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A Construção Da Representação Fonológica Na Criança

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Academic year: 2022

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A Construção Da Representação Fonológica Na Criança

Rosa Maria Lima Centro de Línguas e Culturas, Universidade de Aveiro (Portugal) pfonetica@dlc.ua.pt

Abstract

A study was conducted in order to describe phonological productions of native speakers of European Portuguese, ages ranging from 3 to 7 years. Data were classified according to observed phonological processes. Phonological processes decrease with age. Each process appears to bear a specific function within the dynamics of development. Such functions seem to be related to the syllabic context in which the process operates, as well as to the child’s stage of maturity regarding phonological units.

Key words: phonological development; phonological processes.

Resumo

O presente estudo pretende descrever as produções fonológicas de falantes nativos do Português europeu, com idades compreendidas entre os 3 e os 7 anos de idade. Os dados serão organizados de acordo com os processos fonológicos observados, relatando também o significado evolutivo de dados referentes à presença de processos específicos em diferentes contextos fonológicos, bem como resultados desta pesquisa que revelam o

“confronto estratégico” da criança frente ao uso da língua portuguesa, na sua dimensão fonológica.

Palavras – chave: fonologia, padrões sonoros, aquisição da linguagem.

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1.Introdução

A caracterização evolutiva da produção fonológica em crianças falantes de uma dada língua requer não só perspectivas de quantificação – referentes a níveis de desempenho em cada momento – como também a modelação da dinâmica qualitativa que subjaz a esse percurso. Um dos instrumentos que tem vindo a ser largamente usado nas abordagens desenvolvimentais baseia-se no conceito de processo fonológico de simplificação – produção alterada de um estímulo alvo que vigora até a aquisição do sistema fonológico se completar, sob a forma da estabilização das representações fonológicas.

No presente estudo, exploramos o significado evolutivo de dados referentes à presença de processos específicos em contextos fonológicos do Português Europeu.

Racional teórico

A análise de processos fonológicos de simplificação considera classes típicas de simplificação da produção adulta (omissão, substituição, etc.) que estão presentes no desenvolvimento normativo. Nesta perspectiva, o percurso de acesso ao sistema fonológico é vista como a eliminação progressiva destes recursos temporários.

Tendo sido inicialmente proposta como conceptualização do desenvolvimento à luz da designada “fonologia natural” (Stampe, 1969; Ingram, 1976, 1979), esta perspectiva constituiu-se progressivamente como abordagem descritiva ou instrumental no plano da avaliação (Shriberg & Kwiatkowski, 1980; Grunwell, 1992).

As tipologias de processos de simplificação dependem da especificidade da língua e, noutra perspectiva, do âmbito do compromisso estabelecido com unidades para além do fonema. São concebíveis processos incidentes sobre a palavra, a sílaba; por sua vez, os processos podem ser especificados em função do tipo de elemento silábico sobre o qual actuam – na consoante inicial (ataque), na consoante final (coda), etc. Adoptamos aqui esta perspectiva.

2.Método

Foi conduzido um estudo transversal sobre uma amostra de 432 participantes, com idades compreendidas entre os 3 e os 7 anos. As variáveis independentes inerentes à criança incluiram a idade (amostra equitativamente dividida em 9 grupos etários, com

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ambos no Norte de Portugal). Foi ainda classificado o Nível Socioeconómico de cada criança, bem como a Instituição educativa frequentada.

Foi desenhada uma prova de nomeação para recolha de dados relativos à produção fonológica em palavras. Mediante a apresentação de uma imagem, a criança era convidada a nomeá-la. A seleção dos materiais da prova procurou contemplar a possibilidade de avaliação do efeito de variáveis linguísticas sobre a produção.

Concretamente, incluiram-se materiais passíveis de eliciar a produção da máxima diversidade de (1) fonemas, (2) formatos silábicos (CV, CVC, CCV, CGV, etc.), (3) dimensão silábica (mono, di, tri, polissílabos), (4) estatutos da sílaba quanto ao acento (acentuada, não acentuada) e (5) posições da sílaba na palavra (inicial, média, final).

