VAN POUČKE
A C Ó R D Ã O D O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção) 24 de Março de 1994 *
N o processo C-71/93,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Arbeidshof te Gent (Bélgica), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Guido Van Poučke
e
1) Rijksinstituut voor de Sociale Verzekeringen der Zelfstandigen,
2) Algemene Sociale Kas voor Zelfstandigen,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 1.°, 2.°, 13.° e 14.°-C do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão codificada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53),
* Língua do processo: neerlandês.
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ACÓRDÃO DE 24. 3.1994 — PROCESSO C-71/93
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, F. Grévisse (rela- tor), e M. Zuleeg, juízes,
advogado-geral: C. Gulmann
secretário: H . A. Rühl, administrador principal
vistas as observações escritas apresentadas:
— em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Patakia e Pieter Van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 2 de Feve- reiro de 1994,
profere o presente
Acórdão
1 Por acórdão de 9 de Março de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de Março seguinte, o Arbeidshof te Gent colocou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 1.°, 2.°, 13.° e 14.°-C do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que I-1112
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se deslocam no interior da Comunidade, na versão codificada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6, a seguir
«regulamento»).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Guido Van Pou- čke ao Rijksinstituut voor de Sociale Verzekeringen der Zelfstandigen e à Alge- mene Sociale Kas voor Zelfstandigen, relativamente às quotizações pagas pelo recorrente ao regime de segurança social dos trabalhadores independentes na Bélgica.
3 G. Van Poučke exerce uma dupla actividade profissional de médico militar na Bélgica e de médico independente nos Países Baixos. A título desta última activi
dade, foi-lhe exigido o pagamento de contribuições para as instituições belgas de segurança social para os trabalhadores independentes.
4 Contestando a sua sujeição ao estatuto social dos trabalhadores independentes da Bélgica, G. Van Poučke propôs uma acção no Arbeidsrechtbank te Brugge com vista a obter o reembolso das somas pagas a este título. Como este órgão jurisdi- cional julgou improcedente o seu pedido, interpôs recurso para o Arbeidshof te Gent.
5 Considerando que a solução do litígio dependia da interpretação do regulamento, o Arbeidshof te Gent decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:
«1) a) Uma questão relativa à interpretação do artigo 1.°, alínea a), i), e do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, concretamente, se é abran- gido pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento um militar em
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serviço activo na Bélgica a quem se aplique, por extensão, o regime do seguro obrigatório de doença e invalidez, sector cuidados de saúde, aplicá- vel aos trabalhadores assalariados.
b) N o caso de resposta afirmativa, considera o Tribunal de Justiça que, dado o facto de determinado ramo da segurança social, a saber, o seguro de doença e invalidez, sector cuidados de saúde, depender, quanto à sua administração, da legislação de um Estado-membro a que é aplicável o Regulamento (CEE) n.° 1408/71, se deve deduzir desse facto que as pessoas a que se refere o artigo 2°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 também estão ou estiveram efectivamente sujeitas à legislação do Estado-membro a que este regulamento é aplicável, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do Regula- mento (CEE) n.° 1408?
c) N o caso de resposta afirmativa às questões a) e b), considera o Tribunal de Justiça que a expressão 'na medida em que', contida no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, deve ser interpretada no sentido de que o regulamento só é aplicável às pessoas aí referidas relativamente à legislação de um Estado-membro a que seja aplicável esse regulamento?
2) Uma questão relativa à interpretação do artigo 13.°, n.° 2, alínea d), e do artigo 14.°-C do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, concretamente, se a actividade exercida na qualidade de funcionário público por uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento é equiparada a uma 'actividade assalari- ada' para efeitos de aplicação do artigo 14.°-C.
3) Uma questão relativa à interpretação do título II do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, no qual está inserido o artigo 14.°-C, concretamente, se o facto de uma pessoa, devido à sua 'actividade assalariada', estar abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento e, a esse título, estar segura contra um único risco (no caso concreto, seguro de doença e invalidez, sector cuidados de saúde) implica que, no que se refere à sua 'actividade não assalariada', a mesma I - 1114
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pessoa só seja obrigada a pagar quotizações por esse mesmo risco, quando a legislação nacional aplicável prevê um seguro obrigatório e indivisível contra riscos diversos.»
Q u a n t o à primeira questão
6 N a alínea a) da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se um militar de carreira em serviço activo na Bélgica, ao qual foi tornado extensivo, pelo direito nacional, o regime de seguro obrigatório de doença e invalidez dos tra- balhadores assalariados, sector cuidados de saúde, está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento.
