• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.5 número2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.5 número2"

Copied!
25
0
0

Texto

(1)

BARREIRA, César. 1998. Crimes por En-comenda: Violência e Pist olagem no Cenário Brasileiro.Rio de Janeiro: Re-lume Dumará/ Núcleo de Ant ropolo-gia da Política.178 pp.

Antônio Rafael

Dou tora n d o, PPG AS-M N -UFRJ

C a d a ve z m a is, a firm a -se d e n tro d o ca m p o d e e stu d os sob re a violê n cia n o Bra sil, e m e sp e cia l d a crim in a lid a d e , o e n te n d im e n to d e q u e n ã o é p ossíve l tra ta r d os fe n ôm e n os a e le re la cion a d os se m le va r e m con ta a s va lora çõe s p ro-d u ziro-d a s p or a q u e le s q u e p a rticip a m ro-d os con te xtos viole n tos. Isso sig n ifica e le g e r com o ob je to d e e stu d o a s org a n iza çõe s ou a çõe s crim in osa s, a p a rtir d a re -p re se n ta çã o q u e se u s m e m b ros fa ze m d e si m e sm os e d e su a s p rá tica s. Se a violê n cia a p a re ce com o o O u tro q u e d e sn a tu ra liza a ord e m socia l, coloca n d o e m xe q u e se u s fu n d a m e n tos e m e ca n ism os d e coe sã o e d e sloca n d o id e n tid a -d e s p e ssoa is e g ru p a is, é n e ce ssá rio p e rce b e r q u e é im p ossíve l situ á -la fora d a e xp e riê n cia , a firm a n d o, d e ste m od o, cla ssifica çõe s a p riorística s com o p on to d e p a rtid a e d e su ste n ta çã o d o tra b a lh o e tn og rá fico. A violê n cia , com o d im e n -sã o im a n e n te a tod o ca m p o socia l, d e ve se r e n te n d id a com o a lg o q u e se p rod u z e q u e só e xiste sob form a s sociocu ltu -ra is e sp e cífica s (o q u e re coloca o q u e s-tion a m e n to a re sp e ito d a p ositivid a d e

d o con flito), e q u e só a tra vé s d a e xp e -riê n cia n a tiva , n o m om e n to e m q u e e s-ta se a rticu la com a e xp e riê n cia d e ca m p o d o in ve stig a d or, p od e se d a r a con h e ce r. O q u e n o lim ite e q u iva le a u m d e sloca m e n to d e p e rsp e ctiva : e sq u iva rse d e u m vié s sq u e p a rte d o Esta d o e re sp on d e e xclu siva m e n te à d e m a n d a p or p olítica s p ú b lica s p e n a is, fa -ze n d o u so d e m od e los ju ríd icos ou crim in ológ icos, e d e sig n a n d o, re fle xiva -m e n te , o a p a ra to ju ríd ico, p olicia l e p rision a l com o ob je to p rivile g ia d o d a a n á -lise .

(2)

m e n te ca p tu ra d os p or ta is org a n iza -çõe s, irã o torn a r-se re sp on sá ve is p e la con ve rsã o d o crim e e m le g a lid a d e . O q u e , ju n ta m e n te com o a p oio d os d e -te n tore s d e ca p ita l p olítico ou e con ôm i-co, p e rm ite a m a n u te n çã o d e u m “ la d o le g a l” d a org a n iza çã o com o con tra p on -to a a lg o q u e con tin u a m e n te se rá p os-to “ fora d a le i” .

O m od o com o o livro e stá org a n iza -d o re fle te o p róp rio m ovim e n to -d e a p ro-xim a çã o d o te m a p or p a rte d o a u tor. In i-cia -se a tra vé s d e m a té ria s d e jorn a is, e sp e cia lm e n te n o â m b ito d a ca m p a n h a p rom ovid a n o fin a l d o a n o d e 1987 e in ício d e 1988 p a ra a ca b a r com a p isto-la g e m n o Esta d o d o C e a rá . De sta s p ri-m e ira s in cu rsõe s su rg e a con sta ta çã o d e q u e ta is crim e s, h istorica m e n te , e stã o lig a d os a d u a s g ra n d e s ve rte n te s: o vo-to e a te rra . M a te ria liza -se n o a ssa ssi-n a to d e a d ve rsá rios, p a rticu la rm e ssi-n te q u a n d o se a p roxim a m a s e le içõe s, p ro-m ove n d o a re p rod u çã o d o ro-m a n d o p olí-tico, a ssim com o n o d e líd e re s ca m p on e se s e on volvid os on a org a on iza çã o e re -p re se n ta çã o d os tra b a lh a d ore s ru ra is. Ta l é a m a té ria d o se g u n d o ca p ítu lo, ju n ta m e n te com a a n á lise d e d ois ou tros m om e n tos e m q u e o fe n ôm e n o d a p is-tola g e m g a n h a visib ilid a d e : a C om issã o Pa rla m e n ta r d e In q u é rito sob re Pistola -g e m in sta la d a n o C on -g re sso N a cion a l n o a n o d e 1994, e u m e stu d o sob re a s e le içõe s d e 1996 e m M a ra ca n a ú , m u n icíp io d o Esta d o d o C e a rá . Este s e stu -d os, a lé m -d e e xp ore m o m o-d o com o a p istola g e m é a p re e n d id a e m d ife re n te s m om e n tos e con te xtos in stitu cion a is, in -trod u ze m o fe n ôm e n o e xp licita n d o a lg u n s d os m e ca n ism os q u e e stã o n a b a -se d o -se u fu n cion a m e n to (cito, com o e xe m p lo, a h ie ra rq u ia n a s cla ssifica çõe s m ora is d os crim e s, p rod u zid a s p e los jor-n a is; o d e sloca m e jor-n to d e u m crim e p olí-tico e m d ire çã o a o se u e n q u a d ra m e n to com o con flito in te rp e ssoa l; a te n ta tiva

d e con ve n ce r a op in iã o p ú b lica d e q u e a vítim a é re sp on sá ve l p e lo se u d e stin o – a m orte física p re ce d e n d o ou su ce -d e n -d o a m orte m ora l; a in se rçã o -d e p o-licia is n a p olítica e tod o o p roce sso d e la n ça r-se ca n d id a to m ovid o p or u m a p la ta form a q u e te m su a su ste n ta çã o n o com b a te à p istola g e m ).

(3)

e m vá ria s situ a çõe s, o lu g a r d e in te rro-g a d o? De ve d e m on stra r con h e cim e n to p ré vio sob re situ a çõe s e sp e cífica s n a s q u a is o e n tre vista d o te ve p a rticip a çã o ou u m a “ ig n orâ n cia força d a ” ? Afin a l, o q u e é e sta “ lóg ica d a su sp e ita ” (:31) q u e ta n to o p e sq u isa d or q u a n to os e n -tre vista d os p a re ce m p a rtilh a r d e n tro d e u m con te xto e m q u e o lim ite e n tre a in -ve stig a çã o sociológ ica e a in -ve stig a çã o p olicia l é tê n u e ? Por fim , e d e m od o m a is su b je tivo: q u a l é o lu g a r d o m e d o e e m p a tia ? Tod a s e sta s in d a g a çõe s n os re m e te m n ã o ta n to a p re ssu p ostos m e -tod ológ icos q u a n to à q u ilo q u e os in for-m a for-m : e scolh a s e stra té g ica s p osta s e for-m m ovim e n to n a te n ta tiva d e re d u zir a re -la çã o a ssim é trica con stitu tiva d o p ro-ce sso d e in ve stig a çã o, a ssim com o d e fu n d a r a re fle xivid a d e – “ o p e n sa r p e sq u isa n d o” (:33) – a tra vé s d a e xp licita -çã o d os câ n on e s d e n e u tra lid a d e e d is-ta n cia m e n to n a s p e sq u isa s sociológ i-ca s.

En tre tod a s a s h istória s colh id a s, d ois ca sos sã o tom a d os com o ve rsõe s e xe m p la re s. Em u m d e le s, o p rin cip a l p e rson a g e m a ssu m e su a vin cu la çã o com os crim e s d e p istola g e m , a in d a q u e te n h a u m a cla ra n oçã o d os riscos q u e corre a o e n tra r e m u m jog o q u e n ã o d o-m in a , o d o d iscu rso. N o se g u n d o ca so, o in d icia d o e m crim e s d e p istola g e m n e -g a se u e n volvim e n to, p osicion a n d o o m otor d e su a s a çõe s n o ca m p o d a h on -ra . De u m p ólo a ou tro, a s ca te g oria s d e “ vin g a d or” e d e “ p istole iro” vã o se n d o ob je tiva d a s, e xp on d o a s lim ita çõe s d e ta l cliva g e m (le m b ro q u e a d istin çã o e n tre “ p rofission a is” e “ vin g a d ore s” , e m e sp e cia l n o q u e se re fe re a o ca n g a ço, é re corre n te n os e stu d os sob re o te -m a ). N ã o se tra ta a q u i d e p rop or u -m a tip olog ia crista liza d a a tip a rtir d a s m otiva -çõe s forn e cid a s p e los in form a n te s, m a s d e p e rce b e r os e fe itos g e ra d os p e la e voca çã o d e u m m otivo ou ou tro q u a n

-d o -d o cu m p rim e n to -d e -d e te rm in a -d a a çã o. Só a ssim p od e m os a b a n d on a r o p roje to, se m p re re d u tor, d e b u sca r a s ca u sa s d a crim in a lid a d e e d irig ir n ossos e sforços p a ra a com p re e n sã o d o fu n cio-n a m e cio-n to re a l d a q u ilo q u e tom a m os co-m o ob je to d e n ossa in ve stig a çã o e d e tod o o con ju n to d e n orm a s e va lore s im -b rica d os n o p roce sso.

(4)

Por fim , va le re ssa lta r q u e a op çã o p or tra b a lh a r com fon te s d ive rsa s – m e ios d e com u n ica çã o; e n tre vista s; lite -ra tu -ra d e cord e l (a ssu n to d o ca p ítu lo q u a tro, e m q u e a b ord a a s re p re se n ta -çõe s p op u la re s d o fe n ôm e n o, te n d o com o con tra p on to a s h istória s d e ca n g a -ce iros e b a n d id os-h e róis) – p ossib ilitou a o a u tor foca liza r o te m a e m su a p olisse m ia . As m ú ltip la s ve rd a d e s q u e o fe -n ôm e -n o com p orta “ d e scorti-n a m -se ” e m su a s con clu sõe s, q u e , se m d ú vid a , m a is d o q u e e sg ota r o te m a , a p on ta m p a ra d e sd ob ra m e n tos fu tu ros e p a ra e fe itos con cre tos, e sca p a n d o, a ssim , d o e n ca p -su la m e n to e m u m te rre n o u n ica m e n te a ca d ê m ico.

BECKER, How ard S. 1998. Tricks of the Trade. How t o Think about your Re-search W hile You’re Doing It . Chica-go: Chicago University Press. 232 pp.

