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REGISTRO DO TAMBOR DE CRIOULA: POLÍTICA DE SALVAGUARDA DE BENS DA CULTURA IMATERIAL NO BRASIL 1 Sergio Ferretti - UFMA

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REGISTRO DO TAMBOR DE CRIOULA: POLÍTICA DE SALVAGUARDA DE BENS DA CULTURA IMATERIAL NO BRASIL1

Sergio Ferretti - UFMA

RESUMO

O tambor de crioula, dança de origem africana típica da cultura popular do Maranhão, caracteriza-se pela presença da umbigada ou punga. Em 2007, foi registrada como patrimônio cultural do Brasil. Trata-se de dança de divertimento e de pagamento de promessa a entidades sobrenaturais que, por muito tempo, foi perseguida e estigmatizada. Seu registro como patrimônio cultural representa esforço de proteção das autoridades ao universo cultural afro-brasileiro. Seu reconhecimento é relevante na preservação da memória e da identidade regional, que, atualmente, é valorizado como forma de atração turística, mas a execução desta política tem sido complexa. Estamos interessados em conhecer e discutir impactos da política de salvaguarda sobre o patrimônio da cultura imaterial afro-brasileira.

Palavras-chave: Tambor de crioula. Patrimônio Cultural. Cultura Afro-Brasileira. Umbigada. Cultura Popular.

INTRODUÇÃO

Manifestação cultural criada por afrodescendentes, o tambor de crioula é uma dança popular muito conhecida e apreciada no Maranhão. Assemelha-se a outras danças como o samba de roda da Bahia, o jongo do Sudeste ou o batuque paulista que se caracterizam pela umbigada ou punga2, contato frente a frente entre duas pessoas na dança. A palavra crioula3

relaciona-se com o papel da mulher, e tambor deriva da importância básica deste instrumento musical na dança.

1

Trabalho apresentado no GT 38, na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia realizada entre 03 e 06 de agosto de 2014, Natal, RN.

2 No período da escravidão, a umbigadas era encarada como forma de estímulo sexual e atualmente é

vista como forma de cumprimento e de convite à dança. No Maranhão, a umbigada é conhecida como punga, termo que também se designa o próprio tambor de crioula.

3 Crioulo designa pessoa morena ou mestiça, afrodescendente que pode ser valorizada ou estigmatizada.

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O Maranhão é um dos estados do país que possui maior contingente populacional negro pelo grande número de escravos que foram introduzidos, especialmente, entre 1750 e 1850. A população de origem ameríndia é igualmente importante no passado como ainda hoje. Até inícios do século XIX, o Maranhão foi um estado separado do Brasil, relacionando-se diretamente com a metrópole portuguesa. Localizado entre o Norte e o Nordeste, pelas dificuldades de popular são específicas e se diferenciam das demais regiões do país, como o bumba-meu-boi4, o tambor de mina5 a festa do Divino6 e outras.

A dança do tambor de crioula se apresenta em uma roda, comunicações, permaneceu muito tempo isolado, e suas manifestações de cultura tendo, de um lado, homens que cantam e tocam três tambores de madeira de tamanhos variados e, do outro lado, mulheres que dançam e acompanham os cânticos. Estas usam saias rodadas coloridas, revezam-se ao centro, dançando diante dos tambores, girando em torno de si e dando uma punga ou umbigada, como forma de convite à dança para uma companheira. Trata-se de uma dança circular que reúne cerca de 10 a 20 ou mais pessoas, acompanhada por cânticos e percussão de tambores. Até a década de 1970, tinha a participação principalmente de idosos. Atualmente, pessoas mais jovens, inclusive crianças, têm se interessado em dançar, tocar e cantar o tambor de crioula.

É dança de divertimento, de recreação ou de brincadeira, como se diz, realizada em qualquer local e época do ano, inclusive no carnaval e nas festas juninas. Até a década de 1970, era considerada pelos observadores como dança de divertimento. Pesquisa realizada em 1977, relatada adiante, constatou que o tambor de crioula faz parte do catolicismo popular e é incluído nas religiões afro-maranhenses como forma de pagamento de promessa. Nestas circunstâncias, é acompanhada de ladainha e

de criollo, o descendente de espanhóis nascido nas colônias. Em lingüística, refere-se à língua simplificada e misturada falada nas regiões de colonização europeia, como o crèeole do Haití.

4 O bumba-meu-boi é uma dança folclórica muito difundida em diferentes regiões do Brasil. No

Maranhão, caracteriza-se por ser realizada na época das festas juninas, pelo luxo das indumentárias, diversidade de apresentação dos grupos e o número de participantes. Foi o segundo bem cultural registrado como patrimônio cultural no Estado.

5 O tambor de mina é uma religião de origem africana que, em outros estados, é denominada como:

candomblé, Xangô ou umbanda. Nele, as entidades cultuadas, de origens africanas e de outras procedências, se organizam em famílias, os sacrifícios de animais são reduzidos e o transe com entidades espirituais é muito discreto.

