

tonalidades agradáveis ou desagradáveis” (ALMEIDA E MAHONEY, 2009, p. 17). Por meio de três momentos importantes na evolução da afetividade, ou seja, emoções, sentimentos e paixões, o sujeito demonstra seus desejos e vontades. As emoções são identificadas mais pelo seu lado orgânico, ou seja, há o predomínio da ativação fisiológica; os sentimentos são a expressão representacional da afetividade, não implicam reações diretas e instantâneas como na emoção; as paixões ativam o autocontrole para que se possa dominar uma determinada situação.

Dar-se-á maior destaque, neste estudo, para a emoção. Para Wallon, a emoção está relacionada à ação sobre o mundo exterior: “É a exteriorização da afetividade, é sua expressão corporal, motora. Tem um poder plástico, expressivo e contagioso; é o recurso de ligação entre o orgânico e o social” (ALMEIDA E MAHONEY, 2009, p. 17).

A emoção se mostra por meio do tônus (nível de tensão muscular) e das diferentes situações em que o indivíduo está exposto: “Das oscilações viscerais e

musculares se diferenciam as emoções e se estabelecem padrões posturais para medo, alegria, raiva, ciúme, tristeza, [timidez] etc.” (ALMEIDA E MAHONEY, 2009, p. 18)

Em um primeiro momento, ao estudar a timidez, constatou-se que é um tema ainda pouco explorado; a partir de uma revisão bibliográfica foram encontrados trabalhos nas seguintes áreas: Psicanálise, Psiquiatria e da Psicologia cognitivo-comportamental2. Percebeu-se que a maioria desses estudos não apresenta uma definição para timidez e que apresentavam diferentes perspectivas que divergiam com a proposta deste estudo, que entende a timidez

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como uma condição humana; optou-se por utilizar a teoria de Henri Wallon como principal referência e, como apoio, os estudos da psicóloga Giovanna Axia, que desenvolve pesquisas na área da psicologia das emoções, entendendo a timidez como um processo psicofisiológico, convergindo, portanto, com a teoria desenvolvida por Henri Wallon. Também foram utilizados os estudos do psicólogo Philipp Zimbardo, que traz uma perspectiva teórica diferente de Wallon, mas os seus estudos possibilitaram compreender como são os comportamentos, pensamentos e reações da pessoa em situações que expressa a timidez.

Diante dessas considerações, define-se a timidez como emoção. Segundo Axia (2003), a palavra timidez deriva do latim timiditas, que tem a mesma raiz de timor, que, por sua vez, significa medo e ansiedade. Shyness, também tem significado semelhante; esse termo deriva do inglês antigo sceoh, cognato do alto alemão antigo sciuen, que significa “assustar”. Pode-se dizer que tanto nas línguas originárias do latim quanto nas de variação anglo-germânicas, a palavra timidez está ligada a outra emoção, o medo.

A timidez tem grande afinidade com o medo; em ambos há a mesma incerteza diante da atitude ou valor que se pode adotar. Há os mesmos tremores, inseguranças nos movimentos e as mesmas características na postura, como o tônus se encolher, os movimentos durante uma ação ficarem congelados ou desordenados. (WALLON, [1938] 1985).

Wallon define a timidez como (...) o medo frente às pessoas, ou dito com

maior precisão, é um medo relativo ao seu próprio eu frente aos outros” ([1938] 1985, p. 118). O sujeito tem medo de ser julgado ou se preocupa com sua imagem diante dos outros; há uma sensibilidade frente à presença de outras pessoas. Na timidez, o sujeito direciona sua atenção quase que exclusivamente para si mesmo e se preocupa com o que o outro possa vir a pensar de suas atitudes e emoções.

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“Sob a insistência de um olhar, sob a impressão de ser para o outro um objeto de atenção, pode ocorrer a todo mundo de sentir-se embaraçado. Trata-se de um desarranjo que atinge o sistema de atitudes.” (WALLON, 1995, p. 121)

Os gestos, o andar, a postura tornam-se menos seguros, a aproximação do outro faz com que braços e pernas se agitem e depois enrijeçam na presença do outro, geralmente desconhecido. Existem, também, algumas situações sociais que provocam a timidez, como falar em público, a exposição diante de um grande número de pessoas; em resumo, a timidez sempre acontece em circunstâncias sociais, mesmo que seja em um relacionamento a dois (LIMA E MARTINS, 2005).

