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2) A dialética do trabalho e da raça

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VI Colóquio Marx e Engels: Cemarx/UNICAMP 2009

Proposta de Comunicação para o GT 03 Marxismo e Ciências Humanas

Título: Octávio Ianni e a interpretação dialética da sociedade e da sociologia no Brasil

Autor: Douglas Felício Silva de Oliveira (Mestrando em Sociologia/IFCH-UNICAMP)

1) Apresentação

Infelizmente, a forte consternação que tomou parte considerável da intelectualidade brasileira, logo após o falecimento de Octávio Ianni, ocorrido em abril de 2004, ainda não foi acompanhada por uma redescoberta de sua obra. Isto é facilmente constatado a julgar pelo pequeno número de livros publicados a seu respeito ou de pesquisas de pós-graduação dedicadas ao estudo de seu pensamento. Acreditamos que a melhor maneira de prestar tributo à memória de um pensador é encarar o desafio de adentrar em seu universo intelectual, enfrentar a complexidade de suas idéias e polemizá-las. Nesta comunicação, buscamos nos aventurar nesta tarefa ao enfocar certos aspectos das reflexões deste que, a nosso ver, figura junto aos maiores expoentes do pensamento crítico que as ciências sociais do Brasil já produziram.

Sabe-se que dentre os intelectuais da dita sociologia acadêmica, Ianni é um dos primeiros a utilizar o materialismo histórico e dialético como orientação metodológica em seus trabalhos de reconstrução histórica e de interpretação da sociedade e do capitalismo no país. Neste sentido, problematizaremos aqui como o sociólogo paulista incorpora a “dialética marxista”, selecionando algumas de suas principais obras.

Destacaremos também, como este ponto é retomado em seus posicionamentos nas importantes contendas ideológicas que dividiram o meio intelectual latino-americano, entre os anos 60 e 70.

2) A dialética do trabalho e da “raça”

Em seu livro, As metamorfoses do escravo, publicado em 1962, o autor reconstitui - mesmo utilizando-se dos exíguos dados disponíveis - todo o processo que permeia a metamorfose do antigo “escravo” da região paranaense em “negro” e em

“cidadão” de segunda linha, já nas primeiras décadas do século XX. A dialética emerge

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nas páginas do trabalho, na medida em que Ianni capta a “superação-conservação” no movimento do real da sociedade brasileira, ou seja, elementos que permanecem da ordem anterior, assim como aqueles que singularizam o novo trabalhador, agora “livre”.

Apenas a partir de uma análise que busca a compreensão integral do modo de organização da produção econômica, dos encadeamentos entre os meios de produção com as relações de trabalho e modalidades de consciência social, foi possível capturar as nuanças e tendências do desenvolvimento histórico na região.

Desta forma, a valorização súbita do trabalho produtivo, posteriormente à abolição; a redefinição do papel social do negro; a imigração dos colonos europeus; os esforços modernizadores do Estado em conformidade com os interesses de classe dos proprietários curitibanos; todos estes elementos são reordenados, compreendidos cada um a partir das relações que estabelecem com os demais, e expostos, ao fim, como aspectos do “concreto pensado”. A economia da região aparece como um “sub-sistema”

que se articula dinamicamente com o desenvolvimento da “revolução burguesa” que, então, assumia novos delineamentos em âmbito nacional.

Ao buscar compreender a relação entre raças e classes no Brasil a partir do materialismo histórico, apreende elementos que singularizam nossa formação social.

Pois, é lento o processo que rompe com os mecanismos que operavam na organização anterior, onde “[...] o negro e o mulato são acepções da mesma categoria do sistema econômico; fornecem a mão-de-obra produtora de valores. Mas não é só a sua força de trabalho que é mercadoria, pois são colocados entre os meios de produção pelos próprios proprietários [...].”

