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C o N S o L A T o R I A .^
NA MORTE INFAUSTA I
DE S. A. REAL
O SENHOR
D.JOSÉ 1
príncipe QUE FOI DO BRAZIL.
o FFE RE C ID A U„
AO EM.«o S E N H O R
CARDEAL PATRIARCA
ELEITO,
De Confelbo de Sm Magejlade Fidelljjlma, efeu Cap- fellaS Mór.
Por ANTÓNIO CHRISTOVAÕ DA SILVA.
LISBOA
NaOfpicina de António
Gomis.
M. DCC. iXXXVXlI.
f í
CARTA
Supprimejam lacrimas\ non ejl revoiahilis ijlh
QuemJemel umbrifera navita Untra tulit.
E
Ovid. Confol. ad Liv.
SSEpranto, Senhor , que ador , e amagoa
De haver perdido hum Príncipe, hum Amigo
,
Dos olhos macerados vos arrancão
,
He jufto certamente, e bem mer'cido*
Ornavao Sua Akeza mil virtudes,
Em que aNaçaõ contente havia pofto Lifongeiras eípranças, que, ámaneira'
Daseícumas do mar, fedesfizeraõ;
Era jufto
, prudente , circunfpefto ,
Exado , liberal , de bons coftumes
,
Amigo da Naçaõ , religiofo.:
Tinha pronta memoria, claro engenho ^ Prefença amável, indoíe benigna.
Lacrimofas viuvas, triftes orfâos
,
Miferos pertendentes teftemunhas * Inconteftaveis fois defta verdade.
Se a torpe ingratidão comfeu veneno
Nao tem os volTos peitos eftragado
,
Contai por mim^agora os benefícios.
11
i.
(4)
Que aBemfeitora Maõ de S. A. ' Comvofco repartio profufamente.
Quantas vezes ^ dizei , amagra fome Alegre vos matava , quantas vezes Vofia nudez cubria enternecido
;
Nelle marido , Nelle Pai acháveis.
Senlivel ás deígraças, com que o Fado Coftuma atormentar os defditofos
Naô era o voíTo efteio, o voíTo arrimo?
A todos acodia, fim a todos
:
Parece
, que o formara a Maõ Divina Para fer dos bons Príncipes modelio
,
Seu Nome foará entre os vindouros
Com refpeito, com magoa, com faudade.
A' viíla pois de taõ fublimes dotes ( Segunda vez o digo
) voíFo pranto Sobre juftos motivos he fundado.
Tendes razaõ , ninguém razão vos nega
Mas adverti, Senhor, que todos haõde j
Por decreto cruel da forte efcura.
Mais dia5 menos dia atraveíTar •
Na barca pavorofa horrenda , e feia
Do languido Acheronte as turvas agoas.
A todos o Barqueiro avaro efpera.
He eíte o lim propofto : a noíla vida
He
t; V
(5)
He vida, mas fem juros, empreftada:
Solta pedra damao naõ s'emcaminha Mais ligeira a bufear o centro, a terra;
Do que nós em tocarmos a balifa
,
Onde a nofia exiftencia entre defmaios
,
Qual névoa da manha , defapparece.
De corrupta femente corcomida Eterna planta pode acafo efp'rar-fe?
Em fi os homens tem principios certos
,
Dos quaes a corrupção he confequencia.
NaÓ^vivem ^í eterno, nem feus olhos Viraõ formar o Ceo , a terra, o dia,
A noite, o firmamento, o Sol, a Lua ^ As nitidas Eíirellas
, os Planetas"
As plaEftâs, animaes, aves, e peixes
Huma Subfi:ancia 5 Eterna, e Neceflaria, Immudavel , Imm.enfa, Bemfeitora
Do Nada os produzioj mas livremente
,
E fem conílrangimento de vontade ; Pois para fer feliz hum Deos Suprema Naõ lh'era necefiario fazer homens.
Sao entes contingentes , fufceptiveis
De filhita mudança, eftados vários.
De partes difíoluveis íao compoítos^
Vai do tempo correndo êfn leve gyro
^ iii
A roda movediça, e vai levando Atraz de fi os annos aprefiados ;
Os Ímprobos trabalhos , que ^ttenuaõ
Alanguida molefl:ia defcórada,
Precuríora infalíivel , que annuncia
A próxima partida a pouco, e pouco
Com Ímpia mao d'eftragos nunca farta
,
As partes vaõ da maquina quebrando.
