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36º Encontro Anual da ANPOCS GT Nº 28 POLÍTICA INTERNACIONAL

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36º Encontro Anual da ANPOCS

 

GT Nº 28 – POLÍTICA INTERNACIONAL

             

TRANSPARÊNCIA, LEGITIMIDADE E DEMOCRACIA: O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NA PRIMEIRA DÉCADA

DOS ANOS 2000   

           

ALEXSANDRO EUGENIO PEREIRA (PPGCP/UFPR) 

                 

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TRANSPARÊNCIA, LEGITIMIDADE E DEMOCRACIA: O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NA PRIMEIRA DÉCADA DOS ANOS 2000

Alexsandro Eugenio Pereira1

INTRODUÇÃO

O Conselho de Segurança (CSNU) é o principal órgão do sistema de segurança coletiva da ONU (Organização das Nações Unidas), estabelecido após o final da Segunda Guerra Mundial. O processo decisório desse órgão reflete, ainda hoje, as relações de poder existentes em 1945 e está baseado no poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho (Reino Unido, Estados Unidos, China, Rússia e França). No debate atual sobre a reforma da Carta da ONU, qualquer alteração no processo decisório do Conselho de Segurança dependerá da aprovação desses cinco membros permanentes.

O poder de veto e o número limitado de membros não permanentes levantam a questão da necessidade de democratização do processo decisório do Conselho de Segurança. Algumas propostas de reforma do CSNU concentraram-se no problema da redistribuição das relações de poder entre os Estados, recomendando o aumento do número de membros não permanentes e o ingresso de novos países como membros permanentes com direito a veto. Os membros não permanentes possuem mandatos limitados a dois anos. Indiretamente, esse sistema, aplicado aos países sem assento permanente, favorece ainda mais as cinco potências com direito a veto.

Nesse sentido, o processo decisório do Conselho de Segurança é dominado pela necessidade de se avaliar os interesses dos cinco membros permanentes para que determinados assuntos da agenda de segurança sejam colocados em pauta e possam se transformar em resoluções. Historicamente, o difícil consenso entre os cinco permanentes gerou situações de paralisia decisória, determinadas pelo conflito entre as superpotências durante a Guerra Fria. Nos anos 1990, o Conselho de Segurança enfrentou dificuldades para lidar com conflitos intraestatais na ex-Iugoslávia e em países da África, como Ruanda e Somália. Essas dificuldades revelaram a necessidade de reforma do Conselho de Segurança com o propósito de adaptá-lo às características dos conflitos internacionais no período pós-Guerra Fria. Nesse momento, é possível notar uma redução significativa       

1 Doutor em Ciência Política pela USP e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR (PPGCP/UFPR).

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dos conflitos interestatais e um crescimento significativo dos intraestatais. A reforma do CSUN mostra-se necessária, também, devido à redefinição da agenda de segurança internacional neste período, que incorporou novas ameaças de natureza ambiental, societal e econômica.

Com base nessas considerações, o objetivo deste artigo é analisar as medidas adotadas recentemente pelo Conselho de Segurança com o propósito de aumentar a transparência de suas ações para a comunidade internacional. A adoção dessas medidas aparece numa Nota do Presidente do Conselho de Segurança, datado de 19 de julho de 2006 (S/2006/507). Essa proposta revela a preocupação dos membros do órgão com dois problemas fundamentais: 1º) o problema da representatividade, que emerge nos debates internos sobre a possibilidade de aumentar o número de membros do CSNU; 2º) o problema da “eficiência e da transparência do trabalho do Conselho de Segurança”.

Sobre o primeiro problema, é preciso reconhecer a morosidade do andamento da reforma com a discussão sobre o modelo a ser adotado (com o ingresso de novos membros permanentes e não permanentes; com ou sem direito a veto). O segundo problema, por sua vez, revela a constatação da necessidade de democratização do Conselho, compreendida como um dos requisitos para a legitimidade das suas decisões. A legitimidade, por sua vez, possibilitaria o enfrentamento de um desafio maior do CSNU, a saber, o da sua efetividade.

Para desenvolver seu objetivo geral, o artigo estará estruturado em três seções principais. A primeira delas examina a literatura que trata do problema da legitimidade, da accountability e da transparência no espaço doméstico dos Estados e, sobretudo, nas instituições internacionais. A segunda seção examinará os documentos oficiais e as medidas do CSUN com o propósito de aumentar a transparência de suas ações e resoluções. A terceira seção, por fim, estabelece conclusões sobre as medidas do Conselho de Segurança à luz da literatura abordada na primeira seção do artigo.

1. DEMOCRACIA, ACCOUNTABILITY E TRANSPARÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Os problemas da legitimidade, da accountability e da transparência das organizações internacionais tem despertado o interesse de um número crescente de

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autores nos últimos anos2. Esse interesse corresponde à transposição de uma preocupação existente na teoria política contemporânea com a qualidade da democracia (cf. MELO, 2007) para o campo da análise das instituições internacionais. Nesse sentido, Marcus André Melo (2007, p. 11) apontou o rejuvenescimento recente da pesquisa empírica sobre o desenho institucional e os reflexos desse desenho sobre as democracias contemporâneas. Entre os temas que emergem na literatura recente sobre as dimensões das democracias contemporâneas, destaca-se a capacidade de responsabilização (accountability) de governantes pelos eleitores e de que modo determinados arranjos institucionais favorecem um grau mais elevado de accountability. Mais é fundamental destacar que o foco da pesquisa a respeito da responsabilização e do desenho institucional é a discussão mais ampla sobre a eficiência das instituições políticas (cf.

MELO, 2007, p.12). Nesse sentido, o crescimento da literatura referente à legitimidade das instituições internacionais pode ser interpretado como um desdobramento do velho debate a respeito da eficácia dessas instituições que atuam num ambiente adverso, muito distinto das condições nas quais se desenvolvem as instituições políticas domésticas.

Voltarei a esse ponto mais adiante, pois antes cumpre destacar de que modo temas como accountability, transparência, legitimidade e eficácia se conectam na literatura recente da Ciência Política e, por consequência, na análise das instituições internacionais. Em outros termos, não é possível falar em transparência sem identificar como esse tema conecta-se às preocupações recentes com a accountability e à legitimidade das organizações internacionais. E, de forma mais ampla, como esses temas não apenas demonstram uma preocupação com a democratização do processo decisório das OIs, mas, sobretudo, com a eficácia delas na realização dos seus objetivos.

O pressuposto, que parece dominar o debate acadêmico e político, é de que o aumento da transparência das OIs pode contribuir para o incremento da sua accountability e da sua legitimidade no contexto internacional. Como veremos na terceira seção deste artigo, as ações do Conselho de Segurança, voltadas para o incremento da sua transparência e da sua accountability não se mostraram suficientes para resolver dois problemas fundamentais que afetam as instituições internacionais: a legitimidade e a eficácia. Prova disso é a constante retomada do debate sobre a reforma mais ampla do       

2 Conferir, a respeito, STASAVAGE, (2004); PRAKASH e HART (1999); MORAVSCIK (2004);

KEOHANE, MACEDO e MORAVCSIK, 2009; KEOHANE, 2011; KEOHANE e NYE (2003); HELD, 2004; HELD e McGREW, (2002); GRANT e KEOHANE, (2005); BUCHANAN e KEOHANE (2006), dentre outros.

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Conselho de Segurança sempre que se colocaram em análise as ações de transparência propostas no documento S/2006/507, de 19 de julho de 2006.

