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‘GASTRONOMIA, PATRIMÓNIO CULTURAL … um ativo da restauração e do turismo nacional’
[Ciclo de Workshops do Projeto ‘Restaurante do Futuro’]
8 de Março de 2012, Tomar
Instituto Politécnico de Tomar
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C
ONCLUSÕES
A Gastronomia esteve em debate na cidade de Tomar no dia 8 de Março de 2012, no Instituto
Politécnico de Tomar, uma iniciativa organizada pela AHRESP -‐ Associação da Hotelaria,
Restauração e Similares de Portugal em cooperação com a idtour -‐ unique solutions e a
Universidade de Aveiro.
Esta sessão decorreu dentro do ‘Ciclo de Workshops do Projeto Restaurante do Futuro’, ação
integrada no projeto de investigação aplicada – Restaurante do Futuro, projeto cofinanciado
pela CCDR Norte, através do ON.2, que tem como área objeto de estudo, a região do Douro.
O workshop intitulado ‘Gastronomia, Património Cultural … um ativo da restauração e do
turismo nacional’ contou com a participação dos oradores convidados Paulo Mendonça
(Presidente do Grupo de Setor dos Restaurantes Tradicionais da AHRESP), Francisco Carvalho
(ex-‐membro da comissão organizadora do Congresso da Sopa de Tomar, em representação do
Dr. Manuel Bento Baptista), Ana Soares (Chefe da Divisão de Turismo, Cultura e Museologia da
CM de Tomar), Nuno Feliciano (Chefe de Cozinha do Restaurante Olivier) e Raul Moreira
(Diretor de Filatelia e Edições dos CTT), e foi moderado por Carlos Costa (coordenador
cientifico do projeto, Universidade de Aveiro/idtour) e Luis Mota Figueira (Diretor do Curso da
Licenciatura em Gestão Turística e Cultural da ESGT -‐ IPT).
A Gastronomia – na aceção genérica do conceito, que invoca atributos materiais e imateriais e
nos remete simultaneamente para a cozinha e para a mesa – constitui um dos principais
referenciais da identidade, dos valores e da afirmação cultural de um povo. Com ela chegam-‐
nos narrativas históricas que descrevem o contexto e a evolução, cultural, social e económica
terra que nos viu nascer. Em Portugal a Resolução de Conselho de Ministros nº 96/2000 de 7
de Julho de 2000, que elevou a gastronomia nacional a “valor integrante do património
cultural português”, atesta bem a sua importância enquanto ativo imaterial do valioso
património cultural que herdámos em cerca de oito séculos de história que importa preservar,
valorizar e promover.
A condução do workshop assentou sobre um conjunto de questões que foram endereçadas
aos oradores, as quais serviram como ponto de partida para as comunicações apresentadas e
para a reflexão e debate que decorreu durante a sessão.
Desta forma apresentam-‐se as principais conclusões registadas:
A. Quais os fatores que compõem e caracterizam a Gastronomia nacional? O que lhe confere
valor e a distingue das ‘gastronomias internacionais’?
ü A dimensão da gastronomia em Portugal decorre em grande medida dos recursos e fatores naturais do nosso país, os quais propiciam as condições ótimas para a produção de uma grande diversidade de matérias-‐primas alimentares e de produtos agro-‐alimentares com características físico-‐quimicas de elevada qualidade, de paladares e texturas distintas, possibilitando uma utilização muito diversificada e criativa aos ‘mestres’ da cozinha;
ü O sentido universal dos portugueses e as pontes culturais que se estabeleceram ao longo dos séculos em diversas geografias permitiram que a nossa gastronomia reflita influências e produtos (como p.e as especiarias), que não sendo na génese originários de Portugal constituem uma componente inquestionável da nossa matriz gastronómica, conferindo-‐lhe uma dimensão única no mundo;
ü Falar de gastronomia nacional é falar na diversidade de variedades alimentares e de produtos de excelência certificados ou não certificados que estão na base deste património, como p.e.: a sopa, o pão ou a doçaria conventual, os fumeiros, o peixe, as carnes, a caça, o azeite, o vinho, os queijos e os temperos (sal, vinagre, ervas aromáticas, especiarias);
ü A diversidade será portanto a expressão que melhor traduz a nossa gastronomia, mas porquanto se traduz numa definição dispersa importa delimitá-‐la sob pena de esta se tornar difusa.
B. Onde estamos e para onde vamos depois da Resolução de Conselho de Ministros
nº96/2000 de 7 de Julho de 2000? Quais os principais desafios?