Esses eventos produzem um forte processo de inibição, ou seja, desenvolve uma atitude controlada e observadora, principalmente diante de uma novidade, quando é preciso enfrentar situações ou ambientes novos e lidar com pessoas desconhecidas.

A pessoa tímida experimenta um forte medo ao ter que interagir com outras pessoas, principalmente com as que não conhece, sofrendo uma reação emotiva desagradável; segundo Axia:

“Justamente quando a pessoa gostaria de prestar o mínimo de atenção possível a si mesma e a seus movimentos anteriores. Queria não enrubescer, queria não ter as mãos úmidas, queria que sua voz não se tornasse um balbucio, mas, acima de tudo, queria não perceber tudo isso.” (AXIA, 2003, p. 19)

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encontradas a inibição e a passividade, redução do volume de voz e da expressão corporal e evita-se o contato visual (LIMA E MARTINS, 2005).

Em pesquisa realizada nos Estados Unidos por Zimbardo (2002), em 1977, há três categorias principais de pessoas que podem desencadear a emoção da timidez no sujeito: o primeiro grupo é o de pessoas desconhecidas, o segundo é o das que estão em posições de autoridade e o terceiro é o das pertencentes ao sexo oposto.

Diante dessa consideração, faz-se necessário lembrar que o sujeito pode expressar a timidez apenas em alguns grupos; por exemplo, existem crianças que são tímidas apenas com outras crianças, adolescentes que são tímidos apenas na presença de adultos ou de alguém do sexo oposto, adultos que expressam a timidez na frente de alguém que tenha um cargo de chefia em seu ambiente de trabalho etc.

Sob outra perspectiva teórica, Mira y López ([1947] 2009) afirma que a pessoa tímida é excessivamente ambiciosa e não quer expor seus atos, para não ser julgada por terceiros; o tímido nunca é ingênuo, pois “o que o assusta não é o fazer mal as coisas e sim ficar mal perante os demais” (MIRA Y LÓPEZ, [1947] 2009, p. 46). O tímido dá importância ao julgamento alheio e teme causar uma impressão desfavorável. Para ele, a timidez é uma emoção gerada por um íntimo e absurdo egoísmo, ou egocentrismo, e também está relacionada a interesses afetivos narcisistas, ou seja, há o medo de ferir seu amor próprio, que está sempre bem guardado (MIRA Y LÓPEZ, [1947] 2009).

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imprevistas que desfazem nossas expectativas e nossas atitudes” (WALLON, [1938] 1985, p. 117).

Além dessa emoção, dois sentimentos estão ligados à timidez: a vergonha e o embaraço, ambos desencadeados diante da presença de outras pessoas e, como todo sentimento, “tende a reprimir, a impor controles que quebrem a potência da emoção” (ALMEIDA E MAHONEY, 2009, p. 18).

De acordo com Axia (2003), o embaraço e a vergonha estão ligados ao mundo social. O primeiro deve-se ao fato de a pessoa tornar-se o foco da atenção dos outros, sentindo-se observada, exposta e incomodada. Para Pinheiro (2003), o embaraço gera incerteza diante de uma situação que provoca desconforto por se estar exposto e, portanto, a pessoa não sabe como se comportar adequadamente e teme provocar um julgamento negativo.

O sentimento de vergonha está intimamente ligado à timidez, tanto como uma das vias pela qual essa emoção é expressada, o rubor na face, por exemplo, quanto como um regulador de condutas3. Assim, ao passar por alguma situação em que fica com vergonha, a pessoa dirige a atenção para si mesma e se avalia; esse sentimento envolve totalmente o ser, causa insegurança e não aceitação a qualquer fracasso pessoal.

A pessoa tímida não gosta de sentir a atenção dos outros sobre si, pois, geralmente, está habituada a prestar muita atenção a si mesma e, com isso, tem consciência que poderá passar por alguma situação desagradável (AXIA, 2003). Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a timidez, devido à frequência com que ocorre em algumas pessoas e sua presença, em várias situações, provoca desconforto e sofrimento que atrapalham a pessoa na realização de seus objetivos pessoais, escolares e profissionais.