Aqui fe tolhe hum membro , acolá outro
Do feu dever s^efquece, e defl:a forte
Se augmenta a confufaõ , crefce a defordem.
Chega a morte depois ; a começada Empreza finaliza, e fem piedade
,
Toda a máquina em fim defpedaçando
,
Reduz a tronco inerte o corpo humano.
Fica o relojo em fubico filencio
Apenas fuás partes defconcertao j AíTim pára taobem a vida Kumana.
S. A. 5 Senhor, taobem fjgeito
Da crua morte efl:ava ás leis feveras.
De barro quebradiço era formado.
Nao lhe valia fer Florente Ramo Da Cafa Bragantina, Auguíta Cafa!
Nem Lhe valia ter a Mai Tentada
No Throno refpeiíavel , que o primeiro
Mo-
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Monarcha Lufitano , Varaó Santo
,
Por entre agudas fettas emplumadas
,
Mil p'rigos arroftando em campo aberto,
Intrépido ganhara aos Sarracenos. ^
A morte inexorável nao diftingue
Do niifero fufraó esfarrapado
A purpura brilhante guarnecida
De rica pedraria de alto preço.
Paços Reaes , Cabanas , tudo piza
:
Nao refpeita as idades igualmente Os mancebos , os velhos arrebata.
Era Amável , Senhor , eu o confeílb ,
Mas nao era immortal , ou tarde , ou cedo A's três Filhas da Noite, irmãs raivofas
,
Cerrando os turvos olhos para fempre.
Pagar devia origido tributo.
A dor 5 que vos opprime o Peito affliclo
Nao, fobre Vós nao veio de repente;
Ma^ hum trifte receio foi difpondo
O voíTo Coração para eíle golpe.
Agoureiros fignaes os Aftros deraó Sombrias nuvens, fúnebres , horrendas
No dia antecedente, os Ceos toldando ,
A clara luz do Sol efcureceraó ;
Sim tudo 5 predizendo o mal futuro y
iifi
l ii
IV Sé
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(8)
Só lúgubre trifteza refpirava.
He tempo já de dar algum ailivio
Aotníie Coração desfeito em pranto :
Ceilem voíTos faípiros, voffa magoa;
Com lagrimas naõ volta, naõ revive Aquelle , cujo nome foi rifcado
Huma fó vez do livro dos viventes.
Em fervidos fufpiros fufFocada
,
Aos Ceos erguendo os olhos
macerados
,
t as veítes frenética rafgando
Em vao Roma chorou a morte; infaufta
D- Antonino, Tibério, e de
Alexandre,
De Tito, AuguftoCefar, e Trajano.
Inglaterra, Suécia, Ruffia , Franca, Heípanha, Pruffia, a iiolla mefma Lifia
1 aõbem debalde as mortes lamentarão
DeJaques o primeiro, Carlos doze ,
De Pedro o Grande
, de Luiz quatorze
D Aíionfo Sexto, de Fed'rico primo
E de Jofé primeiro finalmente
,
Cujas acções deixarão na memoria
Daquelles bons patrícios, que conhecem
1 erfeitamente os nolTos intereíTes
,
Seu Bom Nome gravado mais que embronze.
JNenhura deites porém , poílo que foiTem Suas
(9)
Suas cinzas com lagrimas regaâas
,
Regadas pelos povos que regerão
Com juftiça, prudência, amor , e applaufo.
Deixando as campas frias , em que jáfem
N'um profundo íethargo adormecidos.
Nenhum, digo , fubindo ao Régio Throno
,
Tornou agovernar os feus vaífallos.
O mefmo he pertender , que branca faia
,
Contra as conftantes leis da Natureza, Ruivas nozes produza , ou roxos cachos
;
Que procurar, que lagrimas faudofas Façaõ rornar hum morto á luz do dia.
; Paliemos chriílãmente. Contra amorte.
Por fer fera, cruel, infaciavei
,
Naõ formeis invedivas , triftes queixas;
Fiel executora dos Decretos
De hum Deos por NaturezaJufto, e Santo
Nenhuma coufa faz ( ainda que eílranha)
Que á prudente razaõ contraria feja.
