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A Alfândega do Rio de Janeiro: uma análise sobre as instituições coloniais da América Lusitana. (c.1699-c.1725)

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A Alfândega do Rio de Janeiro: uma análise sobre as instituições coloniais da América Lusitana. (c.1699-c.1725)

Helena de Cassia Trindade de Sá

O comércio pode ser considerado por sua natureza e modo de organização, como sendo um dos principais sustentáculos da economia colonial.

A colonização do Brasil1 esteve atrelada à construção de uma estrutura produtiva voltada para o abastecimento do mercado europeu, estabelecendo dessa forma, uma economia agro-exportadora. A atividade colonizadora teria por meta o desenvolvimento da metrópole, através do acúmulo de riquezas oriundas da agricultura ou do extrativismo. Este seria o real sentido da colonização dos trópicos.2 Rodrigo Ricupero ao discorrer sobre a colonização na América lusa afirma:

As linhas mestras do que chamamos de antigo Sistema Colonial[...] foram ganhando forma no desenrolar do processo de ocupação, nas instruções aos administradores coloniais e na legislação elaborada pela Coroa, que, com suas idas e vindas, procuravam responder aos problemas encontrados e enquadrar o processo em curso aos interesses da Coroa e que posteriormente ganharia a forma teórica nas diretrizes mercantilistas.3

No século XVII, após a Restauração, a Coroa portuguesa implementou uma mudança na condução econômica metropolitana com relação a sua colônia Americana, aumentando a exploração de recursos e implementando transformações na esfera administrativa e política, a fim de confirmar o seu poder sobre a referida colônia.

Sendo assim, D. João IV criou o Conselho Ultramarino, que de acordo com Victor Hugo Abril, “foi uma instituição que auxiliou a Coroa a administrar o Império Marítimo

Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO. Vinculada ao grupo de pesquisa reconhecido pelo CNPq, MANTO, Núcleo de Estudos Coloniais. Está sob a orientação da Professora Doutora Maria Isabel de Siqueira. Agradeço aqui, as sugestões valiosas da minha orientadora. Sou grata ainda ao Professor Valter Lenine Fernandes pelos comentários e indicações de documentos. E-mail: hcts.helena@gmail.com

1 A utilização do termo Brasil segue o mesmo conceito do historiador Rodrigo Ricupero, ou seja, não confundindo o referido termo da colonização portuguesa com o empregado no século XX.(RICUPERO, Rodrigo. Formação da elite colonial. São Paulo, Alameda, 2011).

2 PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo.São Paulo,Brasiliense,1994.p.218

3 RICUPERO, Rodrigo. Diretrizes coloniais: legislação e prática de dominação. Anais.XXVI Simpósio Nacional de História. ANPUH. São Paulo, julho,2011.p.3

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Português” e desempenhou relevante função na coordenação e centralização da política nos domínios lusitanos.

Pelo estado em que se acham as coisas da Índia, do Brasil, de Angola e demais conquistas do Reino, e pelo muito que importa conservar e dilatar o que neles possuo e recuperar o que se perdeu em tempos passados e ser precisamente necessário, antes que os danos que ali tem padecido esta Coroa passem adiante, prover de remédio com toda aplicação e por todos os meios justos e possíveis: Me resolvi a nomear Tribunal separado em que particularmente se tratem os negócios daquelas partes, que até agora corriam por Ministérios obrigados a outras ocupações, sendo as das conquistas tantas e da qualidade que se deixa entender, e que se este Tribunal tenha no Paço a casa que se lhe assinará e se chame Conselho Ultramarino[...]4

Pode-se inferir pelo exposto no supracitado documento, que durante este período a Coroa implementou ações que viriam a consolidar o Antigo Sistema Colonial.

Verifica-se também nos seiscentos a ascensão do centro-sul da colônia, com o Rio de Janeiro ganhando destaque como um importante elo comercial com as “possessões espanholas do estuário do Rio da Prata e os enclaves da África.”5

A descoberta do ouro inauguraria um novo século e também uma nova fase, constituindo-se um marco fundador de um longo período de prosperidade, multiplicando os sentidos e alargando o raio das rotas percorridas por navios e expedições que transitavam a partir da e com destino à cidade do Rio de Janeiro. Seu porto constituir-se-ia a partir de então e por todo o século XVIII- no principal receptor de escravos e mercadorias europeias e asiáticas, assim como no maior escoador das riquezas coloniais, transformando-se, como já dizia Antonio Rodrigues da Costa, conselheiro do Conselho Ultramarino, em ‘uma das pedras mais preciosas que ornam a coroa da Vossa Majestade, de cuja conservação e bom governo depende a segurança das Minas, e ainda de todo o Brasil.”6

