• Nenhum resultado encontrado

O sagrado e o profano nos do português do Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "O sagrado e o profano nos do português do Brasil"

Copied!
94
0
0

Texto

(1)

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

MARIA VIVIANE MATOS DE LIMA

O SAGRADO E O PROFANO NOS FRASEOLOGISMOS DO PORTUGUÊS DO BRASIL

(2)

O SAGRADO E O PROFANO NOS FRASEOLOGISMOS DO PORTUGUÊS DO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Linguística. Área de

concentração: Linguística.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemeire Selma Monteiro-Plantin.

(3)

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

L699s Lima, Maria Viviane Matos de.

O sagrado e o profano nos fraseologismos do português do Brasil / Maria Viviane Matos de Lima. – 2017.

92 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2017.

Orientação: Profa. Dra. Rosemeire Selma Monteiro-Plantin.

1. Fraseologia. 2. Sagrado. 3. Profano. I. Título.

(4)

O SAGRADO E O PROFANO NOS FRASEOLOGISMOS DO PORTUGUÊS DO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Linguística, da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Linguística. Área de

concentração: Linguística.

Aprovada em: _28_/ 08_/ 2017_

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profª Dra. Rosemeire Selma Monteiro Plantin

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________ Profª Dra. Maria Erotildes Moreira e Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Maria João Broa Martins Marçalo

(5)

Àminha admirável e amada mãe, a mais sublime e fantástica expressão do Sagrado em minha vida, principalmente pelo apoio a todos os projetos profissionais e pessoais que tenho trilhado. Agradeço por não poupar esforços para ajudar-me no que foi necessário durante essa jornada de estudos e trabalho, mesmo diante das limitações. Agradeço pela compreensão em todas as minhas idas e vindas que a vida acadêmica e profissional exigiu, principalmente por não permitir que a distância esfriasse nosso amor e cuidado mútuo durante os percursos mais árduos.

Às pessoas que direta ou indiretamente fizeram esse caminho mais leve e equilibrado, das quais cito os nomes de Mayara Gama e Fábio Júnior Braga, que estiveram à disposição para ouvir as angústias e benesses que um trabalho acadêmico pode proporcionar. Muito além de ouvir, auxiliaram-me a manter o foco e buscar o melhoramento através da persistência.

À minha querida e inspiradora Profª Drª Rosemeire Selma Monteiro-Plantin, especialmente por ter aguçado minha autonomia enquanto pesquisadora, por ter ampliado meus horizontes acerca dos estudos sobre a linguagem humana e por ter tratado de motivar-me durante todo o percurso acadêmico.

Aos que fazem o Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará, professores, alunos e todos os membros que de alguma forma auxiliaram na construção desse trabalho.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsa durante um período dessa atividade acadêmica.

Ao Instituto Federal do Maranhão (IFMA) pela compreensão diante das demandas acadêmicas, principalmente por entenderem que essa formação é essencial para meu constante aperfeiçoamento enquanto educadora.

(6)
(7)

Este trabalho propõe o levantamento de fraseologismos do português falado no Brasil que apresentem relação com o campo semântico do sagrado e do profano, com vista a categorizar semanticamente e classificar fraseologicamente as unidades levantadas, segundo a literatura pertinente aos estudos fraseológicos. Pretende ser útil para os diferentes perfis de pesquisadores e estudantes que tenham interesse pelo tema, como tradutólogos/tradutores, lexicógrafos, professores ou estudantes de português como língua materna ou estrangeira. Quanto ao Referencial Teórico adotado, esteve pautado principalmente nos estudos referentes ao léxico e, em especial, nos estudos que concernem à Fraseologia. Para tanto, nos valemos das contribuições de pesquisadores da área, como: Biderman (1996), Barbosa (2009) e Guillén Díaz (2003), que contribuíram com as questões que envolvem léxico e cultura, com especial atenção para o conceito de lexicocultura; Galisson (1987), com as contribuições sobre Carga Cultural Compartilhada. Em relação aos estudos fraseológicos, nos valemos dos seguintes pesquisadores: Monteiro-Plantin (2014), Alvarez (2009, 2011, 2012), Fiala (1988), Tagnin (2005, 2011), Corpas Pastor (1997), Crida Alvarez (2012), Pamies-Bertran (2012). Também foi de indispensável relevância as referências sobre as questões do sagrado e do profano, que foram embasadas principalmente nas obras de Eliade (1992) e Durkheim (1996). Além disso, levantamos algumas considerações sobre o ensino de português como língua estrangeira (PLE) e sobre a formação e miscigenação do povo brasileiro, em que nos pautamos nas contribuições dos pesquisadores Almeida Filho (2005, 2011) e Ribeiro (1995), respectivamente. O repertório levantado durante o processo de formação dos dados foi submetido à validação a partir da utilização da base de dados fornecida pelo projeto Corpus Brasileiro, que trabalha com um corpus de quase um bilhão de palavras do português do Brasil. O projeto está sediado no

Centro de Pesquisas, Recursos eInformação de Linguagem (CEPRIL), Programa de Pós-Graduação em LinguísticaAplicada (LAEL) da PUCSP , com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estadode São Paulo (FAPESP).

(8)

Este trabajo propone el levantantamiento, en portugués hablado en Brasil, de fraseologismos que apresenten relación con el campo semántico del sagrado y profano. Intenciona ser útil para los distintos perfiles de investigadores y estudiantes que tengan interés por el tema, como tradutólogos, lexicógrafos, profesores o estudiantes de portugués como lengua primera o extranjera. En relación al Referencial Teórico adoptado, utilizamos principalmente las investigaciones referentes al léxico e, sobretodo, los estudios que establecen relaciones con la Fraseologia. Por conseguiente, algunos investigadores del área nos brindaron con sus contribuciones teóricas, como: Biderman (1996), Barbosa (2009) e Guillén Díaz (2003), que contribuyeron con las custiones que involucran léxico y cultura; Galisson (1987), con contribuciones sobre Carga Cultural Compartilhada. En relación a los estudios fraseológicos, tuvimos por base los expertos del area: Monteiro-Plantin (2014), Alvarez (2009, 2011, 2012), Fiala (1988), Tagnin (2005, 2011), Corpas Pastor (1997), Crida Alvarez (2012), Pamies-Bertran (2012). También fue de indispensable importância las referencias sobre cuestiones del sagrado y profano, que foram basadas principalmente en las obras de Eliade (1992) y Durkheim (1996). Además, ponemos em relieve algunas consideraciones acerca de la enseñanza del portugués como lengua extranjera (PLE) e sobre la formación de la sociedade brasileña. Por lo tanto, nos basamos en la contribuciones de los investigadores Almeida Filho (2005, 2011) y Ribeiro (1995), respectivamente. El repertorio levantado a lo largo del proceso de formación de datos fue validado a partir de la utilización de la base de datos que forma parte del proyecto Corpus Brasileiro, que maneja un corpus de casi un billón de palabras del portugués brasileño. El proyecto forma parte del Centro de Pesquisas, Recursos e Informação de Linguagem (CEPRIL), Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (LAEL) da PUCSP , com apoyo de la FAPESP .

Además de la validación, las expresiones fueron clasificadas de acuerdo con la literatura pertinente a los estudios fraseológicos.