Na teoria política contemporânea, o conceito de accountability teve origem nos anos 1980 e 1990, segundo Fernando Filgueiras (2011). Esse conceito emergiu no contexto de propostas de reforma liberal desse período e foi aplicado para examinar as democracias contemporâneas. A responsabilização (ou accountability) se realizaria por intermédio do aprimoramento da transparência de acordo com os modelos principal- agente (principal-agent)3. Portanto, o conceito de accountability reforçou a criação de um princípio fundamental para a democratização do Estado por intermédio do aumento do controle dos cidadãos sobre o processo decisório governamental (cf. FILGUEIRAS, 2011, p. 66). As democracias contemporâneas exigem, como um dos seus requisitos essenciais, a necessidade de tornar o Estado mais transparente e mais suscetível à avaliação do público. Dessa forma, a consolidação e a legitimação dos processos políticos das democracias atuais demandam a responsabilização dos agentes públicos perante os cidadãos. Os eleitores são portadores da autoridade enquanto esses agentes receberam uma delegação de poder conferida pelos governados. Para que os eleitores possam controlar os agentes públicos é necessário reduzir o déficit de informação que existe entre eles. Os agentes públicos controlam a informação de maneira privilegiada e, com isso, conseguem impedir um controle maior dos cidadãos sobre suas decisões. Nesse sentido, seria necessário tornar públicos os segredos do Estado, aumentando as possibilidades de responsabilização.

Essa concepção de democracia é informada pela teoria da agência e pressupõe que a qualidade da democracia possa ser mensurada a partir da questão da responsabilização e da transparência. Sobre esse ponto, Melo argumentará que há uma redução da discussão da qualidade da democracia atual à questão da responsabilização.

(cf. MELO, 2007, p. 12). Além disso, a capacidade ou potencial de responsabilização de um arranjo institucional passou a ser um dos critérios privilegiados a partir dos quais os arranjos institucionais são avaliados. “Responsabilização efetivamente tornou-se a dimensão privilegiada no debate sobre a boa governança. [...] Embora a

      

3 Esses modelos foram adaptados para a teoria democrática contemporânea. A relação entre agent e principal foi desenvolvida pela teoria da agência. Sobre essa teoria, conferir o artigo seminal de JENSEN e MECKLING, 1976.

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responsabilização seja uma das dimensões centrais da democracia representativa seu status conceitual nas duas últimas décadas é surpreendente” (idem; sem grifos no original).

Não se pretende aqui afirmar que esses termos (accountability, transparência e legitimidade e eficácia institucional) possam ser tratados como equivalentes ou algo semelhante. Pelo contrário: cada um deles possui particularidades no que se refere à sua contribuição para a avaliação das instituições políticas e da democracia. Pretende-se mostrar que esses termos estão relacionados nas análises que tem como propósito avaliar a capacidade das instituições políticas contribuírem para a consolidação e à qualidade da democracia. Além disso, a accountability e a transparência não são termos exclusivos que se aplicam somente às relações políticas inerentes aos regimes democráticos, embora ambos estejam colocados em uma posição privilegiada na avaliação das democracias ou na crença de que a eficiência das instituições políticas passa pelo grau de accountability dos tomadores de decisão e pela transparência do processo político. Conforme apontam Hollyer, Rosendorff e Vreeland (2011), a crítica de Robert Dahl à concepção minimalista de democracia de Joseph Schumpeter4 já considerava a importância da informação no processo de escolha dos eleitores. Segundo Dahl (citado em HOLLYER, ROSENDORFF e VREELAND, 2011) a democracia requer, por definição, um fluxo livre de informações ou, em outras palavras, requer transparência. A relação entre democracia e transparência é complexa, segundo os autores. Eles argumentam que as democracias são regimes políticos com maior propensão à transparência do que outros regimes.

Se essa discussão sobre a accountability e a transparência já se mostra complicada ao tratar das democracias contemporâneas, ela ganha contornos ainda mais complexos quando aplicada à avaliação das instituições internacionais, objeto específico de análise deste artigo. Sobre esse ponto, Ruth Grant e Robert Keohane (2005), Andrew Moravcsik (2004) e Robert Keohane (2011), dentre outros, chamaram a atenção para os equívocos de se tentar aplicar os mesmos parâmetros para avaliar as instituições internacionais usados para examinar as democracias domésticas. Grant e Keohane, por exemplo, sugerem que a accountability é problemática no nível mundial. Andrew Moravcsik afirma que as avaliações das Organizações Internacionais (OIs), baseadas em ideais democráticos, são levadas à conclusão de que elas seriam ilegítimas. Para esse autor, é       

4 Segundo a qual as democracias podem ser definidas como regimes políticos destinados ao preenchimento de cargos políticos por intermédio da eleição ou de outros processos.

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necessário identificar parâmetros para avaliar as OIs. Para fundamentar esses parâmetros, é salutar reconhecer as diferenças entre as instituições políticas nacionais e as internacionais. Transpor simplesmente os mesmos parâmetros usados para as instituições nacionais pode levar o analista, segundo Moravcsik, a conclusões questionáveis, pois, conforme tentei mostrar acima, as discussões sobre accountability, transparência e legitimidade não nasceram com o propósito específico de avaliar as organizações internacionais. Moravcsik e outros autores mencionados acima integram os esforços recentes de levar essas discussões para a esfera internacional, observando que existe um movimento nessa direção por parte dos decision-makers das OIs, os quais vêm adotando, de modo crescente e significativo, práticas destinadas a aumentar a transparência e a accountability dessas organizações. Esse movimento das OIs é, em parte, resposta às pressões externas cujo propósito é torná-las mais transparentes, democráticas e eficientes no enfrentamento da natureza complexa dos problemas que integram a agenda internacional. Essas pressões são exercidas não apenas pelos Estados, mas, também, por um conjunto de atores não estatais, especialmente as organizações não governamentais.

Por isso, a literatura recente sobre accountability, transparência e legitimidade das OIs procura caracterizar a natureza complexa dessas organizações, o cenário no qual atuam e os problemas e as múltiplas pressões que enfrentam. Alguns autores, como Robert Keohane (2011) e Grant e Keohane (2005), avançam na tentativa de elaborar critérios que possam ser aplicados às organizações internacionais. Nesta literatura, é possível observar, em linhas gerais, que o tema da transparência nas organizações internacionais está articulado com a discussão sobre a accountability. Transparência e accountability, por seu turno, são temas que integram a avaliação da legitimidade das instituições internacionais. E, por fim, o grau de legitimidade dessas instituições tem implicações sobre a sua eficácia e sobre a sua contribuição para a governança global.

Nas subseções seguintes, procurarei explorar um conjunto de três temas abordados por esta literatura que podem permitir uma avaliação adequada das práticas adotadas pelo Conselho de Segurança para “aumentar sua transparência e eficácia”, a saber: (i) a natureza complexa dos problemas da agenda internacional e das relações estabelecidas entre as OIs e outros atores além dos Estados, como as ONGs; (ii) os problemas relativos à aplicação do conceito de accountability na política internacional contemporânea; (iii) e a questão da transparência nas OIs.

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1.1 A NATUREZA COMPLEXA DA AGENDA INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA

As organizações internacionais enfrentam naturalmente dificuldades muito mais significativas se comparadas com as instituições políticas domésticas. O ambiente internacional, segundo Keohane (2011), impõe limites ao desenvolvimento das funções de governança executadas pelas OIs. As organizações internacionais tomam decisões sobre uma variedade de temas da agenda internacional, mas estão destituídas de instrumentos importantes, como o uso da coerção, por exemplo. Segundo Keohane, elas não reivindicam o monopólio do uso legítimo da força dentro de um território específico e são dependentes do consentimento dos Estados-membros para tornar suas decisões efetivas no plano internacional. Ao mesmo tempo, agrava esse problema o fato das OIs enfrentarem desafios muito mais complexos no período pós-Guerra Fria. Compõe esse quadro, à submissão das OIs a um constante questionamento a respeito da sua capacidade de enfrentar os problemas da agenda internacional e oferecer soluções aceitas pela comunidade internacional. Constantemente, o debate político e acadêmico levanta a necessidade de reformar as atuais instituições internacionais, cujas estruturas e processos se mostram incompatíveis com as características da política internacional contemporânea e com a natureza complexa dos problemas. Na área de segurança, por exemplo, diversos autores destacaram a ampliação recente da agenda de segurança, que hoje contempla um conjunto variado de novas ameaças de natureza econômica, ecológica e societal5.