7 O âmbito de aplicação pessoal do regulamento vem definido no seu artigo 2.° Nos termos do n.° 1 deste artigo, o regulamento aplica-se aos «trabalhadores assalaria- dos ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-membros e que sejam nacionais de um dos Estados-membros...». Nos ter- mos do n.° 3 do mesmo artigo, o regulamento aplica-se aos «funcionários públicos e ao pessoal que, nos termos da legislação aplicável, lhes é equiparado, na medida em que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um Estado-membro a que o pre- sente regulamento se aplica.»
8 O âmbito de aplicação material do regulamento vem definido no artigo 4.° O n.° 1 deste artigo enumera os diversos ramos da segurança social por ele abrangidos.
Entre estes figuram, nomeadamente, as prestações de doença e as prestações de invalidez. O n.° 4 do mesmo artigo precisa que o regulamento não se aplica aos
«regimes especiais dos funcionários públicos ou do pessoal equiparado».
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9 N o caso em apreço, resulta do acórdão de reenvio que o interessado está sujeito ao regime belga de seguro obrigatório de doença e invalidez dos trabalhadores assa- lariados, sector dos cuidados de saúde, que foi tornado extensivo, por força do decreto real de 28 de Novembro de 1969, aos funcionários e aos militares em serviço na Bélgica. Uma legislação deste tipo é uma legislação à qual é aplicável o regulamento, nos termos do disposto no seu artigo 2°, n.° 3. Na medida em que uma pessoa que se encontra na situação descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio esteja sujeita a tal legislação, está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento.
10 N a alínea b) da primeira questão, o tribunal nacional pergunta, contudo, se as pes- soas referidas no artigo 2.°, n.° 3, do regulamento estão efectivamente sujeitas à legislação aplicável nos termos deste artigo no caso de apenas estarem sujeitas a um ramo determinado de segurança social.
1 1 A circunstância de uma pessoa que se encontra na situação descrita no acórdão de reenvio estar sujeita apenas a um ramo determinado de segurança social não é susceptível de alterar a resposta dada na alínea a) da primeira questão. Desde que o ramo de segurança social em causa esteja abrangido por uma legislação a que é aplicável o regulamento nos termos do artigo 2.°, n.° 3, a pessoa ao mesmo sujeita está efectivamente submetida a tal legislação.
12 N a alínea c) da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre o alcance exacto da expressão «na medida em que», contida no artigo 2.°, n.° 3, do regulamento.
13 O artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, cujos termos foram reproduzidos no n.° 7 do presente acórdão, tem uma disposição geral que define o seu âmbito de aplicação pessoal. Tal disposição significa simplesmente que os funcionários e o pessoal que lhes é equiparado entram no seu âmbito de aplicação desde que estejam ou tenham estado sujeitos a uma legislação a que o regulamento se aplica.
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14 Assim, deve responder-se à primeira questão que um militar de carreira em serviço activo na Bélgica está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento desde que, nos termos do direito nacional, esteja sujeito ao regime geral de seguro de doença e invalidez dos trabalhadores assalariados, sector cuidados de saúde.
Q u a n t o à segunda questão
15 Na segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a actividade exer- cida na qualidade de funcionário por uma pessoa que está abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento e que está prevista no artigo 3.°, n.° 2, alínea d), deste regulamento, é uma actividade assalariada na acepção do artigo 14.°-C, que fixa as regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem simultaneamente uma actividade assalariada no território de um Estado-membro e uma actividade não assalariada no território de outro Estado-membro.
16 Esta questão reclama uma resposta afirmativa.
17 Como a Comissão salienta a justo título, no sistema do Tratado, os funcionários são considerados trabalhadores assalariados. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito comunitário de trabalhador na acepção do artigo 48.° do Tratado deve ser definido segundo critérios objectivos que caracterizam a relação de trabalho, cuja característica essencial é a circunstância de uma pessoa realizar, em benefício de outra e sob a sua direcção, as prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v. acórdão de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121, n.° 17). A colocação sistemática e o texto do n.° 4 deste artigo 48.°, que visa, para os excluir do seu âmbito de aplicação, os empregos na administração pública sem distinguir entre os ocupados pelos funcionários e os ocupados por outros agentes, mostram que os funcionários estão incluídos nos empregados ou assalariados. Além disso, deve recordar-se que, quando o regulamento apenas se aplicava aos trabalhadores assalariados e não aos I - 1117
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trabalhadores não assalariados, as disposições próprias dos funcionários já figura- vam no texto do regulamento.
18 E certo que no artigo 13.°, n.° 2, do regulamento, que fixa as regras gerais para determinação da legislação aplicável, os funcionários estão mencionados na alínea d) enquanto as pessoas que exercem uma actividade assalariada o estão na alínea a).