6A festa do Divino ocorre em muitos estados do país, mas no Maranhão possui características especiais

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se dançar carregando a imagem de São Benedito, santo negro considerado padroeiro do tambor de crioula. É dançado em casas de culto afro-maranhenses, ou em terreiros de tambor de mina, em homenagem a entidades que apreciam esta manifestação7. Nestas circunstâncias, pode ocorrer o transe religioso durante seus toques. Assim, é uma dança profana de divertimento que, ao mesmo tempo, faz parte da religiosidade popular, onde o sagrado e o profano estão muito próximos e difíceis de serem separados.

Como dança praticada eminentemente por negros, que se orgulham de sua realização, por serem os que sabem dançar, tocar e cantar corretamente, o tambor de crioula é também um fator de definição e preservação da identidade étnica de negros maranhenses das camadas populares. É um instrumento de solidariedade comunitária e de resistência cultural de populações de baixa renda. Até meados do século XX, as manifestações da cultura popular eram mal vistas pelas autoridades, pela imprensa e pela igreja católica. Por mais de um século, notícias publicadas sobre tambores eram difundias nas páginas policiais e solicitavam providências contra o risco de prejudicarem a ordem social. A partir dos anos 1970, com o desenvolvimento do turismo, esta situação começou a se modificar, e as autoridades passaram a valorizar elementos da cultura popular como fatores de definição de identidade e como meio de atrair turistas e recursos financeiros.

Este interesse chegou a ser temido como risco de interferência na autenticidade das festas populares (FERRETTI, 2002). Atualmente, constata-se que religiões pentecostais8, que se difundem largamente em toda parte e demonizam manifestações da cultura popular, parecem se constituir ameaça maior ao tambor de crioula e a outras manifestações populares, do que o turismo ou a interferência governamental.

ESTUDOS SOBRE O TAMBOR DE CRIOULA

Até hoje, o tambor de crioula não foi objeto de muitos estudos. Em 1938, a Missão de Pesquisas Folclóricas, organizada por Mário de Andrade, na Prefeitura

7 Nos terreiros de culto afro-maranhense, entidades espirituais gostam de tambor de crioula,

principalmente Averequete, vodumdaomeano sincretizado com São Benedito; os chamados “pretos velhos”, que são ancestrais africanos escravizados e entidades caboclas, de origens diversas.

8 Religiões evangélicas pentecostais têm se difundido no Brasil, sobretudo a partir da década de 1980,

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Municipal de São Paulo, realizou viagem de pesquisa ao Nordeste que, por razões técnicas, passou apenas uma semana em São Luís. Os resultados da Missão foram publicados por Oneyda Alvarenga em 1948 e, por sua importância, até hoje têm sido retrabalhados. Em 2010, foram publicados DVD e livreto com parte do acervo coletado, inclusive fotos, filmes e gravações em áudio. Trata-se de pesquisa de grande importância e a primeira a documentar as danças maranhenses do tambor de mina e do tambor de crioula. O acervo da Missão de Pesquisas Folclóricas relativo ao Maranhão pode ser consultado na coleção “Exposições” do site: www.museuafro.ufma.br9.

Até fins da década de 1970, só existiam pequenos artigos sobre o tambor de crioula e, praticamente, não surgiu nenhum trabalho específico. O folclorista Domingos Vieira Filho, um dos fundadores e, por muitos anos, presidente da Comissão Maranhense de Folclore, em meados da década de 1970, dirigindo a Fundação Cultural do Maranhão, estimulou a realização de pesquisas e coleta de materiais para um futuro museu de folclore. Este foi implantado pelo Estado em 1982, após a sua morte, como Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho.

Em 1977-78, foi organizado na Fundação Cultural uma pesquisa sobre o tambor de crioula, para coletar material, documentação sonora e visual, objetos e depoimentos com vistas à organização do museu, cujo prédio fora adquirido e estava sendo restaurado pelo Estado, sob a orientação de Vieira Filho. A pesquisa foi realizada pelo pessoal da Fundação, com a contratação de serviços técnicos. Bolsistas colaboraram na coleta de dados em periódicos antigos da Biblioteca Pública, com notícias sobre festas populares e perseguições policiais no período de um século. Na época, havia menos de 20 grupos de tambor de crioula registrados e hoje existem mais de 80, conforme o Comitê de Salvaguarda do Tambor de Crioula do qual trataremos adiante. Foram realizadas entrevistas com organizadores de grupos e assistidas diversas apresentações. Foi feito um estudo pormenorizado sobre letras de toadas e sobre formas musicais do tambor de crioula.

