-A P-AR-ANÓi-A DO SOBER-ANO, UM-A INCURSÃO
NA ALMA DA POLíTICA
DE VALTON DE MIRANDA LEITÃO
vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O
estudo sobre o enigm a
do poder e sua relação
com subjetividade con-tinua fecundo nos dias
atu-ais. E por isso que vem em
boa hora a polêm ica levan-tada por um psiquiatra e
psi-canalista e m ilitante político
de Fortaleza. Trata-se do livro de Valton de M iranda Leitão, lançado entre nós quase no Final
do ano passado com o sugestivo e provocador nom e: A Paranóia do Soberano, Uma
Incur-são na Alma da
Politica;
publicado pela Vozes, de Petrópolis, e lançado aqui e em Porto Alegre.Não se trata de um analista entretido
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s o-m ente na e-m aranhada e, por vezes, tediosa es-cuta no cotidiano da clínica. Trabalho, aliás,
árduo e silencioso, onde se escutam o desejo,
as m isérias e grandezas da condição hum ana.
Valton é, sobretudo, alguém com indigna-ção ética, que passou, com o nos inform a, 30 anos
na atividade clínica "com o psiquiatra e terapeuta e com o ativista político de esquerda". Foi
escu-tando esses dois registros, "nessa dupla
condi-ção", com o faz questão de enfatizar, que passou
a "observar os fenôm enos sociais, históricos e políticos na sua interação com o desejo, a paixão
e a loucura hum ana". E revela, com certa ponta
de ingenuidade, com o todos os que se im iscuem na política, que "durante este período constatei e
im pressionei-m e, algum as vezes atônito, com o nível de irracionalidade que podem alcançar a
práxis política e o exercício do poder" Cp. 23).
De sua e s c u t a clínica
e' envolvido na tram a da
m ilitância política, o autor
desenhou o que viu na "alm a" da política. Olhos
atentos para o chão onde pisava - a política nacional, a política interna e os m
o-vim entos culturais regionais - e em bebido das
leituras dos clássicos, tentou costurar
explica-ções que lhe perm itissem com preender essa alm a
torm entosa do hom em , enquanto envolvido na tram a do poder.
Até onde foi o autor? Terá conseguido, ao longo de seus 30 anos de reflexão, form ular um a
reflexão fecunda sobre a alm a da política? Nenhum discurso é p l e n o capaz de dizer
t u d o . M as Valton resolveu aceitar o desafio e
nos brinda com a oportunidade de entrar no debate sobre um a tem ática tão pouco discutida
em Fortaleza.
Seu trabalho é am bicioso. Deixa im
pres-s o pres-s nos escritos sua paixão e o ím peto ilum inista,
às vezes desejando "salvar" a razão Chegeliana?)
e o legado m arxista.
Os m eus com entários não têm a pretensão de abordar a gam a de questões suscitadas em
suas análises. Questões, aliás, am plas dem ais, que
vão da ciência política, passando pela filosofia e a psicanálise. Não se trata, tam bém , de fazer um a
resenha com elogios fáceis, m as tom ar as suas reflexões com o um a oportunidade de debate,
ten-do sem pre com o referência as suas idéias.
XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A Paranóia do Soberano - Uma Incursão na Alma
da Política.P e tr ó p o lis : V o z e s , 2 0 0 0 .
POR BENEDITO JOSÉ DE CARVALHO FILHO
S o c ió lo g o , d o u to r a n d o e m S o c io lo g ia p e la U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o C e a r á .
A
TRAJETÓRIA E AS SUAS MARCASvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Olhar para o
YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s o b e r a n o e mergulhar na"alma do poder", como sugere o autor, não se
faz sem uma filiação teórica definida.
XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É verdade que o livro apresenta uma gama de autores quevão da psicanálise à ciência política, história,
fi-losofia e literatura. Das 117 obras citadas, cerca
de 37 são de psicanálise (em sua maioria de
orientação kleiniana), 67 de ciência política, so-ciologia e história, e cerca de 14 de filosofia e
literatura. O eixo norteador do livro, no
entan-to, como é possível perceber numa leitura mais atenta, é o pensamento kleiniano; Bion e M elanie
Klein, especialmente, linha de orientação
teóri-ca com que Valton trabalha clinicamente.
A psicanálise em Fortaleza é de formação muito recente. Os primeiros grupos de estudo
co-meçam a se formar e estudar a psicanálise muito timidamente na década de 1970. Somente a partir
de 1984-86 é que ela vai ter uma melhor
visibilida-de, mas marcada com forte orientação lacaníana.'
