• Nenhum resultado encontrado

CLASSICAL AND BYZANTINE MONOGRAPHS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "CLASSICAL AND BYZANTINE MONOGRAPHS"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

CLASSICAL

AND

BYZANTINE MONOGRAPHS

Edited by

M. JUSTINO MACIEL, CÁTIA MOURÃO AND JORGE TOMÁS GARCÍA

VOL. LXXXV

(2)

IMAGENS DO

PARADEISOS

NOS

MOSAICOS DA HISPANIA

(3)
(4)

© Editora ADOLF M. HAKKERT - PUBLISHER –AMSTERDAM, 2016

ISSN 1381-2955

ISBN 978-90-256-1310-5

© M. Justino Maciel, Cátia Mourão e Jorge Tomás García (Edição)

Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projecto UID/PAM/00417/2013.

Fotografia de capa: Mosaico de Orfeu. Siglos II-III. Museo de Zaragoza.

(5)
(6)

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 8-9

IMAGENS DO PARADEISOS NOS MOSAICOS DA HISPANIA

As muralhas da cidade terrestre e da cidade celeste na musivária hispano-romana

Francine ALVES

11-23

Orfeo en los mosaicos de Oriente, de África, de Hispania y de Britannia

José María BLÁZQUEZ 24-48

Le paysage nilotique, «paradis perdu» des pygmées dans les mosaïques romaines d’Hispanie

Ismérie BOISSEL

49-65

O thiasos báquico rumo ao paradeisos.

O exemplo do mosaico de Vale do Mouro (Coriscada, Meda)

António Sá COIXÃO, Cristina Fernandes de OLIVEIRA e Virgílio Hipólito CORREIA

66-88

Vinculación de la belleza y la sensualidad femenina con el paradeisos, en los mosaicos hispanorromanos.

Mercedes DURAN PENEDO

89-104

Do mosaico para o mármore: alguns casos de representação do paradeisos

em suporte pétreo no conuentus Pacensis entre os séculos IV e VIII Jorge FEIO

105-119

Assenhorear-se da Natureza: o exemplo das figuras humanas de Villa Cardílio

Maria de Jesus Duran KREMER 120-133

O acanto como planta excelsa do paradeisos.

Relações entre o mosaico e a escultura na Antiguidade em Portugal Filomena LIMÃO

134-148

O Paradeisos no mosaico: quod significat et quod significatur

M. Justino MACIEL 149-158

Imágenes del paradeisos en mosaicos de Itálica

Irene MAÑAS ROMERO 159-178

Imágenes de la Aura Ætas en la musivaria hispánica

Guadalupe LÓPEZ MONTEAGUDO 179-201

IMAGENS DO

PARADEISOS

NOS MOSAICOS DA HISPANIA

(7)

A vindima nos mosaicos hispano-romanos como expressão de um ecumenismo paradisíaco Cátia MOURÃO

202-224

El paradeisos acuático en los mosaicos de Hispania

Luz NEIRA 225-244

A Villa romana do Rabaçal (Penela, Portugal) como recessus

e o jogo das diferenças nas molduras dos mosaicos do Outono e do Inverno Miguel PESSOA

245-269

El jardín del paradeisos en los mosaicos de Hispania

María Pilar SAN NICOLÁS PEDRAZ 270-288

O paradeisos vegetal nos mosaicos romanos do território português

Licínia Nunes Correia WRENCH 289-303

VARIA

Os mosaicos da Antiguidade Tardia em Portugal

Virgílio LOPES 305-325

Os mosaicos da ecclesia de Tongobriga, paróquia da diocese portucalense no século VI António Carvalho de LIMA

326-365

Os mosaicos romanos nas colecções dos museus de Portugal. Itinerários: paraísos guardados, paraísos revelados

Maria de Fátima ABRAÇOS

366-390

Unas notas sobre los mosaicos del taller Cuevas-Valdanzo y la economía ganadera del alto Duero durante el Bajo Imperio Jesús BERMEJO TIRADO

(8)

INTRODUÇÃO

Este livro resulta dos estudos empreendidos por vários Historiadores de Arte e Arqueólogos internacionais sobre as representações do Paradeisos nos Mosaicos da Hispânia, no âmbito da Linha de Arte Clássica e da Antiguidade Tardia do Instituto de História da Arte (IHA) da Universidade Nova de Lisboa (UNL).