Tendo em conta o cruzamento destas variáveis linguísticas, a selecção das palavras a eliciar visou respeitar o critério de máxima diversidade formal, ao mesmo tempo que obedeceu à necessidade de oferecer estímulos semanticamente familiares e diversificados.

As produções obtidas foram submetidas a classificações tendo em conta a correcção da palavra como um todo (i) e a correcção de cada sílaba constante da mesma (ii). Na segunda classificação (sílaba), consideraram-se níveis de resposta em função da ausência vs. presença de processos fonológicos de simplificação (omissão, substituição, harmonia, metátese, epêntese), sendo cada um dos processos especificado.

Tipologia de processos

Foi criado um sistema de categorização contemplando uma diversidade de possibilidades em função de tipos de constituintes afectados (ataque simples, núcleo, coda, ramificação de ataque). Tendo em conta o âmbito e objectivos deste artigo, apresentamos aqui uma versão simplificada desse sistema (quadro 1), versão na qual a indexação a constituintes não existe.

Epêntese Processos relativos a estrutura

silábica Omissão de sílaba átona

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Omissão

Intraclasse geral

Interclasse

de ocorrência pouco frequente Substituição

fonética Silábica Metátese

Transsilábica Progressiva Harmonia

consonântica Regressiva Processos relativos a fonemas

consonânticos

Semivocalização Harmonia Vocálica Substituição Processos relativos a vogais e

semivogais

Omissão

Quadro 1. Síntese de categorias de processos de simplificação

A epêntese consiste na inserção de fonemas. Podem considerar-se os seguintes subtipos:

• Epêntese de vogal neutra - Ex: pelanta para planta

• Epêntese de consoante – Ex: plantra para planta

• Epêntese de vogal – Ex: pilanta para planta

• Epêntese de sílaba – Ex: bárbara para barba

A omissão resulta na produção da palavra com ausência de sílabas ou de fonemas. Ocorre, necessariamente, em palavras com mais de uma sílaba (dissílabos, trissílabos, polissílabos). Existem dois subtipos básicos:

• Omissão de sílaba átona, resultando na produção da palavra com ausência de uma das suas sílabas não acentuadas;

• Omissão de fonema, quando o fonema alvo não é articulado nem substituído por nenhum outro (no último caso é uma substituição). O fonema omitido pode ser:

o Uma consoante oclusiva: Ex - bicileta para bicicleta o Uma consoante fricativa: Ex - caaco para casaco o Uma consoante líquida: Ex - senhoa para senhora o Uma vogal: Ex - cracol para caracol

o Uma semivogal: Ex - relójo para relógio

A substituição ocorre quando o fonema alvo não é articulado, sendo articulado um outro que não existe na(s) sílabas contíguas. Esta distinção é, como veremos, necessária para distinguir a substiutuição da metátese e/ou da harmonia.

É relevante considerar se as substituições transformam o fonema afectado num fonema da mesma classe de modo ou num fonema de outra classe de modo. No primeiro

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caso, consideramos que se trata de substituições intra-classe e, no segundo, de substituições inter-classe.

Nas substituições intra-classe, a troca de uma oclusiva por outra ou de uma fricativa por outra podem comportar adição de vozeamento (beixe para peixe) ou remoção de vozeamento (panho para banho).O ponto de articulação pode ser o alvo da substituição.

Consideram-se, como direcções básicas, a anteriorização (ioburte para iogurte) e a posteriorização (danho para banho). Pode ocorrer, em simultâneo, a substituição de ponto e vozeamento (pissama para pijama). No caso das líquidas – e uma vez que são todas vozeadas – considera-se a substituição entre subclasses de modo: lateral para vibrante (vera para vela) e vibrante para lateral (senhola para senhora). Nas substituições inter-classe importa distinguir a classe do fonema resultante da transformação. Podem ocorrer substituições que, para além do modo, alteram o vozeamento e/ou o ponto de articulação do fonema em causa. .