9 O projeto dos Museus Afrodigitais é uma iniciativa de professores de algumas Universidades Federais

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Foram entrevistados líderes de casas de culto afro onde é também realizado, constando-se que o tambor de crioula tem sentido religioso, pois é oferecido a santos em pagamento de promessa. Nesse caso, precedido por ladainha, e se costuma dançar carregando a imagem de São Benedito na cabeça. Embora considerado principalmente dança festiva e dançada no Carnaval, sem nenhuma relação com os santos, o tambor de crioula possui um sentido religioso ou sagrado, podendo ser considerado um ritual que faz parte de um sistema religioso, incluindo momentos de divertimento. A devoção a São Benedito é muito forte no Maranhão, tanto no catolicismo popular quanto na religião afro, onde é sincretizado com o vodum Averequete, um dos mais cultuados no tambor de mina. Afirma-se que São Benedito gosta de tambor de crioula porque é negro e gosta que toquem tambor para ele. Existem assim relações entre tambor de crioula e tambor de mina, inclusive pela importância em ambos da devoção a São Benedito.

Entre turistas e mesmo entre pessoas do Maranhão, existe certa confusão entre tambor de crioula e tambor de mina, em decorrência de semelhanças exteriores entre ambos. O tambor de mina é um culto religioso praticado com danças e outras atividades, onde o transe místico ou possessão é central e constitui uma forma de interação entre pessoas e entidades sobrenaturais. O tambor de crioula, embora seja um meio de pagamento de promessa, é uma forma de divertimento, em que a punga constitui componente básico de interação entre os participantes num grupo de amigos.

Naquela pesquisa (FERRETTI, 2002), foram feitas comparações entre o tambor da capital e de algumas regiões do interior do Estado onde a presença do negro é mais intensa, constatando que em cada região a dança assume características coreográficas e melódicas específicas, identificadas com facilidade pelos brincantes mais experientes, embora pouco reconhecidas pelos de fora. No interior, é menos comum a existência de grupos de brincantes organizados, a influência do turismo é menor e a dança é mais relacionada com a religiosidade popular.

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desde a década de 1960, havia um setor governamental encarregado de coordenar atividades relacionadas com artesanato, folclore e turismo, vinculado à Secretaria de Indústria e Comércio, com o objetivo de incentivar o fluxo turístico tendo em vista que o turista deixa dinheiro do momento que desembarca até a saída.

Nos anos de 1970, passou a haver a preocupação de órgãos do governo das áreas de cultura e turismo em cadastrar os principais grupos, distribuir ajudas e incentivar o agrupamento em associações de defesa do folclore. Os grupos cadastrados recebiam ajudas no carnaval ou nas festas juninas para aquisição de roupas e instrumentos. Os considerados melhor organizados eram convocados para apresentações em hotéis e agências de turismo mediante o pagamento de cachê. Alguns políticos, em épocas de eleições, procuravam grupos de tambor de crioula, e outros com promessas de ajuda que nem sempre eram cumpridas.

Em inícios da década de 1970, em muitos grupos, os brincantes, em vez de usarem roupa comum, passaram a dançar com “farda” ou roupa igual, com saia colorida para as mulheres e blusa no mesmo tecido para homens. Assim, as vestimentas estavam sendo alteradas para apresentações, passando as mulheres a incluir colares, flores artificiais, perfumes e enfeites. Os tambores, anteriormente escavados em madeira de mangue muito pesados, passaram a ser confeccionados com canos de plástico, mais leves e fáceis de serem carregados. Algumas destas alterações eram vistas com naturalidade, constatando-se que o folclore não pode ficar parado, pois sofre influências diversas, principalmente dos meios de comunicação. Ao mesmo tempo se dizia que a presença dos turistas incentiva a mudança de hábitos, o que poderia prejudicar a espontaneidade das manifestações.

Naquela época, como em parte continua ocorrendo até hoje, os homens que cantavam e tocavam tambor de crioula trabalhavam em profissões pouco valorizadas, ganhando apenas salário mínimo, e as mulheres eram empregadas domésticas ou vendedoras ambulantes. Assim, o dinheiro recebido com apresentações pagas serve como complemento à renda familiar, e as apresentações representam prestígio maior do que a ocupação principal das pessoas.

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acumulavam a direção de grupos de tambor de crioula, de bumba-meu-boi e de escolas de samba.

Como parte da pesquisa de 1978, foi realizada por Murilo Santos uma película de 16 mm com 12 minutos, reeditada em DVD pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2008, acrescida de novas gravações e acompanhada de folheto com fotos e textos. Neste vídeo, constata-se que, na década de 1970, a maioria dos grupos não estava formalizada e não usava vestes especiais. Na época, temia-se que, com o afluxo do turismo, o tambor de crioula fosse rapidamente descaracterizado. Hoje se consta que houve mudanças na manifestação, que se adaptou às novas circunstâncias.