(9)

Figura 1 – Figura 2 – Figura 3 – Figura 4 –

Quadro 1 –

Quadro 2 –

Gráfico 1 –

Quadro 3 –

Quadro 4 –

Gráfico 2 –

Quadro 5 –

Gráfico 3 –

Quadro 6 –

Escultura de Cristo carregando a cruz...36

Estrutura Cristo no Horto...36

Monumento Cristo Redentor-RJ...41

Monumento Padre Cícero-CE...42

Recorte demonstrativo das abonações das unidades 49 fraseológicas ... Amostra das UF repertoriadas...51

Amostra quantitativa da categorização semântica...52

Categorização semântica do campo do sagrado...53

Amostra da categorização semântica do campo do profano...54

Amostra quantitativa da microcategorização semântica...56

Microcategorias semânticas do sagrado e do profano...56

Amostra quantitativa da classificação fraseológica...60

(10)

CCC CB EI L1 L2 LC LE UF PLE PB

Carga Cultural Compartilhada

Corpus Brasileiro Expressão idiomática Língua materna Segunda língua Linguística de Corpus

Língua estrangeira Unidades Fraseológicas

(11)

1 INTRODUÇÃO...10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...16

2.1 O estudo do léxico...16

2.1.1 Língua, cultura e léxico...16

2.2 Fraseologia...21

2.2.1 Fraseologia em perspectiva...21

2.2.2 Relevância dos estudos fraseológicos e o ensino da língua portuguesa...24

2.3 O sagrado e o profano...27

2.3.1 O sagrado e o profano na cultura brasileira...32

3 METODOLOGIA DA PESQUISA...43

3.1 Levantamento dos fraseologismos...43

3.2 Macrocategorização semântica...44

3.3 Microcategorização semântica...45

3.4 Classificação fraseológica...46

3.5 Validação dos fraseologismos...46

4 RESULTADOS DA PESQUISA...50

CONSIDERAÇÕES FINAIS...62

REFERÊNCIAS...66

APÊNDICE A – LISTA DOS FRASEOLOGISMOS EXTRAÍDA DA BASE DE DADOS...73

APÊNDICE B – EXCERTO DA BASE DE DADOS – MACROESTRUTURA E MICROESTRUTURA SEMÂNTICAS...75

APÊNDICE C – EXCERTO DA BASE DE DADOS – CLASSIFICAÇÃO FRASEOLÓGICA...79

(12)

1 INTRODUÇÃO

Ao considerarmos que a língua vai muito além do que um amontoado de palavras que se somam e, para sermos mais exatos, se tomarmos como parâmetro as Unidades Fraseológicas (doravante UF), principal interesse de nosso trabalho, é possível compreender com maior efetividade os processos simbólicos que envolvem uma dada comunidade linguística bem como suas especificidades e universalidades. Consideramos que as UF são próprias de cada comunidade linguística, mas isso não nega o fato de que elas carregam em si universalidades que dizem respeito não apenas a uma comunidade, mas ao homem em si e suas idiossincrasias (PENADÉS MARTINEZ, 2012, p. 97). Nesse sentido, os fraseologismos desempenham um papel muito importante no que concerne ao entendimento da configuração de uma sociedade, das peculiaridades desta, das questões que a ligam ao que é universal e da sua culturalidade.

O aspecto de culturalidade que nos interessa diz respeito ao campo do sagrado e do profano. Das sociedades primitivas às mais modernas, a questão do sagrado e do profano é latente e pode ser observada nos mais diferentes panoramas. Certamente cada comunidade lida com essa questão de forma particular, mas o fato é que o assunto emerge de alguma maneira em suas culturas. A perspectiva que nos interessa aqui é a que diz respeito à língua, em particular ao recorte fraseológico do Português Brasileiro (PB).

Muitas unidades compõem o quadro de fraseologismos ligados ao sagrado e ao profano da língua portuguesa falada no Brasil. Seu estudo e sistematização são relevantes para ampliar os trabalhos desenvolvidos dentro da Fraseologia, enquanto disciplina que se dedica ao estudo das línguas naturais. Sobretudo, também seriam interessantes para o âmbito do ensino de português como língua materna (L1) e como língua estrangeira (LE) ou segunda língua (L2), principalmente, bem como para o contexto interdisciplinar que envolve estudos culturais, folclóricos, históricos, tradutológicos, entre outras disciplinas (CRIDA ÁLVAREZ, 2012, p. 194).

(13)

aprende (ALMEIDA FILHO, 2011, p. 2010). Afinal, ainda que não esteja em contexto imediato de imersão, um estrangeiro poderá ter acesso a diversificados materiais referentes à língua alvo. Fato este viável devido ao grandioso alcance das tecnologias presentes no mundo contemporâneo. Nesse contexto, vale ressaltar que a própria globalização torna o mundo pequeno e estreita as distâncias entre diferentes culturas.

Levando em consideração o ensino e aprendizagem de português como LE ou L2 e o estudo do léxico, em especial dos fraseologismos, tais ponderações nos levam a refletir sobre os seguintes aspectos: Como as questões concernentes ao sagrado e ao profano manifestam-se na língua portuguesa e o que essas questões dizem sobre a composição da língua e suas especificidades? Os pontos suscitados no presente trabalho são importantes nesse panorama de línguas adicionais e alguns deles justificam a relevância do assunto.

No Brasil, no caso específico do ensino de português para estudantes estrangeiros (posteriormente PLE), vale ressaltar o surgimento de mercados comuns que impulsionaram as relações comerciais com o país. Ressalte-se que essa situação é notável no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), em que é visível o interesse e o avanço em relação ao espanhol, uma das línguas oficiais do bloco comercial. Por outro lado, notoriamente o interesse pela língua portuguesa tornou-se uma realidade nesse contexto, instigando pesquisadores da área e ampliando o espectro no campo do mercado de línguas (DINIZ, 2008).

É sabido que as investigações referentes a outros idiomas estão bem avançadas e configuram um quadro bastante variado, sendo possível encontrar inúmeros trabalhos relacionados ao inglês, francês ou espanhol, por exemplo, como línguas adicionais. Isso se dá pelo fato de tais idiomas terem se lançado há mais tempo no mercado de línguas e, não menos importante, por questões relacionadas às políticas linguísticas (DINIZ, 2008, p. 117).

(14)

como alternativa para auxiliar, em suas práticas, aos profissionais que fazem parte desse âmbito educacional.

Uma dessas importantes e pertinentes investigações trata sobre o

alinhamento entre o ensino de português como LE ou L2 e os estudos que concernem à Fraseologia, cujo principal interesse científico pauta-se nas investigações das expressões fixas, as quais denominamos fraseologismos. Tal objeto de estudo fraseológico ocupa um lugar de realce no contexto de ensino de idiomas, tendo em vista que sua composição e compreensão oferecem um percurso um tanto complexo aos aprendentes de língua estrangeira, principalmente se comparado às unidades simples e transparentes do léxico geral. Diferente do léxico geral, os fraseologismos abarcam unidades que ocorrem como fixações construídas em contextos restritos, apresentando uma linguagem estereotipada, com um viés semanticamente mais complexo e, além disso, são marcados pela convencionalidade (TAGNIN, 2005).

No percurso desta investigação, chamaram-nos atenção alguns trabalhos desenvolvidos acerca dos fraseologismos brasileiros, em especial aqueles que faziam um recorte temático mais específico sobre a cultura brasileira. À guisa de exemplo, um deles diz respeito ao campo semântico da alimentação. Os gastronomismos, termo que melhor define esse recorte, fazem parte inegável do léxico da língua portuguesa falada no Brasil. E, embora não nos demos conta, eles dizem muito sobre as idiossincrasias dessa sociedade, de seus costumes e de sua cultura. Na referida pesquisa, cujo tratamento didático das UF mostra o quão relevante é o trabalho com essas unidades no ensino de línguas, foi levantado um número significativo de fraseologismos que fazem menção a algum aspecto da gastronomia brasileira, por exemplo: comedor de farinha, ganhar o pão de cada dia, preço de banana, ser pão duro, ser banana, tirar leite de

pedra, vender seu peixe. O trabalho desenvolvido sob orientação da pesquisadora Monteiro-Plantin (2011) atesta quão relevantes são esses recortes fraseoculturais para uma legítima compreensão da configuração do léxico do PB, pois diz muito a respeito da configuração da própria história do idioma.

(15)

que são intrínsecas a esta sociedade. Devido a sua inegável miscigenação, a sociedade brasileira apresenta uma latente relação intercultural com diferentes civilizações. Nesse contexto, abordar a questão da interculturalidade torna-se imperativo, à medida que entendemos que essa relação entre diferentes culturas é substancialmente importante na compreensão das línguas naturais. Portanto, propomo-nos a fazer relações entre o léxico com o universo que o circunda, seja ele social, cultural ou natural, dessa forma contribuindo para o processo de aprendizagem de estudantes que decidem aprender uma língua que não seja o seu idioma materno. Entendemos que o léxico desempenha um papel relevante nesse contexto, tendo em vista que funciona como um instrumento de construção do mundo, de uma visão ou ideologia sobre o mundo, refletindo em seus sistemas culturais e sociais, corroborado por Andrade (2001).