Elizabeth Travassos

Profª . d e Folclore e Etn om u sicolog ia , Un i-Rio

C om o n a p a rá b ola con ta d a n a s ú ltim a s p á g in a s d o livro, sob re p ortõe s in visí-ve is n o fu n d o d o m a r q u e tra n sform a m e m d ra g õe s os p e ixe s q u e p or a li p a s-sa m , torn a r-se sociólog o re q u e r u m a tra n sform a çã o p a ra a q u a l n ã o h á re ce i-ta . Se g u n d o H ow a rd Be ck e r, torn a -se cie n tista socia l q u e m p a ssa a “ p e n sa r sociolog ica m e n te ” d e form a rotin e ira . E a lg u m a s fe rra m e n ta s d o ra ciocín io so-ciológ ico p od e m se r sin te tiza d a s sob a form a d e tru q u e s a se re m e xe rcita d os n o d e corre r d e q u a lq u e r e stu d o q u e te n h a com o foco a vid a socia l, in d e p e n -d e n te m e n te -d o e n q u a -d ra m e n to -d iscip lin a r, q u e r e n volva a s té cn ica s q u a lita -tiva s d a e tn og ra fia , q u e r fa ça u so d e

su rv e y s e e sta tística s. A p a la vra tru q u e ,

a d ve rte o a u tor, n ã o d e ve se r e n te n d id a

com o p roce d im e n to sim p lifica d or: a o con trá rio, a lg u n s fora m siste m a tiza d os p or se u p ote n cia l d e com p le xifica çã o d a p e sq u isa .

Fa rta m e n te ilu stra d o p or e stu d os d a socie d a d e n orte -a m e rica n a – com d e s-ta q u e p a ra a s p e sq u isa s sob re in stitu i-çõe s (e scola s, p risõe s e tc.), su b g ru p os e com p orta m e n tos d e svia n te s –, o livro p re fe re a p e d a g og ia d os e xe m p los à d iscu ssã o d e te oria s a b stra ta s, vista s com ce rta d e scon fia n ça . N ã o se tra ta d e u m a in trod u çã o à m e tod olog ia d a s ciê n -cia s so-cia is q u e d e scre va su a s g ra n d e s m a trize s te órica s, m a s d e u m con vite à re fle xã o sob re p rob le m a s q u e p od e m se r le va n ta d os n o d e corre r d e u m a p e s-q u isa . Pa ra o a u tor, a p rod u tivid a d e d a re fle xã o é p rop orcion a l à ca p a cid a d e d e a b a n d on a r form a s con ve n cion a is d e olh a r a re a lid a d e socia l: n ã o é coin ci-d ê n cia a le m b ra n ça , n a in troci-d u çã o, ci-d o con stru tor d a s Wa tts Tow e rs, “ n aïf” q u e n ã o p e n sa va se u tra b a lh o n os te rm os e sta b e le cid os p e la a rte oficia l. Em a rte , com o e m sociolog ia , a s con ve n çõe s sã o p e rig osa s p orq u e e stre ita m o le q u e d e p ossib ilid a d e s.

O s tru q u e s e stã o ord e n a d os e m q u a tro ca p ítu los q u e ob e d e ce m à se -q ü ê n cia te m p ora l d e u m a in ve stig a çã o, com su a d e fin içã o d o ob je to, d e lim ita -çã o d o m a te ria l e m p írico, con stitu i-çã o d e con ce itos, a n á lise e in te rp re ta çã o. C om o ob se rva o a u tor, m e lh or d o q u e ve r ca d a ca p ítu lo com o u m a e ta p a é tra -tá -los, tod os, com o com p on e n te s in te rli-g a d os d e u m a re d e .

(5)

o ce n á rio su g e rin d o p ossib ilid a d e s m e ra m e n te virtu a is q u e p od e m se r con -fron ta d a s com o re a l. Ta l é o ca so d a “ h ip óte se n u la ” , p rop osiçã o q u e o p e s-q u isa d or la n ça sa b e n d o d e a n te m ã o q u e n ã o se rá con firm a d a , m a s cu ja re fu ta çã o p e rm ite e n xe rg a r re la çõe s a n te s in visíve is e con stru ir p rop osiçõe s vá lid a s. O u tra im a g e m é a d a con tin g ê n -cia (la rg a m e n te in sp ira d a p e lo te xto d e M a riza Pe ira n o sob re o re cu rso a o a ca so n o d iscu rso d e cie n tista s socia is b ra -sile iros), p rop osta com o a lte rn a tiva a o d ile m a e n tre d e te rm in a çã o e a ca so. As im a g e n s d a socie d a d e com o m a q u in im o e coim o org a n isim o p rovoca im , re sp e ctiva m e n te , os tra b a lh os d e “ e n g e n h a ria re ve rsiva ” (q u e re ve la com o fu n -cion a a m á q u in a ) e d e b u sca d e in te rco-n e xõe s d e p roce ssos. O u tros tru q u e s d e corre m d a su b stitu içã o d e im a g e n s d a s p e ssoa s com o tip os e d os ob je tos com o coisa s d ota d a s d e p rop rie d a d e s in trín se ca s p e la vid a socia l com o con -ju n to coord e n a d o d e a çõe s situ a d a s n o te m p o e n o e sp a ço. A su sp e ita d a s e xp lica çõe s ca u sa is d e te rm in ista s ta m -b é m torn a p re fe ríve l p e rg u n ta r “ com o” e m lu g a r d e “ p or q u e ” , tru q u e q u e con d u z a o a ch a d o d e p roce ssos, e xp lica -çõe s e xp re ssa s g e ra lm e n te sob a form a d e va riá ve is q u e só tê m e fe ito q u a n d o op e ra m e m con ju n to, e m ce rtos con te x-tos.

O ca p ítu lo se g u in te (“ Am ostra g e m ” ) a b ord a vá rios p rob le m a s e n g lob a d os n a q u e stã o m a is a m p la d o p a p e l d a s sin é d oq u e s n a ciê n cia socia l, isto é , p rob le -m a s re la tivos à d e li-m ita çã o d a p a rte ch a m a d a a re p re se n ta r u m tod o q u e se e stá e stu d a n d o, cu ja s fron te ira s ta m -b é m d e ve m se r d e m a rca d a s. Tra ta -se d e d iscu tir a s e scolh a s in e vitá ve is, q u e vã o d e sd e a d e fin içã o d o ob je to d e u m a d iscip lin a (o e xe m p lo d a d o é o d a e tn o-m u sicolog ia , q u e p re te n d e e stu d a r to-d a s a s m ú sica s, u m a tota lito-d a to-d e q u e a

p rá tica d os e stu d iosos d e sm e n te ) a té a a m ostra g e m d e ca sos q u e p e rm ite g e -n e ra liza çõe s le g ítim a s, p a ssa -n d o p e la sim p le s d e scriçã o d os fa tos ob se rva d os. J á q u e n e n h u m a d e scriçã o é com p le ta e n e u tra , re sta sa b e r o q u e e scolh e r, q u a is ca te g oria s g u ia m a p e rce p çã o e fa ze m a m e d ia çã o e n tre ob se rva r e d e s-cre ve r. Pa ra e vita r a a rm a d ilh a d a s e x-clu sõe s in con scie n te s, Be ck e r p rop õe tru q u e s q u e con siste m e m le va r o d e ta -lh a m e n to d a d e scriçã o a u m p on to e m q u e a in clu sã o d e fe n ôm e n os coloca e m xe q u e a s ca te g oria s d e p e rce p çã o: m a xim iza r a p ossib ilid a d e d e a p a re cim e n -to d o ca so sin g u la r e olh a r -tod o o e sp e ctro d e ca sos. M a is u m a ve z, a liçã o g e ra l é d e scon fia r d a s m a n e ira s con ve n -cion a is d e ob se rva r e ca te g oriza r a so-cie d a d e : “ [...] th e g e n e ra l solu tion of th e p rob le m is to con fron t ou rse lve s w ith ju st th ose th in g s th a t w ou ld ja r u s ou t of th e con ve n tion a l ca te g orie s, th e con ve n tion a l sta te m e n t of th e p rob le m , th e con ve n tion a l solu tion ” (:85).

A a p lica çã o d e ste s p roce d im e n tos e n con tra b a rre ira s n a org a n iza çã o socia l q u e se e stá e stu d a n d o – cu jos a g e n -te s tê m id é ia s sob re o q u e é re le va n -te p a ra a d e scriçã o –, n a s te oria s já d e se n -volvid a s, n a m a ior cre d ib ilid a d e q u e u m a org a n iza çã o h ie ra rq u iza d a con fe re à s d e fin içõe s d os g ru p os socia is d e sta -tu s e le va d o. A h ie ra rq u ia d e cre d ib ilid a ilid e ta m b é m a fe ta a ciê n cia socia l va lora n d o se u s te m a s com o m a is ou m e -n os re le va -n te s. O a u tor le m b ra , a liá s, q u e foi critica d o p or e scolh e r te m a s m e -n ore s, com o os m ú sicos d e b a re s d os a r-re d or-re s d e C h ica g o, a s ca rr-re ira s d e p ro-fe ssore s d e e scola s p ú b lica s e m e sm o o u so d e m a con h a q u e , p or volta d e 1950, n ã o tin h a a s d im e n sõe s d e u m “ p rob le -m a socia l” .

(6)

cu jos con ce itos sã o form a d os in d u tiva -m e n te . N a -m e d id a e -m q u e os con ce itos sã o “ g e n e ra liza çõe s e m p írica s” e p re s-su p õe m u m e xa m e e xte n sivo d os fe n ôm e n os a os q u a is se re fe re ôm , e le s ta ôm -b é m sã o u m ca so d e sin é d oq u e e g u a r-d a m a m a rca r-d a se le çã o q u e os g e rou . A p rocu ra d os ca sos e xclu íd os ou “ a n ôm a los” p od e força r u ôm a b e ôm vin d a re -d e fin içã o -d os con ce itos. Por ve ze s, isto sig n ifica d e sp ojá -los d e se u s a trib u tos a cid e n ta is p a ra q u e re te n h a m som e n te a s p rop rie d a d e s e sse n cia is d os fe n ôm e -n os q u e d e sig -n a m . O u tra form a d e re vi-sã o te m p or ob je tivo a la rg a r-lh e s o a l-ca n ce rom p e n d o com a s d e fin içõe s d o se n so com u m .