David Held (1991; 2004) compreendeu as mudanças atuais e examinou os reflexos dessas mudanças sobre a governança global. Segundo ele, o processo de globalização contribui para acelerar a emergência de inúmeros problemas novos e de desafios transnacionais que gerou um “sistema multicêntrico de governança”, que atua tanto dentro como através das fronteiras políticas. Esse sistema foi marcado pela transformação da territorialidade da tomada de decisão política, pelo desenvolvimento de organizações regionais e globais e, em muitos lugares, pelo aumento da importância das leis internacionais e regionais. (HELD, 2004, p. 366). Estaríamos em presença, segundo Held (1991) de um paradoxo: ao mesmo tempo em que a democracia avança pelo mundo, ela é questionada como forma nacional de organização política; nações se colocam como       

5 Sobre esse ponto, conferir BUZAN, 1991; BUZAN, WAEVER e WILDE, 1998; KOLODZIEJ, 1995;

KRAUSE e WILLIAMS, 1996; MARTINS, 1999; MATHEWS, 1989; NYE, 1974; RUDZIT, 2005;

TANNO, 2003; ULLMAN, 1983; VILLA, 1999, dentre outros.

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democráticas no momento em que a democracia deixa de ser possível em um Estado nacional independente; considerando que a tendência dominante no presente é a organização em termos globais de amplas áreas da atividade humana.

Held levanta questões fundamentais para se pensar a democracia e suas instituições em virtude das interconexões globais crescentes: necessita-se o consenso de quem? Requer-se o acordo de quem? Qual é a base de decisão relevante (local?

Nacional? Regional? Internacional?)? Perante quem os responsáveis pela decisão precisam prestar contas? O que acontece com a legitimidade quando decisões que afetam um grande número de pessoas são tomadas em unidades políticas sem a participação democrática efetiva? As fronteiras territoriais constituem os limites de inclusão ou exclusão dos indivíduos da participação em decisões que afetam suas vidas. (conferir HELD, 1991, p. 153-154).

Esses são problemas relevantes para se examinar o papel das organizações internacionais no presente. A natureza dos problemas da agenda internacional contribuiu para deslocar a decisão da esfera nacional para o plano da governança global. Para Held, trata-se de um conjunto de mudanças que integram o processo de globalização e que envolve, pelo menos, dois fenômenos distintos: 1º) sugere que a atividade política, econômica e social têm cada vez mais um alcance mundial; e 2º) sugere que a interação e a interconexão entre Estados nacionais e sociedades têm-se intensificado. Para Held (2004, p. 368), a globalização não implica restrições à política. Na prática, a globalização implicaria expansão da atividade política. A globalização não apenas desperta ou reforça uma significativa politização de uma variedade crescente de áreas, mas essa politização é acompanhada por um extraordinário desenvolvimento de arenas institucionalizadas e redes de mobilização política, processo decisório e atividade regulatória que transcendem a jurisdição política nacional. Trata-se de uma expansão da capacidade para a atividade política e para o exercício da autoridade política.

A natureza complexa dos problemas e a crescente interação e interconexão entre Estados e sociedades geram a expansão da competência de instituições de governança global e regional e novas e cambiantes formas de regulação internacional (HELD, 2004, p. 366-367). Essas formas, por sua vez, envolvem uma pluralidade de atores, uma variedade de processos políticos e uma diversidade de níveis de coordenação e operação.

De modo específico, ela inclui: (i) diferentes formas de arranjos intergovernamentais; (ii) um aumento substantivo de agências públicas mantém ligações com agências similares

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em outros países e formam redes transgovernamentais para administrar diversos temas globais; (iii) diversos atores econômicos, como empresas, associações e organizações ligadas ao comércio, estabelecem seus próprios mecanismos regulatórios para lidar com temas de interesse comum; (iv) ONGs e redes desempenham um papel em vários domínios da governança global e em vários estágios do processo de elaboração de políticas públicas globais; (v) órgãos públicos, atores econômicos e ONGs colaboram em várias áreas temáticas com o propósito de fornecer novas abordagens para problemas sociais por meio de redes de múltiplas partes interessadas6 (cf. HELD, 2004, p. 367).

Assim, acompanhando o argumento de Held, as organizações intergovernamentais internacionais adquirem uma importância considerável levando em consideração a natureza dos problemas que afetam o conjunto ou uma parte dos Estados.

A característica dos problemas demanda o recurso crescente aos mecanismos de cooperação disponíveis. Por consequência, se as instituições políticas internacionais tornam-se relevantes para o fornecimento de um conjunto de bens públicos globais, é natural que sejam submetidas ao escrutínio público à semelhança do que ocorre com as instituições domésticas. É natural, também, que sejam submetidas à avaliação da sua transparência, da sua accountability e do seu grau de legitimidade.

1.2. A ACCOUNTABILITY NAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Ruth Grant e Robert Keohane (2005) levantam duas questões cruciais na análise da accountability no plano internacional, a saber: (i) Como devemos pensar sobre a responsabilidade global na ausência de democracia global? (ii) Quem deve ter responsabilidade e de acordo com quais padrões? No artigo, os autores estão preocupados com a criação de mecanismos institucionais capazes de limitar o abuso de poder na política internacional. Para isso, é preciso reconhecer que os mecanismos de accountability são necessários, mas não são suficientes. E, no plano internacional, não basta reproduzir os procedimentos e práticas dos Estados democráticos. É preciso enfrentar um problema relativo às instituições de governança global, que deveriam limitar e constranger o potencial para o abuso de poder. No entanto, até mesmo os tipos mínimos de constrangimentos encontrados em governos nacionais estão ausentes no       

6 Sobre esse ponto, conferir, também, ROSENAU, 2000 e RUGGIE, 2004.

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nível global. Não somente não há democracia global, mas não há sequer um sistema constitucional eficaz que restringe o poder de forma institucionalizada, através de mecanismos como checks and balances. Na ausência desses mecanismos, o principal constrangimento na política internacional é a coerção e a necessidade de se alcançar um consenso e se chegar a um acordo benéfico para Estados e outros atores. Mas essas restrições são muito fracas para imobilizar atores poderosos e elas não são institucionalizadas em regras aplicáveis. Mecanismos de responsabilização de vários tipos são, portanto, necessários também se o propósito for conter abusos de poder. (cf.

GRANT e KEOHANE, 2005, p. 30).

Além disso, há um segundo problema relativo à definição de accountability. Para os autores, é necessário, em primeiro lugar, compreender o que a responsabilização implica e qual é a definição de accountability com base na qual se pode responder à segunda questão formulada acima. Por isso a definição de accountability seria estratégica. Segundo os autores, ela implica numa situação na qual atores específicos têm o direito de manter outros submetidos com base em um conjunto específico de normas.

Os atores que submetem podem julgar se os atores submetidos cumpriram com suas responsabilidades à luz dessas normas. Caso não tenham cumprido, os primeiros podem impor sanções sobre os segundos. Para que essa relação entre os dois conjuntos de atores funcione, é necessário um reconhecimento geral: (i) da legitimidade das normas operacionais para a accountability e (ii) da autoridade das partes envolvidas no relacionamento (uma delas para exercer poderes específicos; a outra para verificar e julgar o cumprimento das responsabilidades). (cf. GRANT e KEOHANE, 2005, p. 29).

Para compreender a falta de consenso sobre como avaliar a accountability, os autores apresentam uma distinção entre duas definições baseadas em dois modelos teóricos de accountability: o de delegação e o de participação. Esses dois modelos diferem fundamentalmente ao responder à pergunta: “quem tem direito a controlar o detentor do poder?” No modelo de participação, a performance dos detentores de poder é avaliada de acordo com quem é afetado pelas ações de quem exerce o poder. No modelo de delegação, ao contrário, a performance é avaliada por aqueles que confiam o poder aos decision-makers. Os dois modelos básicos, a participação e a delegação, levam a diferentes estratégias e mecanismos de accountability, porque eles são baseados em diferentes noções de legitimidade. Os dois modelos básicos de accountability também podem levar a decisões políticas conflitantes. (GRANT e KEOHANE, 2005, p. 33). Os

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padrões reais de accountability do FMI e do Banco Mundial, por exemplo, combinam práticas justificadas com base nos dois modelos, segundo os autores: práticas que, muitas vezes, estão em tensão umas com as outras.