Finalmente, podem ser consideradas as substituições que afectam aspectos estritamente fonéticos, resultando da dificuldade manifesta para a estrita realização articulatória. Inclui-se, aqui, o Sigmatismo interdental (Ex: thopa para sopa) e o Sigmatismo lateral (sonoridade característica do uso de aparelho nos dentes).

A metátese corresponde ao deslocamento ou “migração” de um segmento dentro da palavra. Para existir metátese, o fonema deixa de existir na sílaba de origem.

A metátese é:

• Silábica, quando o segmento migra para uma outra posição na mesma sílaba; Ex:

corcodilo para crocodilo.

• Trans-silábica, quando migra para sílabas adjacentes. Ex - fotogafria para fotografia.

A harmonia consiste na substituição de um fonema (“contaminado”) por outro existente na palavra (“contaminador”). O processo implica – ao contrário da metátese - que o fonema “contaminador” se mantenha na sílaba de origem.

A harmonia pode ser:

• Anterior, quando a consoante contamina a sílaba. Ex: rarrafa para garrafa

• Posterior, quando a consoante contamina a sílaba seguinte. Ex: garrarra para garrafa

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A semivocalização é, em última instância um subtipo de substituição – concretamente, a substituição de um qualquer fonema consonântco por uma semivogal (Ex: euado para gelado).

3.Resultados

A análise dos processos fonológicos decorreu da classificação feita sobre cada sílaba. Consideramos aqui a incidência de processos em duas perspectivas. Por um lado, analisamos o peso dos processos na totalidade da amostra de linguagem, confrontando- se o desvio com a produção correcta (1). Por outro lado, avaliamos o peso de cada tipo de processo no contexto da totalidade de processos (2), tendo em vista apurar a diferenciação de recursos (tipos de processos fonológicos) na amostra. Cada um destes níveis é, por sua vez, explorado em função da evolução ao longo da idade (1.1 e 2.1).

1. Quantidade de Processos

Para a globalidade da amostra (n = 432), a quantidade de sílabas afectadas por processos fonológicos corresponde a 12% das sílabas emitidas (gráf. 1). Há ainda a considerar uma percentagem de 2%, indicativa da quantidade de sílabas pertencentes a palavras classificadas como “complexos” (comportando mais que dois desvios) e a palavras classificadas como “ininteligíveis” (não passíveis de análise, dado o afastamento face à palavra alvo).

Produção correcta e incorrecta

sílabas correctas

86%

sílabas de complexos e

palavras ininteligíveis sílabas com 2%

processos 12%

Gráf. 1. Percentagem de sílabas com processos fonológicos na totalidade da amostra

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1.1. Quantidade de Processos por idade

O peso do desvio numa amostra de linguagem referente a uma dada faixa etária avalia o grau de incidência dos processos no conjunto das respostas, redundando na obtenção de percentagens de respostas desviadas, num conjunto total de respostas. Esta é uma perspectiva normativa de orientação essencialmente clínica que serve, em momento posterior, uma perspectiva de avaliação da "gravidade" das produções em função do número de processos observados (se uma criança apresenta um número de processos superior ao que é ditado como normativo, a sua produção fonológica tende a ser considerada mais desviada).

Conforme pode ser observado no gráf. 2, há um declínio linear do recurso a processos fonológicos de simplificação.

Gráf. 2. Percentagem de sílabas com processos fonológicos por faixa etária

De acordo com uma perspectiva global de erro (compreendendo sílabas com processos, sílabas de complexos e de palavras ininteligíveis), observa-se que, na faixa etária dos 3ª (dos 3 aos 3 anos e meio), a percentagem de erro está entre os 25% e os 30%. Aos 7 anos de idade – a faixa correspondente ao termo desta análise – esse erro é reduzido para menos de 5%.