Segundo Pecorara (2005), a pessoa que expressa timidez se esforça para resolver o que considera como um problema, mesmo que não obtenha o resultado esperado. Com base em pesquisa realizada por Carducci (1999), a autora afirma que a estratégia mais utilizada para superar a timidez é a “extroversão forçada”, ou seja, a pessoa se obriga a frequentar locais públicos e a estar na presença de

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outros; outra alternativa é minimizar possíveis perigos oriundos das situações sociais e procurar tornar mais positiva a visão dos outros; uma terceira opção é buscar informações sobre a timidez, submeter-se a terapias individual ou em grupo ou até mesmo praticar exercícios físicos.

A timidez e o sentimento de vergonha

“Tenho vergonha do que sou.

A vergonha realiza, portanto, uma relação íntima de mim comigo: descobri

pela vergonha um aspecto do meu ser”. (Jean Paul Sartre)

A timidez e a vergonha estão próximas e, em alguns momentos, torna-se difícil distingui-las; entretanto, conforme visto anteriormente, a primeira é uma emoção e a segunda é definida como um sentimento. Segundo Almeida e Mahoney (2007), o sentimento tem a tendência de reprimir e impor controles que possam quebrar a potência da emoção.

As reações diretas e espontâneas são características da emoção; transpirar e corar são dois exemplos visíveis de como a timidez se manifesta, ambos fazem com que a pessoa tímida perceba-se com vergonha. Diante dessa consideração, afirma-se que a vergonha é um sentimento que faz com que o sujeito entre em contato com a fragilidade humana e a de si próprio nessa condição, pois mostra suas fraquezas pessoais e as fraquezas do outro. Sentir vergonha é doloroso pelo fato de sempre acontecer a partir das representações negativas que as pessoas têm sobre si mesmas (PINHEIRO, 2003).

Conforme Zimbardo (2002), em público a pessoa tímida se preocupa com a impressão que causa nas outras pessoas e o que as mesmas pensam dela, se julgam seu comportamento adequado: (...) um dos principais aspectos da timidez é o facto de levar uma pessoa a preocupar-se tanto consigo própria que efectivamente não repara naquilo que se está a passar, não ouvindo nem vendo o

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López ([1947] 2009), embora ambos oponham-se entre si na interpretação dada a esse fenômeno, com base em pressupostos teóricos bastante diversos.

Dessa maneira, essa pessoa aprende a evitar situações que possam fazer com que sinta vergonha, pois esse sentimento também é uma reação a uma vivência desagradável que se manifesta diante do valor que é atribuído ao outro, que desempenha o papel de juiz e é alguém considerado importante e significativo, e que não se pode decepcionar. Há sempre uma preocupação com a própria imagem, percebida e refletida por meio do outro, uma vez que a percepção e a concepção que o sujeito tem de si são originárias da relação com o outro.

“Não se encontram mais as palavras, ruboriza-se, balbucia-se, desejar-se-ia ser engolido pela terra. Alguns sentem essas perturbações antes do cumprimento do ato: por exemplo, antes de ir à casa de alguém (...). Outros, enfim, depois de terem sido perturbados em circunstâncias idênticas, o são novamente todas as vezes em que pensam nisso; é lhes suficiente lembrar-se uma palavra dita fora de ocasião ou uma ação fora de hora para que se ruborizem e se sintam mal.” (LACROIX, s.d., pp.41-42)

Pode-se dizer que a vergonha causa sofrimento e ocorre por meio de uma exposição, pública ou privada, percebida como algo negativo pelo outro, que pode ser um “outro” real ou imaginário e pelo próprio sujeito; mostra aquilo que não se deseja ou se espera revelar. A pessoa percebe-se como objeto do olhar, da escuta e do pensamento alheios. “É uma exposição sentida quando o sujeito é

visto por alguém que ele legitima, e possui dois correlatos: a consciência da visibilidade por alguém legitimado e a vulnerabilidade advinda da ação de

submeter a imagem projetada ao juízo de outrem” (ARAÚJO, 1999, p.149).