Os autores observam que a combinação desses dois modelos de accountability é possível dentro das democracias internas. As eleições democráticas possibilitam a combinação desses dois modelos. Por exemplo, eleições democráticas são exemplos de accountability através da participação e da prestação de contas por meio do julgamento do desempenho dos delegados. Assim, o processo de eleição democrático provou ser um mecanismo eficaz de accountability. No plano internacional, isso não é possível, pois as eleições não seriam um mecanismo possível no plano internacional. Por isso, o equívoco de não distinguir os princípios teóricos dos dois modelos gerou confusão na análise da accountability no mundo político. Manter a distinção analítica entre os dois modelos é fundamental para determinar em que medida mecanismos de controle democrático interno podem ser aplicáveis ou não para lidar com os problemas de accountability na política mundial. (cf. GRANT e KEOHANE, 2005, p. 33).

Grant e Keohane sugerem, em sua análise, a dificuldade de viabilizar a participação democrática no plano internacional. A posição deles é intermediária, entre o pessimismo de Robert Dahl (citado em GRANT e KEOHANE, 2005, p. 33) – segundo o qual estaríamos em um dilema básico entre sacrificar os benefícios da cooperação internacional por causa da democracia ou aceitar a regra segundo a qual as OIs não seriam democráticas e tampouco suscetíveis de accountability – e o otimismo dos que acreditam que a participação democrática e a accountability sejam possíveis no plano internacional de forma análoga ao que acontece na esfera doméstica. Os autores consideram que não existe um público global capaz de funcionar politicamente, muito menos uma estrutura política responsável pela definição de quem teria direito a participar e em quais questões. Para os autores, é possível afirmar com segurança que existem públicos globais fragmentários, mas um verdadeiro público global comparável ao que existe nas democracias domésticas não existe. (GRANT e KEOHANE, 2005, p. 34).

Reforçando esse argumento, os autores afirmam que não há nenhum público global em termos sociológicos, isto é, apenas uma pequena minoria de pessoas é capaz de se identificar e de se comunicar com outras pessoas no mundo, ou mesmo seguir eventos mundiais. Esta análise sugere que as propostas de criação de instituições onde seria possível a participação são prematuras, pois não há, ainda, um demos global. (idem).

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Apesar de reconhecer a ausência desse público global, os autores sustentam que é possível exercer controle sobre os agentes aos quais as tarefas foram atribuídas. Portanto, é possível definir alguns mecanismos de accountability específicos que podem funcionar em relação aos vários tipos de poderes observados na cena internacional. No artigo, os autores listam sete mecanismos de accountability: a) hierárquica: refere-se às relações entre os superiores e os subordinados dentro da hierarquia característica das burocracias;

b) de supervisão: corresponde às relações entre duas organizações na qual uma delas funciona como principal em relação à outra; c) fiscal: descreve mecanismos por meio dos quais as agências de financiamento podem exigir relatórios e impor sanções; d) legal:

refere-se à exigência imposta aos agentes para que obedeçam regras formais e possam justificar suas ações com base nelas; e) de mercado: refere-se à responsabilização perante investidores e consumidores cuja influência é exercida por meio dos mercados; f) dos pares: corresponde à avaliação mútua das organizações por seus homólogos; e g) reputação pública: é um mecanismo importante, pois envolve a reputação dos agentes e pode funcionar na ausência de outros mecanismos ou em conjunto com eles7.

A accountability requer o desenvolvimento de práticas de transparência pelas organizações internacionais. Sem informações substantivas, a responsabilização dos agentes torna-se tarefa complexa, senão inviável. Esse tema, porém, é objeto de um debate sobre a questão da transparência nas instituições internacionais. Passo a tratar dessa questão na subseção seguinte.

1.3 A QUESTÃO DA TRANSPARÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Segundo David Stasavage (2004), as demandas atuais por maior transparência são motivadas pela necessidade de tornar mais claros os processos de negociação internacional. No plano interno dos Estados – e mesmo no internacional – ela está articulada com a accountability, na medida em que os cidadãos desejam saber mais sobre as ações dos agentes públicos para julgar se eles estão agindo no interesse público. Em última análise, a transparência pode tornar esses agentes mais responsáveis por suas ações. Mas a transparência pode acarretar outros benefícios, também. Defensores da       

7 Para um detalhamento maior desses mecanismos, conferir GRANT e KEOHANE, 2005, p. 36-37.

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democracia deliberativa enfatizam que as deliberações que ocorrem em público podem aumentar a qualidade e a legitimidade das decisões tomadas. Isso explicaria as preocupações recentes que visam tornar mais transparentes as organizações internacionais. (STASAVAGE, 2004, p. 668).

No artigo, Stasavage desenvolve um modelo baseado na teoria dos jogos com o propósito de identificar quando a transparência é desejável. Além disso, ele aponta que um dos elementos das demandas por maior transparência das OIs envolve a ideia de tornar abertas as negociações internacionais para que seja possível manter responsáveis os agentes envolvidos nessas negociações. O autor quer mostrar, no entanto, que a negociação internacional pública pode ter efeitos indesejáveis. A partir deste modelo, o autor fornece quatro proposições sobre as preferências dos diferentes atores com relação à transparência ou não das negociações. Em outros termos, o autor fornece quatro proposições sobre as causas e consequências da transparência. A primeira proposição sugere que, quando os representantes são suficientemente preocupados com sua reputação, na negociação pública são mais susceptíveis de fazer propostas associadas às preferências dos cidadãos. A segunda proposição sugere que, quando preocupações relativas à reputação são significativas, a “negociação de portas abertas” estimulará a postura dos representantes de assumir posições inflexíveis que podem resultar em falhas na negociação. A terceira proposição sugere que o público vai preferir a “negociação de portas abertas” se há um medo significativo que os representantes possam ser tendenciosos. Finalmente, o modelo prevê que representantes tendenciosos e imparciais preferem “negociação com portas fechadas”. (STAVAGE, 2004, p. 669).

Contestando essa leitura, Sara Hagemann e Hartmut Lenz (2012) discutem como as recentes iniciativas de transparência podem aumentar a eficácia de processos decisórios, em vez de comprometê-lo. Eles entendem “Eficiência” de três maneiras diferentes. Ela seria: (i) a capacidade de chegar a um acordo entre governos; (ii) a

“solidez” dos resultados da política; e (iii) a eficiência processual do processo de negociação. No paper, Hagemann e Lenz apresentam um modelo de negociação onde atores se preocupam com sua reputação política e onde a transparência pode ter um papel relevante na promoção dos interesses dos atores. (cf. HAGEMANN e LENZ, 2012, p.

01).

O modelo apresentado pelos autores mostrou que o processo de negociação pode se beneficiar de um tipo particular de transparência, denominada de registro formal e da

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publicação das posições dos legisladores em decisões geradas nas reuniões do Conselho.

No nosso caso específico analisado pelos autores no paper, a capacidade dos governos para chegar a um acordo sobre uma proposta pode ser positivamente afetada quando os negociadores sabem que registros de decisão final são exarados e estarão disponíveis ao público. Isso tem a ver com o fato de que o registro formal dos Estados-Membros rompe com a chamada “cultura de consenso” informal que o Conselho vem adotando durante muito tempo. Porém, na União Europeia dos 27, essa cultura não tem condições de ser mantida. (HAGEMANN e LENZ, 2012, p. 02).

Prosseguindo na argumentação dos autores, obrigar os Estados a tomar uma posição que será registrada formalmente, e que eles terão que defender a parceiros de cooperação e junto aos eleitores, restringe o escopo de comportamento estratégico na adoção de legislação e, especialmente, com relação à negociação de voto. Como resultado desse processo, é possível observar a realização de negociações mais claras sobre atos legislativos, na qual uma proposta é aprovada com base em uma maioria.