Ao considerarmos os fraseologismos bem como o léxico geral, entendemos que estamos tratando de um patrimônio sociocultural, patrimônio com o qual se mensura o prestígio político, linguístico e cultural de uma sociedade, o que se dá, sobretudo, através dos materiais que se produzem sobre o léxico (XATARA; PARREIRA, 2011, p.73). Nesse sentido, acreditamos que um levantamento de unidades que contemple as questões do sagrado e do profano poderá compor um recurso disponível para facilitar o trabalho de outros pesquisadores que possam se interessar pela perspectiva sociocultural do tema. Assim, tanto os profissionais da linguagem como aqueles que trabalham com perspectivas diversas podem ser beneficiados. Inclusive, e não menos importante, também podem usufruir do trabalho final estudantes do português brasileiro, seja no estudo da língua materna ou estrangeira.

Inicialmente, alguns questionamentos instigaram o processo de investigação sobre o sagrado e profano atrelado ao estudo dos fraseologismos do PB: dada a relevância e abrangência do tema, haveria um repertório significativo de expressões e unidades fraseológicas concernentes ao sagrado e ao profano que justificasse um trabalho de levantamento, categorização semântica, classificação fraseológica e abonação? Partimos das hipóteses de que o tema a que nos propomos

(16)

exposto, propomos como principal objetivo: fazer um levantamento das unidades fraseológicas do português brasileiro que dizem respeito ao campo semântico do sagrado e do profano.

São objetivos específicos:

classificar as unidades levantadas segundo a literatura concernente à Fraseologia;

categorizar macro e micro-semanticamente os fraseologismos de acordo com o campo semântico do sagrado e do profano;

validar o repertório fraseológico de acordo com um corpus pertinente ao português brasileiro nos moldes da linguística de corpus.

O percurso deste trabalho consiste inicialmente na construção da

Fundamentação Teórica. Começamos por abordar as questões do léxico, destacando principalmente o aspecto cultural, salientando sua estreita relação com as questões de cultura e língua, pois acreditamos que esse viés está amplamente relacionado a todo o tecer do presente trabalho. Em seguida, abordamos a

Fraseologia enquanto ciência da linguagem, destacando sua relevância para o ensino do léxico, principalmente no que diz respeito ao português do Brasil e seus fraseologismos relacionados ao sagrado e ao profano. Finalmente, e não menos relevante, dedicamos um tópico ao sagrado e ao profano, em que nos atemos a esses dois conceitos e tentamos trazer um panorama do que eles significam em diferentes perspectivas, desde a perspectiva mais religiosa, passando pela filosofia, até uma perspectiva que abranja as ciências sociais, bem como o senso comum. Ainda nesse viés, tratou-se de destacar aspectos diversos da expressão humana, como a arte, a literatura e a arquitetura, para lançar uma breve perspectiva de como o sagrado e o profano se manifestam nessas áreas.

A próxima etapa destinou-se a abordar as questões metodológicas, em que elencamos os aspectos pertinentes ao universo da pesquisa, considerando as tomadas de decisões para o processo de formação do repertório e seu levantamento. Fizemos ainda nossas ponderações sobre a classificação das unidades fraseológicas

(17)
(18)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O estudo do léxico

2.1.1 Língua, cultura e léxico

Independente da civilização ou da maneira como ela lida com as questões universais, incluindo as questões que nos interessam neste trabalho, que são intrínsecas ao sagrado e ao profano, é na língua que tais dimensões se manifestam e ganham sentido. Ao verbalizarmos, estamos não apenas proferindo palavras soltas, mas estamos acionando nossas crenças, ideologias e perspectivas culturais sobre o mundo. Assim sendo, entender os processos que envolvem a sacralização ou a profanação manifestadas através do léxico seria, também, compreender a existência do homem e de suas vicissitudes.

Nesse contexto, concordamos com Bakhtin (1992, p. 95) sobre o entendimento acerca do discurso. Para o autor, “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.” Nesse sentido, a língua vai muito além do que a combinação aleatória de unidades lexicais, pois ela faz parte de um construto complexo e ideológico. Portanto, aprender uma língua é aprender também o que ultrapassa o apanhado de seu vocabulário.

(19)

Nos padrões de comportamento linguístico tidos por aceitáveis pela comunidade, determinam um certo vínculo entre o código linguístico em si e uma determinada visão -de-mundo, tendente, portanto, a constituir cada

complexo língua/cultura como um todo infenso à interpretabilidade, à

tradução, à consignação de equivalências e sinonímias translinguísticas. Nestes termos, cada língua é repositório de uma herança, de uma tradição, “do que se diz” e “do que não se diz”. (AUBERT, 2001, p.11).

Nesse âmbito, vale ressaltar o conceito de lexicultura e como ele nos brinda no que concerne ao estudo do léxico, uma vez que “O léxico é o lugar da estocagem da significação e dos conteúdos significantes da linguagem humana.” (BIDERMAN, 1996, p. 27). Como conceito instrumental, a lexicultura concebe a cultura no e pelo léxico, assim intervindo diretamente no processo de aprendizagem de uma língua (BARBOSA, 2009, p. 34), uma intervenção que se realiza na medida em que há o entendimento da cultura via léxico, disponibilizando ao aprendente aspectos culturais das línguas naturais.

O conceito de lexicultura aponta para essa mirada que abrange tanto as questões do léxico quanto as questões culturais. De acordo com Guillén Díaz (2003,

apud BARBOSA, 2009, p. 33), o termo mencionado resulta da união das duas formas: léxico, evocando ao conjunto de palavras que uma língua comporta; e

cultura, remetendo ao conjunto de manifestações por meio das quais se expressa o cotidiano de um povo. Barbosa (2009) salienta que “O conceito de lexicultura privilegia a consubstancialidade do léxico e da cultura e designa o valor que as palavras adquirem pelo uso que se faz delas.”

Esse valor adquirido pelo uso tem sido pouco assegurado pelos dicionários de língua, que abarcam sobretudo a função referencial da linguagem, principalmente quando aportamos que uma gama do léxico que existe na língua é apreendido a partir da vivência linguística, social e cultural compartilhada entre os membros de uma mesma sociedade. Nesse contexto, considerar o aspecto lexicultural tem seu valor tanto no nível teórico quanto no nível metodológico, uma vez que isso permite colocar em destaque um recorte pouco apreensível na aprendizagem da língua materna ou estrangeira. Nesse ponto, fazemos menção aqui das unidades fixas ou fraseologismos, que são unidades cujo significado se dá pelo conjunto de sua combinação e não pelos elementos isolados.

(20)

Compartilhada (doravante CCC), consideramos o valor acrescentado ao sentido referencial da palavra que, na língua, constitui fator de reconhecimento mútuo entre os membros de uma mesma comunidade (GALISSON, 1987 apud BARBOSA, 2009, p. 33). Entendemos que cada sociedade apresenta sua dinâmica linguística e essa dinâmica pode, em alguns casos, ser pouco apreensível para um aprendiz de língua estrangeira, por exemplo. Portanto, a apreensão da CCC mostra-se como um instrumento que auxilia o aprendente a adentrar na cultura do outro, a fim de entender e fazer-se entender. Por isso, aprender uma língua sobressai ao aprendizado do léxico de um idioma, mas abrange outros aspectos que ultrapassam a concepção tradicional e limitadora do signo linguístico.

Em consonância com Barbosa (2009) e de acordo com nossa compreensão, entender a cultura a partir do léxico seria, assim, partir da língua para compreender e explicar a sociedade à qual pertencemos ou à qual pretendemos aceder. Para Biderman (1996, p. 27), “A referência à realidade extralinguística nos discursos humanos faz-se através dos signos linguísticos, ou unidades lexicais, que designam os elementos desse universo segundo o recorte feito pela língua e pela cultura correlatas.” Assim, compreendemos que o acesso a um conjunto lexical permite integrar o aprendizado da língua à compreensão dos valores, crenças, usos e costumes de diferentes culturas.