2. Tipos de processos

O análise do peso de cada tipo de desvio num total de desvios considera que os processos constituem um conjunto de recursos diversificados. Supõe-se que a diversidade desses recursos é significativa na medida em que assinala formas diversas de relação com o sistema alvo. Ignora-se, aqui, a dimensão absoluta do desvio em cada

Erro por faixa etária (%)

0 5 10 15 20 25

3a 3b 4a 4b 5a 5b 6a 6b 7a

%

sílabas com processos sílabas de complexos e p. ininteligíveis

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faixa etária e analisa-se, antes, o peso relativo de cada processo no conjunto de todos os processos observados.

O gráfico 3 sintetiza o peso relativo de cada processo fonológico específico no conjunto dos processos utilizados. Para efeitos de simplificação, agrupou-se a semivocalização com a substituição, já que semivocalizar não é mais que substituir uma consoante por uma semivogal. Como pode ser observado, para a globalidade das crianças o recurso à “omissão” é o mais frequente. Para as consoantes, segue-se a substituição, a metátese, a epêntese e, finalmente, a harmonia. Pode salientar-se que a epêntese mais frequente insere o chevá (vogal neutra), seguindo-se a epêntese de vogal, de consoante e - mais rara - a de sílaba.

Tipos de processos (n=432)

substituições 17%

omissões metáteses 51%

11%

erros fonéticos processos em 4%

vogais e semivogais

9%

harmonias 3%

epênteses 5%

Gráf. 3. Distribuição de processos por tipos para a totalidade das crianças.

Uma análise deste tipo é – embora panorâmica – redutora. Na verdade, o recurso abundante à omissão traduz um fenómeno específico que se vincula à influência da complexidade dos formatos silábicos em jogo.

Como pode ser observado no gráf. 4., os casos de omissão registados revelam, maioritariamente, a omissão de constituintes problemáticos – em primeiro lugar a ramificação de ataque (segunda consoante em CCV) e, em seguida, a coda (última consoante de CVC).

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Tipos de omissão

omissão de segunda consoante em

CCV 55%

omissão de sílaba

13%

omissão de coda 21%

omissão de consoante inicial

7%

omissão de semivogal

4%

Gráf. 4. Tipos de omissão para a totalidade das crianças.

No caso da substituição, os casos registados revelam, majoritariamente, a aplicação deste recurso à consoante em posição inicial na sílaba (gráf. 5). Surge, também com alguma relevância, aplicado à coda. Neste caso, os dados subjacentes ao gráfico especificam uma especial relevância do processo de semivocalização de coda líquida.

Tipos de substituição

substituições de consoante

inicial 72%

substituições em segunda consoante de

CCV 2%

substituições em coda

26%

Gráf. 5. Tipos de substituição para a totalidade das crianças.

Numa visão ainda mais aproximada, podemos constatar que cada formato silábico parece associar-se a um processo preferencial.

• Em GV e CVG domina a omissão de semivogal (G);

• Em CV a substituição de consoante inicial;

• Em VC e CVC a omissão de coda;

• Em CCV e CCVC a omissão da segunda consoante.

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2.1.Tipos de processos por idade

A análise da distribuição interna de processos por faixa etária (gráf. 6) evidencia alguns fenómenos preponderantes. Por um lado, (1) a omissão da ramificação de ataque sofre um declínio acentuado com a idade, muito embora se mantenha como processo dominante ao longo de todo o percurso. Por outro lado, (2) a metátese tende a assumir um peso crescente no conjunto dos processos

Peso de cada processo por faixa etária

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

3 3,5 4 4,5 5 5,5 6 6,6 7

omissão de segundo C em CCV omissão de segundo C em CVC

metátese substituição de consoante inicial

epêntese omissão de consoante inicial

omissão de sílaba átona harmonia consonantal

Gráf. 6. Peso de cada processo no total obtido por faixa etária

Um terceiro aspecto diz respeito à semivocalização da coda – subtipo de substituição em que o fonema alvo é pronunciado como uma semivogal. Tal como o gráf. 7. demonstra, o processo tende a aumentar como recurso.