ü Os objetivos da Resolução de Conselho de Ministros nº 96 ainda não foram totalmente alcançados, não obstante os esforços e as iniciativas de algumas entidades e agentes visando promover este importante património;
ü As especialidades e o receituário tradicional que corporiza o património gastronómico nacional está ainda por consensualizar;
ü A maior dificuldade centra-‐se na dificuldade de se alcançarem consensos sobre metodologias, critérios e processos, sendo imperativo articular em torno dos objetivos preconizados a grande diversidade de agentes (associações, confrarias, entidades do turismo, investigadores, críticos e jornalistas, …) diretamente interessados na temática;
ü Proposta de elaboração de uma carta gastronómica nacional; importa pois retomar a inventariação da gastronomia enquanto recurso turístico e potenciar os drives económicos a ela associada, no sentido de a transformar em produto turístico consolidado.
ü O receituário deverá evidenciar os critérios que defendem a tradição, acompanhado de informação histórica e dos valores nutricionais, o qual deverá ser recolhido através de uma plataforma colaborativa de entidades regionais e depositado numa unidade central que proceda à sua respetiva validação, compilação e divulgação nacional. A AHRESP abraçou este desafio criando a ‘Plataforma Gastronomia Património Nacional’ que envolve as entidades regionais de turismo e a Associação Portuguesa dos Nutricionistas, procurando agregar o receituário existente e divulgar a receita base original como meio para a preservação da tradição e de alcance de uma certa uniformização;
ü A ‘uniformização’ do prato deverá significar uma consensualização em torno de uma base referencial para a redução/ eliminação de variações que não defendem a tradição gastronómica nacional – garantir que p.e. um caldo verde no Minho, em Lisboa, ou no Algarve deve ser semelhante (p.e. tomando como referencial os princípios ativos que os medicamentos devem respeitar em função da sua tipologia, especificidade e função).
ü No entanto a ‘uniformização’ não deverá ser um obstáculo à inovação e à criatividade dos chefes na apresentação dos pratos, dando-‐lhes liberdade para apresentarem as especialidades de acordo com uma ‘linguagem’ conceptual, porquanto se garanta que a apresentação ‘criativa’ não deturpe a receita e a essência do prato;
C. A Gastronomia enquanto património cultural só se expressa através da cozinha
tradicional? Poderá a cozinha contemporânea também constituir um veículo de defesa e
promoção deste importante património?
ü O respeito pela tradição gastronómica pressupõem a definição de critérios a inscrever num receituário tradicional nacional;
ü A cozinha contemporânea poderá constituir uma opção para alcançar novos públicos e conquistar novos ‘adeptos’ nacionais e internacionais para a nossa gastronomia; desde que os ingredientes e os sabores centrais da gastronomia sejam respeitados, permite p.e. atenuar o choque cultural ou gustativo de quem nos visita, facilitando que o visitante possa ser introduzido a propostas 100% genuínas e tradicionais;
ü Importa combinar a cozinha tradicional com a cozinha de autor, garantindo que as propostas apresentadas não são vendidas enquanto gastronomia tradicional mas antes como uma variante influenciada pelo prato original.
D. Qual a importância dos produtos de qualidade certificados para a gastronomia nacional?
Como podem os restaurantes contribuir para a sua promoção?
ü Os produtos de qualidade certificados são um dos principais fatores distintivos da gastronomia nacional face a outras gastronomias; é impossível falar da gastronomia nacional tradicional sem falar de produtos locais e regionais de qualidade existentes em todas as regiões, transversais às diversas variedades alimentares;
ü A promoção dos produtos de qualidade pelos restaurantes passa pela sua utilização no leque de serviços, produtos e processos de comunicação/ diferenciação do restaurante, como p.e.: introduzindo-‐os na ementa e confeção; evidenciando-‐os e descrevendo-‐os na carta do restaurante; respeitar as épocas apropriadas de produção (quando se aplica); (…).
ü Os restaurantes deverão informar ativamente os seus clientes sobre os produtos certificados nacionais que incluem na sua confeção (história, valores nutricionais, épocas, associações, distinções, …), destacando a sua importância e benefícios para a comunidade;
ü Apesar da elevada qualidade das matérias-‐primas e dos produtos agro-‐alimentares nacionais, que em muito determinam a qualidade e diversidade da nossa gastronomia, a oferta de determinados géneros é ainda escassa face à procura levando a que sejam importadas (p.e. carne, ovos, frutas, legumes, …); torna-‐se por isso difícil que o conceito e classificação de gastronomia nacional tradicional valorize excessivamente os produtos produzidos em dada região ou país;
E. Qual a relevância do produto ‘Gastronomia’ para o turismo nacional? A Gastronomia já se
afirma de per si enquanto produto turístico em Portugal?
