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TERMINOLOGIA DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE. Gustavo D. F. Gusso

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TERMINOLOGIA DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Gustavo D. F. Gusso

Introdução:

A atenção primária à saúde, termo difundido mundialmente, vem sendo organizada no Brasil, o que leva ao aumento da produção científica e da importância do ensino nessa área. Cada vez mais são citados termos a ela relacionados como atenção básica e medicina de família e comunidade. Cada termo está envolto de um significado epistemológico construído ao longo do tempo e influenciado pela história e cultura de cada local.

No contexto brasileiro de organização da Atenção Primária à Saúde, muitos termos que antes não eram usados se tornaram corriqueiros nos meios médicos.

Eles não são propriamente novos, mas muitos estavam em “estado latente” ou foram introduzidos em outra época, com outro significado. Por exemplo, a especialidade atualmente chamada Medicina de Família e Comunidade foi reconhecida em 1981 como Medicina Geral e Comunitária. Nessa época ainda se discutia se o “generalista” deveria se formar na graduação ou durante a residência médica (Bevilácqua, 1978). Hoje, já está difundido e aceito que essa especialidade deve ser contemplada na graduação, mas a formação completa do médico de família e comunidade deve se dar na pós-graduação, de preferência através da residência médica.

Em um momento de reorganização do sistema de saúde, quando muitos interesses estão aflorados, os termos podem ser usados para a defesa de um ou outro grupo e não em benefício da idéia original. No caso do Sistema Único de Saúde o objetivo comum deve ser colocar em prática seus princípios como universalidade, equidade e integralidade. Assim, é importante que se busque uma definição mínima desses conceitos para que as discussões sejam produtivas e para diminuir o caos epistemológico. Este trabalho pretende colaborar nesse processo, mas não esgotá-lo, pois, como já foi dito, ele depende da história e da cultura local e está em constante trans-formação.

Objetivo:

• Pesquisar os significado de alguns termos relacionados à atenção primária à saúde .

• Minimizar o caos epistemológico que envolve a atenção primária à saúde no Brasil atualmente

Metodologia:

Foi realizado um levantamento utilizando dicionários médicos, artigos científicos, os Descritores de Ciências da Saúde, a página eletrônica oficial do governo brasileiro e outras fontes relevantes. Os termos atenção primária à saúde (primary health care), atenção básica, medicina de família (family practice), medicina comunitária (community medicine), medicina de família e comunidade, clinica geral (general practice), clinico geral (general practitioner), clinica médica, medicina interna (internal medicine) e programa saúde da família (family health program) foram pesquisados.

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Resultados:

• atenção básica

o “A Atenção Básica é um conjunto de ações, de caráter individual e coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação.”

(Ministério da Saúde, http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/pub_assunto/atencao_bas.htm

, acessado em 20/02/04)

• atenção primária à saúde (primary health care):

o “Atenção de primeiro contato. Continua, global e coordenada que se proporciona à população sem distinção de gênero, ou enfermidade, ou sistema orgânico” (Starfield, 1994, pág. 1) o “Cuidados que propiciam a manutenção básica de saúde,

serviços terapêuticos e a coordenação das necessidades e serviços comunitários” (DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

• clinico geral (general practitioner)

o “O profissional de saúde, como o médico ou o dentista, que não se especializa em nenhuma área particular dessas profissões, não é sujeito à certificação de especialista e geralmente provê cuidados primários” (Churchill, 1990, pág.