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A transição da sociedade de castas à sociedade de classes, embora rompa parcialmente com esta configuração, mantém a estruturação assimétrica das relações sociais; o regime da propriedade fora preservado, a apropriação privada do trabalho humano fora mantida intocada. Deste modo:

O trabalhador livre, em face do antecessor escravizado, é produto de uma verdadeira revolução no modo de produção. Mas é ainda um trabalhador com possibilidades escassas de beneficiar-se do próprio trabalho. O domínio da sociedade continua nas mãos dos proprietários dos meios de produção. A sociedade continua, por isso, secionada em camadas sociais hierarquicamente distribuídas. Nesse universo, a ideologia dos grupos continua marcada por uma condição básica. Na sociedade de classes em elaboração, a ideologia de

1IANNI, Octávio. As metamorfoses do Escravo. 2ªed. Revista e Aumentada. São Paulo:

Hucitec/Curitiba: Scientia et Labor, 1988, p.112

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3 classes tem papel decisivo na caracterização e manutenção do novo mundo social. A ideologia dos proprietários dos meios de produção e compradores da força de trabalho será, portanto, marcada por seus interesses fundamentais.

Por trás da ideologização dos fatores em jogo, é possível a análise desembaraçar as significações determinantes das relações de dominação exercidas pelos brancos sobre os negros. 2

Assim, podemos dizer que a dialética, para o autor, aparece não como um recurso facilmente combinável às outras metodologias em voga na ciência social que se praticava no país àquela época. Por certo momento criticou-se o pensamento crítico oriundo do núcleo organizado em torno de Florestan Fernandes como muito sociológico e pouco dialético ou marxista.

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A subsunção às formulas fáceis, no sentido de caracterizar esta vertente intelectual como “eclética”, “ingênua”, não nos parece dar conta da complexidade de um pensador como Ianni. Antes, sugerimos que assimilação do pensamento de Marx lhe incutiu a idéia de que apenas a interpretação dialética da realidade é capaz de captá-la em seu movimento, apanhando aspectos reveladores do velho e do novo na mesma configuração, suas imbricações; as ambigüidades e virtualidades do real. Pois, “[...] o que torna necessária a análise dialética é que as coisas não são transparentes; e muito menos quando elas são relações capitalistas de produção.”

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O materialismo histórico não está localizado em seu arcabouço teórico como mais um método dentre outros, ou mesmo como mera influência, mas sim como elemento determinante em sua maneira de compreender as transformações da sociedade, como princípio orientador de sua interpretação das relações sociais.

3) Estado e Sociedade: modalidades de dominação e apropriação

A concepção dialética da história está presente, também, em seus escritos sobre a natureza do Estado brasileiro. Suas obras, Estado e Capitalismo, de 1965, e Estado e planejamento econômico no Brasil, de 1971, são exemplares neste sentido. A revolução burguesa que toma face em nosso país torna-se incompreensível em seus delineamentos mais recônditos se não analisarmos o relacionamento específico que o Estado estabelece com o padrão de desenvolvimento capitalista em suas diferentes fases entre nós. O

2 Idem; p.250-251

3 Ver, por exemplo, o excelente artigo, não obstante a unilateralidade de alguns juízos emitidos:

NOGUEIRA, Marco Aurélio. Anotações Preliminares para uma história criticada sociologia. In. Temas de Ciências Humanas. Vol.III. Livraria Editora Ciências Humanas. 1978. p.19-59.

4 IANNI, Octávio. Introdução. In. Marx. Col. Grandes cientistas sociais. 4ªed. São Paulo. 1984. p.24.

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caráter tardio de nossa revolução, assim como, a debilidade da burguesia ascendente, acabaram por conferir determinadas tarefas históricas ao órgão dirigente, dentre outros aspectos, particularizando o padrão e ulteriores desdobramentos do capitalismo brasileiro.