Contudo, deve salientar-se que as duas primeiras alíneas deste número, a) e b), incidem respectivamente sobre as pessoas que exercem uma actividade assalariada e sobre as que exercem uma actividade não assalariada ao passo que as alíneas seguintes dizem respeito a determinadas categorias especiais de pessoas que podem exercer também uma ou outra destas actividades, o que é o caso, por exemplo, do pessoal do mar, mencionado na alínea c). Assim, a circunstância de os funcionários serem referidos numa alínea distinta neste artigo 13.°, n.° 2, alínea d), não lhes retira a sua qualidade de assalariados para efeitos de aplicação do regulamento.
19 Assim, deve responder-se à segunda questão que a actividade exercida na qualidade de funcionário por uma pessoa abrangida pelo regulamento é uma actividade assa- lariada na acepção do artigo 14.°-C, que fixa as regras especiais aplicáveis às pes- soas que exercem simultaneamente uma actividade assalariada no território de um Estado-membro e uma actividade não assalariada no território de outro Estado- -membro.
Quanto à terceira questão
20 N a terceira questão, o tribunal nacional procura saber se a aplicação da legislação prevista no artigo 4.°-C, n.° 1, alínea a), deve ser limitada, no que se refere à acti- vidade não assalariada, apenas aos ramos de segurança social em relação aos quais o interessado está abrangido pelo regulamento no que se refere à sua actividade assa- lariada.
21 Esta questão reclama uma resposta negativa.
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22 Segundo jurisprudencia constante do Tribunal de Justiça, as disposições d o título II d o r e g u l a m e n t o , d o qual faz p a r t e o artigo 14.°-C, c o n s t i t u e m u m sistema c o m - pleto e u n i f o r m e de regras de conflitos de leis cuja finalidade é sujeitar os traba- lhadores que se deslocam n o interior da C o m u n i d a d e ao regime d e segurança social de u m ú n i c o E s t a d o - m e m b r o , de forma a evitar as cumulações de leis nacionais aplicáveis e as complicações que daí p o d e m resultar (v., n o m e a d a m e n t e , acórdão de 10 de J u l h o de 1986, Luijten, 60/85, Colect., p . 2365).
23 O artigo 14.°-C, n.° 1, alínea a), do regulamento dispõe que a pessoa que exerça simultaneamente uma actividade assalariada no território de um Estado-membro e uma actividade não assalariada no território de outro Estado-membro está sujeita, salvo excepção, à legislação do Estado-membro em cujo território exerce uma acti- vidade assalariada.
24 Além disso, o artigo 14.°-D, n.° 1, precisa que a pessoa referida no artigo 14.°-C será tratada, para efeitos de aplicação da legislação determinada em conformidade com as disposições do regulamento, como se exercesse toda a sua actividade pro- fissional ou todas as suas actividades profissionais no território do Estado-membro em causa.
25 Em consequência, uma pessoa que se encontra na situação descrita no acórdão de reenvio e que exerce simultaneamente uma actividade assalariada na Bélgica e uma actividade não assalariada nos Países Baixos deve ser sujeita, a título desta última actividade, à legislação belga correspondente nas mesmas condições que o seria se exercesse esta actividade não assalariada na Bélgica. A circunstância de, relativa- mente à sua actividade assalariada, a legislação a que o regulamento é aplicável ser limitada a certos ramos de segurança social não tem qualquer incidência sobre a aplicação da legislação no que se refere à actividade não assalariada.
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26 Assim, deve responder-se à terceira questão que a legislação prevista no artigo 14.°-C, n.° 1, alínea a), do regulamento deve ser aplicada, no que se refere à acti- vidade não assalariada, nas mesmas condições que o seria se esta actividade fosse exercida no Estado-membro em causa.
Quanto às despesas
27 As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresen- tou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Arbeidshof te Gent, por acór- dão de 9 de Março de 1993, declara:
1) Um militar de carreira em serviço activo na Bélgica está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, desde que esteja, nos termos do direito nacional, sujeito ao regime geral de seguro de doença e de invalidez dos trabalhadores assalariados, sector dos cuidados de saúde.
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2) A actividade exercida na qualidade de funcionário por uma pessoa abrangida pelo referido regulamento é uma actividade assalariada na acepção do artigo 14.°-C, que fixa as regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem simul- taneamente uma actividade assalariada no território de u m Estado-membro e u m a actividade não assalariada no território de outro Estado-membro.
3) A legislação prevista no artigo 14.°-C, n.° 1, alínea a), do regulamento deve ser aplicada, no que se refere à actividade não assalariada, nas mesmas condições que o seria se esta actividade fosse exercida no Estado-membro em causa.
Moitinho de Almeida Grévisse Zuleeg
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de Março de 1994.
O secretário R. Grass
O presidente da Terceira Secção J. C. Moitinho de Almeida
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