1504)

• clinica geral (general practice):

o “A provisão de cuidados médicos contínuos independente da idade do paciente ou da presença de condição que pode temporariamente requisitar atenção de um especialista”

(Dorland´s, 1994, pág. 1345)

o “Especialidade médica voltada para o diagnóstico e tratamento das doenças dos sistemas de órgãos internos dos adultos” (sinônimo de clinica médica e medicina interna) (DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

• clinica médica:

o Especialidade médica reconhecida pelo CNRM que trata de adultos e ocupa a maior parte do tempo em atividades intra- hospitalares. É também conhecida como medicina interna (CNRM, 2002)

o “Especialidade médica voltada para o diagnóstico e tratamento das doenças dos sistemas de órgãos internos dos adultos” (sinônimo de clinica geral e medicina interna) (DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

• medicina de família (family practice):

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o “A prática do médico de família. É um campo relativamente recente da especialização e não deve ser equiparado com a clinica geral” (Churchill, 1990, pág. 1504)

o “A especialidade médica que envolve o planejamento e provisão de compreensiva atenção primária à saúde para todos os membros da família, independente da idade e do sexo de forma contínua” (Dorland´s, 1994, pág. 1345)

o “Especialidade médica voltada para a provisão contínua e integrada de cuidados primários de saúde para toda a família”

(DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

• medicina de família e comunidade:

o Especialidade médica reconhecida pelo CNRM desde 1981 com o nome Medicina Geral Comunitária e que foi renomeada em 2001. Deve atender a toda a população sem distinção de idade, gênero ou sistema orgânico e ocupa a maior parte do tempo em atividades extra-hospitalares (CNRM, 2002)

• medicina comunitária (community medicine):

o “Cuidados médicos direcionados para servir toda a população da comunidade, com ênfase na medicina preventiva” (Taber, 2000, pág. 1093)

o “Ramo da medicina voltado para a saúde total do indivíduo tanto no ambiente doméstico como na comunidade; com aplicação extensiva de cuidados de prevenção e tratamento na comunidade inteira” (DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

• medicina interna (internal medicine):

o “O ramo da medicina que lida com diagnóstico e tratamento não cirúrgico de doenças e desordens que afetam a parte interna ou sistemas do corpo” (Churchill, 1990, pág. 1119) o A origem da utilização do termo medicina interna é germânica

(“Innere Medizin”) (Bean, 1982)

o “Especialidade médica voltada para o diagnóstico e tratamento das doenças dos sistemas de órgãos internos dos adultos” (sinônimo de clinica geral e clinica médica) (DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

• programa saúde da família (family health program)

o Programa do Governo Federal brasileiro em 1993 que visa a reestruturação da Atenção Primária à Saúde do Sistema Ùnico de Saúde. As prefeituras devem instalar equipes com no mínimo um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e 4 agentes comunitários de saúde que devem atender de forma integral a no máximo 1000 famílias ou 4.500 pessoas. (Brasil, 1994).

o “O principal propósito do Programa Saúde da Família é reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases e substituir o modelo tradicional, levando a saúde para mais

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perto da família e, com isso, melhorar a qualidade de vida da população. A estratégia do PSF prioriza as ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas, de forma integral e contínua. O atendimento é prestado na unidade básica de saúde ou no domicílio, pelos profissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde) que compõem as equipes de Saúde da Família. Assim, esses profissionais e a população acompanhada criam vínculos de co-responsabilidade, o que facilita a identificação e o atendimento aos problemas de saúde da comunidade (DeCS, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04)

Discussão:

A própria literatura médica é confusa na definição de alguns termos. Além disso, existem alguns problemas de tradução o que leva à criação ou à inadequação de alguns conceitos utilizados em português. Porém a transformação histórica da forma de se organizar os sistemas de saúde e da epistemologia das especialidades médicas são os maiores obstáculos para uma definição adequada. Por exemplo, o que chamamos de “clinica médica” pode ser confundido com o “clinico geral” ou até com o “médico de família e comunidade”.

Clinica Médica x Medicina Interna:

O termo “clinica médica” é conhecido no meio médico como sinônimo de

“medicina interna”. Mas para a população leiga, em geral, essa não é uma especialidade diferenciada sendo confundido com o clinico geral e com o médico de família e comunidade. O fato de no Brasil, por muitos anos, os pediatras, os ginecologistas e os especialistas em clinica médica terem assumido a porta de entrada sem se desprenderem do nível secundário e terciário, tanto do sistema público como do privado, explica em parte essa confusão.