Os primeiros resultados da investigação foram apresentados num encontro ibérico que contou com 20 especialistas e que decorreu nos dias 13 e 14 de Julho de 2011 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da UNL, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A estes contributos iniciais, posteriormente juntaram-se outros de especialistas nacionais e estrangeiros, que permitiram alargar a visão sobre um tema tão lato e tão significativo no território peninsular. Graças a este trabalho em rede, o conhecimento que hoje temos sobre as representações do Paradeisos é muito mais profundo e abrangente, na medida em que não se limita à geografia ibérica mas contempla toda a extensão do antigo Império Romano e faz pontuais incursões em matérias complementares, trazendo perspectivas alargadas sobre a musivária tardo-romana e sobre a sua interação com outras expressões artísticas (nomeadamente a escultura).

No seu conjunto, a presente obra funciona como uma publicação rica, de visão sincrónica, diacrónica e interdisciplinar entre a História da Arte da Antiguidade e a Arqueologia, que não se restringe a um tema, a uma forma de arte e a uma leitura parcial, e que permite uma noção mais vasta e contextualizada dos objectos artísticos nos vários tempos e espaços em que se desenvolveram e foram assumindo como produtos e documentos civilizacionais, constituindo, hoje, um importante património da Humanidade.

(9)

Dr.ª Ana Paula Louro (Comissária Executiva), da Dr.ª Carina Vicente (Secretária), , do IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, do Museu Nacional de Arqueologia (instituição visitada durante o Encontro) e da FCT.

M. Justino Maciel (IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa)

Cátia Mourão (IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa)

(10)

IMAGENS DO

PARADEISOS

NOS

(11)

O Paradeisos no mosaico: quod significat et quod significatur

M. Justino MACIEL*

Resumo

A representaqção do Paradeisos na Antiguidade reveste-se de uma ratio que pode ser órfica, apolínea, dionisíaca ou biblico-cristã. Qualquer uma delas pode variar o respectivo topos: celeste, terrestre, aquático ou ctónico. E ainda, em cada uma destas variantes, há um decor específico que poderá ser vegetal, animal, humano ou divino. Poderá ser fecunda esta nossa proposta de aplicação deste modelo operativo de análise à representação do tema do Paradeisos no opus musiuum.

Palavras-Chave

Paradeisos; Ratio; Topos; Decor; Opus Musiuum.

Introdução

A ideia de paradeisos teve a sua origem no Médio e Próximo Oriente. O termo é uma versão helenizada de uma palavra avestico-persa (pairidaêza) que significa parque, jardim, tapada, lugar tornado ameno pela intervenção do homem, pontuado por grande variedade de vegetais e de animais. É, aliás, esse o sentido que parece transparecer do Éden bíblico, descrito no Livro do Génesis. Éden é a palavra utilizada no hebraico para significar paraíso, que os Setenta traduziram pelo grego paradeisos. É uma palavra de origem suméria que traz consigo a ideia de planície.

(12)

diferentes rationes dinamizadoras da ideia de paradeisos: órfico, apolíneo, dionisíaco e biblico-cristão. Nas suas origens, como dissemos, estão as tradições dos paraísos bíblico e persa.