Pode-se dizer que, para Ianni, há uma linha mestra, um “movimento pendular”

entre tendências que se manifestam no interior de nossa revolução burguesa, apontando, ora para a afirmação de um capitalismo nacional, ora para um desenvolvimento capitalista dito associado ou dependente do movimento geral de reprodução ampliada do capital em nível internacional. A partir das relações que o Estado estabelece com o conjunto da sociedade, em particular, com os setores mais esclarecidos das classes dominantes, determinado padrão de desenvolvimento teria predominado. Em razão da assimetria destas relações e da exclusão das camadas populares das esferas de decisão dos rumos do planejamento econômico, político e social, acabamos por manifestar uma tendência ao protagonismo estatal, no que tange ao desenvolvimento e instauração do modo de vida e das relações sociais tipicamente burguesas.

Observa um crescente aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão e

racionalização do setor público, o que o coloca o Estado cada vez mais em condições

privilegiadas de estabelecer planejamentos e delinear diretrizes sobre as políticas que

conformam a revolução burguesa no país. Os diversos planos econômicos aplicados

pelo governo, desde o período de Vargas até a ditadura militar, as importantes

superintendências criadas para agir sobre os preocupantes desequilíbrios regionais e as

empresas e indústrias de bases são expressões deste movimento. Novas expectativas

tomam os ânimos dos diferentes setores da burguesia, sejam estes nacionais ou não,

assim como da massa de assalariados, em relação às definições das políticas econômicas

do governo. Fala-se mesmo, em certa autonomia do poder público-estatal, uma alta

burocracia de técnicos que hipertrofia o poder de decisão sob o mandatário do poder

executivo. Há em nossa sociedade uma inclinação a confundir o governo com o

executivo, personalizar o poder na figura do presidente, este que, dispondo da tecno-

estrutura estatal encontra-se em situação favorável para atuar de modo discricionário e

à revelia das classes populares e dos demais poderes da república, em especial, o

legislativo:

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5 Assim, o presidente da República e os ministros de Estado passam a compor o vértice de uma nova estrutura de poder: a tecno-estrutura estatal. Trata-se de uma estrutura de poder largamente apoiada em organizações burocráticas, dispondo de recursos específicos e de um certo tipo de pensamento científico.

E com esse acesso muito mais amplo e sistemático, do que qualquer outra esfera do governo, aos elementos indispensáveis a uma visão de conjunto, e detalhada do sistema político-econômico do país. Nesse sentido, a tecno- estrutura tende a atuar segundo uma compreensão cada vez mais globalizante, nuançada, minuciosa do sistema político-econômico nacional, em suas relações internas e externas. [...] Esse é o nível em que as razões da tecno-estrutura podem divergir e sobrepor-se às razões do Poder Legislativo, mesmo no âmbito da “democracia representativa.” 5

Enganam-se, entretanto, aqueles que buscam entender este complexo movimento como uma espécie de “capitalismo de Estado”. O Estado atua no sentido de criar as condições necessárias para a centralização e concentração de capital no setor privado.

Esta espécie de “bonapartismo” que assume em determinados momentos, em especial na “contra-revolução” orquestrada pelos militares,

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não o isenta enquanto instrumento de classe, a intervenção é antes uma necessidade da economia de mercado. Para Ianni (1989a), embora o Estado brasileiro envolva-se de modo concreto com as atividades econômicas, o lucro, em si, não é seu objetivo precípuo, este só se relaciona com sua órbita de interesses de modo indireto. A atividade estatal busca, antes, criar condições estáveis e controláveis para a expansão das forças produtivas, para a produção do lucro no âmbito do conjunto social.

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A apropriação direta de mais-valia é interpretada como interesse imediato do capitalista, em âmbito individual. O Estado age em áreas específicas, onde o setor privado não tem, devido aos altos custos dos investimentos, condições ou interesses diretos no investimento de capitais acumulados. De toda forma, ele só é Estado enquanto Estado capitalista, os momentos de crise revelam que ele é sempre obediente no socorro à burguesia, diante das potencialidades irracionais e autodestrutivas criadas por ela mesma quando abandonada ao livre jogo do mercado.

A partir da Revolução de 30, o Estado encontrava-se continuamente forçado a relacionar-se de modo direto com as diferentes classes e frações de classe do meio urbano - em especial, o proletariado e a burguesia -, antecipando-as. Para Ianni, o

5 IANN, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). 6ªed. Revista e ampliada.

Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996, p. 314-315; 1989.