Segundo Alvarez (2010, p. 191), o léxico é o mediador do reflexo da cultura na língua, pois engloba um conjunto de saberes sociolinguísticos e culturais comuns aos integrantes de uma dada comunidade, revelando as perspectivas com as quais os integrantes interpretam e representam a realidade. O que influi, por conseguinte, na interação comunicativa entre os interlocutores. Ainda nesse sentido, ao tratar especificamente das expressões idiomáticas e do ensino de línguas, Baptista (2014, p. 63) acrescenta:

Essas formas estão presentes nos mais diversos discursos e nas mais diferentes culturas. Estando presentes na realidade linguística são produtivas e rentáveis e, por isso, se torna necessário redimensionar o tratamento didático das expressões idiomáticas, a fim de explorar as diferentes relações de sentido que estabelecem.

(21)

viés estritamente gramatical e abre possibilidades para uma perspectiva culturalizante.

Para Penádes Martínez (1999, p. 37), mesmo no processo de aprendizagem da L2, a própria língua materna apresenta um papel relevante ao se tratar de UF, considerando que o conjunto de fraseologismos da língua materna influencia tanto positivamente como negativamente a aquisição da língua adicional. Isso significa dizer, portanto, que o aprendiz de L2 não é uma “tábula rasa”, sem referências idiomáticas. Para melhor dizer, segundo Penádes Martinez (1999), o aprendiz não é um “território fraseologicamente virgem”, fato que deve ser considerado nos estudos da área. Ainda sobre o assunto, Crida Alvarez (2012) ressalta:

Os valores éticos morais e outros, assim como as crenças, sejam religiosas, ideológicas, filosóficas, tradicionais ou outras, ou os conhecimentos empíricos, como os meteorológicos ou os laborais, transmitidos pelas parêmias da L2, colocados em comparação com os próprios, podem facilitar a aproximação à outra cultura e/ou despertar sentimentos de tolerância e

aceitação do outro. (CRIDA ALVAREZ, 2012, p. 195, tradução nossa)1.

Ao tratar, especialmente, de parêmias e fraseologismos, Penadez Martínez (2012, p. 96) destaca que estas unidades contribuem para fortalecer o sentimento de integração linguística e intimidade entre os falantes, fomentando um sentimento de pertencimento, tendo em vista que há um compartilhamento cultural que é intrínseco ao ensino-aprendizagem dos fraseologismos. Isso ocorre porque tais unidades são um reflexo da cultura na língua, por este motivo geram a sensação de pertencimento quando devidamente empregadas em contextos específicos de uso.

Para tanto, parece-nos indispensável abordar as UF no ensino e aprendizagem de idiomas, pois o conhecimento que leva à compreensão da cultura-alvo bem como sua tolerância é de extrema importância à formação do aprendiz. Certamente deve-se considerar que esse “pertencimento” faz jus ao sentimento de aproximação do aprendiz à língua alvo, não significando a negação da sua língua materna. Nesse sentido, Almeida Filho (2011, p. 110) destaca a importância da mediação do profissional em um ambiente de LE típico:

1

(22)

É necessário não idealizar uma aproximação estreita com a cultura estrangeira. O Conhecimento da diferença, dos fatos que se explicam na evolução da cultura-alvo, da compreensão e da tolerância que podem ser integradores na equação afetivo-ideológica de muitos aprendizes em vários contextos é o que podemos almejar com realismo profissional.

Neste ponto, entendemos que os aprendizes que tenham certo desconhecimento sobre a cultura da língua alvo possivelmente apresentarão alguma dificuldade em compreender algumas estruturas linguísticas de ordem mais complexa, como as unidades fraseológicas. Compreendemos ainda que não se trata de impor qualquer aceitação por parte dos aprendentes, mas de viabilizar a elucidação e encaminhar ao conhecimento que enriquece linguisticamente e culturalmente.

Se um aprendiz de português como língua estrangeira depara-se com expressões do tipo “Chuta que é macumba” ou “Manda pra Yemanjá” não necessariamente deverá alcançar a compreensão de imediato. Nesses casos, espera-se empatia do seu entorno social e mesmo a colaboração do contexto linguístico em que está inserido. Mas nada disso dispensa a abordagem didática por parte de profissionais de ensino de línguas ou ainda o acesso a materiais especializados que possam colaborar para a construção do conhecimento sobre essas combinatórias mais complexas na língua. Sobre a didatização de unidades complexas, estamos em acordo com Penadés Martinez ao tratar especialmente dos refrãos e locuções (2012, p. 111):

Há uma série de pontos gerais que podem orientar a didática dos refrãos e locuções. Em primeiro lugar, deveria ser conscientes de que estas unidades podem ser ensinadas levando o aluno a refletir, de maneira simples e adequada para seu nível, sobre suas características [...] Já foi dito que o aprendiz de uma língua estrangeira não é um terreno fraseologicamente virgem, ou melhor, todos os falantes têm um conhecimento intuitivo de refrãos e locuções de sua língua materna, y, partindo desse conhecimento intuitivo, podem-se fazer explicitas as características que compartilham umas e outras,

seja quando for a língua que analisemos. (Tradução nossa)2

2

(23)

Em suma, muitos dos fenômenos que ocorrem em uma linguagem figurada podem ser recuperados nos códigos culturais, como crenças religiosas, costumes, literatura, artes etc. É interessante, tanto para o aprendiz de língua materna como para o aprendiz de língua estrangeira, que haja materiais acessíveis para uma melhor apreensão de tais fenômenos, visto que eles apresentam certa complexidade em relação ao léxico geral da língua.

Nesse sentido, estamos de acordo com Pamies Bertrán (2012, p. 350): “Os símbolos línguo-culturais deveriam estar representados, ordenados e comentados num dicionário especializado, para que um estrangeiro pudesse aprender melhor a língua[…], vendo o que está “atrás” dela”. Isso nos leva a refletir sobre como a questão cultural intrínseca ao léxico é importante no processo de aprendizagem de uma língua e, principalmente, na própria compreensão das línguas naturais e como o estudo especializado pode viabilizar uma melhor compreensão dessas questões léxico-culturais.

2.2 Fraseologia

2.2.1 Fraseologia em perspectiva

Em uma perspectiva histórica, ainda sem seus escopos definidos e, inclusive, sem um nome de disciplina que abarcasse os estudos fraseológicos, Saussure esteve atento aos fenômenos que dizem respeito às UF e fez menção acerca destas ao levantar considerações sobre as propriedades da fala e sua liberdade de combinações. Embora a fala não fosse sua prioridade nos estudos linguísticos, o mestre genebrino fez considerações pertinentes ao tema na medida em que este reverbera nos estudos da língua, sua prioridade. O precursor da linguística como ciência traz à tona as importantes considerações sobre as unidades fixas e coloca em cheque a liberdade das combinações sintagmáticas. “Há, primeiramente, um grande número de expressões que pertencem à língua; são as frases feitas, nas quais o uso proíbe qualquer modificação, mesmo quando seja possível distinguir, pela reflexão, as partes significativas.” (SAUSSURE, 2012 p. 144).

(24)

derivadas, membros de frases e frases inteiras. Assim, ateve-se a um ponto importante, o de que o falante não se utiliza apenas de palavras isoladas para se comunicar, mas faz uso de combinações de signos que trabalham conjuntamente para alcançar o êxito da comunicação na língua. O Curso de Linguística Geral, nesse sentido, embora não tenha tratado especificamente de Fraseologia, adverte para esse fato relevante: “Não falamos por signos isolados, mas por grupos de signos, por massas organizadas que são elas próprias signos.” (SAUSSURE, 2012, p. 148).

