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História da Diplomacia Brasileira Do Império ao Século XXI. Aula de maio de 2021

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História da Diplomacia Brasileira – Do Império ao Século XXI

Aula 05 - 18 de maio de 2021

A política externa de JK: a convergência entre o interno e externo - uma

diplomacia para o desenvolvimento

Celso Lafer

Esta aula tratará da política externa do governo Juscelino Kubitschek, presidente de janeiro de 1956 a janeiro de 1961. O período é lembrado à luz da memória dos “Anos Dourados”, marcados pelo desenvolvimento, sintetizado no lema “50 anos em 5”. Caracterizou-se pela plenitude democrática e pela criatividade cultural (música, cinema, arquitetura, arte e literatura). Foi também o período da Copa de 1958, marcada pelo clima da época: “a Copa do Mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa”.

1. Sensibilidade pessoal e estudo

Para minha geração, que acordou para o mundo na presidência de Juscelino, havia um “estado de espírito” de plena confiança nas possibilidades do país. O futuro e seus horizontes foram sempre a referência maior da presença de Juscelino no cenário nacional. Neste espírito, em 1960, fui à inauguração de Brasília com três colegas de escola. A inauguração pode ser qualificada como um grande evento de diplomacia pública e um marco da presença do Brasil na opinião pública internacional. Assisti assim ao espetáculo de “audácia, confiança e energia” para valer-me das palavras do grande intelectual e Ministro da Cultura francês, André Malraux, por ocasião de sua visita em 1959 à capital em construção.

Realizei minha pós-graduação em Ciência Política, na Universidade de Cornell. Na escolha do tema da tese, fui movido pela pergunta instigada pela ruptura autoritária de 1964: “Como Juscelino conseguiu, com sucesso, promover o desenvolvimento e assegurar a plenitude democrática?”. O resultado dessa empreitada foi o meu PhD de 1970, nos Estados Unidos: “The planning process and the political system

in Brazil: a study of Kubitschek’s target plan-1956-1961”.

Para a realização da pesquisa da tese, entrevistei Juscelino durante seu exílio em Nova Iorque, e beneficiei-me da clareza informativa dos seus dons de narrador. Daí a origem de uma amizade pessoal. A carta que me enviou, em 1972, com cumprimentos pela finalização do estudo é a abertura da edição brasileira da tese, publicada em 2002, no contexto da celebração de seu centenário.

Cabe mencionar que meu estímulo inicial para me dedicar ao estudo das relações internacionais partiu do interesse pessoal e familiar pela trajetória de Horácio Lafer no Itamaraty como Chanceler de JK. Estudei e escrevi sobre o percurso de Horácio Lafer e, nas minhas análises, dediquei especial atenção ao seu papel na diplomacia brasileira, que teve seu ponto alto justamente na presidência de Juscelino. De maneira que minha exposição sobre a política externa de Juscelino tem a nota da simpatia de uma sensibilidade pessoal e familiar, conjugada com o lastro do estudo. É fruto de uma visão entre a convergência da dimensão do interno – a democracia, o desenvolvimento e o Programa de Metas - e a dimensão do externo, vale dizer, a diplomacia que ele conduziu com esse objetivo. É o que explica o

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título da exposição e também de como, por ter sido um período democrático, as questões da política externa passaram a ter repercussões internas. A diplomacia deixou de ser do interesse de poucos e se converteu no interesse de muitos. Passou a integrar a agenda da opinião pública.

2. O macro enfoque da exposição

Concebo a política externa como uma política pública cujo desafio é a identificação de necessidades internas e a avaliação das possibilidades externas, vale dizer, do que o mundo pode contribuir (ou dificultar) para atender as necessidades internas. Esse é o macro enfoque analítico de minha exposição.

A respeito das necessidades internas do Brasil, na visão do presidente Juscelino, o tema do desenvolvimento foi por ele considerado como fator de legitimação da sua presidência. Interpretou sua eleição como fruto da ampliação do voto, e da participação política, que colocava a necessidade de ampliar oportunidades de emprego, de gerar crescimento e de elevar o nível de vida da popu lação. Juscelino, que era médico, dizia que a crise brasileira era uma crise de desenvolvimento. Identificava-a como umIdentificava-a crise de juventude. Nesse sentido, no seu receituário, pIdentificava-arIdentificava-a equIdentificava-acioná-lIdentificava-a, tomou Identificava-a decisão de planejar, tendo como antecedente seu governo em Minas, onde se norteou pelo binômio energia e transportes. Daí provém o Programa de Metas, um plano setorial, não global, que via o Estado como catalisador de iniciativas, gerador de incentivos para o setor privado e atuando como investidor em áreas pioneiras e de forma supletiva. Em suas palavras, era democraticamente “um plano que representava algo que não tinha nada a ver com um Leviatã absorvente”.