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Peso relativo de Semivocalizações e harmonias consonantais

0,00%

2,00%

4,00%

6,00%

8,00%

10,00%

12,00%

14,00%

3 3,5 4 4,5 5 5,5 6 6,6 7

harmonia consonantal semivocalização

Gráf. 7.. Peso relativo de harmonias consonantais e semivocalizações de coda

Um aspecto relevante neste domínio passa pela determinação do percurso evolutivo de cada tipo de Metátese - silábica e trans-silábica.

A análise dos valores relativos ao total dos sujeitos aponta para o predomínio da metátese trans-silábica na totalidade das crianças (cca 56% das metáteses).

A comparação das médias do número de metáteses para cada grupo etário revela uma tendência crescente para a metátese silábica e uma tendência decrescente para a metátese trans-silábica (gráf. 7).

peso relativo de metáteses em função da idade

0 0,5 1 1,5 2

3a 3b 4a 4b 5a 5b 6a 6b 7a

metatese silabica metatese transsilabica

Gráf. 8. Médias de metáteses silábicas e transsilábicas por idade

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Importa ainda atender à relação evolutiva da criança com os constituintes problemáticos. Consideraremos de forma separada o problema das codas e das ramificações de ataque. Retomando o problema das metáteses silábicas e trans-silábicas, analisamos também o curso evolutivo de cada um destes subtipos nos formatos em causa.

Nos formatos com coda (VC e CVC) o processo dominante é o da omissão do constituinte em causa. Vejamos como ele evolui.

Processos em coda (CVC) por idade

0 20 40 60 80 100 120

3a 3b 4a 4b 5a 5b 6a 6b 7a

Omissão de coda metátese silábica metátese transsilábica

Gráf. 9. Omissões e metáteses em codas CVC por idade

A omissão decresce; a metátese trans-silábica tende a diminuir; a metátese silábica aumenta em ponto mais tardio (a partir dos 4b é superior à metátese trans- silábica).

Nas ramificações de ataque domina o processo de omissão. Como evolui ele em CCV?

Processos em ramificação de ataque (CCV) por idade

0 100 200 300 400 500 600

3a 3b 4a 4b 5a 5b 6a 6b 7a

omissão de ramificação metátese silábica metátese transsilábica

Gráf. 10. Omissões e metáteses em ramificações de ataque por idade

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A partir dos 5a, a metátese silábica suplanta a transsilábica; aos 6b, a metátese silábica suplanta a própria omissão de consoante.

4.Discussão

Como seria previsível, existe uma redução progressiva do uso de processos de simplificação. Relativamente à distrIbuição dos processos por classes, as percentagens encontradas - bem como a relação entre tipos de processos e formatos - reforçam os dados de Castro et al. (1999). Mais concretamente, observa-se a tendência que os autores descrevem da seguinte forma: "Quase metade de todos os desvios consistiu em omissões de segmentos. A maior parte das omissões ocorreu no cluster de ataque ou em codas" (p. 125). No caso dos dados por nós obtidos, verificou-se, mais exactamente, que a omissão domina as ramificações de ataque (clusters) e as codas. Os segmentos em outras posições (ataque simples, núcleo) apelam a outro tipo de recursos onde impera a substituição.A questão do peso relativo de processos por idade diz respeito à hierarquia de recursos da qual a criança se serve. Infirmando uma hipóteses de manutenção dessa hierarquia ao longo do desenvolvimento - i.e., que os processos mais e menos usados são os mesmos em todas as faixas etárias, surge uma noção de recurso evolutivo diferencial.