Embora em caráter embrionário, as contribuições do linguista genebrino lançaram mão de importantes considerações sobre as unidades fixas. Mas, foi em Charles Bally, cujo percurso linguístico se pautava nos estudos saussurianos, que as investigações acerca das unidades fixas sustentaram-se de forma mais centrada (SILVA, 2006). Ainda que situado nos estudos de cunho estilísticos, o autor fez menções relevantes sobre as combinações de palavras na língua, considerando sua fixação e convencionalidade. A partir de então, o termo Fraseologia ganha mais força e passa a definir-se como uma disciplina dentro das teorias linguísticas.

É inegável o aporte teórico fraseológico posto em relevância por Charles Bally, suas contribuições colaboraram para embasar futuras investigações no terreno das UF. Segundo Suarez Cuadros (2007), os estruturalistas soviéticos do século XX retomaram as investigações de Bally sobre essas unidades e, com essa retomada, desenvolveram a teoria fraseológica, dando a este caminho de investigação uma certa sistematização. Inclusive, foi em Vinogradov que registrou-se a menção às “unidades fraseológicas”, que atualmente é um termo bastante aceito e difundido nos estudos sobre as UF. De acordo com Suarez Cuadros (2007), Vinogradov propôs a distinção dessas expressões fixas, contribuindo para a sistematização de seu estudo. Levando em consideração os processos de fixação e convencionalidade, o pesquisador aportou os seguintes termos: uniões fraseológicas, combinações fraseológicas eunidades fraseológicas.

(25)

corroborou para situar a importância de um olhar mais científico para o processo de construção e uso das unidades combinatórias e fixas das línguas naturais.

Nos estudos contemporâneos, a fraseologia pode ser considerada em duas perspectivas distintas, o que torna sua definição ambígua se tivermos em conta suas possibilidades de atuação. Por um lado, fruto de uma perspectiva histórica que remonta aos primórdios dos estudos linguísticos, ela é tida como uma disciplina que tem por principal eixo de pesquisa o fraseoléxico. Por outro, a fraseologia compreende o conjunto dos fraseologismos ou unidades fraseológicas de uma língua. Estas são unidades do discurso repetido, que formam pequenos microtextos que devem ser analisados adotando perspectivas da disciplina fraseológica. Neste trabalho, optamos por considerá-la como uma disciplina independente, conforme a opção de alguns estudiosos, dentre os quais citamos a pesquisadora Monteiro-Plantin (2014, p. 33):

Trata-se de uma disciplina independente, relacionada a todos os níveis de análise linguística (do fonético ao discursivo-pragmático), cujo o objetivo é o estudo das combinações de unidades léxicas, relativamente estáveis, com certo grau de idiomaticidade, formadas por duas ou mais palavras, que constituem a competência discursiva dos falantes, em língua materna, segunda ou estrangeira, utilizadas convencionalmente em contextos precisos, com objetivos específicos, ainda que, muitas vezes, de forma inconsciente.

Ainda que considerada uma disciplina recente, a fraseologia já conta com um arranjo de estudos e um arcabouço teórico consistente. Atualmente, sua área de atuação encontra-se delimitada à medida que entendemos que ela é a ciência que se detém ao estudo das expressões fixas e seus significados individuais, aos quais denominamos fraseologismos. Para Alvarez (2011, p. 9), “Fraseologia é a ciência que estuda as combinações de elementos linguísticos de uma determinada língua, que se relacionam semântica e sintaticamente.” É o conjunto que forma essas combinações que supõem seu significado, considera a estudiosa. Ou seja, os elementos em separado não podem ser utilizados como recursos para se chegar ao significado, mas

(26)

os fraseologismos também ocorrem de forma recorrente nas línguas, considerando sua frequência (TAGNIN, 2011, p. 278). Isso significa que a língua supõe de variados contextos de produção dos fraseologismos e esses fazem parte da rotina linguística dos falantes.

Além da importância de considerar seus contextos de uso e frequência, também é relevante elencar a própria constituição das UF. Segundo Zuluaga (1980,

apud SILVA, 2006, p. 12), “As unidades fraseológicas são todas as construções linguísticas formadas por combinação fixa de duas ou mais palavras.” Corpas Pastor (1997, p. 20) define as unidades fraseológicas como “Unidades léxicas, formadas por mais de duas palavras gráficas em seu limite inferior cujo limite superior se situa no nível da oração composta.” 3 Seja nos contextos mais formais ou informais, as unidades fixas da língua têm seu espaço na comunicação. Prescindir de seu estudo seria deixar a parte um grande tesouro da língua.

Por considerarmos que a língua extrapola a noção de código, acreditamos que a Fraseologia e, por consequência, o estudo que lhe compete, é uma disciplina que exerce grande relevância nos estudos linguísticos. Na visão de Alvarez (2012), a arte da língua está no arranjo criativo do uso que dela se faz, pois ela não é um mero código e sim “[...] um sistema simbólico de representação”. Além disso, para a autora, trata-se de “[...] um recurso plural inesgotável tanto para profissionais quanto para usuários comuns.” Portanto, considerar os estudos fraseológicos diz respeito a entender que o falante tem acesso a um amplo e rico repertório linguístico em sua memória e parte desse repertório diz respeito às unidades fraseológicas, cujo princípio idiomático o guiará em seu processo de escolha ao se comunicar.

É indispensável considerar que, em seu patrimônio lexical, o falante tem à disposição não apenas palavras isoladas, mas um grande número de combinatórias lexicais, que se transformam em verdadeiras rotinas estocadas na memória. É nesse contexto que os estudos concernentes à Fraseologia exercem seu papel de maior relevância, tendo em vista que as unidades fraseológicas fazem parte desse tesouro linguístico estocado na memória dos falantes das línguas naturais.

2.2.2 Relevância dos estudos fraseológicos e o ensino da língua portuguesa

3

(27)

Ao tratar dos fraseologismos, estamos lidando com unidades que apresentam características específicas. Entre as particularidades das UF podemos destacar, de acordo com Monteiro-Plantin (2014, p. 85), a polilexicalidade, a fixação

ou cristalização, a idiomaticidade e a convencionalidade ou frequência. Essas características diferenciam as UF do léxico comum, uma vez que destacam a forma como elas são compostas e como geram sentido. O fato de os fraseologismos apresentarem um percurso diferenciado no que diz respeito à formação do sentido, apresentarem formas fixas, além de serem idiomáticas e convencionais, resulta em uma complexidade que deve ser explorada de maneira particular.

É certo que o tratamento das unidades fraseológicas não se dá de forma simplória, pois estamos considerando unidades que apresentam características particulares em relação ao léxico de forma geral e isso pode causar algumas dificuldades em seu didatismo. Temos convicção de que essas dificuldades podem ser explicadas tanto por características formais, como semânticas e pragmáticas das unidades fraseológicas. Esse é um dos importantes motivos pelos quais defendemos um estudo mais criterioso de tais unidades que, inclusive, são negligenciadas e apresentam carências de investigação que redundem em orientações didáticas mais precisas, tendo em vista suas especificidades composicionais bem como pragmáticas, discursivas e interculturais (MONTEIRO-PLANTIN, 2011). Sobre o assunto, Alvarez (2012, p. 359) aborda o tema da escassez de trabalhos que envolvem as unidades fraseológicas e agrega:

Apesar do considerável incremento atual de pesquisas em Fraseologia, observa-se que os estudos fraseológicos realizados no Brasil ainda não alcançaram o mesmo nível de desenvolvimento se comparados com os estudos fraseológicos realizados em outros países, como, por exemplo, na Espanha, na Alemanha, na França etc. Parece haver, até o presente momento, uma escassez de trabalhos que tenham como objeto de estudo as unidades fraseológicas.

(28)

que sejam explorados com bastante eficácia e possam enriquecer as práticas em sala de aula, seja no contexto de língua materna ou língua estrangeira.

No caso particular do português como língua estrangeira, o progressivo interesse por esse idioma no âmbito internacional potencializou a criação de cursos especializados e, consequentemente, é possível encontrar publicações teóricas sobre o processo de ensino-aprendizagem do português no que se refere às línguas adicionais. O campo é vasto e diverso, mas ainda há muito a caminhar para alcançar a excelência que o assunto merece. Apesar das potencialidades do tema, o ensino de PLE aliado aos estudos do léxico de forma geral ainda não ocupou seu lugar nos centros de pesquisas do país de maneira relevante. Frente a isso, as investigações dentro dessa perspectiva carecem da devida atenção científica.