Aquela pesquisa (FERRETTI: 2002) contribuiu para a melhor compreensão desta manifestação cultural. Até então se afirmava que as letras dos cânticos constituíam um conjunto de palavras sem nexo, algumas em línguas estranhas. Constatou-se, na pesquisa, que havia sentido e poesia nas palavras, e os cânticos podiam ser classificados em diferentes temas (como autoapresentação, saudações, cumprimentos, autoelogio, reverência a santos e entidades protetoras, descrição de fatos cotidianos, recordação de pessoas e lugares, sátiras, recordações amorosas, desafios, despedida, etc.). Constatou-se que a música do tambor de crioula possui raízes próximas às raízes mais antigas da cultura afro-maranhense e, por isso, pessoas de fora dos grupos que as produzem não aprendem facilmente a tocar, cantar e dançar. As palavras não são de fácil compreensão para pessoas de outros setores sociais, devido ao sotaque com que são pronunciadas, à existência de regionalismos, de termos arcaizantes e pela própria impostação vocal.

Em 1978, quarenta anos após o trabalho da Missão Folclórica, o tambor de crioula continuava desconhecido, comentado apenas por poucos interessados. A pesquisa realizada pela Fundação Cultural teve uma primeira edição impressa publicada pelo Serviço de Obras Gráficas do Estado em 1979, e uma edição resumida publicada em 1981, nos Cadernos de Folclore 31, do Instituto Nacional de Folclore/ Funarte, no Rio de Janeiro, junto com um disco compacto na Coleção de Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro. Em 1995 e em 2002, a Comissão Maranhense de Folclore, com apoio da Secretaria do Estado da Cultura, publicou uma segunda e uma terceira edição revista (FERRETTI, 2002).

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Temos notícias de sua presença em Brasília (Distrito Federal) e em outros estados, como Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, com a ida de brincantes maranhenses e de estudiosos para estes lugares. Os temores da época daquela pesquisa de que a influência do turismo iria contribuir para sua descaracterização, não se concretizaram, embora tenham ocorrido transformações como não podia deixar de ser.

Atualmente, tem surgido interesse por diversos temas relacionados com o tambor de crioula, como a punga de homens10 e possíveis relações com a capoeira; a substituição dos tambores de madeira por outros de materiais sintéticos, pelos aspectos eróticos da manifestação, pelos aspectos religiosos, pela musicalidade, pela sua diversidade nas diferentes regiões do estado, pelas relações com o turismo e com políticas governamentais, pelo surgimento de novos grupos e novas associações a partir da década de 2000 e por outros temas. Novas pesquisas estão sendo realizadas que, certamente, vão contribuir para o esclarecimento destes e de outros temas.

Com a pesquisa de 1977/78, o tambor de crioula tornou-se mais conhecido e divulgado, chamando a atenção de diversos estudiosos que redigiram monografias de conclusão de cursos de graduação e de pós-graduação11. Foram também publicados artigos no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore que podem ser consultados no site www.cmfolclore.ufma.br12. Ampliou-se igualmente o interesse turístico e governamental sobre o assunto, mas decorridos mais de trinta anos, constatamos que ainda há poucos estudos sobre o assunto. Em 2006, o IPHAN publicou trabalho sobre tambor de crioula, coordenado por Rodrigo Ramassote, realizado no âmbito do processo de reconhecimento. Depois disso, começaram a surgir outros trabalhos e gravações em DVD.

Naquela pesquisa, temia-se que a influência do mercado turístico e a transformação do tambor de criou0la de ritual, produzido no contexto de uma classe, em

10 A punga de homens, também conhecida como pernada ou rasteira, é um passo de dança encontrado em

algumas regiões do interior, como na cidade de Rosário e regiões vizinhas. Costuma ser realizada num círculo, ao lado do local onde dançam as mulheres. É feita com violência e visa derrubar o parceiro ao solo, lembrando passos da capoeira e desperta grande interesse na assistência.

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Entre 1991 e 2013, orientamos ou participamos da defesa de seis monografias de conclusão de cursos de graduação, de duas dissertações de mestrado sobre tambor de crioula e temos notícias de outras. Também foram publicados vários DVDs sobre esta manifestação, mostrando sua vitalidade.

12 A Comissão Maranhense de Folclore, organizada em 1948 e reestruturada em 1992, é uma entidade

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espetáculo de consumo turístico, passando a ser realizado artificialmente, contribuísse para o deslocamento de seu significado original. Estudos posteriores no contexto do registro do tambor constataram que, embora haja reclamações sobre o apoio precário das gestões públicas e a pequena visibilidade conquistada, os entrevistados consideram oportuna a relação entre grupos, poderes públicos e mercado turístico, ao rechaçar preconceitos e propiciar rendas adicionais (RAMASSOTE, 2007, p. 110).