A cidade foi se transformando, então, em um destacado centro cosmopolita, com intensa circulação de pessoas, navios, mercadorias, o que fez despertar a cobiça de corsários e contrabandistas. Nireu Cavalcanti afirma que esta:

[...] se tornou o principal escoadouro da produção aurífera das Minas Gerais, incorporando o comércio cisplatino e de outras regiões da colônia. Isso requeria cuidados especiais, preventivos contra a possibilidade de saques de mercadorias por navios piratas estrangeiros.7

4 AHU. Decreto de Sua Majestade sobre o Regimento do Conselho Ultramarino. Livro de Regimentos.

Cód.169.fl.5

5 BICALHO, Maria Fernanda. O Rio de Janeiro no século XVIII:A transferência da capital e a construção do território centro-sul da América portuguesa.p.7. Disponível em:

www.ifch.unicamp.br/ciec/revista/artigos/dossie1.pdf

6 GOUVÊA, Maria de Fátima;BICALHO, Maria Fernanda. A construção política do território centro-sul da América portuguesa (1668-1777). História, histórias.Brasília, UNB, v.1,n.1,2013.

7CAVALCANTE, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004.p.77

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Nesse contexto passa a ser cobrada a Dízima da Alfândega8, ou seja, um imposto de dez por cento sobre mercadorias que entravam e saíam do porto, possuindo uma finalidade fiscal, sendo balizada pelo Foral da Alfândega de Lisboa, certamente com algumas adaptações para a realidade da colônia. Criado pelos cidadãos da Câmara, tal imposto seria destinado a pagar toda a infantaria da guarnição da praça. Logo este se transformou numa das mais importantes fontes de arrecadação e transferência de recursos para a Coroa, como demonstra o gráfico a seguir:

0 100 200 300

Valores em is

1748 1755 1764

Gráfico comparativo entre o contrato da Dízima da Alfândega, da Dízima dos navios soltos e dos

Dízimos

Dízima da Alfândega Dízima Navios Soltos Dízimos

Fonte: (ARAÚJO,2008,p.106)

Ao analisar os dados acima, constata-se, o grande volume de arrecadação proveniente da dízima da Alfândega em relação aos impostos mais rentáveis da época.

A princípio, a Alfândega era chefiada pelo Provedor da Fazenda Real, que atuava também como Juiz e Ouvidor da Alfândega, sendo o responsável pela fiscalização do movimento da instituição e pela cobrança de impostos de entrada e saída de mercadorias.No seu quadro de pessoal, de acordo com documento relativo aos rendimentos e despesas da Cidade do Rio de Janeiro de 28 de março de 1641, ainda figuravam os cargos de Porteiro da

8Cabe esclarecer que o Imposto da Dízima da Alfândega já era adotado pela Coroa Portuguesa, como consta no Registro de Provisões Reaes de 1548(“E porque nas Alfândegas das ditas Capitanias se há de arrecadar a Dízima das mercadorias, que ás ditas terras forem, ou dellas sairem por me pertencerem segundo forma do foral dado a cada uma das Capitanias das ditas terras”.). Porém passou a ser cobrado no Rio de Janeiro a partir de 1699.Tal fato evidencia as múltiplas contradições do período colonial. BNRJ.Registro de Provisões Reaes.

Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=094536&PagFis=6109

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Alfândega, Escrivão da Alfândega e Almoxarife.9 Entretanto, devido a relevância e movimentação dessa instituição na capitania fluminense, no inicio do século XVIII, esta desvincula-se da Provedoria da Fazenda Real, tornando-se autônoma10 e seu quadro de pessoal passa por sucessivas ampliações. Pode-se enumerar consoante Valter Lenine Fernandes: Juiz e Ouvidor, Escrivão da mesa grande, Escrivão da abertura, Feitor de abertura, Juiz da balança, Escrivão da descarga, Guarda-mor, Tesoureiro, Fiel do tesoureiro, Selador, Porteiro, Escrivão da Guarda Costa, Meirinho do mar, Guarda dos navios, Guindasteiro11.·.