O mito: paradeisos bíblico

Pensamos que este tipo de paraíso deverá surgir na nossa reflexão antes do paradeisos persa, pelas razões atrás enunciadas: a sua forma idealizada e mitificada reportando às origens da Humanidade. Com efeito, o termo persa refere-se a lugares específicos e reais. A aplicação do termo ao contexto bíblico é bastante tardia, remontando apenas à época helenística, quando os Setenta procedem à tradução da Bíblia252. Antes desta tradução dominava o termo “Éden”. Sobre este, diz-nos o Livro do Génesis253:

Deus plantou um jardim no Éden, ao Oriente, e nele colocou o homem que havia formado. O Senhor Deus fez desabrochar na terra toda a espécie de árvores agradáveis à vista e de saborosos frutos para comer; a árvore da vida, ao meio do jardim; e a árvore da ciência do bem e do mal. Um rio nascia no Éden e ia regar o jardim, dividindo-se, a seguir, em quatro braços. O nome do primeiro é Píson, rio que rodeia toda a região de Evilat, onde se encontra oiro, oiro puro, sem mistura; e também se encontra lá bdélio e ónix. O nome do segundo rio é Guéon, o qual rodeia toda a terra de Cus. O nome do terceiro é Tigre e corre ao oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates.

Génesis, 2, 8-14

Foi a este jardim que Deus conduziu todos os animais, para que o homem lhes desse um nome: «Todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes»254. Tendo desobedecido a Deus e sentindo-se nus, Adão e Eva «prenderam folhas de figueira umas às outras e colocaram-nas, como se fossem cinturões, à volta dos seus rins»255; «Depois de ter expulsado o homem, Deus colocou, a Oriente do Jardim do Éden, querubins armados de espada flamejante para guardar o caminho da Árvore da Vida»256.

252 Ed. BREMMER, 1999, p. 1. 253 Ed. Difusora Bíblica, Lisboa, 1971. 254Génesis, 2, 18-21.

(13)

O Jardim do Éden teria, assim, as seguintes características:

. Foi obra da Divindade, que o destinou à Vida ideal do Homem; . Tinha toda a espécie de árvores, entre decorativas e de fruto;

. Entre as árvores destacavam-se a Árvore da Vida, símbolo da Felicidade, e a Árvore da Ciência do Bem e do Mal, símbolo do Livre Arbítrio do Homem;

. Um rio nascia no Éden e banhava-o. Ao sair dele, o rio dividia-se em quatro correntes de água;

. Todos ao animais acorreram pacificamente ao primeiro homem para que este desse um nome a cada um; . De entre as árvores do Éden destacava-se a figueira, pela utilização das suas folhas;

. O jardim tornou-se proibido para o homem, tendo ficado à guarda de querubins armados com espada flamejante.

A realidade: paradeisos persa

É Xenofonte, nas suas obras Ciropedia257, Anabasis258 e Hellenica259, quem primeiro refere a existência, na Pérsia, de parques ou tapadas (paradeisoi) onde se criavam animais de toda a espécie para caçadas. Ciro tinha vários desses parques. Havia nobres que também os possuíam, como o sátrapa de Sardes, Tissafernes, cuja tapada de caça era banhada por um rio. Além dos animais, estes paradeisoi tinham também grande variedade de vegetais, que ajudavam a criar o que na época romana se viria a chamar de

locus amœnus, um lugar de descanso e de convívio com a natureza, proporcionando aos

que os frequentavam, a começar pelos donos, uma sensação de descompressão e de felicidade harmoniosa.

(14)

A ratio órfica

Há um texto de Filóstrato, dos princípios do séc. III d.C.261, em que é descrito um painel com uma cena de Orfeu rodeado de animais como a que se consagrou na arte musivária romana, onde o artista «desenhou com delicadeza o seu olhar sublime, cheio de vigor e sempre inspirado de pensamentos que elevam para o divino»262. Através do exercício da arte musical, tocando a sua lira, Orfeu consegue a harmonia dos contrários na natureza, tornada garante da apoteose desejada pelos mortais, na medida em que, como arte sublime que também é, se caminha para a divinização do humano. Por isso, Orfeu tocando para os animais que dele se aproximam em mansidão é a única imagem que, sem alterações, passou intacta para a arte cristã, como podemos constatar no célebre mosaico do Orfeu de Jerusalém. Não são só os animais que revelam apaziguamento perante a música de Orfeu. O mesmo acontece com as plantas, os cursos de água e as próprias penedias, simbolizando lugares de paz e de sossego, o locus amœnus que referimos. Por isso, Orfeu nos surge normalmente tocando lira sentado num rochedo. E também, por isso, talvez as cenas órficas nos surjam tantas vezes junto de fontes. A associação das cenas órficas a cursos ou mananciais de água coloca-as na sequência directa dos paradeisoi bíblico e persa.