ü A gastronomia, a par dos vinhos, é uma marca da identidade nacional e regional que e teve a capacidade de colocar localidades e regiões no mapa turístico nacional, levando à criação de ‘destinos’ enogastronómicos (p.e. a Bairrada), e constituindo por isso um dos dez produtos turísticos estratégicos inscritos no Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT) divulgada através da assinatura ‘Gastronomia & Vinhos’;
ü A gastronomia e a sua fruição, deve ser entendida como um bem, uma experiência, como um ato cultural, uma oportunidade de reviver lembranças e memórias, constituindo um momento único; na maioria dos estudos sobre a satisfação dos visitantes a gastronomia é classificada como um dos fatores que melhor distinguem o destino e satisfazem os visitantes; ü Os eventos enogastronómicos assumem-‐se uma das referências na oferta de animação e na
atratividade das localidades nacionais;
ü O preço de uma experiência gastronómica em Portugal num restaurante de qualidade acima da média situa-‐se abaixo do preço médio nos principais mercados emissores da Europa podendo por isso constituir um fator relevante na capacidade de atrair turistas estrangeiros nomeadamente com motivações gastronómicas;
ü Mesmo existindo casos pontuais de atração turística gastronómica do destino, a gastronomia portuguesa não tem ainda notoriedade nem estrutura organizacional para se assumir como produto turístico consolidado;
F. Quais os principais desafios que se colocam ao sector da restauração e demais agentes
parceiros em defesa e promoção da gastronomia nacional enquanto património e marca
com atratividade e valor, nomeadamente no mercado do turismo?
ü A restauração constitui um dos setores mais relevantes do turismo e da economia nacional: o turismo pesa 13% no PIB nacional e a restauração detém cerca de 60% desse produto, o que lhe confere uma grande responsabilidade na defesa e promoção da gastronomia junto do mercado do turismo -‐ a restauração representa benefícios diretos para a economia local, quer por via do turismo quer por via da dinamização de outras atividades económicas como as atividades do setor agrícola;
ü Os restaurantes constituem o principal palco da gastronomia nacional e são considerados como ‘o último e fiel depositário de um produto ou receita’, garantindo que os pratos que servem não desvirtuam esse património, devendo procurar colocar na ‘moda’ a gastronomia nacional sempre que surjam alertas que ela esteja a sair perigosamente dos hábitos dos portugueses;
financeiros com as margens cada vez mais esmagadas; o setor deverá continuar a debater qual o conceito de gastronomia tradicional por forma a avaliar a compatibilização com os modernos processos de produção e conservação alimentar (tecnologia alimentar) face à urgência de se viabilizar o negócio;
ü Na perspetiva dos municípios é difícil manter a atualidade e o interesse do público nos eventos gastronómicos dada a proliferação e cópia destas iniciativas; importa pois encontrar a singularidade e diferenciação do produto local/regional e inovar com iniciativas complementares (profissionais e de lazer) que envolvam os estabelecimentos e a comunidade local tornando-‐os mais atrativos;
ü Apesar da importância do turismo para a restauração (nomeadamente em cidades com elevada atratividade turística), contribuindo para a sua sustentabilidade, a ideia de potenciar o turismo gastronómico não deve conduzir à subversão do receituário de base referencial indo ao encontro do gosto do consumidor; o visitante deve pois ser convidado a conhecer e experimentar os sabores e aromas característicos do destino;
G. Um contexto de forte contração económica poderá causar um decréscimo generalizado
da qualidade da gastronomia nacional apresentada nos estabelecimentos de
restauração?
ü Em contextos económicos adversos (como o que estamos a viver atualmente) é difícil manter um elevado nível de qualidade da confeção das especialidades que compõem o riquíssimo património gastronómico nacional; esta evidência resulta da necessidade dos empresários reduzirem os rácios de custo das matérias-‐primas, por via do peso excessivo dos custos fixos e dos impostos na estrutura de custos das empresas, o que conduz ao aumento da aquisição de produtos indiferenciados, não certificados (muitos deles importados), que substituem os produtos de qualidade de produção nacional, desvirtuando deste modo uma componente relevante da gastronomia tradicional;
ü No entanto o recurso a produtos nacionais de qualidade certificada constitui uma opção recomendável pois contribui para a diferenciação e valorização dos pratos apresentados e dos próprios estabelecimentos; os empresários/ gestores que mantenham ou reforcem esta opção deverão comunicar ativamente essa opção aos seus clientes e públicos-‐alvo potenciando a perceção de qualidade que estes terão sobre o seu restaurante, promovendo assim a fidelização dos clientes ao seu restaurante.