Os ofícios da Alfândega eram concedidos através de decretos do Rei, pelo prazo de três anos e seus titulares tinham a faculdade de nomear pessoas idôneas para servir em seus impedimentos. 12

No mesmo período, “as aduanas passaram a ser divididas por seções internas, denominadas ‘mesas’: Mesa Grande, Mesa da Abertura, Mesa da Balança, Mesa da Descarga, Mesa da Entrada e Mesa da Saída.”13

Na estrutura administrativa da Alfândega, o Juiz e Ouvidor era o cargo mais importante da hierarquia e figura chave na administração do porto. O referido cargo, segundo Graça Salgado, era de nomeação do Rei ou do Governador Geral.14 O seu titular era responsável pela resolução dos problemas ocorridos nas dependências da instituição. Possuía também a função, como analisa Valter Lenine Fernandes, de “fiscalizar e apurar denúncias de ilegalidades praticadas pelos oficiais que atuavam na administração da Alfândega,”15 além de julgar questões cíveis em que estivessem envolvidos os mercadores e marinheiros.

Cabe ressaltar que a cobrança de impostos aduaneiros, antes da implantação da Dízima da Alfândega “não abrangia a totalidade das exportações e importações, mas apenas uma

9 AHU-Rio de Janeiro, n. catálogo 43, Caixa 2, Doc.204-206

10 Carta Régia de 4 de setembro de 1704(Arquivo Nacional, códice 60,vol.28,f.113v) mandou que o governador nomeasse pessoa para o cargo de Juiz da Alfândega, distinguindo-o do cargo de Provedor da Fazenda.(SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.p.287)

11FERNANDES,Valter Lenine. Os contratadores e o contrato da dízima do Rio de Janeiro (1723-1743).

2010.234f. Dissertação(Mestrado em História)-Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.p.45

12 AHU-ACL-CU-017, Cx.46, D.4666 e AHU-CU-017, Cx.43, D.443

13 Disponível em:

http://www.receita.fazenda.gov.br/memoria/administracao/reparticoes/colonia/alfandegas/default.asp

14 SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.p158

15FERNANDES,Valter Lenine. Os contratadores e o contrato da dízima do Rio de Janeiro (1723-1743).

2010.234f. Dissertação(Mestrado em História)-Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.p.44

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parte delas.”16 Sobre supracitado imposto, João Fragoso e Manolo Florentino, consideram-no o que melhor dentre todos os outros, retratava o desempenho do comércio ultramarino.17 No início, o recolhimento do novo imposto era feito pela Fazenda Real, porém, visando um aumento de arrecadação, no segundo decênio dos setecentos, passou a ser feito por contratadores particulares, conforme demonstra o documento datado de 1709:”[...] pela experiência ter mostrado que as rendas Reaes sobem mais por contratos do que cobradas por conta da Fazenda Real[...].”18

O contrato da dízima da Alfândega era assinado em Lisboa perante o Conselho Ultramarinoe tinha a princípio duração de três anos. Normalmente sua vigência começava no dia primeiro de janeiro do primeiro ano e terminava no dia trinta e um de dezembro do último ano do triênio.19Este dava ao contratador o direito sobre três frotas da cidade de Lisboa e do Porto. Podia ser obtido por uma única pessoa ou por um consórcio e envolvia altos valores.

Ressalta-se que este contrato passou a ser um dos mais expressivos para os negociantes metropolitanos e os que operavam na colônia.

Dessa forma verifica-se no contrato a seguir:

Contrato da dízima da Alfândega do Rio de Janeiro que se fez no Conselho Ultramarino com Joseph Ramos da Silva por tempo de três annos que hão de ter principio principio em primeyro de Janeiro do anno de 1721 & hão de acabar em último de dezembro de 1723.Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil &setecentos & vinte, aos vinte & seis dias do mez de Novembro do dito anno, nesta Corte,& Cidade de Lisboa Occidental, nos Paços de S.Magestadeque Deos o guarde, na casa aonde se faz o Conselho Ultramarino[...].20

Um outro ponto importante na questão do contrato da dízima da Alfândega são as figuras dos procuradores e fiadores. Esses últimos assumiam a condição de abonar o contrato, como pode ser observado no contrato assinado por Joseph Ramos da Sylva: ―[...] para que deu fianças neste Reyno na forma do Regimento & pagar as propinas contratadas & nomear logo por fiador à décima parte a Bento da Sylva Marinho[...]”21

16 Disponível em:

http://www.receita.fazenda.gov.br/memoria/administracao/reparticoes/colonia/alfandegas/default.asp

17 FRAGOSO, João L. R. e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantilem uma economia colonial tardia-Rio de Janeiro, c.1790-c.1840.Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p.75

18 AHU,Rio de janeiro, ACL, CU, 017,Cx.8,D.853

19FERNANDES,Valter Lenine. Os contratadores e o contrato da dízima do Rio de Janeiro (1723-1743).