A ratio órfica está mais próxima da ratio apolínea do que da dionisíaca, devido ao equilíbrio de que se reveste e proporciona. Por outro lado, também o predomínio dos instrumentos musicais de corda utilizados nos contextos apolíneos aproxima mais a cena órfica destes últimos. Com efeito, os instrumentos de ar e de percussão caracterizam mais a ratio dionisíaca.

A ratio apolínea

Este paradeisos interage com o órfico logo pela ligação da harmonia musical, que tem como referente Apolo Citaredo. A ideia do mousikós anêr, o homem músico ou das Musas263 ressalta também, na medida em que estas garantiam a imortalidade aos seus seguidores. Lembremos que, por exemplo, no mosaico de de Torre de Palma, as Musas

(15)

têm instrumentos musicais: Euterpe, a Musa da Música propriamente dita (com os auloi) e Érato, a Musa da Poesia Lírica (com a lira).

A boa música das Musas superava a má música das Sereias, e as Ilhas destas eram superadas pelas Ilhas dos Afortunados. Estas eram, para Gregos e Romanos, uma espécie de Paraíso, pois para lá seguiam os justos, depois da morte. No séc. IV d. C., Mamertino, no seu Panegírico ao imperador Juliano, datado do ano de 362, apresenta a seguinte descrição destas Ilhas:

Dizem que homens justos habitam umas terras no Oceano, a que chamam Ilhas dos Afortunados, porque nelas os cereais nascem no solo sem arado, os pendores das colinas se cobrem naturalmente de videiras, as árvores se carregam espontaneamente de fruto e os legumes substituem por toda a parte as ervas.

MARMETINO, Gratiarum Actio de Consulatu suo Iuliano Imperatore, XXIII, 1264

Estas ideias são corroboradas por outros autores clássicos, de que se destacam Homero265, Hesíodo266, Píndaro267, Pseudo-Aristóteles268, Horácio269, Diodoro Sículo270 (que refere a possibilidade de ali caçar toda a espécie de animal selvagem e pescar), Estrabão271, Pompónio Mela272, Plínio-o-Velho273, Flávio Josefo274, Plutarco275, Avieno276, Solino277, Marciano Capela278 e Isidoro de Sevilha279.

As Ilhas dos Afortunados, que também têm contacto com as ideias de Elísio e de Campos Elíseos, estavam a Ocidente, para onde Apolo se dirigia ao fim do dia ou durante uma parte do ano. Daí também a ligação ao País dos Hiperbóreos, cujo oiro, como o referido no Génesis junto ao Paraíso, na região de Evilat, eram guardados pelos

264Apud MACIEL, 1996, p. 36. 265 HOMERO, Odisseia, IV, 561-586. 266 HESÍODO, Trabalhos e Dias, 166-173. 267 PÍNDARO, Olímpica, II, 61-76.

268 PSEUDO-ARISTÓTELES, DeMirabilibus Auscultationibus, 84. 269 HORÁCIO, Epodi, XVI, 41-64.

(16)

grifos contra os assaltos dos Arimaspos, como o referem designadamente Plínio-o-Velho e Isidoro de Sevilha280. No caso do Paraíso bíblico, o caminho da Árvore da Vida era guardado por Querubins de espada flamejante.

Tudo o que tem a ver com a harmonia das esferas, com o conhecimento, as artes, a filosofia e a ordem da Natureza, tem também a ver com a ratio apolínea.