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“O olhar que nos vê sabe algo sobre nós, do nosso interior, que desejamos encobrir. Ao nos darmos conta do olhar do outro, sabemos que não poderemos nos esconder desse olhar que pode invadir a fronteira de nossa intimidade.” (VITALE, 2002, p.122)

Dessa maneira, para evitar esse olhar, a pessoa tímida reprime boa parte de seus pensamentos e ações que ameaçam manifestar-se; enquanto exteriormente tem-se a sensação de que o tímido está parado, mergulhado em seu silêncio, dentro dele há uma explosão de pensamentos, sentimentos e desejos, em sua maioria frustrados. A timidez pode ser comparada com uma prisão em que o “eu-guarda” interior inibe as ações do sujeito e faz com que se sinta desconfortável em determinadas situações sociais (ZIMBARDO, 2002).

A vergonha, por sua vez, é o júri que condena à prisão. Segundo Benedict (2009), (...) a vergonha é uma reação à crítica dos demais” (2009, p. 189); pode envergonhar-se tanto em público ou quando cria-se uma fantasia de se estar passando por uma situação que a expresse. No Japão, esse sentimento é considerado como uma virtude: (...) quem é sensível a ela cumprirá todas as

regras de boa conduta.” (BENEDICT, 2009, p. 190)

Conforme a autora, quando a vergonha é profundamente sentida, cada pessoa espera o julgamento do outro. Dessa maneira, é um sentimento que inibe e torna-se visível por meio do rubor e do desvio dos olhos e da face e a presença de outros sentimentos como a culpa e a raiva. Na culpa, por exemplo, o outro é a vítima e está necessariamente presente, enquanto na vergonha, o outro é observador e juiz das falhas cometidas pelo sujeito, mostrando sua inadequação. Diz Vitale:

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A pessoa tímida, quando precisa fazer algo na frente de outras pessoas, sente ansiedade, tornando-se incapaz de agir, e a alternativa que aparece é fugir ou se esconder; assim como na vergonha, existe o medo de ser ignorada ou rejeitada, por isso, é preferível sentir a segurança do isolamento ao risco de estabelecer novas relações.

Para Gaulejac (2006), a obra “O ser e o nada”, de Jean Paul Sartre, mostra como a vergonha está presente na interação entre a emergência do sujeito e o confronto com os outros. Assume-se uma responsabilidade pela experiência do outro através de seu olhar; o outro passa a ser um mediador entre “mim” e “mim mesmo”, entre “mim” e o “outro”. Para tanto, o sujeito aparece como objeto frente ao outro, ou seja, há o reconhecimento de que se é como o outro o vê: “É o social,

pelo olhar do outro, que vem impedir a relação do sujeito consigo mesmo (...). É

como se o sujeito assumisse a responsabilidade do julgamento feito pelo outro” (GAULEJAC, 2006, p. 127).

Segundo Vitale (2002), essa obra de Sartre mostra que a pessoa sob o olhar alheio se reconhece como objeto, o que provoca vergonha, a preocupação em adaptar-se à presença do outro e a escolha de qual atitude tomar.

Existe um duplo confronto da pessoa consigo mesma e com o social, mas que também é considerado como reação ao olhar lançado pela sociedade; é nesse momento que a vergonha surge, quando o sujeito é remetido a si mesmo como um ser ridículo, inútil, mau ou abjeto. Diz Gaulejac que:

“A vergonha nasce sob o olhar do outro, olhar que surpreende, que revela, que anula, que julga, que condena, que obriga a baixar os olhos... O olhar pode ser uma troca, um meio de reconhecimento mútuo, uma entrada no assunto antes de se aproximar para falar. Mas pode também significar a recusa de reconhecer o outro, de se comunicar com ele, ou a vontade de humilhá-lo.” (GAULEJAC, 2006, p. 219)

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aceitação dessa imagem que o outro tenta legitimar. É também uma invasão da intimidade e a negação da condição humana, de cidadão ou de sujeito. Como já dito, na vergonha existe o receio de ser desprezado pelo outro e, juntamente com a humilhação, pode transformar-se em ressentimento ou ódio contra aquele que submete o outro pela vergonha.

O desprezo e a humilhação, segundo La Taille (2002), levam ao sentimento de inferioridade e produzem insegurança, características da timidez; zombar, rir, criticar comprometem o contato social e podem fazer com que a pessoa fique fechada em si, ou seja, introvertida.