6 Idem.

7 IANNI, Octávio. Estado e Capitalismo. 2ªed. Revista e ampliada. Rio de Janeiro, Editora Brasiliense, 1989a.

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coração do pacto populista, vigente até o golpe de 64, localizava-se na necessidade de dissimular as desigualdades e conflitos de interesses de classes sob a indefinida imagem do desenvolvimento nacional. A nação e a massa passam a ser o sujeito e o destinatário do discurso emitido pelos representantes políticos. A revolução burguesa aparecia despida de seus aspectos contraditórios, heterogêneos; era apresentada como revolução nacional, “[...] foi a democracia populista que propiciou a conciliação de interesses em benefício da industrialização e do desenvolvimento nacionalista”.

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A esquerda brasileira, em especial, o PCB, não ficou imune à esfera de influência desta conjuntura político-cultural. Para Ianni, este fora incapaz de relacionar- se de modo satisfatório com as transformações de médio e longo alcance que tomavam corpo no plano local e internacional da revolução burguesa. O partido encaminhou-se em direção ao “reformismo” de sua política, conclamando uma confusa “aliança tática”

com diversos dos setores tidos como esclarecidos da burguesia e das classes médias urbanas. Encontrava, assim, sérias dificuldades em transformar sua política de massas em política de classes.

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Não por acaso, provém de Ianni a idéia que, ao lado da desenvolvida por Roberto Schwarz - salvo as diferenças, é claro -, em Cultura e Política: 1964-1969,

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julgamos sintetizar a interpretação da chamada escola uspiana acerca dos problemas encontrados na linha assumida pelo Partido Comunista Brasileiro:

[...] a esquerda brasileira flutuou sempre entre dois pólos: o marxismo- leninismo e a democracia populista. Todavia, entre o fascínio abstrato da teoria e o fascínio efetivo da prática, esta sempre levou vantagem. Neste sentido, a cultura política de esquerda no Brasil não conseguiu libertar-se da cultura da democracia populista. Em particular, esteve sempre balizada pelas técnicas e pela ideologia da política de massas. Se é verdade que o vigor da política populista impediu que a esquerda realizasse conquistas notáveis, no sentido, na formulação e implantação de uma interpretação radical, é também verdade que o nível teórico dos quadros da esquerda sempre foi insatisfatório.

Salvo expressões individuais, os quadros partidários não contaram nunca com uma formulação teórica suficiente para interpretar a realidade nacional e internacional. Por isso ela não escapou ao fascínio das fórmulas fáceis do jargão dos clássicos do marxismo-leninismo. Era o deslumbramento retórico, igual ao das elites burguesas em relação aos ensinamentos dos pensadores europeus ou norte-americanos. Assim, a esquerda brasileira emaranhou-se nos conceitos antes de emaranhar-se na

8IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. 1ªed. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasiliera, 1968, p.62. Grifos meus.

9Idem; p.97.

10SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política: 1964-1969. In. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 61-94.

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7 prática. Lidou obsessivamente com: imperialismo, latifúndio, burguesia nacional, camponês, massa, classes operária, reformas de base, reformismo, estatização, etc. [...] 11

4) Dialética e Sociologia

Há, neste momento, uma vasta revisão crítica dos cânones que orientavam as interpretações majoritárias sobre a América Latina. O materialismo histórico-dialético de Marx é reivindicado por diversos intelectuais como instrumento legítimo de enfrentamento às teses etapistas e dualistas que pautavam a maioria da produção teórica dos partidos e das ciências sociais da região. No Brasil, era posta em xeque não apenas a visão tecnocrática, economicista, que norteava as políticas do regime militar, mas também, o pensamento nacionalista e reformista que, respeitadas as diferenças, conformavam a interpretação cepalina, isebiana e pecebista, fundamentalmente.

Localizado no interior deste processo, Ianni foi um dos maiores representantes desta corrente crítica, sua Sociologia da Sociologia latino-americana, de1971,

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em parte, é fruto deste esforço de compreensão.