Acho importante remontar e relembrar um
pouco esse aspecto, pois nos meios (pequenos) lacanianos de Fortaleza é comum a ênfase
teóri-ca em uma só direção, como se a " p s i c a n á l i s e
p u r a " s e reduzisse só ao lacanismo, às vezes lido
como se fosse a linha m a i s c o r r e t a , impedindo
dessa forma o diálogo com outras correntes, como
os kleinianos, e os que seguem orientações dife-rentes, muitas vezes ignorados no debate. Isso é
visível nos grupos de estudo e nos próprios cur-sos de psicologia, onde pouco se estuda de
M elanie Klein e quase se ignora Bion.
Em razão disso, creio que o livro de Valton
parece pouco acessível para muitos. Sem o
mí-nimo de conhecimento dessa vertente teórica é difícil compreender o que o autor quer nos
di-zer, polemizando-se somente com os autores mais conhecidos no círculo acadêmico.
Quem são esses dois autores que marcam o pensamento de Valton? É dificil em poucas linhas expor seus pensamentos.
M elanie Klein (1892-1960) foi discípula de
Freud, apesar de não o ter seguido de forma
mais ortodoxa, manteve uma certa reverência
para com o mestre. Foi uma das pioneiras da
análise de criança, em uma época em que se dizia ser isso impossível. Suas polêmicas com
Ana Freud foram marcadas por fortes debates
que quase a deixou isolada.
Para ela a brincadeira era equivalente às
fantasias e o ato de brincar dava acesso ao
mun-do interno da criança, à sua sexualidade e
agressividade. Em torno delas se instaurava uma relação transferencial-contra-transferencial entre
criança e analista.
A pulsão de morte tem forte acento em
sua teoria, achado de Freud não tão aceito no
meio psicanalítico da época. Para ela a angústia é conseqüência direta da ação da pulsão de morte
no seio do organismo.
Como base nesses pressupostos, ao invés
de utilizar a idéia de "fases", como fez Freud
para descrever o desenvolvimento da criança, usou a idéia de "posição". A "posição
esquizo-paranóide", que traduziria os quatro primeiros meses de existência é caracterizada por uma
união entre pulsões sexuais e as pulsões
agres-sivas, por um objeto vivido como parcial e clivado em "bom" (gratíficador) e "mau"
(frustrador), Na "posição esquizo-paranóide",
como descreve Hanna Segal.? "a a n g ú s t i a d o m i
-n a -n t e p r o v é m d o t e m o r d e q u e oo b j e t o , o u o b j e
-t o s p e r s e c u -t ó r i o s p e n e -t r e m n o e u , e s m a g a n d o o
o b j e t o i d e a l e o s e l f"Dois mecanismos se
mani-festam e são dominantes nessa "posição": a introjeção e a projeção.
Em seguida, viria a posição "depressiva",
superada por volta do final do primeiro ano. O objeto já não é parcial, podendo ser apreendido
pela criança como total, a clivagem " b o m " e
" m a u " . A angústia, nessa posição, está ligada ao
terror de perder e destruir a mãe.
Posteriormen-te, em face de suas angústias, a criança desen-volve vários tipos de defesa e de atividades
reparatórias, que constituem a primeira fonte de criatividade e de sublimação. A posição
"esquizo-paranóide" e a posição "depressiva" voltam a se
fazer presentes posteriormente na vida, em
pecial no adulto acometido de paranóia, de
esquizofrenia ou de estados depressivos.
Não menos importante no pensamento de Klein, o trabalho sobre a inveja, onde ela
escre-veu um dos mais brilhantes estudos já
produzi-dos sobre o assunto.ê
É de W ilfred Ruprech Bion (1897-1979), esse psicanalista nascido na Índia e trazido para
a Inglaterra, onde concluiu seus estudos na
Uni-versidade de Oxford e que depois volta-se para a psicanálise, sob a influência de M elanie Klein,
que Valton vai fundamentar a sua análise da
paranóia na política.