Atualmente, o ensino de português como língua estrangeira é uma realidade que se configura com mais ênfase no contexto de ensino e aprendizagem de línguas adicionais. Nesse âmbito, delineia-se um novo profissional de língua portuguesa, agora não mais centrado nos estudos da língua materna, unicamente, mas também focado nas vicissitudes do ensino de português como segunda língua (L2) ou língua estrangeira (LE). Cunha e Almeida (2007, p. 34), em sua avaliação sobre o assunto, diz que atuar em PLE significaria “desenvolver atividades constantes, crescentes e evoluintes no ensino de fato do português como língua estrangeira”. Além disso, significaria também estudar os processos de aprender e ensinar português em distintos e específicos contextos.

(29)

escolas de idiomas especializaram-se em ensinar executivos e suas famílias. Segundo Cunha e Almeida (2007, p. 41), há ensino regular de português para estrangeiros, por exemplo, nas universidades de Porto Alegre, Santa Maria, Florianópolis, Curitiba, Campinas, São Carlos, São Paulo, Pernambuco, Juiz de Fora, Niterói, Belo Horizonte, Maringá e Fortaleza. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), o ensino de PLE teve seu início na década de 1980, através da realização de projetos de extensão que atendiam a estudantes estrangeiros na UFC (LEURQUIN, 2013).

Seja no âmbito de língua materna ou estrangeira, a concepção de que a língua é muito mais do que um amontoado de palavras leva-nos a refletir sobre a didatização das UF, pois acreditamos que essas unidades, para além da complexidade de sua composição, são verdadeiros recursos culturais. Nesse sentido, um dos importantes objetivos do ensino de línguas é, também, o desenvolvimento das competências intercultural e linguístico-comunicativa, o qual se realiza ao romper os limites do ensino estritamente gramatical, oferecendo ao aluno perspectivas outras que redundem em questões de culturalidade.

Afinal, a atuação linguística se realiza através da interação em diferentes situações comunicativas, sendo indispensável considerar esse preceito ao tratar do ensino de línguas. Portanto, é essencial estabelecer uma associação entre ensino e cultura para que realmente se considerem as interações reais dos aprendizes (BAPTISTA, 2014, p. 61). Esses dois aspectos estão intimamente ligados, de maneira que essa integração permite o desenvolvimento da competência linguístico-comunicativa, assim como desenvolve a sensibilidade cultural frente à diversidade que perpassa as diferentes civilizações (ALVAREZ, 2010, p. 211). Nesse contexto, percebemos a relevância de se realizarem investigações que tragam à tona análises de estruturas maiores que uma simples palavra e que são utilizadas de forma criativa pelos falantes de qualquer comunidade linguística, como as estruturas compostas ao qual temos tratado como fraseologismos, nesse caso, atrelados a um aspecto cultural fortemente marcante na sociedade brasileira, como é o caso do sagrado e do profano.

2.3 O sagrado e o profano

(30)

sociedade. As civilizações contemporâneas, assim como as primitivas, estão marcadamente perpassadas por questões relativas à sacralização ou à profanação das ações cotidianas do homem. Ao cruzar os dedos para atrair boas energias, por exemplo, acionamos nossas crenças para simbolizar e dar mais ênfase às nossas ações. O fato de batermos na madeira para evitar que o mau presságio prevaleça ou, ainda, o próprio ritual do batismo nas águas, comum nas religiões ocidentais, mostram-nos o quão estamos cercados por práticas que concernem ao sagrado e ao profano. Embora essas práticas sejam manifestadas das mais diversas formas e sejam quase imperceptíveis – porque já enraizadas e naturalizadas – fazem parte da própria constituição do homem e de sua história, sendo, portanto, de importância inegável. Para o historiador e filósofo Eliade (1992, p. 97):

Conhecer as situações assumidas pelo homem religioso, compreender seu universo espiritual é, em suma, fazer avançar o conhecimento geral do homem. É verdade que a maior parte das situações assumidas pelo homem religioso das sociedades primitivas e das civilizações arcaicas há muito tempo foram ultrapassadas pela História. Mas não desapareceram sem deixar vestígios: contribuíram para que nos tornássemos aquilo que somos hoje: fazem parte, portanto, da nossa própria história.

Há algumas perspectivas para se pensar o sagrado, elas podem ocorrer sob a ótica religiosa, social e cultural, por exemplo. Para Simões (1998, p.30), o sagrado envolve um duplo movimento espiritual: um movimento que leva o homem para perto de Deus e suas benesses; enquanto no outro polo, há distanciamento de Deus à medida que se aproxima do estado profano das coisas. De um lado, o medo, o respeito, a reverência e, de outro, o impuro e o profano. Para o autor, apenas quando admitimos que Deus é o Sagrado ontológico, e que as coisas são sagradas em sua relação com Deus, podemos evitar a ambiguidade de um discurso sobre o sagrado. “Aqui, vemos como, em assunto religioso, todo discurso soa falso quando, por um falso escrúpulo metodológico, omitimos ou ignoramos o problema nuclear, a existência de Deus.” (SIMÕES, 1998, p. 39). Portanto, para admitir o sagrado é essencial admitir a essência das religiões, que é a existência de um Deus que está acima de todos e supera o estado do profano.

(31)

Por esse prisma, é importante lembrar que, em alguns casos, o que é considerado como sagrado por uma sociedade poderá ser considerado profano por outra e vice-versa. Não há um princípio universal que dite as regras de quais elementos da natureza serão considerados sagrados ou profanos, mas a própria constituição sociocultural e as motivações religiosas de cada comunidade farão isso.

Se considerarmos como exemplo a antiga civilização grega, conhecida pela riqueza mitológica que a destaca das demais civilizações, podemos evidenciar como essa sociedade configurou-se historicamente e como as questões simbólicas que envolvem o sagrado e profano a perpassam, inclusive estendendo suas influências a outras civilizações ao longo do tempo. Na Grécia Antiga, os mitos não apenas ilustravam o estado das coisas no mundo, eles revelavam uma vertente filosófica sobre a natureza dessas coisas. Eliade (1992, p. 52) destaca que os mitos são modelos exemplares de todos os ritos sagrados e de todas as atividades humanas significativas. Eles estão presentes de alguma forma na alimentação, sexualidade, trabalho, educação etc. Portanto, os homens vivem o mito através de suas ações, desde a mais simples tomada de decisão até as atividades sociais, econômicas e culturais mais complexas.

Abordar a questão do sagrado e do profano é situar-se entre duas perspectivas antagônicas que integram a própria constituição do homem. Essas perspectivas constituem duas formas de ver e ser no mundo, duas situações que engendram a existência do homem ao longo de sua história. São, portanto, arranjos socioculturais acerca da natureza do mundo, que envolvem todo um sistema moral, ético, simbólico e social. Sobretudo, envolvem crenças e códigos de caráter religioso, que não apenas sustentam essas perspectivas, como são a gênese e a motivação dessa relação opositiva (ELIADE, 1992, p. 20). Como fenômeno sociocultural, faz-se presente nas mais diversas atividades e práticas humanas.

(32)

Em sua definição mais direta sobre o sagrado e o profano no mundo, Durkheim (1996, p. 20) ressalta:

A divisão do mundo em dois domínios que compreendem, um, tudo o que é sagrado, outro, tudo que é profano, tal é o traço distintivo do pensamento religioso: as crenças, os mitos, os gnomos, as lendas, são representações ou sistemas de representações que exprimem a natureza das coisas sagradas, as virtudes e os poderes que lhes são atribuídos, sua história, suas relações mútuas e com as coisas profanas.