A ratio dionisíaca

Um dos escritores mais importantes da Antiguidade para a percepção da ratio dionisíaca é Plutarco, que escreveu no séc. II d. C. Numa carta que escreveu à esposa281, sugere que a filha morta seguiria feliz no cortejo de Dioniso. Os thiasoi dionisíacos são a mais importante expressão do paradeisos desta ratio. A felicidade atingia-se, assim, na alegria divina esfusiante, que tinha a como garantia a imagem do vinho criado por Dioniso e de tudo o que se relacionava com esse produto da Natureza: vindima, videira, parras – e aí a conotação das folhas de hedera e de acanto – uvas, kantharoi em todas as suas variantes e crateres. Tal pressupunha também a ideia de banquete apoteótico282. Nas suas Questiones Conuuiuiales, Plutarco destaca a importância das conversas à mesa, do significado do vinho e das coroas de videira283. E Petrónio já dissera que «o vinho é a vida»284.

Contexto de uma certa subversão das leis da Natureza e do equilíbrio da ordo racional das coisas, a ratio dionisíaca garantia a eternidade da alegria báquica e gerava representações de profundo significado e de grande riqueza conceptual.

A consolação de Plutarco perante a imagem da sua filha dançando integrada no eterno cortejo dionisíaco, revela-nos uma esperançosa concepção escatológica do devir humano e uma mui clara crença num paradeisos de dinâmica dionisíaca.

A ratio biblico-cristã

Sem dúvida que o Cristianismo tem um fundamento bíblico veterotestamentário que não esquece a ideia paradisíaca. No Antigo Testamento, destacam-se os textos dos profetas

280Vide MACIEL, 2002, pp. 193-202. 281 PLUTARCO, Consolatio ad uxorem, 4. 282 MACIEL, 2001, pp. 20-21.

(17)

Ezequiel e Isaías, fazendo a ponte para uma nova perspectiva sobre o tema. Ezequiel285 recorda as «Árvores do Éden, Jardim de Deus». Isaías aproxima-se mais das clássicas leituras sobre o paradeisos com influência órfica, ao afirmar que, nos tempos messiânicos, «o lobo habitará com o cordeiro, o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos e um menino os conduzirá; a vaca pastará com a ursa e as crias repousarão juntas; e o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide e o menino desmamado meterá a mão na caverna do basilisco»286.

No Novo Testamento, a palavra é usada por Cristo no seu diálogo na cruz com o bom ladrão: «Hoje estarás comigo no Paraíso (Paradeisos)»287. O mesmo termo é repetido por S. Paulo: «Conheci um homem em Cristo que, há catorze anos… foi arrebatado até ao Paraíso e ouviu palavras inefáveis que não é permitido a um homem repetir»288. O mesmo vemos referido por S. João no Apocalipse: «Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da Árvore da Vida que está no Paraíso de Deus»289.

Em termos formais, a ratio do paradeisos biblico-cristão interage com as rationes órfica – Orfeu é a imagem de Cristo, Bom Pastor, apolínea – Cristo é o novo Apolo, e dionisíaca – Cristo promete um banquete escatológico em que de novo beberá do fruto da videira290. O Evangelho fala também do «seio de Abraão»291, expressão que também se reporta ao banquete escatológico, uma vez que refere o costume de um convidado mais próximo ou dilecto se reclinar no triclínio ou stibadium junto ao peito do anfitrião. Damo-nos conta disso também na última ceia, com o apóstolo João, «que se reclinava à mesa, junto ao seio de Jesus»292.

(18)

figueira, da qual nasce o figo»293. Apríngio de Beja, no segundo quartel do séc. VI, comenta a referência feita no Apocalipse, no sentido de que ao cristão vencedor será dado a comer do fruto da Árvore da Vida, no Paraíso294. É aqui clara a referência ao Éden original, que ficou vedado a Adão e Eva após o pecado original.

Venâncio Fortunato, bispo de Poitiers, escreve a Martinho de Dume na segunda metade do séc. VI, dizendo que o então bispo de Bracara vivia num alter Elysium, plantado por Deus ad occasum, no extremo Ocidente. Nesse Elysium ecoavam as passadas do Redentor, «que nele mesmo caminhava por entre áleas de pedras preciosas de um coração transparente e umbrosos cachos de hera de cultura primaveril, não cobertas de folhas de figueira mas, pelo contrário, ornadas de frutos»295.