A' maneira de arado
, que derriba
As cândidas boninas, lindas flores
Pode as nofl^as efpVanças diflipando , D'entre nós arrancar Varões Illuftres
,
Que no ceio da paz, celeííe prenda
No governo económico embebidos
,
Ou
ti?
( IO)
Ou na guerra, flagello Sanguinofo, Tendo fempre a vicloria afeu fei*viço
,
Com feu valor, acções , e bons confelhos
Nos erao neceíTarios , nos honravao
:
Mas ! como lie denfo ovéo , que anoíTos olhos
Da Providencia efconde os adoráveis Segredos , que a ninguém he permittido ,
Sem crime , inveftigar ! A noíla vida
(Ah ! miferrima vida , que da morte Hes principio infallivel) promotivos
,
Que a fraqueza do noíTo entendimento Por muito que forceje , naô alcança; >
Somente quem a dá he quem a tira.
Que afronta pois
, que injuria naó faríeis
(Oh! fupprimi , Senhor, o voflb pranto)
A' fanta Fé , na qual , á íimilhança
Do bom Centiiriao, eftals conftante, Se rebatendo o voílb fentimento
Nao beijaífeis a Mao Potente, e Forte ,
Que o golpe vibra, poílo que pezado ,
Que o voíTo coração trafpaíla, c fere?
Se aos altos Ceos erguendo os triíles olhos
Com rogos incelfantes nao pediíFeis
De confiança cheio, e de humildade
,
O defafogo , a paz, que he neceílaria
Ao
( ^o
Ao voíTo Coração natormentofa Vulnifera faudade , que o magoa ?
Já na mente dehum Deos, que, quando toca
Os altos montes, faz que elies fomeguem, Que as lúcidas Eílrellas do Ceo chama, Seus próprios nomes dando a todas ellas
;
Eftavá decretado 5 que devia S. A. morrer antes qiie: as Frentes
A Lufitana Croa Ihé cingifle:
Mas quem nos diz, Senhor, que Deos prevendo
A fua perdição íe dilataíle
Por mais compridos annos fua vida;
O naÕ chamou em taó viçofa idade^ Ifento dos encargos formidáveis ,
A que vive fugeito quem domina?
E quem fabe taõbem fe melhor Croa
Lh'eílá cingindo a Tefta , fem que tema
,
Que a macilenta inveja defcarnada
Com mil traições lha furte dá Cabeça ?
Em tom de quem decide, á fimilhança
L De propheta fatídico 5 e prefago
NaÕ me atrevo áffirmallo com certeza
;
Mas he , Senhor, provável , que aífim fejai
Se houvermos de julgar pelas virtudes Chriílãs, que S. A. praticava.
.Nos
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I
É!
I
lir
( I^
)
Nos lances de affliçao , nos infortúnios
Se conhece quem tem huma alma grande
:
Tacitamente accufa a voíTa magoa
O proceder de hum Deos três vezes Santo.
Elevar-vos acima de Vós mefmo
3
VoíTo pranto enchugai : A paciência
Adoça tudo aquiilo
, que naó pode
De algum modo emendar~fe. Eu naó eftranho.
Que Hirtácides lamente algumas horas De^Eurialo querido a morte indiga
;
Sao mui doces os laços d'amizade : '
Porém naõ he conforme á sã prudência
,
Qiie pura fé, leal amor conftante, Entregando-fe a morte • Nifo moftre.
Volla vida. Senhor, he neceflaria Para todos aquelles
, que, comigo Perfeguidos da vil fortuna varia
,
O voílb amparo bufcao
, voflb abrigo.
Burum: fed levius fit patientia , Quid^uid corrigere ejl nefas,
Horar. lib. i. Od. xxiv.'
Qiiid
( ^3 )
Quidquid in hac epiftola de Pareis , Ache-
ronte , Fato (adornatum fcilicet) dicitur loco fabulai tenendum eft. Nam quae SacrofanélaDei
Ecclefia approbat amat ; quse vero condeninat, utpote lílius verus, & obediens j auflor liben- ter odit.
1*^
i Ift!
05^ 10^
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