A vergonha é inibidora, leva ao fechamento de si mesmo; “recobre para não deixar descobrir” (VITALE, 2002, p. 119). O envergonhado esconde-se dos outros, porém é impedido de fugir para esconder-se de si mesmo, pois por meio desse sentimento descobre-se um aspecto de seu ser que até então se desconhecia.

A vergonha tem a função de atuar como regulador das ações dos sujeitos e como protetor, é um sinal defensivo, ao levar a uma atitude preventiva diante de situações que possam constranger e prejudicar valores, princípios, bem como as imagens das pessoas. Segundo Zimbardo (2002), a pessoa tímida controla demasiadamente seus impulsos e isto pode gerar um problema, pois não tem a possibilidade de expressar o que sente, guarda para si, quer seja amor, ódio, tristeza, irritação; ao não mostrar seus sentimentos, a pessoa não tem possibilidade de modificar as situações que a incomodam; em algumas delas predomina o sentimento da vergonha; sua presença constante pode indicar que algo está errado em uma relação, pois alguém pode estar submetido a situações que não estão de acordo com suas expectativas e princípios, (...) sente-se asfixiar devido às exigências dos outros, ridicularizado pelas suas faltas de consideração, humilhado pela indiferença para com as suas necessidades e direitos” (ZIMBARDO, 2002, p. 121).

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negativos de si mesma, como não ser capaz ou estar não apto para realizar determinada tarefa. Dessa maneira:

“(...) pode acontecer de a pessoa sentir, de fato, vergonha, só de imaginar-se exposto, assim como podemos sentir calafrios só ao imaginar uma dor. Porém, o importante não está neste ponto. O relevante é que, sentido ou imaginado, o sentimento de vergonha age, e determina comportamentos.” (LA TAILLE, 2002, p. 111)

A vergonha é um sentimento que depende da maneira como as pessoas pensam, de seus valores e das normas construídas na relação com o outro. De acordo com La Taille (2002), quando desencadeado pelo juízo alheio, esse sentimento depende de um autojuízo igual, ou seja, a pessoa criticada remete-se aos critérios do outro, tomando-os como seus; ao mesmo tempo que se coloca no lugar do outro que a observa, percebe-se como objeto do olhar de outrem: (...) assim como toma consciência de que se vê, toma consciência de que a veem, de

que é vista por.” (LA TAILLE, 2002, p. 57)

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A visibilidade-invisibilidade na timidez

“Se podes olhar, vê.

Se podes ver, repara.” (José Saramago)

A pessoa tímida, ao mesmo tempo que necessita ser vista pelo outro, dirigir-se aos demais, procura se afastar das relações sociais; por medo de não ser aceita, ela procura passar despercebida. Há, portanto, uma contradição, pois ao mesmo tempo que a pessoa tímida não quer ser notada e rejeita a aproximação de pessoas, ela se sente excluída e deseja ser vista em sua totalidade, além do papel que desempenha.

Dessa maneira, a invisibilidade pode ser considerada uma situação de exclusão, pois a pessoa não é notada, não recebe atenção e, portanto, não se sente parte de um grupo, pois torna-se “invisível”. Por outro lado, pode-se dizer que não ser visto é uma maneira de se preservar, pois estar visível significa estar vulnerável, exposto ao olhar do outro que percebe, julga e forma conceitos.

Uma pesquisa importante sobre invisibilidade foi realizada por Costa (2004), intitulada “Homens invisíveis: retratos de uma humilhação social”. Esse estudo mostra como a invisibilidade está presente no dia a dia das pessoas que exercem o trabalho de varredor, que, com o uniforme de gari, torna-se invisível, apenas sua função aparece.

Segundo Costa (2004), a invisibilidade pública é uma forma de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens e se manifesta por meio de dois fenômenos: a humilhação e a reificação.

A humilhação social é um fenômeno histórico e determinante do cotidiano de pessoas das classes populares; é expressão da desigualdade econômica e política. Pode-se dizer que a humilhação pode ser um fator que interfere na constituição da identidade, por imagens e palavras ligadas a mensagens de rebaixamento, que são ditas na escola, no trabalho e em demais locais públicos.