Domina aqui a ideia de um recurso variável com a idade, notabilizando- se um recurso crescente à metátese. São processos com tendência para um recurso acentuado no término do desenvolvimento (i) a semivocalização, que cresce, com declínio aos 4 e a (ii) metátese, sobretudo a silábica.

A semivocalização tende a crescer nas derradeiras etapas do período considerado. Parece, com isto, insinuar-se um investimento, por parte das crianças, na relação com as codas líquidas, investimento este que eventualmente compensará a estagnação do peso observado ao nível da omissão de coda. À medida que se torna mais competente, a criança deixa de se limitar a omitir a coda, para a pronunciar de forma tentativa, i.e., articulando-a de forma imperfeita.

Nota-se a especial subida do peso relativo do processo de metátese que, a partir dos 4b, se assume como um dos dois processos dominantes. Este dado é convergente com a sugestão de Lamprecht (1993), segundo a qual o processo constitui "... uma estratégia que permitiu contornar sequências ou estruturas difíceis em aquisição nas faixas etárias mais elevadas" (p.105). A autora refere que essas estruturas correspondem à líquida não lateral e estruturas silábicas CVC e CCV. Também Castro et al. (1999)

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assumem as metáteses como mais frequentes em crianças mais velhas, apesar de apontarem que "o efeito da idade não atinge a significância ..." (p.126).

Foi ainda constatado que a metátese silábica apresenta uma tendência para aumentar e a metátese trans-silábica para diminuir. Supomos que esta tendência traduza uma capacidade crescente para a definição dos limites da sílaba e- consequentemente- para a restrição dos processos aos mesmos. Tudo ocorre como se a criança se tornasse cada vez mais precisa na definição dos alvos da sua intervenção - já não a palavra (onde ocorre a metátese trans-silábica) mas sim a própria sílaba (metátese silábica).

No caso particular da relação com as codas, observa-se a diminuição do recurso à omissão e o aumento da metátese, especialmente a silábica. Em CCV, a metátese silábica acaba por suplantar a própria omissão da ramificação de ataque. O dado sugere um quadro de terminus do desenvolvimento caracterizado pelo exercício de trocas de posição de constituintes problemáticos no interior da sílaba. Tudo se passa como se a criança, apropriando-se da estrutura de constituintes da unidade silábica, jogasse com esse tipo de conhecimento - fundamental para uma aquisição definitiva da fonologia da sua língua.

5.Conclusão

O percurso de aquisição da fonologia constitui um modo de apropriação progressiva de representações fonológicas em contextos mais latos que o fonema. Ao longo deste percurso, a criança serve-se de um conjunto de recursos – os processos fonológicos – que constituem formas provisórias de relação com a sua língua.

Os dados explorados neste artigo puseram em evidência a diferenciação desses recursos ao longo do desenvolvimento. A criança não se limita a reduzir a quantidade de processos que usa mas, ao mesmo tempo, reconfigura o equilíbrio que é gerado pelo uso simultâneo de vários processos. Inicialmente a criança omite, depois passa a produzir imperfeitamente. No final do percurso, existem processos – como a metátese ou a semivocalização – que não poderiam ter sido usados no início do percurso. Processos

“sofisticados”, eles parecem sinalizar uma aproximação final ao modelo.A integração destes dados na avaliação da fonologia parece-nos construir um passo fundamental.

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Referências

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Cambridge: Cambridge University Press. 1979.

GRUNWELL, P. Assessment of child phonology in the clinical context. In C.

FERGUSON, L. MENN & C. STOEL-GAMMON (Eds.), Phonological Development:

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LAMPRECHT, R. A aquisição da fonologia do português na faixa etária dos 2:9 - 5:5.

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SCHRIBERG, L. & KWIATKOWSKI, J. Natural Process Analysis (NPA). New York:

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STAMPE, D. The acquisition of phonetic representation. Fifth Regional Meeting of the Chicago Linguistic Society. Chicago, IL., 1969.

Referências

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