No prefácio à segunda edição do livro contendo o relatório da pesquisa de 1977/78 sobre o tambor de crioula, repetido na terceira edição, é dito que:

O tambor de crioula felizmente continua muito vivo e atuante em São Luís e em todo o Estado. Temores previstos na época da pesquisa de que o incentivo ao turismo poderia contribuir para a breve descaracterização desta manifestação cultural não se concretizaram. Ao lado de apresentações turísticas [...] continuam a ser realizados pagamentos de promessa do catolicismo popular e do tambor de mina, com a realização de festas de tambor de crioula. [...] Hoje a intelectualidade jovem do Maranhão está descobrindo e valorizando o tambor de crioula como forma de divertimento, como objeto de estudo e como importante manifestação da cultura popular maranhense (FERRETTI, 2002, p. 12).

Em trabalho publicado após o término da pesquisa, Ferretti (1979), analisa o tambor de crioula como manifestação de setores do grupo negro no Maranhão. Observando a festa de tambor na casa de um tocador em comemoração ao batizado de um filho, procurou identificar elementos de integração à sociedade envolvente e de conservação da identidade étnica, constatando que a festa é uma oportunidade para encontrar vizinhos, rever amigos ou parentes, que, morando distante, vêm renovar laços de solidariedade. Convergem conterrâneos procedentes do mesmo interior, parentes, companheiros de trabalho ou amigos, o que favorece a intensificação de relações de ajuda mútua em casos de necessidade. A participação do todos nas práticas do catolicismo popular é outra forma de integração social.

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produtores à sociedade envolvente, uma forma de sobrevivência do grupo. A aceitação do interesse dos turistas pela manifestação e o recebimento de pagamento como complementação de renda, constitui outra forma de integração ao meio social. Na oportunidade, foi constatado que o tambor de crioula produzido por setores do grupo étnico dos negros da classe dominada, como forma de divertimento ou de pagamento de promessa, constitui um meio de conservar ou reencontrar sua própria identidade cultural, de manter tradições antigas e de se integrar à sociedade.

Registro como patrimônio cultural brasileiro

Maria Cecília Londres Fonseca (2005, p. 83-84), comentando a proteção de bens culturais no Brasil, lembra a legitimidade intelectual e moral dos modernistas que defendiam os interesses da nação no antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Na década de 1930, Mário de Andrade propôs uma série de inovações culturais, assumindo o patrimônio cultural também como algo imaterial. Fonseca comenta que, a partir da década de 1970, os critérios adotados pelo IPHAN começaram a ser reavaliados, introduzindo-se novas questões e a noção de “referência cultural” nas políticas de patrimônio13

, constatando-se, a partir daí, que os bens não possuem um valor intrínseco, relativizando-se os critérios do saber e destacando o papel do poder. A autora considera que, nos anos 1970, ocorreu uma reorientação da política de preservação de bens culturais no Brasil. Outras áreas como o design, a informática e a indústria passaram a reorientar a preservação em consonância com mudanças na história e na antropologia.

Segundo Maria Cecília L. Fonseca (2005, p 87), “preservar traços de cultura é também, hoje sabemos, uma demonstração de poder”. Ela afirma que o Estado tradicionalmente delega aos intelectuais a função de identificar referências e proteger bens culturais. Muito recentemente, “a preservação passou a ser entendida como um direito do cidadão que pressiona o poder público no sentido de assegurar para si o gozo destes direitos” (Id., p. 88). A autora considera (Id., p 91) que, neste trabalho, deve-se

13 Segundo Antônio Arantes (2000, p. 23): “o uso da noção de referência proposto pelos consultores do

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evitar partir de pressupostos idealizados de folcloristas, que valorizam uma interpretação mítica do tempo, opõem tradição à mudança e tentam resgatar a autenticidade. Considera também que se deve evitar pressupostos dos planejadores econômicos que, em função do turismo, idealizam a defesa de modos de vida “autênticos”.

Maria Cecília Londres Fonseca (2005) considera que referências culturais relacionam-se com a identidade de uma região para seus habitantes. Não se relacionam com objetos em si, pois os bens não têm um valor intrínseco, mas relacionam-se com os valores atribuídos a eles pelos que os praticam. Ela diz que a noção de referência cultural, além de informação e pesquisa, exige a compreensão de bens e práticas dos grupos. A noção de identidade tem a ver com os conceitos de cultura, de etnia, de contatos, conflitos e disputas de poder. O conceito de territorialidade relaciona-se com o poder de um grupo e suas relações sociais em determinado espaço cultural. Quanto ao registro do tambor de crioula como patrimônio imaterial, estes conceitos estão relacionados com os elementos culturais e os valores envolvidos nesta manifestação típica do Maranhão.