O ú ltim o ca p ítu lo, “ Lóg ica ” , d iscu te o tra ta m e n to d o m a te ria l e m p írico e d os con ce itos com o a p lica çõe s d a lóg ica clá ssica e d a lóg ica m a te m á tica d e G e org e Boole , e sq u e m a tiza d a e m “ ta -b e la -ve rd a d e ” q u e a lin h a tod a s a s p os-síve is re la çõe s e n tre u m ob je to e se u s p re d ica d os. N o ca so d a lóg ica clá ssica , o tru q u e re sid e n a “ d e scob e rta ” d a p re -m issa -m a ior d e u -m silog is-m o, p rop osi-çã o q u e n ã o é e xp licita d a p e los a tore s socia is ou p e la s te oria s sociológ ica s. O fu n cion a lism o, e xe m p lo d a d o p e lo a u -tor, re p ou sa e m u m a p re m issa m a ior sob re o e sta d o d e in te g ra çã o d a socie d a d e q u e p od e se r ob je to d e q u e stion a -m e n to. C o-m re la çã o à lóg ica d e Boole , Be ck e r m ostra com o d ive rsa s m e tod olo-g ia s d e se n volvid a s n a ciê n cia socia l, q u a n tita tiva s e q u a lita tiva s, p od e m se r form a liza d a s com o com b in a çõe s e n tre va riá ve is, p rop osiçõe s e n tre a s q u a is se e sta b e le ce m corre la çõe s ou re la çõe s d e ca u sa e e fe ito. Assim , a s ta b e la s q u e re -su m e m tip olog ia s, lista n d o h orizon ta m e n te ob je tos e ord e n a n d o ve rtica l-m e n te su a s p rop rie d a d e s, p od e l-m se r con ve rtid a s e m “ ta b e la -ve rd a d e ” . Es-ta s p rom ove m a in sp e çã o d a toEs-ta lid a d e d e com b in a çõe s p ossíve is, a lg u m a s in

-visíve is p a ra o a n a lista q u e tra b a lh a com u m n ú m e ro re strito d e ca sos oriu n -d os -d a p e sq u isa e m p írica . A lóg ica b oo-le a n a g e ra , p orta n to, u m con ju n to d e tru q u e s d e stin a d os a e xp lora r o â m b ito tota l d e fe n ôm e n os, d e n tre e le s os q u e sã o a p e n a s p ossib ilid a d e s lóg ica s.

Trê s m é tod os d e e sta b e le cim e n to d e tip olog ia s, d e sociólog os n orte a m e rica -n os, e xe m p lifica m os tru q u e s: a “ p

ro-p e rty sro-p ace an aly sis” (d e Pa u l La za

rs-fe ld e Alle n Bu rton ), a a n á lise q u a lita ti-va com p a ra titi-va (d e C h a rle s Ra g in ) e a in d u çã o a n a lítica (a ssocia d a a Alfre d Lin d e sm ith , e n tre ou tros). Tod a s a s ti-p olog ia s ti-p od e m se r e xti-p re ssa s com o “ ta b e la -ve rd a d e ” . N o p rim e iro ca so, cla ssifica m se fe n ôm e n os con form e sé rie s d e a trib u tos (se ja m e le s m e n su rá -ve is, e xp re ssos e m q u a n tid a d e s re la ti-va s ou sim p le sm e n te d icotôm icos, isto é , e stã o p re se n te s ou a u se n te s). C on form e cre sce o n ú form e ro d e a trib u tos ou va -riá ve is com a s q u a is tra b a lh a o a n a lista , a s ta b e la s se torn a m ile g íve is p orq u e con tê m u m n ú m e ro in tra tá ve l d e tip os. Um d os tru q u e s, a d ota d o p or La za rsfe ld , e ra a re d u çã o q u e fu n d e com b in a çõe s se m e lh a n te s d e a trib u tos. A op e -ra çã o in ve rsa ta m b é m é viá ve l e d e ve se r fe ita q u a n d o se d e se ja d e scob rir ou -tros tip os, isto é ou tra s p ossib ilid a d e s q u e p od e m se r tra n sform a d a s e m h ip óte se s a se re m con fron ta d a s com o m a óte -ria l e m p írico.

(7)

com b in a çã o ú n ica e con ju n tu ra l d e m ú ltip la s va riá ve is. N a tu ra lm e n te , a s form a s d e g e n e ra liza çã o le g ítim a e m ca d a u m a d a s a n á lise s d ife re m .

A te rce ira a lte rn a tiva , in d u çã o a n a -lítica , é a p rop ria d a a o e stu d o d e a p e n a s u m d os tip os ou ca sos p ossíve is d e u m a ta b e la , com o se o p e sq u isa d or foca liza s-se a p e n a s u m a d e su a s cé lu la s ou li-n h a s. Id e li-n tifica d a com o m é tod o e tli-n og rá fico e a té cn ica d e ob te n çã o d e d a -d os p or e n tre vista s, -d á orig e m a te oria s d e se n volvid a s a p a rtir d a s p a rticu la ri-d a ri-d e s ri-d os ca sos e m p íricos, te oria s q u e sã o re form u la d a s à m e d id a q u e su a s in a d e q u a çõe s se e vid e n cia m . O e xe m -p lo clá ssico d e ste m é tod o q u e , se g u n d o Be ck e r, re m on ta a J oh n Stu a rt M ill, G e org e H . M e a d e H e rb e rt Blu m e r, é a a n á lise d e Lin d e sm ith e m O p iate A d

-d iction , -d e 1947. A m e to-d olog ia -d e se u

p róp rio tra b a lh o sob re u su á rios d e m a con h a id e n tifica se com a in d u çã o a n a -lítica e a s liçõe s d e sse s a u tore s. De fa to, u m b om n ú m e ro d e p rob le m a s e se u s re sp e ctivos tru q u e s n a sce com o d e se n -volvim e n to d e d ica s ou su g e stõe s d e se u s p rofe ssore s H e rb e rt Blu m e r e Eve -re tt H u g h e s.

Pon tu a d o p or p ia d a s e e scrito n u m tom coloq u ia l q u e d e lib e ra d a m e n te a d ota d e fin içõe s sim p le s p a ra os g ra n -d e s con ce itos sociológ icos (org a n iza çã o social, por exemplo: “a situation in which m ost p e op le d o p re tty m u ch th e sa m e th in g in p re tty m u ch th e sa m e w a y m ost of th e tim e , p . 41), o livro tra d u z a op çã o d o a u tor p e la a çã o cole tiva coord e -n a d a com o ob je to p róp rio d a sociolog ia e a op çã o p e lo ca so a n ôm a lo, p e lo d e s-vio e p e la p ossib ilid a d e in u sita d a com o e stra té g ia d e p e sq u isa . As a rte s, sob re -tu d o lite ra -tu ra e m ú sica , sã o g ra n d e s in sp ira d ora s d o sociólog o, sob re tu d o q u a n d o p e rm ite m sa cu d ir a s im a g e n s con ve n cion a is d os ob je tos e a s ca te g o-ria s d e p e rce p çã o. N e ste se n tid o, 4’33”,

d e J oh n C a g e , e n ce rra ta m b é m u m a liçã o d e ciê n cia socia l, p ois é o e q u iva -le n te , n a cria çã o a rtística , d a s q u e stõe s b á sica s q u e u m sociólog o d e ve e n d e re -ça r a os fe n ôm e n os q u e d e sp e rta m se u in te re sse .

GRAHAM , Richard. 1997. Clientelismo e Polít ica no Brasil do Século XIX.Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. 542 pp.

Ivana Stolze Lima

Dou tora n d a e m H istória , UFF

Por q u e u m siste m a p olítico forja d o p a -ra a sse g u -ra r a m a n u te n çã o d a s h ie -ra r-q u ia s socia is, g a ra n tir a con tin u id a d e d a e scra vid ã o e d o virtu a l m on op ólio d a p rop rie d a d e fu n d iá ria p re cisou d e e le i-çõe s tã o con sta n te s e q u e ocu p a va m a a te n çã o d a s com u n id a d e s d u ra n te q u a -se tod o o a n o? Por q u e o ú ltim o p a ís a p ôr fim à e scra vid ã o, e ú n ica m on a rq u ia a m e rica n a tin h a u m n ú m e ro d e p e ssoa s e n volvid a s com o p roce sso e le itora l m a ior q u e o d e a lg u n s p a íse s e u rop e u s d a m e sm a é p oca ? C om o o clie n te lism o, q u e a sse g u rou o p re d om ín io socia l e p olítico d o ch e fe loca l sob re se u s p a re n -te s e a d e re n -te s, foi a b a se a tra vé s d a q u a l se con stru iu a ce n tra liza çã o p olíti-ca d e u m Esta d o “ m od e rn o” e fa m ilia r a o m e sm o te m p o? Esta s sã o a lg u m a s d a s orig in a is e in stig a n te s q u e stõe s le -va n ta d a s p or Rich a rd G ra h a m e m livro q u e e n riq u e ce d e cisiva m e n te a h isto-riog ra fia sob re a socie d a d e b ra sile ira d o sé cu lo XIX, m a s q u e n os le va a u m a in e vitá ve l e u m ta n to a n g u stia n te re fle -xã o sob re a s n ossa s p róp ria s cre n ça s e le itora is.

(8)

xto h istórico se m se p a ra r p olítica , re la -çõe s socia is, e e xp e riê n cia s cu ltu ra is. O clie n te lism o, a in d a q u e g e ra d o p a ra con solid a r a su p re m a cia d os p rop rie tá -rios d e te rra e e scra vos a rticu la d a a o p od e r ce n tra l, n ã o a p a re ce com o u m siste m a in fa líve l ou ise n to d e in ce rte za s e te n sõe s. O con trole socia l ob tid o n u n -ca foi a b solu to, e a s a m e a ça s d e d e sord e m , b re ch a s, sord e sob e sord iê n cia s, a n sie sord a -d e s con tin u a ra m a a tu a r. Ao tra ta r -d a s a n sie d a d e s d os líd e re s p olíticos, d a s m ob ilid a d e s socia is e e sp a cia is, G ra -h a m in d ica q u e su a p e rsp e ctiva n ã o e s-tá re strita à e lu cid a çã o d e u m m od e lo form a l, ou d e u m siste m a e m fu n cion a -m e n to p e rfe ito e h a r-m ôn ico, u -m a ve z q u e a te n sã o e o m ovim e n to e stã o p re -se n te s n o fe n ôm e n o q u e d e sve n d a .

A le g isla çã o, re la tórios m in iste ria is e d e ou tra s a u torid a d e s, m e m oria lista s, d iscu rsos p a rla m e n ta re s, e ou tra s p u b lica çõe s d o sé cu lo XIX fora m p e sq u isa -d os. M a s a s p rin cip a is fon te s -d o livro sã o corre sp on d ê n cia s oficia is e p e s-soa is, e m q u a n tid a d e form id á ve l, a q u e a a n á lise e m p re sta u m a in é d ita d im e n -sã o d e con ju n to, a p a rtir d a q u a l o a u tor in d ica a e xte n sã o n a cion a l d o clie n te -lism o. N o fu n d o m a is d o q u e isso, p ois a con stru çã o d o Esta d o ce n tra liza d o b a -se ou --se n a s re d e s clie n te lista s. N e g a --se u m a im a g e m m a is ou m e n os a tu a l, p rova ve lm e n te g e sta d a n a Prim e ira Re p ú -b lica , d e q u e o N ord e ste se ria o g ra n d e re sp on sá ve l p e lo a tra so d e u m su p osto p roje to d e m od e rn id a d e .