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jovem ou a criança, vão como que diminuir, vão guardar a estranha e perturbadora lembrança de quem a eles se dirigiu como quem se tenha dirigido ao inferior.” (COSTA, 2004, pp. 26-27)

A humilhação social, segundo Gonçalves Filho (2000), é um caso doloroso de angústia, pois é desfeito o sentimento de dignidade humana que passa a não ser mais espontâneo e, no caso do humilhado, ele tem que se esforçar para conservá-lo; porém, isso nem sempre é eficaz. Nesse caso, o que se torna espontânea é a submissão.

Segundo La Taille (2002), o sentimento de humilhação está ligado ao fato de o sujeito ser e sentir-se inferiorizado e rebaixado por alguém. O sentimento de vergonha também faz com que o sujeito se sinta inferiorizado; há o compartilhamento da imagem negativa imposta e, se a humilhação também é aceita, tem-se os sentimentos de humilhação e de vergonha juntos.

Já na reificação, pessoas, objetos, instituições e relações inter-humanas apresentam-se como valor sobretudo econômico, ou seja, primariamente tudo passa a contar como mercadoria. Em uma sociedade que perpetua e apresenta relações sociais como relações entre coisas, o humano se apaga; com isso, (...) fica prejudicada a consciência de que a relação entre mercadorias (e a relação entre cargos) é, antes de tudo, uma relação que se funda sobre relação entre

pessoas” (COSTA, 2004, pp. 63-64).

Ao se valorizar no homem apenas sua função profissional, escondem-se suas singularidades e esse sujeito torna-se objeto, ficando, de fato, invisível. Sentir-se invisível atordoa, afetos desagradáveis como a angústia impregnam-se no ser. Costa (2004) afirma que a sensação de não aparecer para os outros é a de não existirmos, há um esvaziamento; pessoas e objetos parecem valer a mesma coisa.

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O sujeito está ali, há percepção, mas é como se não estivesse. É uma percepção rebaixada que entristece, reprime quem a sofre. Diz Costa:

“As pessoas que passam pelo gari não parecem ter sua atenção suficientemente modificada, modificada pelo poder específico, pela influência específica de que é capaz a presença de um outro humano que está ali: desviam-se dele como quem se desvia de um obstáculo, uma coisa qualquer que atrapalha o caminho.” (COSTA, 2004, p. 129)

Segundo o referido autor, o homem tornado publicamente invisível parece encarnar o sentimento de não existir; ele desaparece no meio de outros homens; é como ter falecido, é uma espécie de morte. Pode-se falar em cegueira pública como um dos determinantes da humilhação, pois estar cego implica mascarar a visão ativa ou passivamente, é um disfarce, um ato de encobrimento.

“A invisibilidade pública parece sustentada por motivações psicossociais, por antagonismos de classe mais ou menos conscientes, mais ou menos inconscientes. Aqui, o personalizante, olhar de reconhecimento, perde espaço para o olhar objetivante, olhar reificado e reificante, olhar humilhante. A cegueira social é tanto mais automatizada quanto menor a proximidade do cego com o indivíduo rebaixado.” (COSTA, 2004, pp. 155-156)

A invisibilidade pública faz com que o corpo fique comprimido, escondido, pequeno, duro, ele perde sua desenvoltura e flexibilidade, pois não há o olhar do outro para constituir esse homem. Desta maneira, muitas vezes, silenciar significa resistência, pois é uma expressão do impacto da humilhação; o silêncio é uma proteção, mas que também pode acumular violências constantes, pois a experiência de ser humilhado fere a percepção de si mesmo, que sofre uma distorção.

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quem o sujeito esteja; traz consigo o sentimento de que a pessoa não possui direitos, parece ser desprezível, pois quando fala é como um ser que ninguém vê (GONÇALVES FILHO, 2000).

Pode-se afirmar que a humilhação é efeito da desigualdade política e indica o não direito aos bens materiais e culturais, ou seja, é uma face da exclusão; segundo Sawaia (2008), ser excluído causa sofrimento. “O sofrimento (...) revela o

processo de exclusão afetando o corpo e a alma” (2008, p. 115). Ser humilhado é angustiante; o corpo, o gesto e a voz sofrem e se modificam, desencadeando afetos paralisadores ou alienantes, a pessoa é oprimida.