3. O Programa de Metas

O Programa de Metas operacionalizou as necessidades internas. Foi dividido em trinta metas, subdivididas por setores: energia, transportes, alimentação, indústria e formação de pessoal técnico, além de Brasília, que ele considerou a meta-síntese, a síntese do novo: a interiorização econômica do país, uma nova marcha para o Oeste. Não só, portanto, dar ênfase ao Centro-Sul, mas ao Centro-Oeste, cuja importância todos hoje sabemos reconhecer.

Uma coisa interessante foi a escolha da palavra “metas”, que indica um sentido de direção, um rumo. Foi esta ideia de metas que o permitiu indicar o rumo que pretendia traçar. Elas foram identificadas não pelo abstrato dos números (crescer X porcento ao ano), mas pelo concreto das metas, a partir de dois grandes conceitos: o de “pontos de estrangulamento da economia” (energia e transportes) e o de pontos de germinação (indústria e formação das cadeias produtivas). O Plano baseou-se em estudos anteriores da primeira parte da década de 1950, da Comissão Mista Brasil -Estados Unidos, do grupo BNDE-CEPAL e do Plano Lafer de “Reaparelhamento Econômico” proposto enquanto Ministro da Fazenda no governo de Getúlio Vargas.

Juscelino e seus colaboradores - com especial destaque para Lucas Lopes - desvendaram a racionalidade do novo a partir do existente. Não foi uma improvisação, havia uma visão da economia acompanhada por uma imaginação administrativa que permitiu a implementação do Plano. A competência foi drenada por uma administração paralela composta por órgãos que tinham o controle das áreas vitais para levar adiante o Programa de Metas, como o BNDE e os grupos executivos. Confesso que, tendo passado por três experiências ministeriais, porque também fui Ministro do Desenvolvimento, a capacidade que JK teve de fazer a máquina pública administrativa brasileira funcionar é admirável.

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No caso de Juscelino, há também, além de sua dedicação ao Programa de Metas, a competência política na gestão dos dois grandes partidos da época, o PSD e o PTB, o que ensejou a governabilidade em meio às turbulências e a oposição da UDN - proveniente do anti-getulismo que enxergava Juscelino como herdeiro do legado de Vargas.

Considerando essas necessidades internas como o imperativo que motivou a condução de Juscelino em seu governo, a motivação para a política externa era a avaliação das possibilidades externas na perspectiva da relevância do mundo para contribuir com os financiamentos e investimentos para a tarefa que estava sendo realizada internamente.

É nessa moldura que se insere a diplomacia do governo de Juscelino que vou examinar. Adianto, porém, que, para levar adiante os importantes interesses do desenvolvimento, ao governo Juscelino, se deve: a modernização da diplomacia brasileira, a consolidação da diplomacia econômica como uma das vertentes da ação do Itamaraty em sintonia com a valorização do multilateralismo, tanto na ONU quanto na OEA; o fortalecimento da participação dos países latino-americanos no encaminhamento de soluções para os problemas internacionais e um papel afirmativo do Brasil no concerto das nações. Neste sentido, cabe mencionar, o significado do intercâmbio diplomático, representado por um grande número de visitas oficiais feitas ao Brasil por missões políticas, diplomáticas, econômicas e culturais no seu período presidencial, que inclui Chefes de Estado, como Craveiro Lopes de Port ugal, Dwight Eisenhower dos Estados Unidos da América, López Mateos do México, o Presidente Giovanni Gronchi da Itália, o Presidente Sukarno da Indonésia, o Primeiro-Ministro do Japão Nobusuke, e o secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjöld. Em síntese, por conta do que estava sendo feito no plano interno, o governo de Juscelino teve uma positiva repercussão externa. Gerou uma força de atração.

Visitas oficiais em significativo número, como o que caracterizou a sua presidência, foram representativas de um impulso de atração da sua atuação.

4. A personalidade do Presidente e a definição de rumo

Cabe agora mencionar a personalidade de JK e o seu papel na condução da política externa brasileira. O Presidente Fernando Henrique sempre destacou que a liderança é a capacidade de indicar rumo. JK indicou rumos não só no plano interno como para a política externa brasileira.