“ As e stru tu ra s d a p olítica ” , “ A a tu a -çã o p olítica ” e “ A p rá tica d o clie n te lis-m o” sã o a s trê s p a rte s d o livro a tra vé s d a s q u a is se vislu m b ra a vid a socia l e p olítica d o Im p é rio, e m u m a n a rra tiva circu la r. “ O Te a tro d a s Ele içõe s” é o ca -p ítu lo m a is in ova d or e -p od e se r e scolh i-d o com o e n tra i-d a , m e re ce n i-d o u m co-m e n tá rio co-m a is lon g o. A C on stitu içã o d e 1824 im p le m e n tou u m siste m a d e e le

(9)

d e d ife re n cia çã o. O s clie n te s d e m on stra va m le a ld a d e , ob e d iê n cia , re con h e -cim e n to; os p a trõe s re a firm a va m se u d om d e p rote çã o. Por tu d o isso o e sp e -tá cu lo d e via e p od ia se r a m p lo, b e m co-m o e sse n cia lco-m e n te p ú b lico, q u a se u co-m a fe sta , e m b ora u m a fe sta se m p re te n sa e q u e p od ia se r ta m b é m viole n ta .

N a s ig re ja s – on d e a n te s h a via sid o m on ta d o u m ce n á rio lig e ira m e n te d ife -re n te d a q u e le d os d ia s com u n s e q u e re corta va , n a h ie ra rq u ia socia l, a ord e m p olítica – ch e g a va m , oste n ta n d o a s in -síg n ia s oficia is d e ca d a ca rg o, o ju iz d e p a z e m e m b ros d a C â m a ra m u n icip a l, ocu p a n d o a m e sa e le itora l, sob e ra n a sob re o re su lta d o loca l d a s e le içõe s. Ao la d o d e ste s, o p a d re . A p a rtir d e 1842 ju n ta va -se a e ste s o d e le g a d o, p re se n ça d o d ista n te p od e r ce n tra l, q u e rou b a va d o ju iz d e p a z – e le p róp rio e le ito loca l-m e n te – o lu g a r d e p re sid e n te d a l-m e sa e ou tra s a trib u içõe s p olicia is e ju d icia is, m u d a n ça q u e n ã o se op e rou se m re a -çõe s viole n ta s.

Esp e lh a n d o o p a ra d ig m a fa m ilia r, a troca d e le a ld a d e e ob e d iê n cia p or p ro-te çã o e fa vore s con stitu ía a m a triz d a s re la çõe s socia is e n tre clie n te s e p a trõe s, re cria d a q u a se in d e fin id a m e n te e n tre os vá rios e stra tos socia is.

O virtu a l m on op ólio d a p rop rie d a d e d a te rra con sistia n ã o ta n to e m in te re sse e con ôm ico im e d ia to, m a s e m u m d e -cisivo in stru m e n to p olítico. Um g ra n d e p rop rie tá rio tra n sform a va se e fe tiva -m e n te e -m u -m ch e fe loca l a o for-m a r su a p róp ria clie n te la . Pod ia con se g u ir d os “ m ora d ore s” q u e ocu p a va m su a s te rra s a lg o p a re cid o com u m p e q u e n o e xé rcito, fosse p a ra tra b a lh a r e m a lg u m a e m -p re ita d a oca sion a l, -p a ra vota r ou -p a ra lu ta r. Ele ta m b é m con se g u iria livra r se u s p ote n cia is p rote g id os d o re cru ta -m e n to força d o, p od e roso in stru -m e n to d e con trole socia l, d a m e sm a form a q u e e n tre g a ria os re ca lcitra n te s.

Ta m b é m o g ove rn o ce n tra l – sim b o-liza d o n o p rim e iro p a i, o Im p e ra d or – fu n cion a va com o u m a e sp é cie d e p a d ri-n h o p a ra os ch e fe s loca is, cori-n stitu iri-n d o-se n a p rote çã o con tra a s te n sõe s socia is la te n te s, a o con trola r u m a re d e d e a u to-rid a d e s p a ra vig ia r a m a n u te n çã o d a ord e m p ú b lica . Fica va ca ord a ve z m a is cla ro q u e a a u ton om ia re g ion a l ou p rovin -cia l p od ia sig n ifica r p e rig o. O cu p a r a q u e la m e sm a re d e d e a u torid a d e e ra ob je tivo d os ch e fe s loca is, u m a ve z q u e sig n ifica ria a u m e n ta r su a clie n te la e p re stíg io. Su rg e d a í o se n tid o d a e xp re ssã o “ tom a r xp osse ” d os ca rg os xp ú -b licos, a in d a e m vog a . Por ou tro la d o, o g a b in e te m in iste ria l n e ce ssita va d a le a ld a d e d o ch e fe loca l p a ra con solid a r a ce n tra liza çã o p olítica . O s m in istros, m e sm o n om e a d os p e lo Im p e ra d or, d e -p e n d ia m d o C on g re sso. O s d e -p u ta d os e ra m e le itos p e los ch e fe s loca is. M a s os m in istros tin h a m o p od e r d e con trola r o p roce sso e le itora l a tra vé s d a s n om e a -çõe s, se ja p a ra fu n -çõe s d ire ta m e n te li-g a d a s à s e le içõe s, se ja p a ra ou tros ca r-g os q u e p re cisa ria m se r d e vid a m e n te re trib u íd os com le a ld a d e . C la ro q u e o p od e r q u e n om e a va ta m b é m a fa sta va . Tod a a re d e clie n te lista é m in u ciosa -m e n te e xp lora d a p or G ra h a -m , n e sse m ovim e n to d e d ire çõe s d isp e rsa s e à s ve ze s con tra d itória s e n tre o p od e r loca l e o ce n tra l.

A e stru tu ra p olítica re cria va a h ie -ra rq u ia socia l. A ca d a voto, p e d id o d e e m p re g o, con ce ssã o d e u m fa vor, ca d a u m re con h e cia su a p osiçã o d e in fe rior ou su p e rior, d e p e n d e n d o d a situ a çã o. Ate n d e r à s solicita çõe s d os clie n te s loca va e m q u e stã o a p róp ria p osiçã o co-m o p rote tor, co-m e sco-m o tra ta n d o-se d e u co-m m in istro d e Esta d o.

(10)

ro-ce d im e n tos clie n te lísticos. Su a cisã o n ã o e ra id e ológ ica ou p rog ra m á tica . A le a ld a d e p a rtid á ria , cu ja m a n u te n çã o n ã o e ra ta re fa fá cil, d ob ra va -se a n te s a u m a le a ld a d e p e ssoa l. Du ra n te a s ca m p a n h a s p rocu ra va m se a s a fin id a d e s fa -m ilia re s, a s a -m iza d e s, a s in flu ê n cia s, a s ob rig a çõe s m u ito m a is d o q u e se d e fe n -d ia u m a p la ta form a sin g u la r.

C u riosa m e n te , e ra com u m a p re o-cu p a çã o e m re a liza r e le içõe s ju sta s, o q u e sig n ifica va a ce ita r q u e os a d ve rsá -rios e m a lg u m m om e n to p a rticip a sse m d o p od e r. O s p olíticos a cre d ita va m -se p orta d ore s d e u m a a d e sã o p le n a a os p rin cíp ios con stitu cion a is e re p re se n ta -tivos.

Um a e sp é cie d e re ve za m e n to im p lí-cito e xp re ssa va com o ca d a p a rtid o ou fa cçã o, m a is d o q u e e sta r n o g ove rn o, a lm e ja va se r o g ove rn o. As te n sõe s e n -tre fa cçõe s ou e n -tre a u torid a d e s, se b e m a d m in istra d a s, p e rp e tu a va m o sis-te m a com o u m tod o.

Em b ora e sta b e le ça com o lim ite s te m p ora is d o livro o re in a d o d e D. Pe d ro II, e n tre 1840 e 1889, G ra h a m re fle -te sob re o con -te xto d e im p la n ta çã o d o re g im e re p u b lica n o a o a b ord a r a re for-m a e le itora l d e 1881 cofor-m o fru to d e tra n sform a çõe s socia is. A in trod u çã o d a s e le içõe s d ire ta s e a e xig ê n cia d e a l-fa b e tiza çã o re d u ziu o n ú m e ro d e h a b i-ta n te s e n volvid os n a s e le içõe s d e u m m ilh ã o p a ra 150 m il. O s a rg u m e n tos fa -vorá ve is à re form a e vid e n cia m q u e , com o fim im in e n te d a e scra vid ã o, e o risco d e q u e o siste m a , ta l com o e ra , n ã o fosse m a is ca p a z d e se rvir a se u s ob je ti-vos, os fa ze n d e iros a ce ita ra m a re stri-çã o a os a lfa b e tiza d os, b e m com o a n ova form a d e com p rova çã o d e re n d a . N o e n ta n to, a m u d a n ça e ra u m a a d a p ta çã o d o clie n te lism o, p ois os p roce d im e n tos b á sicos con tin u a ra m . A Re p ú b lica con -tin u ou ta n to com o voto re strito sob a n ova a p a rê n cia d e u n ive rsa l, q u a n to

com o clie n te lism o, d e sd e e n tã o torn a -d o fe -d e ra l. H a ve ria , e n tre ta n to, a g ora , n ovos ca rg os n a d isp u ta .

Fin a lm e n te , a n a rra tiva n ã o se g u e u m tom com u m e n tre a lg u n s b ra silia -n ista s -n orte -a m e rica -n os, p re te -n d e -n te a u m a d e scriçã o e m p írica n e u tra q u e d e sp e rta ce rto e n fa d o, a p e sa r d o m é rito d a s p e sq u isa s d e g ra n d e a lca n ce . Ao con trá rio, a le itu ra d e Clie n te lism o e

Política n o Brasil d o S é cu lo X IX é m a rca

-d a p e lo e n volvim e n to -d e su a e scrita . A u m e n te n d im e n to e stre ito d e q u e o clie n te lism o se ria u m fe n ôm e n o tip ica -m e n te b ra sile iro o a u tor con tra p õe u -m a sé rie d e re fe rê n cia s a lu g a re s e é p oca s n os q u a is fe n ôm e n os se m e lh a n te s tê m sid o a n a lisa d os.

GRUPIONI, Luís Doniset e Benzi. 1998. Coleções e Expedições Vigiadas: Os Et nólogos no Conselho de Fiscaliza-ção das Expedições Artísticas e Cientí-ficas no Brasil. São Paulo: Hucitec/ An-pocs. 341 pp.