A obra polemiza o debate a partir de um chamado de insurgência contra o clima, à época, dominante no ambiente sociológico da região. Para o autor, a contenda estava posta entre duas concepções de pensamento social, primeiramente, uma sociologia oficial, “dentro da lei”, entendida como as interpretações da sociedade a partir do

“funcionalismo”, ou de correntes correlatas que a concebiam de maneira “dualista”, arrebatando a historicidade do real. A segunda corrente, “fora da lei”, analisaria a realidade a partir do ponto de vista do “materialismo histórico e dialético”, as relações entre as classes sociais é que dão o tom desta linha de abordagem, aqui, importa a compreensão das estruturas de “dominação política” e “apropriação econômica”, a história é reconstruída e interpretada a partir de um ponto de vista que compreende a realidade sob uma perspectiva integradora, totalizante, evidenciando as múltiplas articulações entre as dimensões políticas, econômicas e sociais da vida. Representam, para o autor, a primeira, a “sociologia técnica”, e a segunda, a “sociologia crítica”, na qual se vê filiado.

11IANNI; 1968, p. 118, grifos meus.

12IANNI, Octávio.A Sociologia da sociologia Latino-americana. 1ºed. Editora Civilização Brasileira S.A, Rio de Janeiro, 1971. Republicada em 1989 como: IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia: o pensamento social no Brasil. 3ºed. Revista e Ampliada. São Paulo, 1989b.

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Para a problematização das noções “técnica” e “crítica” de sociologia, Ianni faz questão de lembrar que a o pensamento sociológico brasileiro acaba por receber influências das distintas visões que se polarizam no engendramento da construção da cultura burguesa que então estava em ascensão no país. As transformações das forças produtivas, assim como a transição da sociedade estruturada sobre o capitalismo de predominância agrária em direção ao capitalismo propriamente industrial; da sociedade rural para a sociedade urbano-industrial; exigiram rearticulações na estrutura dos valores e dos modos de compreensão da realidade histórico-social, ou seja, renovou-se a superestrutura de organização da sociedade. As controvérsias metodológicas que acompanham o desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil devem ser compreendidas à luz destas questões. Pois, “[...] Ocorre que a sociologia também está inserida no conjunto da produção intelectual que acompanha a reprodução e a transformação das estruturas capitalistas de produção no país.”

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Por “sociologia técnica”, o autor entende “[...] as várias modalidades de trabalho sociológico nas quais a descrição e a interpretação tomam os fatos como

“coisas”, numa perspectiva deliberadamente externa [...].”

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A sociologia, assim, ficava circunscrita à apreensão dos aspectos fenomênicos das transformações observadas, o sociólogo permaneceria incapaz de transcender o “nível da realidade imediata do objeto” de sua pesquisa. Não seria, portanto, sem razão que esta matriz orientava estudos comprometidos com o aperfeiçoamento do status quo, classificando qualquer questionamento com relação à ordem social observada como “ideológico”:

Em síntese, no empenho de alcançar uma objetividade científica que lhe é estranha, porque emprestada das ciências naturais e da indução estatística, essa sociologia acaba por contentar-se com a objetividade de seu procedimentos metodológicos. O fetichismo, ou ascetismo, metodológico transforma o trabalho sociológico numa técnica de reificação, de produção ideológica, ou, como em muitos casos, numa ficção insípida. Na sociologia técnica há uma preferência pela integridade do método de trabalho científico, conforme ele teria se sido consagrado em outras ciências não-sociais. Daí a importância de toda metodologia fundada de alguma maneira na causação funcional. 15

13IANNI, 1989b; p.54.

14Idem; p.51.

15Idem; p.52.

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A sociologia em sua vertente “crítica”, pois, abordaria os fenômenos como

“[...] relações, processos, qualidades, significações, configurações históricas, estruturas internas e externas [...].”