Costa (2004) afirma que “(...) um homem acontece decisivamente a partir

do olhar do outro homem”, este nasce e morre pelos olhos do outro; portanto, ninguém passa pelo outro como se estivesse passando por um poste ou uma árvore; o corpo e o olhar se modificam, se é afetado, pois se reconhece que ali existe alguém que não “sou eu”, que é diferente “de mim”, porém ambos “possuímos” igualmente a condição de ser alguém e podermos “nos relacionar” de igual para igual.

É preciso que se supere urgentemente a humilhação social e, dentre as formas de humilhação, a invisibilidade é uma das que geram maior sofrimento para a pessoa, pois não ser ouvido, não ser visto pelos outros causa dor.

O tímido, ao mesmo tempo em que anseia tornar-se visível em sua totalidade, teme o olhar do outro que o vê, o percebe e forma conceitos. Segundo Vitale (2002), a sensação de ser observado faz com que o sujeito se sinta na obrigação de observar-se a si próprio: (...) há uma preocupação com qual atitude tomar; há uma necessidade da pessoa se adaptar à presença do outro” (VITALE, 2002, p. 121). O sujeito se sente completamente exposto e tem a consciência de que é observado e pode se sentir constrangido, envergonhado; ele considera que não está pronto para ser visto.

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das pessoas, pois tem a crença que é inferior e é incapaz de ajudá-las quando for preciso. Diz a autora:

“O aprofundamento das relações interpessoais exige a superação desse sentimento de menos-valia, pois com ele corremos o risco de nunca nos colocarmos disponíveis para o outro por acreditarmos que nada temos a oferecer.” (MASCARENHAS, 2007, p. 21)

A pessoa tímida, entretanto, tem dificuldade de estabelecer relações interpessoais, pouco revela de si, de sua intimidade, seus receios, expectativas e desejos; a visibilidade a torna vulnerável e, consequentemente, na maioria das vezes prefere o anonimato, pois suas limitações não são expostas.

Segundo Zimbardo (2002), o tímido é reservado, discreto, simples e modesto. Essas características podem constituir uma fachada que impede que ele se destaque entre os demais, é uma proteção daquilo que sente medo, ou seja, das pessoas, principalmente as desconhecidas, por representarem novidade e incerteza, as autoridades, por exercerem poder, e as do outro sexo, pela possibilidade de relações íntimas.

No âmbito escolar, o tímido é o aluno que não perturba e não faz barulho, não causa problema de indisciplina para o professor; entretanto, não faz perguntas quando está com dúvida e dificilmente permite que o professor e demais colegas o ajude com os seus conhecimentos ou experiências. Quando é proposta uma atividade que exige interação com os colegas, o tímido é o que fala e interrompe menos, também passa a maioria do tempo sentado em seu lugar, geralmente em um canto da sala, obedece às regras e não cria problemas. Dessa maneira, a pessoa tímida pode ser excluída, pois ao ser considerada como alguém que não atrapalha o professor, por não ter comportamentos de indisciplina, não é vista pelo mesmo e, por raramente se expressar em público, as relações que tem com seus pares e suas atitudes não são notadas.

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vez de brincar, também leva tempo para interagir com um adulto que nunca vira antes. Geralmente é privada de expressar suas emoções, fala menos em comparação às outras e quando fala é apenas o essencial, utiliza poucas palavras, não faz perguntas e suas respostas são muito curtas, gosta de ficar em silêncio (AXIA, 2003). Os resultados de um estudo realizado por Michele et al (1998) (...) apontam para a possibilidade de que uma história de inibição comportamental na infância possa ser particularmente característica de pessoas adultas que manifestam ansiedade social elevada” (FALCONE, 2000). Segundo essa autora:

“Crianças e adolescentes tímidos parecem estar mais propensos a experimentar relações negativas com os seus colegas, possivelmente porque a inibição e o retraimento da criança tímida sejam percebidos como desviante do comportamento social apropriado à idade, pelo grupo de colegas, sendo respondido com negligência, rejeição ou maltrato.” (BRUCH E CHEEK, 1995, APUD FALCONE, 2000, p. 305)

Diante dessa consideração, o sujeito pode tornar-se vítima do bullying escolar, abordado no item a seguir, pois está diante de experiências de exclusão, o que causa o aumento do medo de uma avaliação negativa. Principalmente na adolescência há uma maior necessidade de aceitação da pessoa em um grupo.