Além disso, o processo adquire celeridade tendo em vista que as negociações não precisam (e nem poderiam) mais acomodar o consenso geral. Dessa forma, o processo de negociação se adaptou melhor ao tamanho atual da União Europeia, que reúne 27 países.

(HAGEMANN e LENZ, 2012, p. 02).

Em síntese, apesar das limitações existentes na bibliografia que aborda a questão da transparência nas instituições internacionais, as duas abordagens acima oferecem contribuições interessantes na medida em que conectam a transparência ao processo de negociação que pode ser examinado no interior dessas instituições. Nas seções subsequentes examinarei as medidas de transparência adotadas recentemente pelo Conselho de Segurança.

2. AS MEDIDAS DE TRANSPARÊNCIA ADOTADAS PELO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

As medidas para aumentar a transparência do Conselho de Segurança se inserem nas atividades do Grupo de Trabalho Informal sobre a Documentação e outras Questões de Procedimento (Security Council Informal Working Group on Documentation and Other Procedural Questions). Esse grupo foi criado em junho de 1993 com o propósito de “melhorar e racionalizar os métodos” utilizados pelo Conselho de Segurança no que se

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refere aos seus procedimentos e à sua documentação. No interior desse grupo, passaram a ser discutidas, a partir de 2006, as práticas e medidas adotadas pelo CSNU com o propósito de “melhorar a transparência e a eficiência” do órgão. É importante destacar que os dois temas aparecem reunidos nos documentos oficiais – transparência e eficiência –, sugerindo que há uma preocupação maior com relação à necessidade de tornar o órgão mais eficiente. E para alcançar essa eficiência, por sua vez, entendeu-se, dentro do CSNU, que era necessário recorrer à transparência como instrumento capaz de intensificar o diálogo entre os membros desse órgão e os países não membros do Conselho. Na prática, um dos objetivos fundamentais das medidas adotadas a partir de julho de 2006 foi estabelecer uma aproximação maior com os Estados não membros, possibilitando a participação desses Estados em debates abertos, como os que foram estabelecidos com o objetivo de discutir as próprias medidas de transparência aprovadas por meio da Nota do Presidente do CSNU, datada de julho de 2006. Retomarei esse ponto na terceira seção deste artigo.

A preocupação com a transparência do órgão não emergiu apenas em 2006. Na Nota do Presidente do Conselho, datada de 31 de janeiro de 2006, é apresentado um resumo breve de outras iniciativas adotadas pelo Conselho com o propósito de dar visibilidade aos documentos internos e às decisões do órgão. Entre essas iniciativas, é mencionada uma lista de medidas adotadas em 29 de março de 1995 (S/1995/234). O objetivo dessa lista era aumentar a transparência dos Comitês de Sanções. Entre as medidas sugeridas no documento, podem ser citadas: (i) a divulgação de comunicados de imprensa depois da realização das reuniões dos Comitês; (ii) a Secretaria deveria disponibilizar uma lista de todas as decisões adotadas por cada Comitê em funcionamento e colocá-las à disposição de qualquer delegação interessada; (iii) Aumentar as informações disponíveis sobre cada Comitê no Relatório Anual (Annual Report) do Conselho de Segurança; (iv) cada Comitê deveria preparar um informe anual para o Conselho de Segurança no qual apresentaria as atividades desenvolvidas de forma resumida (cf. S/1995/234). No mesmo ano, em 31 de maio de 1995, em Nota do Presidente do CSNU (S/1995/438), reforçou-se a prática de escutar as observações dos Estados membros e das organizações interessadas nos temas em discussão nas reuniões privadas dos Comitês de Sanções.

Essas medidas revelam que a preocupação com a transparência integrou as atividades do Grupo Informal encarregado dos procedimentos internos. No entanto, as

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iniciativas mencionadas no parágrafo precedente ainda são tímidas se comparadas com as que constam na Nota do Presidente do Conselho de Segurança, datada de 19 de julho de 2006 (S/2006/507). A principal diferença entre as iniciativas de 1995 e as de 2006 é a abrangência dessas últimas. Enquanto as iniciativas de 1995 tratam da transparência apenas dos Comitês de Sanções, as medidas aprovadas em julho de 2006 abrangem o conjunto de procedimentos de todo o órgão. A transparência, portanto, é ampliada para o conjunto das atividades do Conselho e de seus órgãos subsidiários8, como os Comitês de Sanções e os Grupos de Trabalho. Coube ao Grupo de Trabalho Informal sobre Documentação e Outras Questões de Procedimento, a tarefa de recomendar medidas para aumentar a transparência e a eficiência do Conselho. No curso dos anos seguintes, coube a esse Grupo de Trabalho a tarefa de buscar aprimorar as medidas adotadas em julho de 2006, conforme atestam os Relatórios Anuais de 2007-2008, 2008-2009, 2009-2010 e 2010-20119.

Na prática, dois documentos são fundamentais para registrar as iniciativas do Conselho com o propósito de aumentar sua transparência. O documento S/2006/507 apresenta as iniciativas que depois foram revisadas e reapresentadas no documento S/2010/507. A revisão publicada na Nota do Presidente do CSNU, em 26 de julho de 2010, reforçou muitas medidas apresentadas no documento de 2006, mas é possível notar o acréscimo de alguns parágrafos introduzindo novas medidas e o aprimoramento da redação de outras. O primeiro documento, de 2006, está dividido em 12 itens, a saber:

Ordem do Dia; Reuniões Informativas; Documentação; Consultas informais; Sessões;

Programa de Trabalho; Resoluções e Declarações da Presidência; Órgãos Subsidiários;

Assuntos Submetidos ao Conselho; Comunicações com a Secretaria e Externas;

Relatório Anual; e Novos Membros. O documento apresenta orientações detalhadas sobre a divulgação das atividades realizadas pelo Conselho de Segurança e seus órgãos subsidiários.

O segundo documento, datado de julho de 2010, complementa o primeiro e apresenta uma subdivisão interna semelhante, acrescentando apenas um item novo       

8 A estrutura do Conselho de Segurança é formada por: Comitês Permanentes; Comitês Ad Hoc; Comitês de Sanções; Grupos de Trabalho; Operações de Manutenção da Paz; e Tribunais Internacionais. Para um detalhamento maior dessa estrutura, conferir www.un.org/Docs/sc/unsc_structure.html.

9 Os Relatórios Anuais (ou Annual Report) do Conselho de Segurança correspondem ao período de 01º de agosto de um ano determinado a 31 de julho do ano seguinte. Eles estão disponíveis no site do órgão http://www.un.org/Docs/sc/.  

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relativo às orientações sobre a divulgação das atividades das missões especiais do Conselho de Segurança. Um comunicado de imprensa do Conselho de Segurança resumiu os principais elementos novos introduzidos na revisão dos métodos de trabalho e nas medidas adotadas para aumentar a transparência do Conselho. No Comunicado, o Presidente do Conselho de Segurança Joy Ogwu (da Nigéria) informou que as revisões realizadas nessas medidas foram resultado dos esforços empreendidos pelo Grupo de Trabalho Informal e pela interação e diálogo com os países não membros do Conselho que, por intermédio do debate aberto realizado em abril de 2010, contribuíram para a revisão das medidas adotadas em 2006. As mudanças mais substantivas referem-se: (i) à adição de uma nova seção no documento sobre o planejamento e os relatórios das missões do CSNU; (ii) à intenção de reforçar o diálogo com os países que contribuem com tropas de manutenção da paz – diálogo que será estabelecido antes das renovações dos mandatos das operações de paz; (iii) e ao uso mais frequente das consultas informais pelo Conselho de Segurança. Esses diálogos são fundamentais para fornecer informações que podem contribuir para o processo decisório. Essas informações, por sua vez, podem ser prestadas por Estados não membros ou por organizações, ambos serão convidados a participar e, no caso dos primeiros, sem direito a voto. Para efeitos de exposição, tomarei como referência o documento de 2006, pois as revisões de 2010 não produziram alteração substantiva no conteúdo das medidas adotadas pelo CSNU. Trata-se de um aprimoramento que não alterou a essência dessas medidas.