Bion, aliás, conheceu a guerra e a
para-nóia de perto, pois serviu o Exército como
mé-dico psiquiatra. Lá aprendeu com os grupos de
recuperação o problema da psicose grupal e
escreveu, a partir dessa experiência, o famoso livro chamado
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E x p e r i ê n c i a C o m G r u p o s , ondevai trabalhar a psicose tal como se manifesta nos indivíduos quando estão em interação. Ali,
como d i z o próprio Bion, se convenceu " d a
i m p o r t â n c i a c e n t r a l d o s t e o r i a s k l e i n i a n a s d a
i d e n t i fi c a ç ã o p r o j e t i u a e d a a ç ã o r e c í p r o c a e x i s
-t e n -t e e n t r e a s p o s i ç õ e s e s q u i z o p a r a n õ i d e s e
d e p r e s s i v a ".3O que revela como seus conceitos
e sua teoria estão indissociavelmente ligada à
teoria kleiniana.
Valton toma os conceitos de Bion, em es-pecial os p r e s s u p o s t o s b á s i c o s , onde vai
funda-mentar o núcleo paranóico dos agrupamentos,
como a experiência da esquerda nos anos 80, quando chega ao poder municipal e fenômenos
como o do Padre Cícero e Antônio Conselheiro.
Bion desenvolveu a idéia de uma m e n t a
-l i d a d e
grupal
como uma unidade que se opõepor vezes aos desejos individuais. O grupo,
nes-se nes-sentido, não é a soma de consciências indivi-duais, mas possui uma a l m a , se assim
poderíamos dizer, e essa m e n t a l i d a d e g r u p a l
representa um continente para os indivíduos que
a compõe. Seus conteúdos são p r e s s u p o s t o s d e
b a s e , imensas emoções fundamentais.
A psicose, para ele, não é um fenômeno
somente individual, mas desenvolve-se nas
re-148
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R E V IS T A D E C I~ N C IA S S O C IA IS V.32
N .1/2lações com os outros, através das maciças
iden-tificações projetivas.
A idéia é aparentemente simples:
Somos seres essencialmente grupais,
polí-ticos, no sentido de que pertencemos a eles.
Nenhum indivíduo, ainda que esteja isolado, pode ser considerado marginal em relação a um
grupo.
Quando trabalhava como diretor do setor de reabilitação de um hospital psiquiátrico
du-rante a segunda guerra mundial começou a
tra-tar a reabilitação como uma tarefa grupal, e passou a desenvolver a hipótese de uma c u l t u
-r a d o g -r u p o , ou de u m a m e n t a l i d a d e g r u p a l nas
pessoas quando estão em grupo. Essa idéia de uma m e n t a l i d a d e g r u p a l é um formulação
bási-ca para a pesquisa sobre fenômenos grupais.
É a partir desse pressuposto que ele ela-bora a idéia de s u p o s t o b á s i c o , que é um termo que qualifica de m e n t a l i d a d e
grupal
e estácon-figurada por emoções intensas de origem primi-tiva, consideradas como básicas; por este motivo.
Expressam-se através de fa n t a s i a s
grupais,
do tipo onipotente ou mágico, relacionados com
o modo de obter seus fins ou satisfazer seus desejos. Esses supostos básicos são três:
O primeiro chamado de s u p o s t o b á s i c o d e
d e p e n d ê n c i a , ou seja, o grupo a c r e d i t a que está
reunido para que alguém proveja a satisfação
de todas as suas necessidades e de todos os seus
desejos, alguém de que o grupo depende de uma forma absoluta. E a crença numa deidade
protetora, cuja bondade, poder e sabedoria não
se põem em dúvida. Algo semelhante ao tipo "tradicional" de autoridade, formulada por W eber
e ressaltada por Valton. Conselheiro
desempe-nhou esse papel, assim como Padre Cícero. Nos
tempos atuais desempenham esses papéis os li-deres das seitas religiosas.
O s u p o s t o b á s i c o d e a t a q u e l fu g a , consiste na convicção grupal de que existe um inimigo
(os judeus, de Hitler; os "traidores", na época
do Stalin; os "diferentes", nos tempos atuais e
tantos outros mais, reais e imaginários) e que é
necessário atacá-lo ou fugir dele. O mau está
projetado fora de mim e para isso só restam duas
alternativas: atacar e destruir o "inimigo", ou
evitá-Io (fugir).
O
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s u p o s t o b á s i c o d o a c a s a l a m e n t o é a cren-ça coletiva e inconsciente, de que quaisquer quesejam os problemas e necessidades atuais do
grupo, um fato futuro ou um ser ainda por nas-cer, os resolverá, quer dizer, há uma esperança
de tipo messiânica.