Roque Laraia (2004) afirma que o Decreto-Lei 3.551 de 2000, apesar de nobres objetivos, foi uma manifestação tardia por parte do Estado em reconhecer nosso patrimônio cultural imaterial. Lembra que Mário de Andrade, em vários trabalhos, demonstrava preocupação com a cultura imaterial do povo. Ele mostra também que, com as pesquisas de campo, os antropólogos há muito tempo faziam o registro de diferentes manifestações da cultura de nosso povo e, antes deles, alguns ilustres folcloristas faziam esta espécie de registro, destacando Câmara Cascudo. Laraia considera que o registro não deve ser uma forma de congelamento do patrimônio cultural, pois as manifestações populares são comprovantes vivos da cultura. O autor comenta também o conceito de referência cultural proposto por Aloísio Magalhaes, ao criar em 1975 o Centro Nacional de Referências Culturais14, lembrando que identidade e territorialidade são requisitos fundamentais para sua definição.

14 O designer Aloísio Magalhães (1927-1982), um dos principais renovadores das políticas culturais no

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Marcia Sant´Ana (2003, p. 17), comentando o Relatório Final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, que reuniu em 1998 técnicos do IPHAN, da FUNARTE (Fundação Nacional de Arte) e do MINC (Ministério da Cultura), em relação à expressão patrimônio imaterial – também chamado de intangível, ou oral – , destaca a importância dos processos de criação e manutenção dos conhecimentos sobre o produto cultural (a festa, a dança, o artesanato), cuja expressão é material. A autora afirma que a principal crítica a estas expressões é que desconsideram o resultado da manifestação, não dando conta da complexidade do objeto. Apesar disso, o conceito de patrimônio imaterial delimita bens culturais que não eram até então reconhecidos oficialmente como patrimônio nacional.

Sant`Ana considera que os principais problemas na manutenção da cultura tradicional são o turismo predatório, a apreciação inadequada pela mídia, a apropriação industrial e a comercialização desses conhecimentos, e ainda a produção em série. Afirma que, neste campo, a noção de autenticidade deve ser substituída pela ideia de continuidade histórica. Diz que o registro como patrimônio imaterial não é um instrumento de tutela, mas de reconhecimento e valorização do patrimônio imaterial. É preciso assim que o plano de salvaguarda, instituído após o registro de um bem como patrimônio da cultura imaterial, seja de fato um instrumento de valorização, o que nem sempre é fácil de executar com as políticas governamentais.

Sabemos que as manifestações populares são importantes tanto quanto processos de criação – os cânticos, os ritmos – como enquanto produtos culturais – os instrumentos, a dança. Estes elementos não estão separados, constituindo um todo complexo. O reconhecimento oficial é importante, mas a cultura tradicional corre muitos riscos, ao ser apoiada pelo poder público, de se tornar atração turística e ser assumida pela indústria cultural. Como outras manifestações da cultura popular, o tambor de crioula não se encontra em risco de eminente desaparecimento. No entanto, sua autenticidade atual tem sido questionada por alguns face às transformações que está sofrendo, com as mudanças no vestuário e nos instrumentos, ou a inclusão de dançantes mais jovens.

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Concordamos com Márcia Sant’Ana que o registro deve ser um instrumento de valorização e não de tutela, pois a tutela consiste em poder para administrar e proteger direitos de alguém, geralmente um menor, implicando em assistência e amparo. A proteção e a conservação se aplicam ao tombamento de bens da cultura material, denominados de pedra e cal. A valorização tem a ver com o reconhecimento da importância e do interesse de um bem. Assim, o registro do tambor de crioula deve visar sua valorização, seu reconhecimento e não simplesmente a proteção, a ser assumida pelos praticantes desta expressão popular. Em relação aos bens de natureza imaterial, o IPHAN adota a política de salvaguarda.

Discorrendo sobre patrimônio imaterial, Manuela Carneiro da Cunha (2005) afirma que ele se compõe de processos mais do que de produtos, não se compõe de formas fixas, mas de recriação permanente. Considera que não se pode desvincular a cultura material da cultura imaterial e que conservar a cultura imaterial é, sobretudo, conservar os processos de produção, sendo difícil patrimonializar as formas de produção das coisas sem efeitos secundários. Como diz Carneiro da Cunha (2005, p. 25), as mudanças na cultura introduzidas pela patrimonialização interferem diretamente nas redes sociais ou nas relações entre os grupos. No caso do registro do tambor de crioula, os diferentes grupos têm que se associar e debater divergências, procurando definir interesses comuns. Têm também que entender políticas públicas de patrimonialização. Em relação ao tambor de crioula, esse processo não tem sido fácil e está sendo desenvolvido há mais de seis anos.

Concordamos com Carneiro da Cunha, constatando que o tambor de crioula, como patrimônio imaterial, não é um mero produto cultural, mas inclui processos culturais que precisam ser levados em consideração, pois, tanto a cultura material quanto a imaterial estão intimamente relacionadas. O registro como patrimônio imaterial é importante pelo reconhecimento oficial da manifestação, mas o processo de produção da cultura popular é difícil de ser patrimonializado como se constata na implantação deste projeto. Não é necessário que as manifestações permaneçam inalteradas, o que seria impossível, pois a cultura é sempre dinâmica, mas é importante que não perca as características essenciais que assinalam sua identidade e continuidade histórica.