Na prática do presidencialismo brasileiro e de acordo com os dispositivos constitucionais daquela época e de hoje, a condução da política externa é uma responsabilidade do Presidente da República. É auxiliado pelo Ministro das Relações Exteriores, que tem maiores e menores qualidades, e com quem o Presidente pode ter maior ou menor proximidade. O Presidente conduz a política externa em consonância com a estratégia de sua personalidade. O Presidente conduz a política externa, seja pela omissão ou desinteresse, que leva à delegação de competências, seja pela sua ação e pela intensidade de seu interesse. Os Presidentes Collor e Fernando Henrique Cardoso, de quem fui Ministro das Relações Exteriores, foram proativos e muito empenhados na condução da política externa.

JK foi proativo pela importância que atribuiu à identificação das necessidades internas do desenvolvimento. A impactante decisão tomada em 1959 de romper as negociações com o Fundo Monetário Internacional teve como base a sua avaliação de que o ajuste econômico preconizado pelos técnicos do Fundo comprometeria a plena implementação do Programa de Metas. Naturalmente, ele obteve alargado respaldo interno para sua decisão - que foi defendida na Câmara dos Deputados por

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Horácio Lafer, que era o vice-líder do PSD – de modo que o Presidente atuou perante a agenda da opinião pública. Nessa linha, quando Horácio Lafer assumiu o Ministério das Rel ações Exteriores em 1959, enfatizou, em seu discurso de posse, a importância “da liberdade de interpretar a realidade do país e de encontrar soluções brasileiras para problemas brasileiros”. É um tema de atualidade. É o assim chamado, policy space de um país no mundo interdependente com regras e normas.

Juscelino atuou de acordo com as características e as estratégias de sua personalidade. Vou destacar algumas. A primeira é Mundo-Brasil.

5. Relação Brasil-Mundo em JK

Juscelino foi um homem atento ao mundo. Nos anos 1930, logo após a sua formatura em Medicina, estudou em Paris e viajou pela Europa e pelo Oriente. Em 1948, esteve no Canadá e nos Estados Unidos e lá deu-se conta do impacto e significado da industrialização.

Com isso em mente, logo após a eleição e antes da posse, como presidente eleito, fez uma viagem aos Estados Unidos e à Europa. Foi uma viagem organizada pelo Itamaraty com o preparo de position

papers, sendo um dos grandes responsáveis o Embaixador Edmundo Barbosa da Silva, que é

considerado, com razão, um dos responsáveis pela institucionalização da qualidade da diplomacia econômica do Brasil. Essa viagem significou também a possibilidade de relacionar-se com estadistas de múltiplas experiências políticas: esteve, por exemplo, com Eisenhower na Flórida, além do contato com grandes líderes empresariais e figuras públicas da Europa.

O Presidente transmitiu os propósitos do Programa de Metas, com uma mensagem de otimismo sobre o futuro do Brasil. Beneficiou-se nessa interação do diálogo com qualificados interlocutores para atualizar-se sobre o andamento da vida internacional. Foi para JK uma oportunidade não só de transmitir uma mensagem sobre o Brasil, mas de ter as suas antenas aprimoradas em relação àquilo que se passava pelo mundo. Desincumbiu-se de uma missão fundamental: sinalizar a abertura do Brasil para o mundo.

Nesse sentido, trilhou o caminho da diversificação das fontes externas do investimento e do financiamento, não só dos Estados Unidos, mas da Europa, já recuperada economicame nte nos anos 50 depois do término da guerra, e também do Japão, igualmente recuperado da guerra. Japão foi uma iniciativa de Lucas Lopes - que fez a primeira viagem para aquele país do Oriente de um personagem brasileiro de status ministerial após a guerra.

Faço um adendo para dizer que, em 1956, Juscelino participou da reunião de chefes de Estado americanos realizada no Panamá, em comemoração dos 130 anos do Congresso de Panamá. Sobre esta participação fez discurso, que foi transmitido pela Voz do Brasil em 31 de julho de 1956, apontando que “foi uma oportunidade para um contato mais íntimo com as lideranças dos países latino-americanos e para trabalhar os caminhos de uma ação conjunta, não só no terreno político, mas econômico”. JK realçou que essa viagem era um complemento da viagem que havia sido feita aos Estados Unidos e à Europa. Trata-se de um componente que teve seu desdobramento com a Operação Pan-Americana.

Juscelino tinha uma inovadora percepção das possibilidades externas – a de quem não se assustava com o mundo. Via o mundo na perspectiva do Brasil, e nele se orientava com a sua experiência brasileira de vida e de homem público, como Prefeito, Deputado e Governador de Minas Gerais.

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Possuía o dom de comunicação com o país e os brasileiros. Era no Brasil que ele se sentia “um peixe na água” e, por isso, o exílio imposto pelo arbítrio do regime de 1964, foi para ele tão penoso. A política externa de Juscelino, para valer-me da formulação de Hélio Jaguaribe no seu influente livro O Nacionalismo na Atualidade brasileira de 1958 é “A expressão de um nacionalismo de fins, não de meios; tem como objetivo um fim: o desenvolvimento. Para isso, deve -se valer dos meios apropriados”.