No documento de 2006, no item sobre as Reuniões Informativas, recomenda-se que o presidente do CSNU, ou uma pessoa designada por ele, ofereça “informações substantivas e detalhadas” para os Estados membros. As reuniões devem ser realizadas depois das consultas ao plenário. Ao mesmo tempo, recomenda-se que o presidente proporcione cópias das declarações formuladas por ele aos meios de comunicação (p.

03). Na sequência, outra recomendação a respeito da documentação é apresentada, na qual os Estados se comprometem a realizar esforços para informar sobre as decisões e outras informações pertinentes do Conselho e de seus órgãos subsidiários, utilizando correspondência, páginas na internet e outros meios de divulgação. Os Estados-membros assumem o compromisso de continuar revisando os métodos de trabalho adotados em 2006, com o propósito de aprimorar tais métodos.

Uma das medidas de transparência mais importantes adotadas a partir de 2006 é o compromisso de realizar mais reuniões públicas, especialmente na fase inicial da análise

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de uma determinada questão. Segundo o documento, as reuniões públicas podem adotar medidas ou, entre outras coisas, apresentar informação e realizar debates. Nessas reuniões, o documento recomenda que Estados afetados por uma determinada questão possam fazer uso da palavra para fornecer informações, quando convidados. Ao mesmo tempo, esses Estados podem acompanhar o andamento dos debates, sempre de acordo com as Regras Provisórias de Procedimento do Conselho de Segurança (Provisional Rules of Procedure of the Security Council). Segundo o Artigo 37 dessas Regras, o Estado pode participar dos debates ou fornecer informações relevantes, mas sem direito a voto. As reuniões públicas incluirão: (i) debates abertos, nos quais podem ser realizadas exposições informativas e os membros do Conselho poderão formular declarações; (ii) debates, nos quais países afetados por uma determinada questão poderão ser convidados a participar do debate se solicitarem sua presença neles; (iii) Exposições informativas (briefing): depois da exposição informativa, os membros do Conselho poderão formular declarações; (iv) Adoção (Adoption): antes ou após a aprovação, os países não membros poderão realizar declarações. As reuniões privadas ocorrem para realizar debates e adotar medidas sem a participação do público e da imprensa. Mesmo nessas reuniões, é permitida a participação de países não membros com o propósito de fornecer informações ao CS.

No item intitulado Programa de Trabalho, recomenda-se que o Presidente do Conselho publique um prognóstico preliminar mensal no site do CS com o objetivo de informar os assuntos que poderão ser tratados em conformidade com as decisões anteriores do CS. Isso não significa que esses assuntos serão obrigatoriamente tratados dentro do CS, pois podem ocorrer mudanças resultantes de novos acontecimentos ou as opiniões dos membros do Conselho podem determinar alterações no programa de trabalho efetivo do órgão. Porém, mudanças na programação devem ser comunicadas e publicadas no site do CS.

No que se refere às resoluções, às declarações e aos comunicados da Presidência do CS, recomenda-se que todos os membros do CS participem da redação desses documentos. Além disso, os membros do órgão continuarão realizando consultas informais aos Estados membros da ONU, especialmente aqueles interessados em determinada questão ou que possam contribuir para a deliberação. Além dos Estados, poderão ser consultados grupos envolvidos e organizações regionais. Recomendou-se no documento que os Estados membros do CS cogitem a possibilidade de distribuir projetos

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de resolução ou de outros documentos aos demais Estados, mediante a autorização do plenário do CS e dos autores desses projetos.

Quatro pontos, ainda, chamam a atenção no documento de 2006. O primeiro deles refere-se à recomendação endereçada aos presidentes dos órgãos subsidiários do Conselho. Segundo o documento, eles deverão fornecer informações sobre questões pendentes, de maneira periódica, com o propósito de receber orientações estratégicas do CS. Eles deverão, também, comunicar publicamente o seu calendário de reuniões nos sites e no Diário das Nações Unidas. O segundo deles diz respeito à participação nas reuniões do Grupo de Trabalho sobre Operações de Manutenção da Paz daqueles Estados que fornecem contingentes para as operações, bem como de outras partes interessadas nas finalidades dessas operações. O terceiro é fundamental e refere-se às recomendações do documento para intensificar as comunicações periódicas entre o CS e a Assembleia Geral das Nações Unidas e entre o CS e o Conselho Econômico e Social. Essas recomendações visam melhorar a coordenação entre os principais órgãos das Nações Unidas. O quarto ponto também é fundamental e diz respeito à aproximação entre o Conselho de Segurança e diversos atores além dos Estados, incluindo atores da sociedade civil transnacional, como as ONGs. O parágrafo 54 do documento diz que os membros do CSNU pretendem realizar reuniões utilizando a Fórmula Arria10, com o objetivo de estabelecer um “fórum flexível e informal” para contribuir no processo de tomada de decisões. Nesse parágrafo, os Estados-membros afirmam que poderão utilizar a Fórmula com o propósito de convidar informalmente não apenas outros membros, mas também

“organizações ou indivíduos relevantes” para participar das reuniões. Além disso, os Estados-membros consideram a possibilidade de usar esse mecanismo para estreitar o contato entre o Conselho e a sociedade civil e as organizações, incluindo as ONGs sugeridas pelos escritórios das Nações Unidas (cf. S/2006/507, p. 11).

No intervalo da divulgação dos dois documentos principais sobre a transparência do CS – o de 2006 e sua revisão em 2010 – foram divulgadas duas pequenas Notas do Presidente do Conselho de Segurança, tratando de temas pontuais (a S2007/749 e a S/2008/847). A primeira delas é datada de 19 de dezembro de 2007 e recomenda maior

      

10 A Fórmula Arria é um arranjo informal estabelecido no Conselho de Segurança a partir de 1992 com o propósito de fornecer informações que poderão subsidiar o processo decisório do órgão. Por meio dessa Fórmula, um membro do Conselho pode convidar outros membros ou pessoas especializadas para reuniões informais, realizadas fora da sala das câmaras do Conselho. (Disponível em www.globalpolicy.org; Acesso em 01/08/2012).

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parcimônia na participação dos membros do CS em consultas informais e essa parcimônia deve ser aplicada aos representantes designados de outros departamentos da Secretaria e de outros órgãos da ONU. Recomenda-se, no documento, que essa participação aconteça naquelas circunstâncias nas quais a questão discutida no interior do CS tenha relação com o trabalho desenvolvido por esses departamentos e órgãos.

A segunda Nota do Presidente trata da divulgação da lista de assuntos submetidos ao Conselho e do estágio da discussão sobre esses assuntos. Ao final de cada ano, recomenda-se a publicação de uma lista sumária com os assuntos discutidos no período.

A relação sumária deve ser exposta em duas seções: uma delas apresentará os temas que foram examinados pelo Conselho de Segurança nos últimos três anos; a outra resumirá os temas que não foram abordados pelo Conselho, mas que podem ser mantidos na pauta do órgão por solicitação de um dos Estados-membros. O propósito é dar visibilidade ao conteúdo das discussões em pauta no Conselho de Segurança.

Dessas duas Notas dos anos de 2007 e 2008, a segunda promove um avanço em relação ao documento de julho de 2006. De qualquer maneira, a revisão dos métodos de trabalho e das medidas de transparência, realizada em 2010, incorpora as mudanças ou acréscimos realizados nesses dois anos.

O conjunto de medidas atualizadas em 2010 é abrangente, mas estão concentradas na divulgação das atividades do Conselho de Segurança e de seus órgãos subsidiários. Na seção seguinte, examino essas medidas à luz da literatura apresentada na seção inicial deste artigo.