2010.234f. Dissertação(Mestrado em História)-Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.p.32

20 AHU, ACL,N- Rio de Janeiro, Catálogo 763, Caixa 18, Documento 4012.4.0

21 AHU, AHU, ACL,N- Rio de Janeiro, Catálogo 763, Caixa 18, Documento 4012.4.0

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Em relação aos procuradores, cabia-lhes direitos de poder representar o contratador, a fim de garantir a execução do contrato. A delegação de competência fiscal a particulares oferecia algumas vantagens, tais quais, a desoneração de custos, a cobrança e a fiscalização de impostos em extensas regiões, propiciando maior capacidade de planejamento e orçamento.

Os contratadores, sejam da elite colonial, sejam negociantes, constituíram-se dessa forma não só em um braço da administração portuguesa na colônia e figuras de destaque para a manutenção dos rendimentos da Coroa, como também mantiveram o status de leais súditos o que outorgava prestígio e poder a nível local.

A arrematação de contratos podia ser vista como um fator de grande distinção e um eficaz instrumento de prestígio e acumulação de riquezas nos limites do corpo de comerciantes. Para ingressar nesse negócio, contudo, era necessário ter cabedal e ser bem relacionado. Para Luiz Silva Araújo:

A atuação estatal através de particulares, com os quais a Coroa estabelece relações contratuais foi prática importante nas monarquias ibéricas, caminho de canalização de excedente colonial para a metrópole e de enriquecimento para homens de negócio tanto em Portugal como no Brasil.22

Outro ponto que merece realce são as relações sociais estabelecidas no interior da supracitada instituição, o que revela uma rede de sociabilidade importante para os negócios particulares e a política (local e no Reino). Contudo, isso não impediu constantes conflitos entre os agentes que nela perpassavam com as demais autoridades coevas, além de evidenciar um jogo envolvendo os poderes locais e metropolitanos no espaço urbano da cidade. Esta circunstância pode ser confirmada, pela passagem a seguir. Nela, o Provedor da Fazenda Real, Luís Lopes Pegado informa, em 1703, ao Conselho Ultramarino o conflito travado com o abade do Mosteiro de São Bento, frei Matias de Assunção e com demais religiosos de sua ordem, que desrespeitando a ordem estabelecida, mandou retirar um “caixão” com algumas fazendas, sem que as mesmas tivessem passado pela Alfândega.

Fazendo toda a dilligencia [...] para boa arrecadação dos direitos da dízima de todas as fazendas que vem a este porto, obrigando a que todas venhão a Alfândega para que nella serem vistas e despachadas na forma que a Alfândega ordena pelo Regimento [...] porque tendo noticia de que o padre e abade do mosteiro do Patriarca Sam Bento e Frei Matias de Assumpção havia mandado tirar da

22 ARAUJO, Luiz Antonio da Silva. Em nome do rei e dos negócios:direitos e tributos régios Minas setecentistas (1730-1789). Niterói, 2008. Tese.(Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2008.

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fragatinha nossa Senhora da Estrella do mestre Joseph da Sylva[...]um caixão em que vinha a Imagem de nossa Senhora da Conceição e que dentro delle vinhão algumas fazendas que publicamente se tinham abertas.23

As citadas redes clientelares, tinham como centro final, o monarca. 24 A ocupação do cargo de Juiz e Ouvidor por membros da elite colonial, permite caracterizar a importância da distribuição de poderes nos interesses de arrecadação e cobrança do imposto da Dízima.

Como ocupante do cargo máximo da hierarquia alfandegária, o Juiz era o responsável pela administração dos oficiais que exerciam diferentes obrigações. O exame dessa hierarquia indica a existência de vários conflitos. O estudo desses agentes pode evidenciar aspectos da vida cotidiana da sociedade colonial.