Clinica Médica X Medicina de Família e Comunidade X Clinica Geral:

Apenas com a expansão do PSF que colocou no mercado a figura, antes renegada ao ostracismo, do Médico de Família e Comunidade como responsável pelo primeiro contato com o paciente sem distinção de idade ou gênero, as semelhanças e diferenças entre as especialidades puderam aflorar. Atualmente, a o termo “clinica médica“ por ser muito genérico é inadequado para representar o conjunto de conhecimentos desse profissional. Durante a sua especialização o residente de clinica médica ocupa grande parte do seu tempo nas enfermarias e unidades de terapia intensiva. Quando pratica medicina ambulatorial o faz muitas vezes em ambulatórios de especialidades ligados ao hospital. Além disso, a maioria desses profissionais utiliza essa residência como trampolim obrigatório para a subespecialização que é o objetivo final. Assim, o termo “clinica médica”

,utilizado para designar o especialista que aprende as modalidades intra- hospitalares da clinica, deveria ser substituido por “medicina interna”. Apesar da origem provável desse termo ser “medicina de dentro do paciente” é também usado com o significado de “medicina praticada no hospital”. Desse modo, haveria

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uma distinção clara com o “clinico geral” ou com o “médico de família e comunidade” que devem atender toda a família como o “clinico antigo” conhecido da população.

Medicina de Família e Comunidade X Clinica Geral:

Os termos “clinico geral” e “médico de família” ou “médico de família e comunidade”, que é o nome oficial do especialista em atenção primária à saúde no Brasil, não têm exatamente o mesmo significado. A própria literatura médica é confusa na definição de “medicina de família” como sinônimo de “clinica geral”. No Brasil, diferentemente de outros países, “clinico geral” denota o médico que não se especializou. Sua origem remete à época do início das especialidades quando quem não queria ou não conseguia seguir esse caminho se tornava “clinico geral”.

Com o avanço das especialidades, sobretudo após a segunda guerra mundial, a figura do clinico geral perdeu muita reputação quase se extinguindo e precisou ser reerguida sobre as bases modernas da ciência e da medicina baseada em evidência. Assim muitos países criaram a especialidade “clinica geral” (“general practitioner”) enquanto outros, para diferenciar da época em que esse especialista era considerado inferior em tempo de estudo e acumulo de conhecimento científico, mudaram o nome para Medicina de Família (Estados Unidos), Clinica Geral e Familiar (Portugal) ou Medicina de Família e Comunidade (Brasil e Espanha). No Brasil a opção do termo medicina de família e comunidade vem das experiências em medicina comunitária da década de 70. Assim, além da preocupação com o indivíduo, o médico de família deve se preocupar também com a comunidade, o que o diferencia ainda mais do “clinico geral” ou do

“internista”. “Medicina de família e comunidade” diz respeito ao profissional que se especializa obtendo um conjunto de conhecimentos específico, mas que atenderá as pessoas sem distinção de gênero, idade ou sistema orgânico.

Programa Saúde da Família (PSF) X Atenção Primária à Saúde (APS) X Atenção Básica (AB)

Por fim, resta discutir a confusão que se faz com os termos ligados diretamente à gestão como Atenção Primária à Saúde (APS), Atenção Básica (AB) e Programa Saúde da Família (PSF). O PSF foi criado no final do ano 1993 pelo governo Itamar Franco e colocado em prática em 1994. Envolve um “pacote” de ações que as prefeituras podem optar por implantar, recebendo por isso um incentivo extra. Sua implantação deve incluir equipes de saúde com pelo menos um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde. Cada equipe atende a no máximo 1000 famílias ou 4.500 pessoas em caráter integral, ou seja, sem distinção de sexo ou gênero, praticando ações de prevenção e promoção da saúde além de tratamento e reabilitação das doenças mais freqüentes (Brasil, 1994). Como programa de governo voltado para o âmbito municipal, ele tem algumas diretrizes, mas é colocado em prática pelas Secretarias Municipais de Saúde que têm autonomia para definir as atividades prioritárias. Assim, a forma de atuação das equipes do PSF não é homogênea e muitas vezes compromete os princípios da APS. Os principais princípios de APS, termo consagrado na Conferência da Organização Mundial da Saúde de 1978 em

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Alma Ata, antiga URSS, são acesso, coordenação, integralidade e longitudinalidade. Portanto, PSF é um programa ou estratégia do governo brasileiro que tem o objetivo de justamente reestruturar a APS do Sistema Único de Saúde, o que não é conseguido em todos os locais, dentre outros fatores, por problemas políticos e conceituais.