O próprio Martinho de Dume, no seu sermo aos habitantes do campo, refere a passagem do homem pelo Éden: «Foi Deus servido formar o homem do barro da terra, pondo-o no Paraíso (in paradiso)… Pela sua falta, o homem foi expulso do Paraíso (de paradiso) para o exílio deste mundo, onde haveria de sofrer muitos trabalhos e dores»296. E projecta o Paraíso Terreal no futuro Reino de Deus, de que é imagem: «Aqueles que foram fiéis e bons na sua vida serão separados dos maus, entrando no Reino de Deus com os anjos santos. As suas almas estarão com os seus corpos no descanso eterno, não mais hão-se morrer. Jamais terão trabalho ou dor, trsiteza, fome ou sede, calor ou frio, trevas ou noite, mas, sempre alegres, satisfeitos, na luz, na glória, serão semelhantes aos anjos de Deus.»297

Isidoro de Sevilha, na primeira metade do séc. VII, parafraseia o relato bíblico298 e fala também do Paraíso, dizendo que era erroneamente localizado pelos pagãos e pelos poetas nas Ilhas dos Afortunados299. Destaca-se aqui, no final da Antiguidade, uma clara distinção entre o paraíso como lugar real e concreto, como estas Ilhas dos Afortunados, e paraíso como lugar ideal e de dimensão espiritual. Esta ideia foi progressivamente substituída pela de Jerusalém Celeste, Céu, Descanso Eterno e Reino de Deus, mas continuou até aos nossos dias como referencial biblico-cristão, com origem no Livro do

293 POTÂMIO, Epistola de Substantia Patris, 199-201. 294 APRÍGIO, Commentarium in Apocalysim, I, 7. 295 VENÂNCIO FORTUNATO, Carmina, I, PL 88, 179. 296 MARTINHO, De CorrectioneRusticorum, 4.

297Ibidem, 14.

(19)

Génesis, com interacções culturais com várias tradições mesopotâmicas e mediterrânicas.

Quod significatet quod significatur

A expressão das diferentes rationes do paradeisos (quod significat) muito tem a ver com a sua representação, designadamente, no opus musiuum, onde os diferentes mitos e respectivas variantes significam (quod significatur). Significam também nos diferentes topoi, que basicamente se agrupam em quatro variantes: celeste, terrestre, aquático e ctónico. Significam ainda segundo o decor que os constituem: vegetal, animal, humano e divino.

Com efeito, e lembrando Vitrúvio300 antes de Ferdinand de Saussure, o significante (quod significat) é a expressão oral, escrita ou artística destes mitos. O significado (quod significatur) é o conceito, neste caso, os próprios mitos. É a leitura dos significantes que leva à percepção dos significados dos paradeisoi. Mas é também no sentido inverso que aprofundamos o nosso conhecimento, fundamentados na esclarecida lógica das diferentes rationes: reconhecemos e identificamos também os significantes a partir dos já conhecidos significados. Assim, compreendemos melhor as imagens dos paradeisoi ou com elas relacionadas. Damos como exemplo quatro mosaicos conhecidos:

A. Órfico – Mosaico de Orfeu, de Martim Gil, Marrazes, Leiria. B. Apolíneo – Mosaico das Musas, de Torre de Palma, Monforte. C. Dionisíaco – Mosaico Báquico, de Torre de Palma, Monforte. D. Bíblico-Cristão – Mosaico do Bom Pastor, de Ravena, Itália.

BIBLIOGRAFIA

(20)

MACIEL, 1996 – M. Justino MACIEL. Antiguidade tardia e paleocristianismo em Portugal, Lisboa.

MACIEL, 2001 – M. Justino MACIEL. «Banquete e Apotheosis em alguns signos da Antiguidade tardia portuguesa», in Propaganda & Poder, Congresso Peninsular de História da Arte, Lisboa, pp. 19-29.