O historiador Victor Hugo Abril, ao discorrer sobre os governos coloniais fez uma afirmação que ilustra a afirmação supracitada:

O governador colonial como representante do Rei, compartilhava os poderes com as demais esferas de poder. Esferas estabelecidas em instituições locais a saber: a Alfândega , Câmara, Casa da Moeda, Provedoria da Fazenda, Ordens Religiosas, etc. Todas essas instituições se relacionavam e possuíam com o reino um canal de comunicação.25

Evidencia-se dessa forma ser a Alfândega uma instituição, ou melhor, uma organização social inserida numa cultura política e econômica do Antigo Regime. Tal instituição é de grande importância para o entendimento dos mecanismos da estrutura colonial, uma vez que no seu interior pode ser visualizar uma dinâmica de contradições concomitante com uma flexibilização, mas nem por isso deixando de seguir a regra geral do que estabelecido para seu funcionamento, ou seja, estar a serviço dos interesses econômicos metropolitanos.

A cobrança do imposto da dízima também causava uma série de disputas e embates entre os homens de negócio, os quais relutavam em pagar o referido imposto sobre as fazendas produzidas na América, e os senhores de engenho, que alegavam não “fazer negócios com as fazendas que chegavam armazenadas nas frotas da Europa, ou seja, eram

23 AHU-ACL-N- Rio de Janeiro-nº do catálogo 775

24 RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial:Brasil c.1530-c.1630. São Paulo, Alameda,2009.p.161.

25 ABRIL, Victor Hugo.Governança no ultramar:conflitos e descaminhos no Rio de Janeiro(1725-

1743).2010.251f.Dissertação(Mestrado em História). Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2010.p.36

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para uso próprio”26 e por esse motivo pleiteavam o não pagamento do imposto aduaneiro.

Essa circunstância levava os contratadores a lutarem pela conservação das condições do contrato e a manterem relações com os Juízes da Alfândega, nem sempre amistosas, uma vez que estes nem sempre defendiam os interesses daqueles, posicionando-se de forma diferente do estabelecido no referido contrato.

O estudo da instituição alfandegária ainda permite uma melhor visualização dos vestígios das práticas ilegais ligadas as transações comerciais e dos atores envolvidos nos descaminhos, além de demonstrar as contradições dos espaços de comércio legal e ilegal da cidade.

Percebe-se que os descaminhos eram amplamente praticados junto a Alfândega e como afirma o historiador Paulo Cavalcante, “tinham seus momentos de maior intensidade, [..] o tempo das frotas.”27 As ilicitudes contavam com o auxilio dos oficiais régios e eram admitidas pelo bom rendimento da Fazenda Real.

Por fim, pode-se concluir que as Alfândegas eram instituições de suma importância para o Império Português e que seus membros dispunham de relações ora estáveis ora conflituosas com os agentes da administração colonial.28

Conclusão.

Pode-se inferir que o comércio foi a peça chave de toda a colonização portuguesa na América. É importante lembrar que a política econômica do mercantilismo do Antigo Regime previa, de acordo com Fernando A. Novais,“a obtenção da balança favorável de comércio, a abertura de novos mercados e sua preservação monopolista[...] que permitiam à economia metropolitana[...]situar-se vantajosamente no comércio internacional.”29 Daí a grande

26 FERNANDES,Valter Lenine. Os contratadores e o contrato da dízima do Rio de Janeiro (1723-1743).

2010.234f. Dissertação(Mestrado em História)-Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.p.156

27CAVALCANTE.Apud. FERNANDES, Valter Lenine. Instituições coloniais no Império português:uma reflexão sobre a Alfândega do Rio de Janeiro. Tempo de História, Brasília, n.12, 2008.p.5

28FERNANDES, Valter Lenine.Política e administração no Império Português: o caso .dos contratos da dízima da Alfândega do Rio de Janeiro.(1728-1743). Trabalho apresentado no XIII Encontro de História ANPUH-Rio.

Rio de Janeiro,2008.

29 NOVAIS, Fernando A. Aproximações:estudos de história e historiografia. São Paulo, Cosac&Naify,2005.p.37

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importância da instituição alfandegária em todo esse contexto, pois eram importantes fontes arrecadadoras de impostos e essenciais para os rendimentos d a Coroa Portuguesa.

No Rio de Janeiro, a referida instituição atingiu muita relevância, na medida que a movimentação portuária teve um enorme incremento com a descoberta do ouro nas minas.Era grande o volume de importações e exportações. Constata-se ainda no espaço alfandegária uma gama de interesses dispares que geravam conflitos de interesses.

Muito se tem a investigar ainda sobre a Alfândega no período colonial. O que sem dúvida pode ser observado pelo que verificou até aqui é a sua importância dentro dos circuitos mercantis estabelecidos entre as diversas regiões do reino português e para o funcionamento do sistema colonial como um todo.

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