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É a esperança de um salva-dor do grupo, semelhante ao "povo de Israel",com a vinda de um Senhor, ou de um grupo político que sonha que apareça um novo M arx,
ou um novo Lênin, que conduza as massas nes-ses tempos de heteronomia social.
Como chama atenção um comentado r de
B í o n , " t o d o soss u p o s t o s b á s i c o s s ã o e s t a d o s e m o -c i o n a i s t e n d e n t e s a e v i t a r fr u s t r a ç õ e s i n e r e n t e a o
a p r e n d i z a d o p o r e x p e r i ê n c i a , a p r e n d i z a d o q u e
i m p l i c a e s fo r ç o , d o r e c o n t a t o c o m a r e a l i d a d e " .
Bion formulou a hipótese de uma parte da personalidade que conviveria com os outros.
Vários fatores essenciais distinguiriam a perso-nalidade psicótica: a importância da
identifica-ção projetiva, a clivagem e a destruição do eu.
O psicótico, incapaz de pensar símbolos, está impossibilitado do sonhar.
É dele, também, a idéia da "grade", pouco desenvolvida por Valton em seu livro, que
com-preende um eixo vertical composto de colunas de A-H e de um eixo horizontal numerado de 1
a 6, mas que pode ser prolongado indefinida-mente. Esse eixo horizontal se refere ao
conteú-do, à comunicação entre o analista e seu paciente;
o eixo vertical, por sua vez, registra o grau de
complexidade do enunciado.
As teorias e as obras de Bion são ricas e
não podem ser resumidas em algumas linhas. Constituem um dos pensamentos na psicanálise
mais originais desses últimos 50 anos.
Da sua vivência como militante político e
de sua escuta clínica, e com o referencial
teóri-co desses autores, Valton percebeu que esses aspectos obscuros da política podem ser
expli-cados. E lembra os episódios que ocorreram ao longo dos anos 80, quando M aria Luiza
Fontenelle foi eleita prefeita pelo P
Trabalhadores.
A s i t u a ç ã o q u e a c a b o d e d e s c r e v e r . e n a
t i v e e fe t i v a p a r t i c i p a ç ã o , a p r e s e n t o u - s e a
-g u m a o p o r t u n i d a d e s d e m o d o i n t e i r a m e n t e
p a r a n ó i c o . A s d e fe s a s u t i l i z a d a s a t é e n t ã o c o n
-t r a a a n s i e d a d e p a r a n ó i c a fa l h a r a m e a c i s ã o
m o s t r o u s e a t r a v é s d e a c u s a ç õ e s e c o n t r a a c u
-s a ç õ e -s d e t r a i ç ã o , c o m p l ô e c o n j u r a ( p . 45).
Não que considere que o " fr a c a s s o d a a d
-m i n i s t r a ç ã o p o d e s e r a t r i b u í d a p r i o r i t a r i a m e n t e
a e s s e c o n t e ú d o a fe t i u o passional'. M as, não tem
dúvidas:
E i n d u b i t â u e l q u e n e s s a s o r g a n i z a ç õ e s ( e s t á s e
r e fe r i n d o à s o r g a n i z a ç õ e s d e m a s s a e p a r t i
-d o s ) e x i s t e m a e s p e r a n ç a d o a s u r g i m e n t o s d o
M e s s i a s o u R e d e n t o r , a s c u m p l i c i d a d e s e d e s
-c o n fi a n ç a s d e u m g r u p o e m r e l a ç ã o a o o u t r o ,
e n fi m , os r e s s e n t i m e n t o s e s u s p e i t a s d e c u n h o c l a r a m e n t e p a r a n ô i d e ( p . 58)
Como nos mostrou Bion, há a necessida-de necessida-de criar um (ou vários) ínírnígots), os
"trai-dores", os "vacilantes", como se costuma dizer
no meio das organizações de esquerda, os que "não fizeram a autocrítica". A partir daí
erigern-se as defesas e a necessidade de um "líder", de
uma "biblia" onde esteja a "verdade". E por isso, como ressalta Valton, " q u eosg r u p o s s ã o , d e p r i n
-c í p i o , -c o n t r á r i o s a m u d a n ç a s , p e l o t e m o r q u e
v e n h a m a fe t a r os i s t e m a n o r m a t i u o " ( p . 59). Isso vale para os agrupamentos políticos,
como vale para os grupos dentro das empresas,
escolas, quartéis, universidades e igrejas. Estão
presentes com uma forte destrutivídade, capa-zes de produzir os atos mais estapafúrdios e
ir-racionais e rupturas abruptas na subjetividade.