M arco Antonio Gonçalves

Prof. d e An trop olog ia , PPG SA-IFC S-UFRJ

(11)

O a u tor re d e scob re e ste a ce rvo com o fon te icom p orta n te p a ra a cocom p re e n -sã o d o d e se n volvim e n to d a ciê n cia e d a s in stitu içõe s cie n tífica s n o Bra sil. Sob u m a a p a rê n cia b u rocrá tica , o a ce r-vo a p re se n ta u m a rica d ocu m e n ta çã o sob re a s e xp e d içõe s cie n tífica s, q u e re -ve la m p e rce p çõe s sob re “ p a trim ôn io” , “ ciê n cia ” , “ n a çã o” , e a s re la çõe s e e s-tra té g ia s q u e se e sta b e le ce ra m e n tre d ife re n te s cie n tista s e in stitu içõe s d e p e sq u isa n o Bra sil e n o e xte rior. O a r-q u ivo re ú n e on ze m il d ocu m e n tos b a s-ta n te d ive rsos – ca rs-ta s, ofícios, a s-ta s d e re u n iã o, re la tórios d e a tivid a d e s, lista s d e fre q ü ê n cia s, d e m on stra tivos d e p a -g a m e n tos, te le -g ra m a s, re corte s d e jor-n a is, fotog ra fia s – e é d e ta l form a a b ra n g e n te , q u e o a u tor te ve d e re a li-za r su ce ssivos re corte s a té ch e g a r a o n ú cle o d ocu m e n ta l q u e é se u ob je to p rivile g ia d o d e a n á lise : os p e d id os d e lice n ça p a ra e xp e d içõe s e tn og rá fica s, a n trop ológ ica s e a rq u e ológ ica s.

N a e stru tu ra d ocu m e n ta l d o a ce rvo d e sta ca m se os “ d ossiê s e xp e d icion á -rios” ; sã o, a o tod o, 437 d ossiê s, d os q u a is 61 sã o re la tivos a p e d id os d e lice n ça p a ra e xp e d içõe s cla ssifica d a s com o e t-n og rá fica s, a rq u e ológ ica s e a t-n trop oló-g ica s. N e ste u n ive rso, o a u tor foca liza cin co d ossiê s, d a n d o m a ior ê n fa se a d ois: os d e C la u d e Lé vi-Stra u ss e C u rt N im u e n d a jú , q u e con stitu e m o n ú cle o d o livro (ca p ítu los 4 e 5); a a n á lise d os ou tros trê s (C h a rle s Wa g le y; Willia m Lip k in d e Bu e ll Q u a in ; e Da vid M a y-b u ry-Le w is) in te g ra o ca p ítu lo 3.

A in te n çã o d e G ru p ion i é e n te n d e r com o e sse s e tn ólog os re a liza ra m su a s p e sq u isa s e a re la çã o d e sta s com su a s ca rre ira s fu tu ra s. N ã o a n a lisa , con tu d o, a s ob ra s d os p e sq u isa d ore s cu jos d os-siê s sã o in ve stig a d os, m a s sim o “ d osos-siê e m si m e sm o” . Se g u n d o o a u tor, “ a a n á -lise é con stru íd a d e d e n tro d o con ju n to d ocu m e n ta l p a ra fora d e le ” , e tn og ra fia

q u e “ im p lica e le va r o d ocu m e n to in ve s-tig a d o à con d içã o d e p a rte con stitu tiva d a a n á lise , e n ã o à d e m e ra ilu stra çã o” (:26-27). En tre ta n to, a e scolh a in icia l d o ob je to e os re corte s q u e p roce d e u a té ch e g a r a os d ossiê s e fe tiva m e n te a n a lisa d os im p lica m m e d ia çõe s q u e sã o im -p osta s -p or ou tros con te xtos q u e n ã o os d os d ossiê s tom a d os com o p e ça s isola d a s. Su a con ce p çã o d a h istória d a a n trop olog ia n o Bra sil, p or e xe m p lo, le va -o a u m re c-orte e sp e cífic-o d -o m a te ria l a se r a n a lisa d o, q u e , p or su a ve z, o le va a u m a cla ssifica çã o d os a u tore s e scolh i-d os e a u m i-d e te rm in a i-d o q u a i-d ro te m p o-ra l.

O ca p ítu lo 1, “ O C a m p o In d ig e n is-ta ” , loca liza o C on se lh o e m u m ca m p o b a sta n te h e te rog ê n e o q u e e n volvia d is-p u ta s, tra va d a s d e sd e o com e ço d e ste sé cu lo, sob re o lu g a r d os ín d ios n o p ro-je to d e con stru çã o n a cion a l, id é ia s e p rá tica s q u e circu la va m n a q u e le m o-m e n to e q u e fize ra o-m p a rte d a con stitu içã o e d a e la b ora içã o d e u m a p olítica in -d ig e n ista fom e n ta -d a p e lo Esta -d o b ra si-le iro. G ru p ion i, a p a rtir d o C on se lh o, re p e n sa o ca m p o in d ig e n ista , p rop on d o u m a la rg a m e n to d o m e sm o p a ra in cor-p ora r n ã o a cor-p e n a s a s ch a m a d a s cor-p olíticas

d e in te rv e n çõe s n as p op u laçõe s in d íg e n as, m a s ta m b é m a p rod u çã o d o con h e

(12)

d e n a çã o q u e o Esta d o e stá con stru in -d o” (:44).

N o ca p ítu lo 2, “ O C on se lh o d e Fis-ca liza çã o” , o a u tor fa z u m a a n á lise m i-n u ciosa d a e stru tu ra d o C oi-n se lh o, se u s ob je tivos, se u p a p e l fisca liza d or, d os p rin cíp ios q u e n orte a ra m su a cria çã o e d o d e b a te p olítico e m jog o. A in stitu i-çã o d o C on se lh o p rod u ziu u m u n ive rso d e ca te g oria s cla ssifica tória s com o “ e x-p e d içõe s cie n tífica s” , “ e xx-p e d icion á rio” , “ p e sq u isa d or” , “ e sp e cia lista ” , “ cole çõe s e tn og rá fica s” – ca te g oria s q u e n ã o e ra m , a té a q u e le m om e n to, con stitu tiva s d e u m ca m p o org a n iza d o. A p róp ria ca te g oria “ e xp e d içã o cie n tífica ” já e vid e n -cia u m a p e rce p çã o e sp e cífica d o q u e sig n ifica p e sq u isa e d o m od o com o e sta d e ve se r con d u zid a (p a ra p rod u çã o d e con h e cim e n to e p a ra a p rop ria çã o d e b e n s cu ltu ra is e cie n tíficos). O “ e xp e d icion á rio” – se ja e le n a icion a l se m vin cu -la çã o in stitu cion a l, ou e stra n g e iro – te m d e su b m e te r se u p roje to a o C on se lh o, q u e d ocu m e n ta su a s a tivid a d e s e lh e con ce d e u m a a u toriza çã o p a ra p e sq u isa . Pa ra ta n to, o C on se lh o cria a s fig u -ra s d e “ con se lh e iros” e “ con su ltore s” , m u itos d e ste s form a lm e n te vin cu la d os à s in stitu içõe s d e p e sq u isa n o p a ís, q u e p a ssa m a op in a r, ve ta r ou a u toriza r a s “ e xp e d içõe s cie n tífica s” . C om isso, o C on se lh o le g itim a va o “ p e sq u isa d or n a -cion a l” .

N o ca p ítu lo 3 ch e g a -se , fin a lm e n te , à a n á lise d os d ossiê s d os e tn ólog os. Sã o a n a lisa d os os d e C h a rle s Wa g le y, d e Willia m Lip k in d e Bu e ll Q u a in , e d e Da -vid M a yb u ry-Le w is. G ru p ion i ofe re ce u m vívid o q u a d ro d a a n trop olog ia d a q u e le p e ríod o, re con stitu in d o a s re la -çõe s e n tre p e sq u isa d ore s b ra sile iros e e stra n g e iros, re la çõe s q u e d e fin ira m in te re sse s e q u e stõe s sob re os q u a is a a n -trop olog ia n o Bra sil iria se d e b ru ça r n o fu tu ro. O a u tor re con strói a s con e xõe s d a e scola a m e rica n a d e a n trop olog ia –

p or m e io d e re p re se n ta n te s com o Boa s, Lin ton e Be n e d ict e d os e stu d os d e se n volvid os n o Bra sil p or se u s a lu n os Wa -g le y, Lip k in d , o ca sa l Wa tson , o ca sa l M u rp h y – com a s in stitu içoe s b ra sile ira s, u m a re d e q u e se con e cta va a H e -loísa Alb e rto Torre s e a os p e sq u isa d o-re s d o M u se u N a cion a l. A a n á lise d os d ossiê s re ve la n ã o a p e n a s a s d isp u ta s in stitu cion a is e n tre m u se u s e órg ã os d e p e sq u isa n o Bra sil e d e se u s re sp e ctivos p e sq u isa d ore s a p a rtir d o “ ca p ita l in te -le ctu a l” e stra n g e iro, m a s ta m b é m u m e stilo d e con d u çã o d a p e sq u isa e tn oló-g ica , se ja n o q u e se re fe re a os te m a s (e stu d os lin g ü ísticos, m u sica is, a cu ltu ra çã o e m u d a n ça , cu ltu ra m a te ria l, a n -trop om e tria ) ou a o p róp rio tra b a lh o d e ca m p o. M u itos d os p e sq u isa d ore s, d e n om in a d os “ e xp e d icion á rios” , fa zia m se a com p a n h a r p or m a te iros, ca rre g a -d ore s, cozin h e iros e a ssiste n te s, o q u e le va va o Se rviço d e Prote çã o a os Ín d ios a q u e stion a r n ã o a s “ b oa s in te n çõe s” e “ in te g rid a d e m ora l” d os p e sq u isa d ore s, m a s a d e se u s a com p a n h a n te s, q u e e n -tra va m e m con ta to com a s p op u la çõe s in d íg e n a s.

(13)

-vi-Stra u ss p a ra o corp u s e tn og rá fico su l-a m e rica n o, re con e cta n d o su a s p e s-q u isa s à su a p rod u çã o in te le ctu a l m a is a m p la . O a u tor con clu i q u e a re a l con -trib u içã o d e Lé vi-Stra u ss à e tn olog ia su la m e rica n a ficou ofu sca d a p e la e n -ve rg a d u ra d e su a ob ra q u e , se u ltra p a s-sa va o a m e rica n ism o trop ica l, n ã o d e xa va d e se r im p orta n te p a ra a con stitu i-çã o d e sse ca m p o d e e stu d os.

Pa ra a a n á lise d o d ossiê N im u e n d a jú (ca p ítu lo 5), o a u tor la n ça m ã o d e ou -tros d ocu m e n tos, p re se n te s n os a rq u i-vos d o M u se u N a cion a l, p a ra a va lia r a e fe tiva p a rticip a çã o d e sse e tn ólog o n o d e se n volvim e n to d a a n trop olog ia b ra sile ira . Re con strói a s re la çõe s d e N im u -e n d a jú com m u e u s, in stitu içõ-e s -e p -e s-q u isa d ore s n o Bra sil e n o e xte rior, p or m e io d a s q u a is e le se con stru iu com o “ cole cion a d or” e d e p ois com o “ p e sq u i-sa d or” . De scre ve n d o os in te re sse s p olíticos e a ca d ê m icos d e sse jog o d e a lia n -ça s, G ru p ion i re ve la o ca m p o e m q u e N im u e n d a jú se m ovim e n tou d u ra n te o te m p o e m q u e con trib u iu p a ra p rod u zir u m con h e cim e n to e tn ológ ico sob re a s p op u la çõe s in d íg e n a s b ra sile ira s.