No entanto, o autor destaca que não apenas as coisas do mundo ideal, as quais chamamos deuses ou espíritos, podem ser consideradas sagradas ou profanas, mas diversas manifestações que ocorrem no mundo materializado. Desse modo, “Um rochedo, uma árvore, uma fonte, um seixo, um pedaço de madeira, uma casa, em uma palavra, uma coisa qualquer pode ser sagrada.” (DURKHEIM, 1996, p. 20). Aliás,

é pela palavra que essas questões são coletivizadas e legitimadas no seio da sociedade. O sociólogo francês considera que a própria linguagem e, por conseguinte, os conceitos que ela produz são frutos da elaboração coletiva dos indivíduos, sendo a manutenção do sagrado e do profano fruto dessa coletividade, que se realiza através da linguagem.

Eliade (1992, p. 102), ao abordar o sagrado e o profano nas comunidades arcaicas e contemporâneas, enfatiza a importância da compreensão dos símbolos para o próprio entendimento da sociedade, tendo em vista que os aspectos simbólicos dizem muito sobre a configuração das experiências humanas e suas especificidades. Portanto, compreendemos que estar aberto para o universo simbólico é imprescindível para o entendimento da sacralização ou profanação das coisas. Os símbolos, para o autor supramencionado, conduzem o homem de uma situação particular para uma situação geral e universal, pois eles despertam a experiência individual e transmudam-na em ato espiritual, levando à compreensão do mundo. Ao seguirmos essa linha de raciocínio, concluímos que a vivência daquilo que é universal é, em grande parte, apreensível pelas questões simbólicas, também ligadas à sacralização das coisas do mundo.

(33)

ao profano. E acrescenta: “O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano.” (ELIADE, 1992, p. 13). E essa manifestação dá-se nas mais variadas formas, na transcendência de um ser de luz ou na existência de uma pedra, de uma árvore ou mesmo de um animal que foi elevado ao status de sagrado. Finalmente, para Eliade (1992, p. 14):

O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história. Esses modos de ser no Mundo não interessam unicamente à história das religiões ou à sociologia, não constituem apenas o objeto de estudos históricos, sociológicos, etnológicos. Em última instância, os modos de ser sagrado e profano dependem das diferentes posições que o homem conquistou no Cosmos e, consequentemente, interessam não só ao filósofo mas também a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana.

Almejando uma definição que abranja diferentes olhares, partiremos do cerne da questão, de onde partem e para onde voltam os estudiosos interessados no assunto: esse ponto de partida é a religião. Embora se constituam das mais distintas formas, as religiões estabelecem estreitas relações com o sagrado e o profano, seja em sua forma mais intensa ou mais branda, mais arcaica ou mais moderna. A bíblia, um dos livros sagrados disseminados na história do homem, através das vertentes do Cristianismo, registra milhares de menções aos termos sagrado e profano.

No mencionado livro sagrado, no que diz respeito ao Antigo Testamento, contam-se 924 ocorrências referentes ao sagrado e 1.519 referentes ao profano. No Novo Testamento, há um montante de 912 ocorrências para os termos, sendo 427 menções ao sagrado e 485 ao termo profano. Ao todo são 3.355 vezes que essas palavras aparecem na bíblia, na versão on-line Almeida-Revista e Atualizada. O livro do profeta Ezequiel, por exemplo, traz algumas orientações direcionadas aos sacerdotes daquela época: “Deverão ensinar o meu povo a distinguir entre sagrado e profano, e farão que ele conheça a diferença entre puro e impuro.” (BÍBLIA, Ezequiel, 44, 23). Em suma, essa é a ordem que as religiões prescrevem até hoje ao homem moderno e que vem se estendendo e se atualizando ao longo do tempo, conforme mais e mais religiões surgem.

(34)

as seguintes definições: “Que se sagrou ou recebeu a consagração. Que não se pode faltar, que não se pode deixar de cumprir.” Em contrapartida, Houaiss e Villar (2008) dizem que profano é referente a “[...] estranho e não pertence à religião. Que deturpa ou viola a santidade das coisas sagradas. Mundano. Indivíduo que não é iniciado em certos conhecimentos.” No Dicionário Aurélio registra-se sobre profano: “Não pertencente à religião. Não sagrado. Secular, leigo. Estranho ou alheio a ideias ou conhecimentos sobre determinados assuntos.”

É importante ressaltar que cada religião entende sagrado ou profano de forma particular e são suas singularidades que lhes tornam únicas em meio a tantas religiões. Durkheim (1996), ao acertadamente tratar essas questões estabelecendo uma relação com a linguagem, ressalta: “Conceber uma coisa é, ao mesmo tempo que aprender melhor seus elementos essenciais, situá-la num conjunto, pois cada civilização tem seu sistema organizado de conceitos que a caracteriza.” Entender esse preceito auxilia no processo de compreensão do outro, tendo em vista que as noções de sagrado ou profano para um não necessariamente serão as mesmas para outro, ou seja, não será unívoca ou exclusiva em meio a tantas possibilidades.

2.3.1 O sagrado e o profano na cultura brasileira

Em função da miscigenação cultural, fruto dos vários processos imigratórios, encontramos no Brasil diversas religiões (cristã, islâmica, afro-brasileira, judaica, etc.). Portanto, ao tratarmos das questões referentes ao sagrado e ao profano, é imprescindível que se considere o claro sincretismo religioso que marca esta sociedade, que é fruto de um longo processo de trocas culturais e miscigenação marcantes, bem como de uma dinâmica inegável de imposição histórica de uma religião sobre outras. Um dos exemplos de maior relevância desse sincretismo no Brasil são as relações que se estabelecem nas religiões de raiz africana. Estas carregam em suas crenças vestígios da doutrinação de vertentes religiosas ocidentais também firmadas em território brasileiro. Isso se explica pelo câmbio cultural que inicialmente ocorre com o processo de colonização e, sobretudo, pela catequização imposta por parte da igreja católica. Para Ferrati (1995, p. 18):

(35)

suportar e vencer as dificuldades da existência, de enfrentar problemas práticos, sem se preocupar com a coerência lógica do sincretismo.

Ao considerarmos a sociedade brasileira, especialmente se fizermos um recorte das expressões que constituem sua língua, tema que nos interessa nesta pesquisa, é possível destacar aquelas que trazem à tona ressonâncias relacionadas ao sagrado e ao profano, objeto de estudo no qual pretendemos nos deter. É válido ressaltar, nesse contexto, que os termos sagrado ou profano não estão intimamente ligados a uma religião específica, como sugeriria uma compreensão comum. Ao tratar da formação do povo brasileiro, Ribeiro (1995) destaca que a nação brasileira está imbricada de diferentes etnias. Tais imbricamentos constituem suas vivências religiosas, sociais, culturais, linguísticas, ou seja, suas idiossincrasias de maneira geral. Portanto, seria inviável privilegiar as influências de uma única religião em detrimento de outras no que concerne à cultura brasileira, pois estamos diante de um quadro notável de diversidade de crenças.

No plano étnico‐cultural, essa transfiguração se dá pela gestação de uma

etnia nova, que foi unificando, na língua e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos da África, e os europeus aqui querenciados. Era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas. (RIBEIRO, 1995, p.30).

A própria trajetória histórica da língua portuguesa, com ênfase no português da América, atesta tamanha miscigenação e torna notável, por consequência, a variedade de crenças e religiões que configuram e influenciam diretamente os costumes, a cultura e a língua do povo brasileiro. Esse fator torna o quadro dos fraseologismos que abarcam o sagrado e o profano ainda mais diversificado, tendo em vista que estamos tratando de religiões que apresentam raízes americana, europeia, africana etc. Apenas para citar um exemplo de fraseologismos, temos: Pelas cinco chagas de Cristo e Chuta que é macumba, unidades de uso frequente no cotidiano do brasileiro, que têm suas motivações originadas nas religiões cristãs e nas religiões de origem africana, respectivamente.

(36)

concernem ao sagrado e ao profano reproduzidas nas telenovelas, nas minisséries, nas músicas etc. Deus nos acuda (1992), Anjo Mau (1997) e Torre de Babel (1998), por exemplo, são títulos de telenovelas reproduzidas pela Rede Globo de televisão.