É por isso que o campo da política (em todas as suas instâncias) é um t e r r i t ó r i o profundamente
ambivalente, onde vida e morte, criação e pulsão
de morte, lealdades e traições, transparências e
dissimulações convivem em permanente
confli-to. Aliás, olhando desta perspectiva, o campo das relações sociais, seja ele individual ou
tivo, é o campo fértil para o surgimento
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d e fa n-t a s m a e fa n t a s i a s , projeções e identificações
projetivas, que podem nos levar a relações
objetais construtivas, como pode nos levar,
tam-bém, à morte, quando o grupo, ou as pessoas, não têm um mundo interno suficientemente
in-tegrado e capaz de suportar a frustração. A ne-cessidade de m e s s i a s , de r e d e n t o r e s , assim como
a necessidade de criar inimigos, tão próprio no
mundo da política, é um sintoma presente
des-de o início da civilização. M ax W eber achava
que isso mudaria quando o homem se emanci-passe e se desencantasse. Na realidade, como
vemos hoje, acabaram por criar novos fa n t a s
-m a s e parecem mais e n c a n t a d o s do que nunca nesse m a l - e s t a r que se abate sob a modernidade.
SALVANDO A HISTÓRIA, A DIALÉTlCA E A TOTALIDADE
o
núcleo mais valioso do livro, segundo o meu ponto de vista, é o momento em que eleusa os conceitos psicanalíticos para
compreen-der os processos políticos, em especial a para-nóia. As vezes me perguntei o que ocorreria se
ele, ao invés de buscar a "alma da política",
pro-curasse compreender a "alma na política", ou
seja, o que ocorre na subjetividade das pessoas quando se envolvem na trama cotidiana da
po-lítica. Tenho a certeza que m a t e r i a l para a sua análise não faltaria.
Valton deseja mais do que compreender
os t o r m e n t o s i n d i v i d u a i s . Como estudioso dos processos políticos ambiciona mais. E aqui não
fala somente o psicanalista envolvido no estudo da paranóia, mas o ativista político visivelmente
entrincheirado na concepção marxista. Parece
querer dar conta e s a l v a r a idéia de totalidade, a
razão dialética, a história vista como um
proces-so dotado de sentido e racionalidade. Nesta mesma trincheira, Valton busca realizar dois
empreendimentos que, na minha opinião, são grandiosos demais: evidenciar a i r r a c i o n a l i d a d e
das organizações de massa e dos partidos e, ao
mesmo tempo, resgatar o sentido da história em
150
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R E V IS T A D E C I~ N C IA S S O C IA IS v .3 2 N .1/2uma sociedade que fala de seu fim. Ou
resgata-mos o seu sentido ou caminharemos para a
barbárie. E a nova barbárie, segundo Valton, é o neoliberalismo.
Trafega ao longo das 251 páginas de seu
livro por clássicos da ciência política, em
com-panhia dos marxistas dialéticos e filósofos da totalidade. O seu anátema, mesmo que não
su-ficientemente explicitado, parece ser com o
pen-samento hoje chamado de p ó s - m o d e r n o .
Valton deixa claro que é herdeiro do
pro-jeto moderno, que se define pela busca da
fun-damentação e acredita na possibilidade do
conhecimento que capta a historicidade do ho-mem no movimento dialético da história. A
ci-ência e as teorias cientificas, nesta perspectiva,
são vistas como capazes de dar conta da
subje-tividade. Freud era um iluminista e também fez parte deste projeto, em crise a partir da segunda
metade do século XX, momento em que se co-meça a atacar a idéia de centralidade atribuída à
noção de subjetividade empreendida pelas
teo-rias racionalistas e empiristas. As criticas de Hegel e de M arx, aliás, já apontavam para a
insuficiên-cia e o caráter problemático da análise
subjetivista. Hegel mostra que a subjetividade, a consciência individual, ela própria é resultado
de um processo de formação histórico e
cultu-ral. M arx faz a mesma coisa. Para ele o que
de-termina o conteúdo de nossas representações são as relações de produção.