3. ANÁLISE DAS MEDIDAS DE TRANSPARÊNCIA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

Em linhas gerais, é possível observar que as medidas de transparência, adotadas a partir de 2006, pretendem dar maior visibilidade às atividades do Conselho de Segurança e de seus órgãos subsidiários, especialmente para os países não membros do Conselho.

Está presente nos documentos oficiais a preocupação com a maior eficiência do órgão envolvendo, também, o aprimoramento de sua atuação por meio da coordenação entre suas ações e as que são desenvolvidas por outros órgãos do sistema ONU. Mas a preocupação com a participação e o envolvimento de outros Estados, membros da ONU, mas sem mandatos no CS, diz respeito à necessidade de tornar as decisões tomadas pelo

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CS mais efetivas, utilizando-se, para isso, do recurso à transparência. A busca por maior transparência conduz o CS à adoção de medidas que levam ao aumento das reuniões públicas e ao relativo aumento da participação dos não membros nas atividades da CSNU. É bom reforçar que os países não membros contribuem com a discussão e o debate público das questões, mas não tem direito a votar.

Há, portanto, conexão entre as medidas de transparência, as preocupações com o desenho institucional do órgão e a busca de legitimidade do CSNU e de suas decisões. É o que está em jogo na discussão interna sobre as medidas de transparência adotadas pelo Conselho de Segurança. Para os representantes dos Estados-membros, a questão fundamental é saber como modificar o desenho institucional do CS com o propósito de torná-lo mais eficiente e mais legítimo. Para alguns, com reformar da instituição; para outros, sem reformas profundas que alterem a correlação de forças existente no interior do órgão. Por isso, as estratégias de transparência integram uma preocupação maior com a legitimidade e com a eficiência do CS no cumprimento dos seus objetivos. A questão subjacente a essa preocupação é, evidentemente, o problema da efetividade dessa instituição vital da área de segurança. Para alguns Estados (como a Alemanha, por exemplo) não é possível pensar a eficiência e a legitimidade do Conselho sem alterar a assimetria de poder no interior do órgão. Portanto, as medidas de transparência, segundo essa leitura, são insuficientes para resolver o problema de fundo que orientou a publicação do documento que estabeleceu essas medidas (S/2006/507). Desde a publicação desse documento, foram realizados debates abertos a respeito das medidas adotadas. Ao mesmo tempo, o Grupo de Trabalho Informal sobre Procedimentos e Outras Questões realizou um número crescente de reuniões, nas quais as medidas de transparência, adotadas em 2006, ocuparam parcela significativa da agenda dessas reuniões. Os Relatórios Anuais do CSNU revelam esse ponto: no período de 2007-2008 foram realizadas cinco reuniões; em 2008-2009, oito reuniões; em 2009-2010, dez reuniões; e, no último período, 2010-2011, foram realizadas cinco reuniões. O período com maior número de reuniões (2009-2010) foi ocupado, em parte, com a revisão do documento de 2006, que resultou na Nota do Presidente do CS, datada de 26 de julho de 2010 e mencionada na seção precedente deste artigo.

Os debates internos contaram com uma participação significativa de países não membros. Por exemplo, o de 27 de agosto de 2008, contou com a presença de 45 representantes dos Estados que solicitaram autorização para participar do debate. Na

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abertura desse debate, o Secretário-Geral Ban Ki-moon ressaltou a importância do debate aberto realizado sobre um assunto que estava na agenda do Conselho desde o início da década de 1990. Ele manifestou, também, sua apreciação pelo compromisso dos membros do Conselho de propiciar condições para a interação com o maior número de países das Nações Unidas através da maior transparência e da maior abertura do processo decisório do Conselho. Para o Secretário Geral, a aplicação das medidas previstas na Nota do Presidente do Conselho há dois anos (S/2006/507) seria um “passo chave para tornar as Nações Unidas mais eficientes, eficazes e responsáveis” perante os desafios atuais (cf. SC/9436). E expressou, ainda, um ponto de vista importante sobre a natureza da adoção de medidas de transparência. Segundo Ban Ki-moon, a responsabilidade seria um princípio fundamental da organização e da orientação operacional do trabalho das Nações Unidas.

A realização de reuniões abertas foi destacada pelo representante da Suíça nessa mesma reunião de agosto de 2008. Ao mesmo tempo, esse mesmo representante afirmou que as medidas de transparência adotadas precisariam ser efetivas. Para ele, informações essenciais não podem continuar sendo compartilhadas “a portas fechadas”. Nesta reunião, no entanto, as declarações do representante do Egito chamam a atenção, pois ele estabeleceu um ponto levantado, também, pelo representante da Alemanha em outro debate sobre a mesma questão. O representante do Egito estabeleceu uma vinculação entre dois temas: (i) reforma dos métodos de trabalho e (ii) mudança na correlação de forças dentro do CS (leia-se reforma). Além disso, ele afirmou que o ponto de partida para qualquer esforço destinado a promover a eficácia do Conselho passaria pelo aumento da transparência e da accountability do órgão. Dessa forma, o CS seria capaz de executar seus mandatos e seus objetivos.

É evidente que são declarações estabelecidas a partir dos interesses dos países representados no debate. No entanto, eles fornecem, em parte, a percepção dos atores estatais envolvidos a respeito das medidas de transparência adotadas. Por trás do debate sobre essas medidas, reside uma percepção de que é necessária uma reforma mais profunda do Conselho de Segurança. Essa percepção é compartilhada pelos países que desejam ocupar assentos permanentes no Conselho e desfrutar maior poder dentro do órgão. Países como Alemanha e Japão que, segundo Jean Krasno (2006) fornecem recursos financeiros substanciais para suprir as necessidades da ONU, demandam maior participação no processo decisório do Conselho. E segundo esse mesmo autor, esses

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países precisariam ser contemplados com mais influência no processo decisório, pois, segundo ele, critérios econômicos deveriam pesar mais do que os geográficos na definição de um novo modelo para o Conselho de Segurança.

Independente do resultado eventual dos debates sobre a reforma é preciso observar que a adoção de medidas de transparência se insere no contexto desse debate maior sobre a reforma do Conselho, mas, se insere, também, nas preocupações crescentes sobre a eficácia e a legitimidade desse órgão, ambas altamente comprometidas pelos insucessos do Conselho de Segurança nos anos 1990 na realização do seu objetivo fundamental – a de contribuir para a manutenção da paz e da segurança na comunidade internacional. Os insucessos na ex-Iugoslávia, na Somália e em Ruanda nos anos 1990 (para citar alguns exemplos) revelaram o anacronismo do Conselho de Segurança, a sua incapacidade para lidar com a natureza mais complexa dos problemas de segurança no período pós-Guerra Fria e, sobretudo, a sua dificuldade para tornar suas decisões legítimas, tendo em vista dois problemas essenciais do processo decisório do órgão: (i) o reconhecimento de que as decisões tomadas são o resultado de um processo político dominado pelos membros permanentes com direito a veto. Esse processo, por sua vez, é incompatível com a atual distribuição de poder das relações internacionais contemporâneas. Por meio desse processo, são excluídos, por exemplo, dois atores estatais relevantes – Japão e Alemanha –, mencionados acima como países com importantes contribuições para o orçamento da ONU. Com a manutenção de um processo decisório baseado numa distribuição de poder desigual entre os Estados, as decisões não são consideradas representativas, na medida em que não expressam a variedade de interesses da comunidade de Estados; e (ii) decisões tomadas com base numa assimetria de informações, em reuniões fechadas e sem a participação ou o envolvimento de um número mais expressivo de atores estatais. As medidas de transparência são capazes de enfrentar, parcialmente, esse segundo problema. E revelaram, conforme foi possível mostrar na seção precedente deste artigo, a preocupação dos países membros do CS com a inclusão de um número maior de atores na deliberação, tanto estatais como não-estatais.

Embora não possam votar e determinar, por meio desse instrumento, o resultado, a participação de países não membros e de atores da sociedade civil transnacional revela que, no conteúdo das medidas de transparência adotadas a partir de 2006, está implícita a percepção de que é necessário aumentar a participação de outros atores além dos Estados-membros.