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folclore e de cultura popular, em virtude da maior operacionalização da ideia de patrimônio como conjunto de bens a serem preservados e protegidos. O estudo de variados elementos do patrimônio cultural imaterial tem envolvido técnicos e pesquisadores no Ministério da Cultura e de outros órgãos, visando o melhor conhecimento e proteção de elementos da cultura nacional que, por muito tempo, foram marginalizados.

O TAMBOR DE CRIOULA COMO PATRIMÔNIO DA CULTURA IMATERIAL E SEU PLANO DE SALVAGUARDA

Desde 1988, a nova Constituição brasileira considera o patrimônio cultural como constituído de bens materiais e imateriais. Os art. 215 e 216 estabelecem que o Estado deve proteger as manifestações culturais das populações indígenas, afro-brasileiras e de outros grupos. Com a criação em 2000 do Departamento Nacional do Patrimônio Imaterial pelo IPHAN, pelo Decreto 3.551, que instituiu o registro dos bens culturais de natureza imaterial, bens anteriormente considerados como folclóricos ou da cultura popular passaram a ser protegidos oficialmente pelo governo federal. Antes disso, a proteção cultural se destinava quase que exclusivamente aos bens de pedra e cal. Os bens de natureza imaterial devem ser incluídos nos Livros de Registro de Saberes; Formas de expressão; Celebrações e Lugares.

Com estas iniciativas, o Brasil continuou colaborando com a UNESCO, que, desde sua organização insiste na missão de salvaguarda das tradições culturais, da cultura popular e, mais recentemente, de denominado patrimônio imaterial. Assim, o país acompanhou as deliberações daquele fórum e, atualmente, os debates em torno da cultura popular se concentram na discussão sobre o patrimônio cultural imaterial e têm dominado grande parte das análises atuais sobre o conceito de patrimônio e de cultura popular entre nós. A partir daí, vários pedidos de registros foram encaminhados ao IPHAN, que tem produzido diversas publicações sobre o registro de bens da cultura imaterial.

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interessados em analisar os impactos da política de proteção sobre este bem do patrimônio da cultura imaterial afro-brasileira.

Ramassote (2007, p. 99) afirma que, desde 2000, o IPHAN “vem realizando políticas públicas voltadas para o reconhecimento, valorização e apoio sustentável aos bens culturais de natureza imaterial”. Informa que o registro do tambor de crioula incluiu várias etapas de pesquisa entre 2004 e 2007, continuadas com a publicação de livro, documentário audiovisual e reuniões com os principais representantes dos grupos. Como consequência destas atividades, esta manifestação, que antes sofria perseguições, preconceitos e hostilidades, passou a ser encarada como bem cultural a ser preservado e que é apreciado pelos visitantes de fora. Ramassote indica como principais alterações sofridas pela brincadeira: a) redução da idade média dos brincantes; b) uniformização das vestimentas; c) os passos da dança tornaram-se mais sensuais; d) os toques tornaram-se mais acelerados; e) substituição paulatina dos tambores de madeira por materiais sintéticos. Ramassote (2007, p. 111) considera que o tambor de crioula não está vulnerável ao desaparecimento ou descaracterização e constata a existência de mais de oitenta grupos em atividade, que reúnem quase três mil brincantes.

Após o registro, teve início o plano de salvaguarda como forma de apoio ao bem tombado. Como indica Cavalcanti (2008, p. 24), este plano visa: 1) o apoio à transmissão de conhecimento às gerações mais novas; 2) a promoção e divulgação do bem cultural; 3) a valorização de mestres e executantes; 4) a melhoria das condições de acesso a matérias-primas e mercados consumidores; 5) a organização de atividades comunitárias. Inclui também trabalho de divulgação e formação de público para o bem registrado.

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A implantação do plano de salvaguarda do tambor de crioula se iniciou pouco após o registro realizado em junho de 2007. Este processo já dura mais de seis anos e ainda não foi concluído pela falta de hábito dos produtores culturais em lidar com os processos burocráticos exigidos pelo Ministério da Cultura. O IPHAN, encarregado deste procedimento, possui longa tradição no registro de bens do patrimônio material, mas seu pessoal técnico na área de patrimônio imaterial é reduzido e as exigências burocráticas são rígidas.

De acordo com o modelo ocidental de institucionalização do patrimônio, mais adaptado aos bens de pedra e cal, os procedimentos de registro de bens da cultura imaterial e os critérios do IPHAN para o plano de salvaguarda, são meticulosos, exigem estudos aprofundados de acordo com normas burocráticas a serem acatadas, tendo em vista a disponibilização de recursos públicos. As atividades do Comitê de Salvaguarda do Tambor de Crioula foram iniciadas em 2008, com a participação de representantes do IPHAN, da Secretaria de Estado da Cultura, da Fundação Municipal de Cultura, da Comissão Maranhense de Folclore e de lideranças dos Grupos de Tambor de Crioula.