Quinto dos infernos (2002) e Anarquistas, graças a Deus (1984), dizem respeito a títulos de minisséries reproduzidas pela mesma emissora. Essa é uma pequena amostra que indica como essas unidades são veiculadas, reproduzidas e até convencionadas através dos meios midiáticos.

É notável que as UF estão em constante produtividade e, com o avanço tecnológico e das grandes mídias, elas têm ampliado suas fontes de produção. A Bíblia e a mitologia sempre foram grandes fontes produtivas de UF que dizem respeito ao sagrado e ao profano. No entanto, hoje, os meios de comunicação têm desempenhado um papel importante nesse sentido. Além de reproduzir, eles são fontes promotoras de fraseologismos (MONTEIRO-PLANTIN, 2014, p. 198; ALVAREZ 2012, p. 180). Por exemplo, seguem alguns bordões que caíram no gosto dos telespectadores brasileiros após a veiculação na mídia: Jesus, apaga a luz, sucesso entre os adolescentes que assistiam a minissérie Malhação na versão veiculada em 2008; Óxente, my God, bordão da personagem da atriz Eva Wilma na novela A indomada (1997); e, finalmente, o recente personagem Félix, interpretado por Mateus Solano na novela Amor à vida (2013), que legou aos telespectadores vários bordões que foram reproduzidos massivamente, como: Devo ter salgado a Santa Ceia, Pelas contas do rosário, Pelos cachos de Sansão, Cobrei pedágio dos reis magos etc.

A música, uma das mais genuínas expressões da cultura de um povo, também atesta a diversidade e a miscigenação da cultura brasileira. Canções como

(37)

Como parte constituinte do homem e importante motivação em suas tomadas de decisões e posicionamentos, as questões relativas ao sagrado e profano exerceram e exercem, ao longo do tempo, fortes influências na sociedade. Prova disso

é sua presença nas mais diferentes manifestações artísticas e culturais. As artes sacras estão dentro desse contexto e são prova contundente disso. Ao longo dos séculos, vários pintores e escultores se destacaram por sua relevância no mundo das artes e pelo talento constatado nas obras de ordem sacra. Para Abumanssur (2000, p. 178), a arte, em sua essência, sempre foi uma alternativa de expressão que situou o homem entre as coisas sagradas e profanas, entre o que é celeste e ideal ao que é humano e material. O autor retoma conceitos dos filósofos gregos sobre a arte para reafirmar a importância desta para a vida do homem. Enquanto Platão acreditava que o mundo sensível é uma ordenação feita a partir de um modelo eterno, sendo a arte apenas um simulacro, Aristóteles dizia que o mundo sensível tem realidade e dignidade à medida que é através da matéria que o mundo inteligível aflora à existência.

Platão adivinhou que a verdadeira aspiração da arte era representar o divino por uma imagem. Mas a essa imagem falta realidade. Aristóteles, ao contrário, situa essa imagem em pé de igualdade com todas as realidades existentes neste mundo (...) porque se assentam sobre um logos, estão em conformidade com a ordem cósmica e se submetem à atração do Primeiro Motor (BESANÇON, 1997, p. 71).

Após a efervescência das questões renascentistas, nenhum movimento lidou de forma tão acentuada com o sagrado e o profano como o Barroco, que tem suas bases no jogo opositivo entre o divino e o humano. Interiormente, o homem barroco percebe os desejos e atitudes contraditórias que se debatem dentro dele, um jogo de profanação que se opõe ao desejo de sacralização. Alertado pela Contrarreforma, sente, mais do que nunca, o drama de possuir um corpo mortal. São as questões sagradas duelando com as profanas. Tal estado de espírito, por sua vez, gera manifestações de tensões, angústias e incertezas, manifestações que vão caracterizar um comportamento dualístico e, sobretudo, conflituoso.

(38)

destacamos as esculturas sacras que revelam os componentes da Cena do carregamento da Cruz, entre outras que compõem o cenário das igrejas e capelas doperíodo Barroco, em Ouro Preto, Minas Gerais.

Figura 1 – Cristo carregando a cruz.

Fonte: Wikipedia.

Figura 2 – Cristo no Horto

Fonte: Wikipedia.

(39)

abarcar diferentes obras das mais diversas finalidades, mas aqui a compreendemos como a arte de criar textos, de compor ou estudar escritos artísticos. Sobretudo, entendemos que os textos ou escritos literários são caracterizados pela beleza e cuidado estético no manusear das palavras. Além de ser um canal de transmissão de experiências, a literatura permite a comunicação entre pessoas de épocas diversas, facilita o intercâmbio cultural e faz uso de diferentes linguagens para alcançar esse fim, entre as quais destacamos a metafórica. Segundo Cândido (1965, p. 53):

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade.

Na literatura, o sagrado e o profano ocuparam e ocupam um campo considerável ao longo dos tempos. Afinal, a escrita literária também existe para que o homem lide com seus sentimentos mais internos: o medo, a angústia e mesmo o espanto diante da vida. Nas obras de cunho religioso, por exemplo, não raro encontramos esse jogo de sentimentos que se misturam diante das questões sagradas e profanas. Segundo Jorge Simões, o sagrado envolve “[...] um duplo movimento espiritual. De um lado, o medo, o respeito, a reverência e, de outro, a atração, a alegria, a confiança.” (SIMÕES, 1998, p. 30). Em outras palavras, provoca o temor e a fascinação, é um mistério tremendo e fascinante, provoca temor e inspira confiança. “É um amor que teme e um temor que ama.” (SIMÕES, 1998, p. 31). É basicamente esse entremeio que liga temor e fascinação que reverbera nas obras que lidam com o homem diante do sagrado.

(40)
(41)

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido;

Porque quanto mais tenho delinqüido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobreja um só gemido: Que a mesma culpa que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história: Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada, Cobrai-a e não queiras, pastor divino Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Se analisarmos brevemente o poema, o Boca do Inferno transita entre o sagrado e o profano constantemente, abordando o profano em separado, ou interligado ao sagrado. Esse aspecto não é exclusivo do autor mencionado, outros também transitaram entre as questões sagradas e profanas, sempre à sombra dos conflitos internos tão peculiar, mas não exclusivo, ao período histórico e social em que se vivia no século XVII. A propósito, vejam-se os seguintes versos de José de Anchieta, em que o padre renega a noção do carpe diem, da efemeridade da vida como desculpa para aproveitar o mundo profano em detrimento de uma experiência sacralizada. Para ele, não é necessário comprometer-se com a precariedade do mundo terreno.

Não ay cousa segura,

tudo quanto se vê se vai passando, a vida não tem dura,

o bem se vai gastando, toda criatura passa voando.

Em Deus, meu Criador, está todo meu bem e esperança,

meu gosto e meu amor e bem-aventurança; quem serve a tal Senhor não faz mudança.

Contente assi minha alma do doce amor de Deus toda ferida,

o mundo dexa em calma, buscando a outra vida,

na qual deseja ser toda absorbida.

Imagem

Figura 1 – Cristo carregando a cruz.
Figura 3 – Monumento Cristo Redentor-RJ.
Figura 4 – Monumento Padre Cícero-CE.
Gráfico 1: Amostra quantitativa da categorização semântica
+3

Referências

Documentos relacionados

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

*-XXXX-(sobrenome) *-XXXX-MARTINEZ Sobrenome feito por qualquer sucursal a que se tenha acesso.. Uma reserva cancelada ainda possuirá os dados do cliente, porém, não terá

O Museu Digital dos Ex-votos, projeto acadêmico que objetiva apresentar os ex- votos do Brasil, não terá, evidentemente, a mesma dinâmica da sala de milagres, mas em

nhece a pretensão de Aristóteles de que haja uma ligação direta entre o dictum de omni et nullo e a validade dos silogismos perfeitos, mas a julga improcedente. Um dos

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Tal será possível através do fornecimento de evidências de que a relação entre educação inclusiva e inclusão social é pertinente para a qualidade dos recursos de

Tratando-se de uma revisão de literatura, o presente trabalho utilizou-se das principais publicações sobre as modificações de parâmetros técnicos observados em corredores,