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Como salienta o autor, esta modalidade não se restringe à caracterização dos fatos sociais, e sim aos “fatos significativos”, não importando se são de ordem econômica, cultural ou política; revelados nas relações e estruturas particulares ao objeto estudado. A sociedade passa a ser entendida a partir do princípio da contradição, este, não emprestado das outras ciências, mas “produzido pela própria realidade social”. Deste modo, impõe-se como imperativo ao sociólogo buscar a compreensão do real como uma configuração histórica, permeada por contradições, jamais como uma sistema articulado e ordenado, a “instabilidade” e não a “estabilidade”

ou a “ordem” é a condição social fundamental.

Na sociologia crítica, há “[...] uma preferência pela integridade do objeto do trabalho científico, sendo que o método tende a ser aquele produzido pela própria especificidade do objeto [...]”

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Entretanto, tal preceito não deve ser confundido com o abandono das questões relativas à metodologia, ou à objetividade do trabalho realizado.

Trata-se de um modo qualitativamente distinto de abordagem sociológica, objetivando a fuga da “reificação dos meios de pesquisa”.

5) Considerações Finais

Há inúmeros outros aspectos do pensamento de Marx e da tradição marxista que são incorporados e utilizados nas obras de Ianni aqui aventadas, assim como nas demais. O reduzido espaço que aqui dispomos impede que possamos tratá-los de modo mais pormenorizado. No entanto, à luz do que expomos nesta comunicação, nos parece possível estabelecer alguns delineamentos mais gerais.

Para além de um mero interprete do marxismo, o autor faz uso do materialismo histórico para compreender o caráter da revolução burguesa que se realiza no Brasil.

Estabelece os encadeamentos recíprocos dos elementos que criam condições à reprodução do capital no país, as categorias e conceitos tomam formas definidas em seus trabalhos. A dialética não surge como recurso retórico que auxilia uma simples

16 IANNI, 1989b; p.52-53.

17 Idem; p.53.

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interpretação “sociológica” da realidade, mas como condição, sine qua nom, para a apreensão crítica e original da mesma:

Todo este trabalho intelectual está orientado pela convicção de que não se pode compreender a sociedade se não se examinam os encadeamentos, desdobramentos e determinações recíprocas das forças produtivas, relações de produção, estruturas políticas e modalidades de consciência social. 18

Na interpretação que Ianni realiza de Marx, o capitalismo é compreendido como um fenômeno social total, não se encerra no nível das relações econômicas, não obstante estas adquiram preeminência sobre as demais.

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O nível econômico e o político sobressaem-se nas relações de dominação, dependência e antagonismos que caracterizam os agentes da sociedade burguesa. Sua interpretação das intermediações entre e Estado e sociedade no Brasil buscam desvendar os refinados modos de dominação política e a apropriação econômica que se manifestam entre nós.

Enquanto categoria dialética, pois, o Estado adquire os contornos, a estrutura e os movimentos que se lhe produzem nas relações com as classes constituídas ou em constituição. Ocorre que o poder estatal é o núcleo de convergência das relações de interdependência, alienação e antagonismo que caracterizam a produção capitalista [...] 20

Seus posicionamentos quanto às controvérsias metodológicas que permeiam a sociologia latino-americana denotam uma clara definição pela dialética marxista enquanto principio explicativo e interpretativo central na sociedade moderna. O materialismo histórico, portanto, não necessitaria emprestar categorias e conceitos de outras ciências não-sociais para a apreensão do movimento contraditório do real. Nesta acepção, para além da discussão teórico-metodológica, suas colocações caminham no sentido de oferecer possibilidade para uma práxis efetiva na trama social. A neutralidade quanto à luta de classes é insustentável do ponto de vista de sua sociologia crítica. Sua instigante trajetória intelectual e o caráter militante de grande parte de seus trabalhos corroboram nossa interpretação.

18IANNI; 1984, op. cit, p. 23.

19 IANNI, Octávio. Dialética e Capitalismo: ensaio sobre o pensamento de Marx. 3ª ed. Revista e Aumentada, Petrópolis, Editora Vozes, 1988, p. 17.

20 Idem; p.75.

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