Por falta de conhecimento dos membros dos grupos de tambor de crioula, que não estão habituados a lidar com os procedimentos burocráticos exigidos, houve muita dificuldade de aceitação destes procedimentos. Os líderes insistiam que os recursos previstos fossem distribuídos entre os grupos. Havia interesses divergentes e falta de entendimento sobre a política de salvaguarda. Depois de mais de três anos de trabalho do Comitê de Salvaguarda, conseguiu-se chegar a um acordo. Em 2010, foi realizada em São Luís a Primeira Reunião de Avaliação do Plano de Ação de Salvaguarda dos Bens Registrados como Patrimônio Imaterial no Brasil. Participaram representantes de diversas manifestações registradas em diferentes regiões. Depois deste encontro os representantes do tambor de crioula passaram a entender melhor o andamento deste processo. Soubemos que atualmente o Comitê está funcionando com reuniões regulares, os grupos de tambor de crioula reorganizaram sua representação com líderes de diferentes grupos de diversas regiões da cidade, organizaram o Comitê Gestor e elaboraram um Plano de Salvaguarda.

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espaços, para apresentações, oficinas e exposições, previsão de sala de multimídia, biblioteca, estúdio de gravação de CD/DVD para uso pelos grupos e locação para geração de renda. Está sendo restaurado, previsto para ser concluído em 2014. Espera-se que com a conclusão das obras seja implantado no local o Centro de Referência do Tambor de Crioula.

Após muito tempo de trabalho, finalmente parece que estão sendo superados os limites e tensões relacionados ao processo de patrimonialização. Alguns observadores lamentam o esvaziamento de tradições anteriores do tambor de crioula, considerando que sua adequação ao mercado turístico possa levar a uma perda de espontaneidade, com a transformação de um ritual que era anteriormente marginalizado em espetáculo valorizado em função de outros interesses e com a realização de apresentações mais apropriadas aos tempos atuais. Por outro lado, de acordo com pesquisas do IPHAN relatadas por Ramassote (2006), os membros dos grupos declararam que se sentem satisfeitos com a possibilidade de suplementação de renda com o cachê recebido e com a valorização do tambor de crioula pelas autoridades e pelos turistas.

CONCLUSÕES

Comentando a influência da Igreja Católica em relação à atuação do IPHAN, Dorotéa de Lima e Heraldo Maués (2005, p. 38) afirmam que “a seleção de bens tombados por esse órgão público inclui-se no espírito de construção da identidade nacional”. Consideram que hoje o IPHAN tem reconhecido a importância de diversas instituições e segmentos sociais como formadores da identidade nacional.

Tendo mais de setenta e cinco por cento da população negra e mestiça, o Maranhão compartilha características e problemas do contexto do Atlântico Negro (GILROY: 2013), relacionados com a colonização, a escravidão, a pós-colonização, o poder e a dominação racial e étnica, bem como com a hibridação provocada pela presença de matrizes culturais indígenas ao lado das africanas e europeias.

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em diferentes níveis de ensino15. A implantação da política de proteção do patrimônio da cultura imaterial vem justamente apoiar esta política racial em nossa sociedade.

Com a aplicação do decreto 3551 de 2000, que criou o registro de bens culturais de natureza imaterial, diversos pedidos têm sido encaminhados ao IPHAN procedentes de diferentes regiões do país, solicitando o registro de bens diversificados. O órgão tem o interesse de atender pedidos das diversas regiões do país, e o Maranhão não podia ficar fora desta política. O registro do tambor de crioula foi relativamente fácil de ser apreciado. Trata-se de um patrimônio da cultura negra, que faz parte das tradições maranhenses, possui longa tradição, já vinha sendo pesquisado anteriormente por intelectuais da região e se encontra amplamente difundido no Estado.

Constatamos que o tambor de crioula é uma manifestação da cultura popular produzida tradicionalmente no Maranhão por afrodescendentes e, até pouco tempo, constituía uma atividade marginalizada na sociedade. Representa um fator de resistência cultural e manutenção da identidade étnica de seus produtores. Foram os negros das camadas populares que criaram e, até hoje, conservam esta atividade cultural. Convém destacar, no seu processo de patrimonialização, a participação de intelectuais e pesquisadores, que, desde Mário de Andrade, nas décadas de 1920/30, até Domingos Vieira Filho, na Comissão Maranhense de Folclore, nos anos de 1950/70, e outros estudiosos de antropologia na universidade, bem como de técnicos do IPHAN e do MINC, têm batalhado pela valorização e pelo reconhecimento deste bem. Assim, demonstramos aqui como a valorização de elementos da cultura de um povo é resultado do esforço de muitos.

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Referências

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