Alé m d e p e rm itir com p re e n d e r m e -lh or u m d e te rm in a d o p e ríod o (19301945) d a a n trop olog ia p ra tica d a n o Bra -sil, a p a rtir d os m a te ria is d o a rq u ivo d o C on se lh o G ru p ion i a va lia , ta m b é m , a p rod u çã o d o con h e cim e n to n a e tn olo-g ia b ra sile ira . Su a h ip óte se sob re a s g ra n d e s in flu ê n cia s g e rm â n ica e a m e rica n a n a e tn olog ia n a cion a l, fu n d a m e n -ta -se n a con s-ta -ta çã o d e An n e -C h ristin e Ta ylor, se g u n d o a q u a l e m in ícios d os a n os 70 se p od ia m con ta r a p e n a s cin q ü e n ta m on og ra fia s sob re a s socie d a d e s d a Am a zôn ia , e n q u a n to ou tra re -g iã o d e i-g u a l ta m a n h o, o O e ste d a África , con ta va com m a is d e d u a s m il. Fra n -ça e In g la te rra con ce n tra va m se u s e s-forços e m con h e ce r su a s C olôn ia s, a o m e sm o te m p o e m q u e os a le m ã s te ria m

se volta d o p a ra a Am é rica , in flu e n cia n d o p rofu n d a m e n te a e tn olog ia n orte -a m e ric-a n -a com su -a s id é i-a s cu ltu r-a list-a s e d ifu sion ista s, e ta m b é m com os e stu -d os sob re os ín -d ios b ra sile iros.

Até h oje n ã o se e scre ve u u m a h istó-ria d a e tn olog ia p ra tica d a n o Bra sil, a p a rtir d e su a ob ra e scrita e p u b lica d a , q u e p e rm ita u m a a va lia çã o d a s con trib u içõe s d e se u d ive rsos a u tore s, lig a n -d o ca rre ira , p e sq u isa e ob ra con stitu í-d a . O s trê s volu m e s d a Bib liog rafia Crítica

d a Etn olog ia Brasile ira, sob re tu d o os

(14)

M AGALHÃES Nara. 1998. O Povo Sabe Vot ar, Uma Visão Ant ropológica. Pe-trópolis: Vozes/ Unijuí. 140 pp.

Irlys Alencar Firmo Barreira Profa . d o Prog ra m a d e Pós-G ra d u a çã o e m Sociolog ia , UFC

O títu lo d o livro é p rovoca tivo, con tra -ria n d o a fra se d e Pe lé , já con sa g ra d a p e lo se n so com u m , d e q u e “ o p ovo n ã o sa b e vota r” p orq u e tra n sform a m u ita s ve ze s e sse e xe rcício d e m ocrá tico e m le -g itim a çã o d e força s socia is con trá ria s a os se u s p róp rios in te re sse s. As id é ia s d e se n volvid a s n o livro d e N a ra M a g a -lh ã e s n ã o se fu n d a m e n ta m , e n tre ta n to, n a b u sca d e u m a p u re za ou e sse n cia li-d a li-d e con tili-d a s n a p rá tica p olítica li-d e ssa ca te g oria flu id a e d e d ifícil a p re e n sã o q u e n om e a m os “ p ovo” .

De m od o p e cu lia r, a p rá tica d o voto é a n a lisa d a com o e xp re ssã o d e u m a ló-g ica q u e n ã o re sid e n os con ce itos d e “ con sciê n cia p olítica ” , “ fa lsid a d e ” ou “ a lie n a çã o” . A trilh a m e tod ológ ica p e r-corrid a p e la a u tora é a d e b u sca r n os sig n ifica d os cu ltu ra is os m od os d e p e n -sa r e a tu a r n a p olítica , e n tre os q u a is se in clu e m a s m a n ife sta çõe s e le itora is. Essa n ã o é u m a ta re fa fá cil, p ois se o con -ju n to d a s re p re se n ta çõe s ou visõe s d e m u n d o q u e d e lim ita a s p rá tica s p olíti-ca s n ã o se e n q u a d ra n a s cla ssifiolíti-ca çõe s con ve n cion a is, com o b u sca r a lóg ica d a s op çõe s e le itora is? Q u e ra zõe s ju stifica m a e scolh a d e d ife re n te s ca n d id a -tos?

Atra vé s d o con ju n to d e d iscu rsos n e m se m p re con ve rg e n te s, e à s ve ze s a p a re n te m e n te d e scon e xos, a a u tora e xp lora a p re se n ça d e m itos ou visõe s d e m u n d o q u e fu n d a m e n ta m a te ia d e sig n ifica d os cu ltu ra is e in flu e n cia m a s con ce p çõe s sob re o p od e r e a p olítica . O q u e sig n ifica a p olítica p a ra a s p e

ssoa s com u n s, ou com o os g ru p os p op u la re s in te rp re ta m e d e cod ifica m a s m e n -sa g e n s q u e re ce b e m , con stitu e m os fios con d u tore s q u e g u ia m a p e sq u isa . As op çõe s e le itora is, n e ssa p e rsp e ctiva , te rm in a m fu n cion a n d o com o p orta s d e e n tra d a p a ra a n a lisa r va lore s sob re o p od e r e a p olítica .

Se g u n d o a s p a la vra s d a a u tora : “ N e sse tra b a lh o, n ã o p re te n d o e n con -tra r a ve rd a d e ira org a n iza çã o p op u la r n e m a p olítica a u tê n tica , n e m a m a is d e -m ocrá tica . M in h a in te n çã o é a p on ta r o g osto, o d e ta lh e , a m a n e ira p róp ria d e alguns grupos populares pensarem e pra-tica re m a p olípra-tica , e m e sp e cia l q u a n d o vota m ” (:19).

A p e rce p çã o d a p olítica e n q u a n to p rá tica e e la b ora çã o sim b ólica in corp o-ra a s e xp e riê n cia s q u e sã o cu n h a d a s e m ou tros d om ín ios d a vid a socia l e cu ltu ra l. De sta ca se n e sse p la n o a in flu ê n -cia d e Eva n s Pritich a rd , q u e , a p a rtir d e e stu d o re a liza d o e n tre os N u e r, b u scou com p re e n d e r a p olítica p a ra a lé m d a s in stâ n cia s oficia is d e re p re se n ta çã o. O e stu d o d e N a ra M a g a lh ã e s filia -se , p or-ta n to, a a u tore s q u e p e n sa ra m a p olítica e m se n tid o a m p lo: “ tom o a p olítica e n q u a n to re p re se n tação, ou se ja , n ã o a n a -liso a p olítica a p a rtir d e in stitu içõe s so-cia is, m a s te n to ca p ta r, a tra vé s d o q u e a s p e ssoa s d ize m e fa ze m com e la , co-m o a q u a lifica co-m , q u a l o sig n ifica d o q u e lh e a trib u e m . E a in d a , com o e ste sig n i-fica d o se a rticu la com u m im ag in ário cole tivo” (:29).

(15)

-m id or n a e la b ora çã o d e p e rce p çõe s so-b re a vid a socia l e p olítica . O s e le itore s n ã o sã o a ssim con sid e ra d os com o m e -ros a g e n te s p a ssivos, p ois e m ite m op i-n iõe s sob re o te m a d a p olítica , m e sm o e m situ a çõe s n a s q u a is d e cla ra m n ã o e n te n d e r d o a ssu n to.

Alg u m a s q u e stõe s tra ta d a s n o p e n sa m e n to clá ssico p e rp a ssa m a a b ord a -g e m d a p olítica d e u m a p e rsp e ctiva cu ltu ra l. Um a d e la s é a ru p ltu ra com o con -ce ito d e id e olog ia , q u e tra z im p lica çõe s p a ra a s n oçõe s d e fa lso e ve rd a d e iro. A p e rce p çã o d a id e olog ia com o visã o d e m u n d o, in sp ira d a n o p e n sa m e n to d e G ra m sci, p e rm ite ta m b é m p e n sa r a h e -g e m on ia com o u m p roce sso n ã o tota li-za d or e p e rm e á ve l à cria çã o d e n ovos b e n s cu ltu ra is. O s g ru p os p op u la re s a n a lisa d os a tu a m n o in te rior d e u m a circu la rid a d e d e b e n s sim b ólicos e m a -te ria is, n ã o ob sta n -te se re m p e ssoa s q u e p a rtilh a m sig n ifica d os con ve rg e n te s a re sp e ito d e d e te rm in a d o te m a .

A p e sq u isa , re a liza d a e m Porto Ale -g re , tra b a lh a com d ois ca m p os d e sg n i-fica d o. Um , p rod u zid o p or e sp e cia lista s p olíticos, ou tro, con stru íd o a tra vé s d e e le itore s a n ôn im os n ã o e n g a ja d os e m p a rtid os p olíticos e m ora d ore s d e b a irros p op u la re s e vila s op e rá ria s. O m a te -ria l e m p írico é cole ta d o e m d ife re n te s con ju n tu ra s, in clu in d o a s e le içõe s p a ra p re fe itu ra e m 1985 e 1992 e a s e le içõe s p re sid e n cia is d e 1989.

C on sta ta a a u tora q u e a in flu ê n cia d a p rop a g a n d a p olítica sob re a s e scolh a s e le itora is e n tre a s cla sse s p op u la -re s é im p orta n te , m a s n ã o in te ira m e n te d e cisiva . Isso p orq u e a s visõe s sob re a p olítica e os p olíticos e n con tra m -se m u ita s ve ze s crista liza d a s e m m itos ou ve rsõe s in corp ora d a s a o lon g o d o te m -p o. De ou tro la d o, os in te re sse s e va lo-re s n ã o sã o m on olíticos, in trod u zin d o g ra n d e com p le xid a d e à s op çõe s p or u m ou ou tro ca n d id a to.

O ca p ítu lo sob re a s e le içõe s m u n ici-p a is d e 1985 visa a ici-p re e n d e r o m od o co-m o o e le itor con strói su a s co-m otiva çõe s p a ra a e scolh a d e ca n d id a tos. A e xp lici-ta çã o d os m otivos p a ra o voto te rm in a re ve la n d o re p re se n ta çõe s n e g a tiva s so-b re o p od e r, a o la d o d e con ce p çõe s q u e a ssocia m a s e scolh a s e le itora is com a b u sca d e sa tisfa çã o d e in te re sse s: “ a s p e ssoa s vota m e m q u e m p od e fa ze r a l-g u m a coisa ” . C u rioso é ob se rva r q u e se vota p e los m e sm os m otivos e m ca n d i-d a tos com p e rfis ii-d e ológ icos i-d ife re n te s, a o m e sm o te m p o q u e se critica a p olíti-ca e o m u n d o d os p olíticos p e la tra içã o e p re se n ça d e “ se n tim e n tos m e sq u i-n h os” .

As ca n d id a tu ra s a o p le ito m u n icip a l d e 1985 tê m e m com u m a p e rsp e ctiva p e rson a lista q u e se e xp re ssa n a form a com o os ca n d id a tos sã o a p re se n ta d os. Existe m con sta n te s e voca çõe s a p olíti-cos n otá ve is com o Le on e l Brizola , ou Ta n cre d o N e ve s, q u e vã o corp orifica r a tra n sfe rê n cia d e cre d ib ilid a d e , re for-ça n d o o e le m e n to re tróg ra d o d e q u e o m a is se g u ro é a p osta r n o con h e cid o.