O Bullying escolar e a timidez

“Triste mesmo foi o que aconteceu com

a raposa. Antes ela era meiga, esperta, excelente aluna, mas de tanto sofrer intimidações, foi perdendo a

espontaneidade e a alegria de viver”. (Fante e Pedra, 2008)

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é toda a ação que fere, magoa, constrange, ofende, coage, destrói ou causa dano a uma pessoa; porém, depende da vítima percebê-la como tal e não necessariamente da intenção do agressor (PEREIRA, 2009).

Existem dois tipos de violência: a brutal e a sutil. A primeira é caracterizada pelas agressões físicas, por ser explícita e direta, como matar, roubar, bater, depredar, pichar algum patrimônio, entre outros. A segunda é caracterizada por agressões indiretas, como insultar e falar mal do outro; nesse tipo de violência são incluídas as simbólicas, que são exercidas pelo uso de símbolos de poder e, portanto, não precisam do uso da força física para silenciar;e as institucionais, por meio do abuso de poder por parte de instituições que impõem suas regras marginalizadoras e discriminatórias, mas que passam despercebidas.

Um dos tipos de violência sutil é conhecido por “bullying”, que acontece de forma velada, porém com crueldade, intimidação e que se repete por um certo período contra uma mesma vítima. O termo bullying tem origem inglesa e é adotado em muitos países para designar (...) as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma

relação desigual de poder” (LOPES NETO e SAAVEDRA, 2003 p. 19).

Essa prática é denominada de mobbing, na Noruega e Dinamarca; ijime, no Japão; prepotenza ou bullismo, na Itália; acosoy amenaza entre escolares, são utilizados na Espanha.

Além de seu caráter repetitivo, destaca-se seu caráter intencional e sem motivação evidente. Trata-se de um fenômeno que pode acontecer em qualquer ambiente em que exista relação interpessoal, como na família, no trabalho, na prisão, ou seja, não é exclusivo da escola; entretanto, é na situação escolar que o fenômeno é mais preocupante, pois crianças e adolescentes podem ter mais dificuldades para lidar com as consequências do bullying.

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desequilíbrio de poder, dificultando a defesa da vítima, expondo-a à vergonha e ao constrangimento público; não há motivos que possam justificar os ataques. É eleito um colega que apresente aspectos físicos ou psicológicos que fazem dele uma vítima fácil aos ataques.

Por sua duração, o bullying pode prejudicar o desenvolvimento da vítima, pois é uma forma de comportamento antissocial em que ocorrem atos de intimidação e ameaças com violência física e psicológica, que leva a uma condição de sujeição, isolamento, sofrimento e marginalização e tem consequências imediatas ou a longo prazo (PEREIRA, 2009)

Segundo Antunes e Zuin (2008), as causas desse tipo de violência englobam fatores econômicos, sociais e culturais e os relacionados às características psicológicas e físicas do indivíduo, às influências familiares, de colegas, da escola e da comunidade, às relações de desigualdade e de poder, e às relações de poder existentes no ambiente escolar. Os fatores individuais referem-se ao desenvolvimento da identidade no ambiente escolar; os culturais, à sociedade e às condições objetivas desse tipo de violência de uma pessoa sobre a outra. Afirmam os autores:

“Ora, o bullying, tal como conceituado, não é, de maneira alguma, uma simples manifestação da violência sem qualquer fator determinante. Na verdade, o bullying se aproxima do conceito de preconceito, principalmente quando se reflete sobre os fatores sociais que determinam os grupos-alvo, e sobre os indicativos da função psíquica para aqueles considerados como agressores.” (ANTUNES E ZUIN, 2008, p. 36)

Os atos de bullying são considerados divertidos para o agressor, pois acabam por humilhar a pessoa vitimada, que também pode tornar-se alvo de chacota para os demais alunos. Geralmente são agressões gratuitas que frequentemente acontecem por discriminação.

Referências

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