MACIEL, 2004 – M. Justino MACIEL. «L’Art et l’Expression de la Foi», in Pacien de

Barcelone et l’Hispanie au IVe siècle. Paris : Éditions du Cerf, pp. 207-218.

MACIEL, 2006 – M. Justino MACIEL. Vitrúvio, Tratado de Arquitectura, Introdução, Tradução e Notas. Lisboa: ISTPress.

MACIEL, CABRAL e NUNES, 2002 a) – M. Justino MACIEL, João M. Peixoto CABRAL e Dina NUNES. «Baixo-relevo em mármore com representação de um grifo». in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 42, 1-2. Porto, pp. 193-202.

MACIEL, CABRAL e NUNES, 2002 b) – M. Justino MACIEL, João M. Peixoto CABRAL e Dina NUNES. «Cinco esculturas romanas em mármore importado, achadas no Algarve e em Mértola», in ArteTeoria, 11. Lisboa, pp. 75-87.

MANFREDI, 1996 – Valerio Massimo MANFREDI. “Le Isole Fortunata”. Topografia di un mito. Roma:L'Erma di Bretschneider.

MARROU, 1938 – Henri MARROU. Mousikós Aner, Études sur les scènes de la vie intellectuelle figurant sur les monuments funéraires romains. Grenoble.

STERN, 1955 – Henri STERN. «La Mosaïque d’Orphé de Blanzy-lès-Fismes (Aisne)». in Gallia, Fouilles et Monuments Archéologiques en France Métropolitaine, 13. Paris, pp. 41-77.

ISIDORO, 1983 – ISIDORO de SEVILHA Etymologiæ. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos.

(21)

La recreación imaginaria del Paraíso fue un tópico común en la

cultura romana. En forma de vergel, de jardín, de agua, de monte o de río,

reconstruir ese estado ideal del porvenir era para los romanos un asunto de

vital trascendencia. Así lo demuestran la calidad y cantidad de obras de arte

que nos han legado representaciones de lo más variadas y valiosas sobre

esta iconografía. La cultura visual que se puede reconstruir aldededor de

esta utopía cultural y artística enriquece nuestro conocimiento del universo

espiritual y material antiguo.

La presente obra es un excelente recopilatorio de algunas de las

mejores obras que han ayudado a difundir este tema y a situarlo en el

centro de la problemática científica especializada sobre mosaicos romanos

en Hispania. Firmados por algunos de los mejores especialistas sobre

musivaria romana a nivel internacional, estos trabajos conforman un único

discurso que

gracias a los distintos enfoques que cada uno de los autores

imprime en su texto

resultan ya una referencia ineludible para todo aquel

que pretenda un conocimiento exhaustivo y metódico de la representación

del Paraíso en los mosaicos de la Hispania romana.

Jorge Tomás García

Referências

Documentos relacionados

O atendente chama o formulário, o controller retorna uma view para que seja preenchido os dados do veículo consultado, esses dados são enviados e depois

§ 1º Será devida a contribuição adicional de 06% (seis pontos percentuais) em razão do grau 3, correspondente ao risco grave, a cargo das empresas de

Por meio destes jogos, o professor ainda pode diagnosticar melhor suas fragilidades (ou potencialidades). E, ainda, o próprio aluno pode aumentar a sua percepção quanto

Embora alguns possam alegar que nas cenas finais também é passada a ideia de que a “princesa” salvou o príncipe de sua solidão amorosa, mas, na maior parte do filme

O presente trabalho foi desenvolvido objetivando inventariar um fragmento florestal e indicar espécies arbóreas para a recuperação das áreas de reserva legal e

One of the main strengths in this library is that the system designer has a great flexibility to specify the controller architecture that best fits the design goals, ranging from

A teoria das filas de espera agrega o c,onjunto de modelos nntc;máti- cos estocásticos construídos para o estudo dos fenómenos de espera que surgem correntemente na

Para isso o grupo dividiu-se em quatro subgrupos com diferentes temas de pesquisa: importância do níquel (propriedades e aplicações), os principais minérios de níquel e