N a e xp lica çã o sob re a e ficá cia e vi-tória d e Alce u C olla re s à p re fe itu ra d e Porto Ale g re e m 1985, a solid a rie d a d e d e sta ca va -se com o va lor p rin cip a l, re s-sa lta d o p e los e n tre vista d os, q u e o via m com o p a rte in te g ra n te d o g ru p o. Su a vi-tória a ssocia -se , a ssim , a u m a im a g e m con stru íd a n o in te rior d e se tore s p op u -la re s, id e n tifica d os com su a con d içã o p orta d ora d e p ou co ca p ita l cu ltu ra l e e con ôm ico.

(16)

-sa m a s p e ssoa s a re sp e ito d o p od e r e d a p olítica .

N e ssa p e rsp e ctiva , a lóg ica p op u la r é m a rca d a p or a lg u n s p rin cíp ios d e id e n tifica çã o d e cla sse : “ o q u e m a is va i fa ze r p e los p ob re s” . O u tro p rin cíp io ta m b é m p re sid e a s e scolh a s: a s e le içõe s con stitu e m u m jog o n o q u a l g a n h a r é im p orta n te . O vota n te , n a con d içã o socia l d e p e rd e d or, tra n sform a se e m ve n -ce d or q u a n d o id e n tifica d o com o ca n d i-d a to vitorioso.

N o con ju n to d e im a g e n s q u e fu n -cion a m com o jog o d e e sp e lh os, p a ra u sa r u m a m e tá fora d a p róp ria a u tora , a ord e m sim b ólica e m a te ria l e n con tra m -se m e scla d a s, sin a liza n d o m ovim e n tos d e a p roxim a çã o e a fa sta m e n to n ã o re s-tritos a o â m b ito d a p olítica . É o ca so, p or e xe m p lo, d os a p e los re lig iosos ta m b é m a n a lisa d os n a p e sq u isa . As a rticu -la çõe s e n tre o ca m p o p olítico e o re g ioso, q u e se e xp re ssa m n o u so d a re lig iã o e m d iscu rsos p olíticos e n a s cre n -ça s já e xiste n te s n os e le itore s, con stitu e m u m a tôn ica q u e a tra ve ssa o con -ju n to d a s ca m p a n h a s. En q u a n to C ollor b ra n d ia a im a g e m d e Sã o Fra n cisco, Brizola p rivile g ia va a s re lig iõe s a fro-b ra sile ira s.

As in form a çõe s sob re a s e le içõe s p a ra p re fe ito e m 1992 fora m ob tid a s e m d ois b a irros p op u la re s d e n om in a d os In -te rca p e Vila Lu p icín io Rod rig u e s. N o b a irro In te rca p , a p olítica e o p od e r sã o id e n tifica d os com o d ista n te s e p orta d o-re s d e u m a n a tu o-re za p e rve rsa . Po-re va le ce a í u m a visã o h ie rá rq u ica d o p od e r e u m a a titu d e d e om issã o q u e su p õe m a im -p ossib ilid a d e d e n a d a in te rfe rir e m a lg o con sid e ra d o d ista n te e in a ce ssíve l. A Vila Lu p icín io Rod rig u e s p e n sa p olítica com o u m jog o d e va n ta g e n s m a te ria is, e m q u e o voto é d a d o p a ra o ca n d id a to q u e va i fa ze r b e n fe itoria s u rb a n a s.

N o e m a ra n h a d o d e op in iõe s sob re a p olítica , con clu i a a u tora q u e “ e xiste

u m a lóg ica n a m a n e ira com o os g ru p os p op u la re s e n ca rn a m a p olítica e os p olí-ticos, e m e sp e cia l q u a n d o vota m , q u e e xtra p ola o m om e n to d e u m a e le içã o” . Essa lóg ica d iz re sp e ito a u m im a g in á -rio sob re a p olítica q u e os le va a a g ir d e m a n e ira sin g u la r, p a ra a lé m d e n oçõe s corre n te s g e ra d a s n o se n so com u m e n a s a b ord a g e n s a ca d ê m ica s, q u e e xp li-ca m a s e scolh a s e le itora is a p a rtir d e va riá ve is com o d e sin form a çã o, d e sp oli-tiza çã o ou a lie n a çã o.

O tra b a lh o e n fre n ta , p orta n to, o d e -sa fio d e b u sca r e n tre a s p osiçõe s e vi-vê n cia s d ife re n cia d a s a e xistê n cia d e u m u n ive rso com p le xo d e se n tid os. Ta -re fa d ifícil, q u e su p õe u m a su p e ra çã o d a crista liza çã o d e op in iõe s colh id a s e m u m te m p o, p re se n te s e m fra se s com o “ a s cla sse s p op u la re s p e n sa m ” ou “ a s cla sse s p op u la re s a g e m ” . O risco d e sse tip o d e a b ord a g e m é o d e e n g e ssa r op i-n iõe s circu i-n sta i-n cia is, coloca i-n d o-a s com o se n d o a “ ve rsã o d a s cla sse s p op u la re s” . Re p rod u zse a ssim , e m ou tra s p a -la vra s, os con ce itos d e a lie n a çã o ou fa l-sa con sciê n cia . Em u m a p e rsp e ctiva d i-fe re n te , a a b ord a g e m e tn og rá fica e su a s im p lica çõe s d e ord e m te órica e m e tod ológ ica te rm in a m g u ia n d o u m a p e sq u isa d ora cu riosa e p ou co a fe ita a g e n e ra liza çõe s fá ce is.

(17)

-d o p rin cip a lm e n te os b a irros p op u la re s. O p ovo sa b e vota r, a firm a o tra b a -lh o d e N a ra M a g a -lh ã e s, rom p e n d o com a s a b ord a g e n s tra d icion a is sob re e le i-çõe s, q u e p e n sa m a s d im e n sõe s n e g a ti-va s d a p olítica com b a se n a p re te n sa

ir-racion alid ad e d o e le itor. Esse sa b e r é ,

n o e n ta n to, com p le xo, d e ve n d o se r su b -m e tid o a o crivo d a s con stru çõe s si-m b ó-lica s q u e se d im e n ta m o u n ive rso d a cu ltu ra e d a p olítica .

NARAYAN, Uma. 1997. Dislocat ing Cult ures: Ident it ies, Tradit ions, and Third World Feminism.New York/ Lon-don: Routledge. 226 pp.

João Feres Jr.

Dou tora n d o e m C iê n cia Política , C ity Un ive rsity of N e w York

Dislocatin g Cu ltu re s é u m a d a s con

tri-b u içõe s m a is p rovoca n te s e cria tiva s q u e a p a re ce ra m n o ce n á rio a ca d ê m ico a m e rica n o d os ú ltim os a n os. A a b ord a g e m e scolh id a p or N a ra ya n a b re u m le q u e d e p ossib ilid a d e s in te rd iscip lin a re s, sa cu d in d o a s fron te ira s q u e se p a -ra m os círcu los a ca d ê m icos. O e sp a ço e p istê m ico ocu p a d o p e la ob ra te m im -p orta n te s in te rse çõe s com te oria fe m i-n ista , e stu d os d e g ê i-n e ro, a i-n trop olog ia , e stu d os d a cu ltu ra , ciê n cia p olítica , h is-tória , e p iste m olog ia d a s ciê n cia s socia is e e stu d os d o colon ia lism o. O livro é u m e stu d o cu id a d oso d a con stru çã o d o p a -p e l d a m u lh e r e m u m a socie d a d e -p ós-colon ia l, a Ín d ia . Su a p rin cip a l virtu d e é o d e sve n d a m e n to d a s m ú ltip la s con e xõe s q u e lig a m a cu ltu ra à p olítica a tra -vé s d o p e ríod o h istórico q u e va i d o co-lon ia lism o in g lê s d o sé cu lo XIX à Ín d ia con te m p orâ n e a .

O livro é com p osto p or cin co ca p ítu -los/ e n sa ios sob re te m a s re la cion a d os. O

p rim e iro ca p ítu lo in trod u z o p rob le m a d o fe m in ism o e m p a íse s d o Te rce iro M u n d o. N a ra ya n d e fin e -se com o u m a fe m in ista d o Te rce iro M u n d o, m a s im e -d ia ta m e n te fa z q u e stã o -d e e scla re ce r q u e a ssu m e e ssa “ id e n tid a d e ” com a ú n ica fin a lid a d e d e e xp licita r su a “ loca liza çã o” , e n ã o d e a ssu m ir u m con -ju n to fixo d e va lore s e sa b e re s d a “ cu l-tu ra ” à q u a l p e rte n ce . Ao se loca liza r, a a u tora d e fin e o ca m p o d e força s d a q u i-lo q u e é o p rob le m a p rin cip a l d o ca p í-tu lo: a via b ilid a d e d e u m p e n sa m e n to e u m a a çã o fe m in ista s e m u m con te xto te rce irom u n d ista . Dois p ólos d e re sistê n cia à im p la n ta çã o d e sse p roje to im e d ia ta m e n te se re ve la m : p or u m la d o, fe -m in ista s d os p a íse s d o Pri-m e iro M u n d o q u e tê m , m u ita s ve ze s, u m a a titu d e d e su sp e içã o e m re la çã o à s su a s cole g a s d e ou tros p a íse s; p or ou tro, g ru p os lo-ca is q u e tê m in te re sse n a con se rva çã o d e p rá tica s d iscrim in a tória s id e n tifica -d a s com a “ tra -d içã o cu ltu ra l” .

(18)

q u e p or trá s d e ssa s crítica s e stá a n oçã o im p e ria lista d e q u e o O cid e n te é d in â -m ico e p lu ra l, e n q u a n to socie d a d e s d o “ re sto” d o m u n d o e stã o a p rision a d a s p or cu ltu ra s tra d icion a is im orre d ou ra s. De a cord o com e sse p re con ce ito, o fe -m in is-m o, p or lu ta r p e la -m u d a n ça d os h á b itos e va lore s, só ca b e n o O cid e n te . Se g u in d o e ste ra ciocín io, e m con te xtos te rce irom u n d ista s o fe m in ism o só p od e se r visto com o u m p rod u to im p orta d o d o O cid e n te , e xótico e m a l a d a p ta d o, u m a form a d e d e se sta b iliza r os va lore s d a “ tra d içã o” loca l. A re sp osta d e N a -ra ya n d e se n volve -se a t-ra vé s d os ca p ítu los d o livro, m ostra n d o q u e , a o con trá rio d o p re con ce ito ocid e n ta l, a socie d a d e in d ia n a é re p le ta d e va lore s e in -te re sse s con flita n -te s, e e m con sta n -te tra n sform a çã o h istórica .