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Na prática, o Conselho de Segurança vem procurando lidar com uma crise de legitimidade por meio da adoção de um conjunto de medidas de transparência. Essa crise é resultante de três elementos principais: 1º) os já mencionados insucessos no enfrentamento de conflitos internacionais importantes nos anos 1990; 2º) a manutenção de um processo decisório baseado numa relação desigual entre os membros permanentes e os que ocupam assento rotativo, onde os primeiros desfrutam de uma condição ímpar, que é a possibilidade de vetar decisões que contrariam seus interesses ou sua compreensão sobre determinada questão; 3º) a incapacidade do CSNU de se adaptar e de lidar com a natureza cambiante e complexa dos problemas e desafios das relações internacionais contemporâneas, apontadas por David Held (1991; 2004) e apresentadas na primeira seção deste artigo.

Considero possível afirmar que o CSNU precisa lidar com uma crise de legitimidade, pois se trata de uma instituição que não é plenamente legítima, de acordo com as dimensões normativas da legitimidade abordadas por Allen Buchanan e Robert Keohane (2006) e por Robert Keohane (2011)11. Para afirmar que uma instituição internacional é legítima, segundo Keohane (2011), é possível avaliar essa instituição com base nas dimensões normativas da legitimidade. De acordo com essas dimensões, uma instituição é legítima se ela tem o direito de governar. Esse direito, por sua vez, não precisa se apoiar na coerção – muito menos no exercício da coerção – dentro de um território específico. A legitimidade não pressupõe a existência do Estado.

No artigo de 2011, Robert Keohane apresentou um conjunto de seis critérios a partir dos quais ele considerou possível avaliar a legitimidade das instituições internacionais. O primeiro desses critérios é a aceitabilidade moral mínima. Instituições de governança global não devem cometer graves injustiças e, em particular, não devem violar direitos humanos básicos. Embora não haja um consenso sobre a lista de direitos       

11 A respeito da legitimidade, aplicada às organizações regionais internacionais, Marcelo de Almeida Medeiros (2008, p. 54-55) observou que: “Se partirmos do princípio de que a legitimidade se ancora unicamente no binômio reconhecimento e representatividade, as organizações regionais internacionais, realmente, não podem ser apontadas como legítimas. A mais avançada delas, a União Européia, revela índices muito baixos de identificação do cidadão para com ela, cidadão este cuja lealdade manifesta se dá incontestavelmente com o Estado-nação, onde de fato há um demos historicamente construído e reconhecido. Do mesmo modo, apesar dos avanços sistemáticos do Parlamento Europeu (PE) e da criação de órgãos consultivos como o Comitê Econômico e Social e o Comitê de Regiões, a representação mostra- se limitada pelo papel secundário dessas instituições no processo de tomada de decisão stricto sensu e pouco legitimada pela fraca participação cidadã no processo eleitoral do PE. A situação é ainda mais complicada em ORIs menos ativas politicamente e funcionando com menos elementos representativos, como é o caso do Mercosul”.

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humanos básicos, Keohane afirmou que existe um consenso de que essa lista inclui a segurança física, a liberdade, os direitos e o direito de subsistência. O segundo critério é a inclusão. As instituições devem estar abertas a todos os povos que estejam dispostos a participar da consecução de seus objetivos. A inclusão é um princípio democrático fundamental. Keohane reconheceu a existência de restrições no mundo político, como a desigualdade de poder entre Estados. No entanto, defendeu que povos não podem ser excluídos arbitrariamente da participação nas discussões sobre a governança global. (cf.

KEOHANE, 2011, p. 101).

O terceiro critério é a qualidade epistêmica, expressa em duas dimensões: a integridade institucional e a transparência. A integridade institucional, segundo Keohane, refere-se à relação entre o desempenho da instituição e a verdade. Instituições não possuem integridade quando estão baseadas em falsas crenças. Instituições que distorcem sistematicamente informações são, para esse autor, ilegítimas. As instituições demonstram falta de integridade se apresentam padrões visíveis de disparidade entre seu desempenho real e seus objetivos principais. Uma instituição é presumivelmente ilegítima se suas práticas e procedimentos frustram a prossecução dos seus objetivos.

Keohane sugeriu que a eficácia da transparência depende da possibilidade de se obter informações, a um custo razoável, sobre como a instituição opera. (idem, p. 101-102).

O quarto critério é a accountability, que fornece poder para os governados sobre os governantes. A necessidade de informações sobre se a instituição está atendendo aos padrões idealizados por aqueles a quem ela precisa prestar contas torna a transparência essencial. (ibidem). O quinto critério diz respeito à capacidade das instituições de governança global de contribuírem para reforçar a democracia no plano doméstico12. O sexto critério diz respeito ao teste da vantagem comparativa, isto é, se as instituições de governança global são capazes de produzir resultados melhores do que poderiam ser gerados por outros arranjos institucionais alternativos. (ibidem, p. 102-103).

Em seguida, Keohane aplica os seis critérios em duas instituições: no Conselho de Segurança e na OMC (Organização Mundial do Comércio). Abordarei apenas a primeria delas. Para Keohane, a ONU derivou sua principal legitimidade de sua capacidade de inclusão: ela está aberta a todos os Estados. Os membros não permanentes do Conselho       

12 Sobre a capacidade das instituições multilaterais reforçarem a democracia no plano doméstico, conferir KEOHANE; MACEDO; e MORAVCSIK, 2009.

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são eleitos pelos membros da ONU. No entanto, a existência de membros permanentes seria um artifício do final da Segunda Guerra Mundial e teria pouca relação com os princípios da política mundial contemporânea como suporte para a instituição ou para sua representatividade. A falta de inclusão é parte da estrutura do Conselho por causa do veto, que impede o ingresso de outros países no clube restrito. A concorrência entre os membros permanentes também desempenha um papel importante. (cf. KEOHANE, 2011, p. 104).

Keohane prosseguiu e examinou o Conselho de Segurança a partir dos outros critérios. Nas questões epistêmicas, ele também é falho. As reuniões públicas do Conselho são teatrais, não deliberativas, pois todas as verdadeiras negociações se processam fora dessas reuniões. O poder de veto é a antítese da accountability. Nesses dois critérios, o Conselho de Segurança também é falho. Na questão dos direitos humanos, Keohane faz um balanço favorável das ações do Conselho e diz que elas oscilam entre erros e acertos na década de 1990. E conclui que o Conselho de Segurança passa, no limite, no teste da legitimidade, embora apresente muitas falhas. O autor afirmou que o mundo seria pior se o CS não existisse. Seus principais membros precisam tornar suas práticas mais responsáveis e mais transparentes na medida em que isso seria compatível com a eficácia. É necessário melhorar a inclusão por meio de uma reforma estrutural e fazer sacrifícios materiais para proteger os direitos humanos. (ibidem, p.

105). O problema da inclusão é abordado nas medidas de transparência adotadas a partir de 2006. Mas é preciso reconhecer que essas medidas não são capazes de superar esse problema sem a reforma estrutural que vem sendo, sistematicamente, adiada.

Não concordo com a análise final de Keohane sobre a avaliação do Conselho de Segurança de acordo com os critérios estabelecidos por ele. Submetido aos seis critérios apresentados por Keohane, é possível constatar que o CSNU reprova em quase todos eles, passando, com nota mínima, no último dos critérios, o da vantagem comparativa.

Keohane tem razão quando afirmou que o mundo seria pior sem o CSNU. Porém, conforme apontei antes, o Conselho experimenta, há muito tempo, uma crise de legitimidade cujo enfrentamento passa pelas medidas de transparência, mas é preciso reconhecer que elas são insuficientes. Uma análise das tentativas de democratização do Conselho de Segurança envolve identificar como os conceitos de accountability, de transparência e de legitimidade estão conectados, conforme tentei mostrar na primeira seção deste artigo. As dificuldades para tornar efetivas as decisões do Conselho podem

Referências

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