Valton parece desejar s a l v a r e s s e legado do
pensamento moderno, que partiu da " s a b e d o r i a
c l á s s i c a g r e g a , p a s s a p e l a s v i r t u d e s c a p i t a i s d o
t o m i s m o e c h e g a a m o d e r n a n o ç ã o d e l i b e r d a d e "
(p. 229). Assim, esbraveja contra essa "situação
esdrúxula" que, " e s q u a r t e j a d o e n t r e o i d e a l e o
r e a l s e t o r n a o s t e n s i v a m e n t e p r e s e n t e c o m o
d e s m a n t e l a m e n t o d o E s t a d o S o c i a l p e l o c a p i t a l i s
-m o m o n o p o l i s t a . "Lamenta, também, que " a l é m
d i s s o , o e n fr a q u e c i m e n t o d o d o u t r i n a s o c i a l i s t a "
tenha " d e i x a d o u m v á c u o p o l í t i c o n o q u a l s e fe z
a c o m p a n h a r d o i n d i v i d u a l i s m o , d o n a r c i s i s m o e
d o e g o í s m o t ã o b r u t a i s q u a n t o a p e r s e g u i ç ã o q u e
e s s e s i s t e m a i n s t a l a c o n t r a a m a i o r i a d a
ç ã o m u n d i a l ' ( . . . )
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Diante desse poder tãograndi-oso - conclui - "on e o l i b e r a l i s m o p r e t e n d e c o l o
-c a r u m a é t i c a s i m p l e s m e n t e a r g u m e n t a t i v a e
r e fl e x i v a , o u s e j a , n ã o a r t i c u l a d o a u m a c o n d i
-ç ã o d e c l a s s e e a u m c o r p o t e ó r i c o e s p e c í fi c o , c o m o
é oc a s o d o m a r x i s m o .
Aqui nenhuma palavra sobre as razões do enfraquecimento do socialismo, nem a
nomea-ção dos pensadores com quem está polernizando.
M as é evidente que está se referindo ao
pensa-mento pós-moderno e todos aqueles que se afas-taram do referencial marxista, em especial dos
que romperam com a tradição, inaugurando uma
nova reflexão e uma nova forma de pensar o
mundo, como é característico das teorias p ó s
-fordistas,
identificadas com o pensamento p ó s-m o d e r n o . A ética de Valton não é somente contra
os s e g u i d o r e s d e m e s s i a s e b i b l i a s , mas também
contra muitos pensadores contemporâneos, como
Heidegger, W ittgenstein, Gilles Deleuze, Lyotard, Richard Rorty, Habermas e outros.
Não foi por menos, por exemplo, que não poupa, na sua " m á q u i n a i n t e r p r e t a t i v a " ,
Nietzsche, um dos pilares do pensamento
pós-moderno, "cuja radicalidade no combate aos va-lores burgueses e arrogância intelectual levaram
ao sectarismo pessoal e social de conseqüências
reconhecidamente destrutivas e ilusórias"
XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( p .63).Utilizando as próprias categorias b i o n i a n a s
que ele usou nas suas interpretações, não haveria
por parte de Valton uma certa p a r a n ó i a e i n t o l e
-r â n c i a com relação ao pensamento pôs-moderno
que emerge nesse final do século XX? O embate não continua sendo do m o c i n h o contra o b a n d i d o ?
NOTAS
1 Ver o trabalho de Leonardo José Barreira Danziato.
F o r t a l e z a d a P s i c a n á l i s e - h i s t ó r i a d a p s i c a n á l i s e
e m F o r t a l e z a . UFC. Dissertação de M estrado,
ja-neiro de 1998.
2 Para quem desejar compreender melhor a vida e a
obra d e M elanie Klein ver o belo trabalho do
cana-dense Phillis Orosskurt, chamado OM u n d o e a O b r a
d e Melainie Klein,Rio de Janeiro: Imago, 1992. 3 SEGAL, Hanna. I n t r o d u ç ã o à O b r a d e Melanie
K l e i n . Editora Imago, Rio de Janeiro, 1975.
4 Ver KLEIN,M elanie.I n v e j a e G r a t i d ã o , (970) Edito-ra Imago. Também, pela mesma editoEdito-ra P s i c a n á l i s e d e C r i a n ç a (972); A m o r Õ d i o e R e p a r a ç ã o ; Narrati-va da Análise da Criança (976), C o n t r i b u i ç ã o à P s i -c a n á l i s e , Editora M estrejou; A E d u c a ç ã o d e C r i a n ç a s ,
Ed. Imago, (973); P s i c a n á l i s e d a C r i a n ç a , M estre ]ou; S e n t i m e n t o d e S o l i d ã o , Editora Imago (971). É
vasta a bibliografia sobre o pensamento de Klein.
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