N a ra ya n com e ça o C a p ítu lo 2 u sa n -d o o livro G y n / Ecolog y -d e M a ry Da ly (1978) com o e xe m p lo d os p re con ce itos con tid os n a a titu d e fe m in ista p rim e iro-m u n d ista . N e ssa ob ra , Da ly d iscu te o

S ati – im ola çã o ritu a l d a viú va n o fu n e

-ra l d o m a rid o. N a -ra ya n a rg u m e n ta q u e a d e scriçã o a p re se n ta d a p or Da ly é d e fa to u m a d e sca ra cte riza çã o d o S ati, q u e re tira e ssa p rá tica d e se u con te xto socia l e h istórico p a ra con fe rir a e la u m lu -g a r fixo n a “ cu ltu ra in d ia n a ” . A a u tora m ostra q u e o S ati foi p ra tica d o n o p a s-sa d o e m a p e n a s a lg u m a s re g iõe s d a Ín d ia ; n ova s ocorrê n cia s sã o e xtre m a -m e n te ra ra s e re strita s e xclu siva -m e n te à q u e la s re g iõe s. Da ly, con tu d o, d á a e n te n d e r q u e o S ati é u m a p rá tica corre n -te q u e a m e a ça a vid a d e g ra n d e p a r-te d a s m u lh e re s in d ia n a s a in d a h oje . N a -ra ya n a cu sa Da ly d e d e sp re za r a h istória d o S ati e se u p a p e l n a socie d a d e in -d ia n a -d o p a ssa -d o e -d o p re se n te . Isso é con se q ü ê n cia d e u m a p ostu ra colon ia -lista , p ois n e g a q u e a socie d a d e e m q u e stã o te n h a u m a h istória , e , p orta n to, e ste ja su je ita à tra n sform a çã o.

N a ra ya n n ã o se lim ita a d ize r o q u e n ã o d e ve se r fe ito, e , log o a p ós a p on ta r a s fa lh a s n o te xto d e Da ly, a p re se n ta su a p róp ria in te rp re ta çã o sob re o fe n ôm e n o d o S ati. Se g u n d o a a u tora , a in -corp ora çã o d o S ati à “ tra d içã o” in d ia n a d e ve se r e n te n d id a com o u m p rod u to d a re la çã o colon ia l e n tre n a cion a lista s in d ia n os e colon iza d ore s in g le se s. O s vá rios g ru p os n a cion a lista s d a Ín d ia colon ia l b u sca ra m forja r u m a “ cu ltu ra n a -cion a l” q u e fosse ca p a z d e u n ifica r os p ovos d o su b con tin e n te e m torn o d a lu -ta p e la in d e p e n d ê n cia p olítica . N e sse p roce sso, m u itos u sos re g ion a is e a n -ce stra is, com o é o ca so d o S ati, a d q u irira m a a p a rê n cia d e ca irira cte rística s tirira -d icion a is -d a cu ltu ra n a cion a l in -d ia n a . A in corp ora çã o d o S ati à “ tra d içã o” , p oré m , se m p re foi u m a q u e stã o d e d isp u -ta e n tre g ru p os con se rva d ore s p a tria r-ca lista s – q u e via m n a p rá tir-ca m a is u m in stru m e n to d e d om in a çã o d a s m u lh e -re s – e g ru p os n a cion a lista s p rog -re ssis-ta s, q u e re je issis-ta va m tossis-ta lm e n te e sse u so. O s in g le se s ta m b é m se in te re ssa ra m p e la n a cion a liza çã o e tra d icion a liza çã o d o S ati, p ois ta l p rá tica a ce n tu a va o ca rá te r b á rb a ro e in civiliza d o d os in d ia -n os, e , p orta -n to, a ju d a va a ju stifica r o colon ia lism o.

Se g u n d o N a ra ya n , o S ati p ra tica m e n te d e sa p a re ce u d e p ois d a In d e p e n -d ê n cia in -d ia n a . Ela e n tã o e xa m in a -d u a s ra ra s ocorrê n cia s re ce n te s e m ostra q u e , e m a m b os os ca sos, a m orte ritu a l d a e sp osa n ã o foi p rod u to d o fu n cion a m e n to org â n ico d e u m a socie d a d e tra -d icion a l. Pe lo con trá rio, o q u e ocorre u foi a m a n ip u la çã o d a id é ia d o S ati com o tra d içã o p e la s a u torid a d e s loca is e p e la fa m ília d o m a rid o, com fin s p olíticos e p e cu n iá rios.

(19)

li-te ra tu ra ocid e n ta l d e lín g u a in g le sa so-b re a p rá tica in d ia n a d o a ssa ssin a to p or d ote p a ra d e m on stra r q u ã o p re con ce i-tu osa s e p re n h e s d e n oçõe s colon ia lis-ta s e la s sã o. N e sse m e sm o ca p ítu lo a a u tora fa z u m a com p a ra çã o e n tre os n í-ve is d e violê n cia d om é stica n os EUA e n a Ín d ia e ch e g a à “ su rp re e n d e n te ” d e scob e rta d e q u e e le s se e q u iva le m . Pa ra ta n to, N a ra ya n d e scon strói o m é -tod o q u a n tita tivo e m p re g a d o p e la s ciê n cia s socia is, a ca b a n d o p or d e sve la r a a rb itra rie d a d e d a s ca te g oria s e m p re g a d a s p e la lite ra tu ra a ca d ê m ica e a m a -n e ira com o a e scolh a d e ssa s ca te g oria s in flu e n cia o re su lta d o d a p e sq u isa . Se -g u n d o a a u tora , o in te le ctu a l ocid e n ta l te n d e a e n fa tiza r a d ife re n ça e m e n os-p re za r a s ca ra cte rística s d a s socie d a d e s d o Te rce iro M u n d o q u e sã o com u n s à s d os “ p a íse s d e se n volvid os” . Um a con -se q ü ê n cia d e ssa d istorçã o é a e scolh a d e va riá ve is d e a n á lise q u e su p e rre p re se n ta m os a sp e ctos “ e xóticos” d a -q u e la s socie d a d e s.

O q u a rto ca p ítu lo é u m a re fle xã o sob re os d ife re n te s p a p é is d e se m p e n h a -d os p or in te le ctu a is -d o Te rce iro M u n -d o no contexto acadêmico do Primeiro Mund o. Ba se a n Mund ose e m p a rte n a su a tra je tória d e vid a , N a ra ya n in icia u m a im -p orta n te re fle xã o sob re a a n tro-p olog ia e os e stu d os d a cu ltu ra n o O cid e n te , e a m a n e ira com o in d ivíd u os d e “ fora ” sã o tra ta d os p or p rofission a is d e ssa s d isci-p lin a s. Se m ca ir n a solu çã o irre a l d o a b a n d on o d e q u a lq u e r rotu la çã o, a a u -tora p rop õe u m a tá tica d e a p re se n ta çã o n a q u a l o in d ivíd u o d e “ fora ” se u tiliza d os p róp rios p re con ce itos con tid os n o olh a r d o ou tro p a ra d e scon tru ir e sse s p re con ce itos e in fu n d ir u m a p e rsp e cti-va crítica a o e n con tro.

O ú ltim o ca p ítu lo d o livro le va o n o-m e d e “ C oo-m e n d o C u ltu ra s” (“ Eatin g

Cu ltu re s”) e fu n cion a , d e fa to, com o

u m a sob re m e sa a o fim d e u m a la u ta re

-fe içã o. N a ra ya n com e ça o ca p ítu lo com a re ve la çã o, su rp re e n d e n te p a ra m u i-tos, d e q u e o te m p e ro cu rry – u m p ro-d u to in te rn a cion a lm e n te re con h e ciro-d o com o g e n u in a m e n te in d ia n o –, é d e fa to u m a cria çã o colon ia l in g le sa . O s in -d ia n os -d e ve r-d a -d e com e m m assalas, q u e sã o com b in a çõe s va ria d a s d e te m p e ros q u e m u d a m d e a cord o com o p ra -to e a re g iã o on d e e le é p re p a ra d o. O s in g le se s fora m os re sp on sá ve is p or tra n sform a r u m m assala q u a lq u e r e m u m p rod u to in d u stria l, a o q u a l d e ra m o n om e d e cu rry . A a u tora m ostra q u e n a Ín d ia a com id a a ssu m iu u m im p orta n te p a p e l p olítico e cu ltu ra l. M u itos n a cio-n a lista s icio-n d ia cio-n os u sa ra m a cu licio-n á ria com o fa tor d e a g lu tin a çã o cu ltu ra l e org u lh o p e ra n te a in cip ie n te cu lin á ria in g le -sa . A com id a , p oré m , p od e se r ta m b é m fa tor d e g e ra çã o d e p re con ce itos e d ivi-sã o in te rn a e m u m p a ís com ta n ta s cu l-tu ra s, lín g u a s e h á b itos a lim e n ta re s: m u çu lm a n os com e d ore s d e ca rn e b ovin a , h iovin d u s ve g e ta ria ovin os d o su l, iovin d ia -n os ca r-n ívoros d o -n orte e tc.

N a ra ya n n a sce u e p a ssou su a in fâ n -cia n a Ín d ia , e stu d ou n a In g la te rra , e , m a is ta rd e , m u d ou -se p a ra os EUA p a ra p rosse g u ir e m su a ca rre ira a ca d ê m ica . Ao lon g o d e su a vid a , a a u tora con ta te r sid o e xp osta a u m se m n ú m e ro d e e n con tros n os q u a is foi ch a m a d a a a ssu m ir u m a id e n tid a d e q u e lh e e ra d e scon -fortá ve l. O d e scom p a sso e n tre a visã o d o ou tro sob re o su je ito e a a u toim a -g e m d e sse su je ito te m sid o u m a ssu n to re corre n te n a filosofia e n a s ciê n cia s socia is. Essa q u e stã o e n con tra se n a Fe

-n om e -n olog ia d o Esp írito, d e H e g e l, -n o S e g u n d o S e x o, d e Sim on e d e Be a u voir

e ta m b é m n o livro d e N a ra ya n ,

Dislocatin g Cu ltu re s. Em su a â n sia d e re sp on

Referências

Documentos relacionados

Conclusão: a mor- dida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças, havendo associação estatisticamente signifi cante entre hábitos orais

Mas existe grande incerteza sobre quem detém esses direitos em certas áreas do Brasil rural.. Esta é a posição do Brasil em relação à segurança de direitos de propriedade de

utilizadas popularmente, há o fato de que a fitoterapia representa parte importante da cultura dos povos, sendo parte de saberes utilizados e difundidos pelas populações ao longo

Como membro do Museu Nacional e do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil a cientista percorreu: o Distrito Federal (que na

Digitalizado em formato PDF, nítido, enviado INDIVIDUALMENTE em seu campo correspondente, caso possua frente e verso ou várias páginas será necessário juntar

2º Dia – Masai Mara (Pensão Completa) após o pequeno-almoço, transfer para o aeroporto Wilson e voo com destino à Re- serva Nacional de Masai Mara, considera- da a pérola da

Entradas Bandeiras Expedições oficiais Expedições particulares Apresamento Sertanismo de Contrato Prospector

Refeições e bebidas não especificadas; despesas e responsabilidades decorrentes de acidentes ocorridos no período do evento que não sejam COBERTAS pelo seguro