Atenção Básica (AB) é o termo correspondente à APS utilizado pelo governo brasileiro. Antes da criação da Coordenação da Atenção Básica do Ministério da Saúde em 1999, depois ascendido ao status de Departamento de Atenção Básica (2000), foi lançado o SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica) em 1995 e publicadas as NOB (Normas Operacionais Básicas) em 1993 e 1996 (Sousa, 2003). Essas são as prováveis origens da utilização do termo

“Básica” ao invés de “Primária”.

Medicina de Família e Comunidade (MFC) X Programa Saúde da Família (PSF) X Atenção Básica (AB):

Medicina de Família e Comunidade (MFC) é muitas vezes confundida com PSF. Ambos em sua definição envolvem o primeiro contato do paciente com o sistema de saúde e o atendimento integral. Porém, MFC é uma especialidade médica e PSF um programa do governo. É possível ser MFC no sistema privado ou em postos de saúde tradicional. Muitos MFC, por ter uma visão global do sistema de saúde, também participam do processo de gestão a nível local ou central. Nem sempre a organização de um PSF aproveita toda a potencialidade do MFC. Por exemplo, o MFC pode estar preparado clinicamente para cumprir a função de primeiro contato e coordenador da saúde do paciente, pois foi capacitado para isso segundo os princípios da especialidade. Porém, pode ser pressionado pela coordenação do PSF local a se envolver em demasia em atividades coletivas que nem sempre é a demanda da população e pode comprometer os próprios princípios do MFC e da APS.

Conclusão:

Este trabalho não objetivou esgotar as definições dos termos relacionados à atenção primária à saúde. Ao contrário, mostrou ser importante uma discussão aprofundada do tema, pois ela contribuirá para a melhoria do ensino, da gestão e da prática médica. Para uma organização dos sistemas de forma hierarquizada e com qualidade, como é desejável para se atingir a universalidade e a equidade, é necessário voltar os olhos para o significado epistemológico dos termos. Assim, a divisão das tarefas pode ocorrer de forma adequada e os interesses distribuídos em benefício de um sistema justo.

Palavras-chave: cuidados primários de saúde, medicina de família

Bibliografia:

• Bean, WB. Origin of the term ‘ Internal Medicine´. The New England Journal of Medicine, 306 (3): 182-3, 1982

• Bevilácqua F. (coord.). Seminário Sobre a “Formação do Médico Generalista”. Revista Brasileira de Educação Médica, Suplemento 1, 1978

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• Brasil, Ministério da Saúde. Programa de Saúde da Família: saúde dentro de casa. Brasília: Ministério da Saúde/ Fundação Nacional de Saúde, 1994.

Churchill`s Illustrated Medical Dictionary. 1st ed. New York: Harcourt Publishers Ltd, 1989.

• Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), Resolução CNRM Número 05/2002, mimeo

• Descritores em Ciências da Saúde, http://decs.bvs.br/, acessado em 25/03/04

• Dorland, WAN, Dorland´s Illustrated Medical Dictionary. 28th ed.

Philadelphia: W. B. Saunders Co, 1994.

• Ministério da Saúde,

http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/pub_assunto/atencao_bas.htm, acessado em 20/02/04

• Sousa, MF de. A Cor-agem do PSF. 2a ed. São Paulo: Hucitec, 2003.

• Starfield, B. Is Primary Care essential? Lancet, 344: 1129-33, 1994.

• Taber, CW, Venes, D, Thomas, CL (ed.). Dicionário Médico Enciclopédico. 1a ed. São Paulo: Manole, 2000.

Referências

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