A viagem de Juscelino como presidente eleito é uma expressão antecipada d a sua diplomacia vinculada, desde o início, a um projeto de governo e, por tabela, propiciadora da convergência entre o interno e o externo.

6. Dualidades na estratégia de personalidade de JK

Há dualidades na estratégia e na personalidade de Juscelino que cabe mencionar. Ao mesmo tempo que foi um “homem de ação”, preocupado em realizar, foi também um bem-sucedido planejador. Valeu-se da contribuição de personalidades intuitivas, como Augusto Frederico Schmidt, um grande poeta e homem de negócios com imaginação, que naturalmente vislumbrou, como próximo e influente assessor do Presidente, um Brasil grande no plano internacional. Foi o que levou à Operação Pan -Americana, gestada em uma administração paralela no Palácio, com apoio da juventude de quadros do Itamaraty interessada em dar um alcance de grande política ao Ministério das Relações Exteriores. Juscelino, por outro lado, sempre reconheceu a importância do racional e do conhecimento profissional. Colaboradores como Lucas Lopes, Victor Nunes Leal ou Lúcio Meira são exemplos. Foi isso que levou à institucionalização da Operação Pan-Americana (OPA) e das suas dimensões inovadoras no Itamaraty. Isso ocorreu com o término da gestão mais convencional do Chanceler Macedo Soares - que teve, no entanto, o mérito de atribuir importância ao contexto da vizinhança e de valorizar a intensificação dos recíprocos relacionamentos. A institucionalização da OPA foi a nota da gestão Negrão de Lima e inequivocamente a marca da gestão Horácio Lafer. Na síntese da resenha do governo do Presidente: a ideia central do desenvolvimento criou uma nova era na atividade do Itamaraty e dela derivou a Operação Pan-Americana.

Outra dualidade foi a interação moderno/tradicional. Juscelino foi um homem moderno: abriu espaço para a arquitetura de Oscar Niemeyer e de Portinari desde os tempos de prefeito de Belo Horizonte. Foi o primeiro presidente a administrar com o avião e a se comunicar com a sociedade brasileira por meio da televisão, defendendo suas metas, Brasília e a Operação Pan-Americana. No entanto, não deixou de ser tradicional, como se pode observar em sua carreira política. Essa, se teve ousadias, como afirmou em frase famosa: “Deus me poupou do sentimento de medo”, quando havia resistência à sua candidatura presidencial, também obedeceu aos cânones e não se caracterizou pela postura de rupturas como o seu sucessor, Jânio Quadros. Tinha o ânimo do visionário, que o impulsionava a transformar o país e a sua diplomacia, mas também tinha o senso realista de quem estava ciente de que existiam limites à vertiginosidade da mudança.

Foi por isso que Gerson Moura, à partir de sua perspectiva analítica observou que o período presidencial de Juscelino, em matéria diplomática, foi de avanços e recuos. Avanços, porque percebeu os sinais do tempo: a emergência da África, a independência dos países coloniais, o alcance do princípio da autodeterminação, o reconhecimento dos países africanos independentes, a crítica ao apartheid na África do Sul e a crítica à discriminação racial. Contudo, foi inequívoco o apoio que deu a Portugal de

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Salazar na manutenção do colonialismo português, um recuo que também resultou do “interno”: o peso político da colônia portuguesa e a sensibilidade afetiva em relação a Portugal.

Juscelino possuía, em grau superlativo, os dons usuais das pessoas. Tancredo disse, no discurso que pronunciou quando do falecimento de Juscelino, que ele soube argamassar para liderar o país juntando a soma das virtudes e defeitos nacionais. Não ignorava a complexidade da vida, mas tinha u ma capacidade única de integrar os seus fragmentos num padrão coerente e inteligível. Dispunha de antenas sensíveis para sua variedade e não sucumbia diante das suas dificuldades. Era um ser generoso e sem ressentimentos. Concedeu anistia, inclusive, aos revoltosos militares que se opuseram ao seu governo. Há um episódio interessante que menciono. Hugo Chávez veio ao Brasil para agradecer ao Presidente Fernando Henrique o respaldo dado para conter uma tentativa de golpe de Estado na Venezuela. Foi na época do centenário de Juscelino e havia banners comemorativos em Brasília, e Hugo Chávez perguntou ao Presidente Fernando Henrique no seu trajeto pela cidade: “¿Quién es este señor?”. O Presidente explicou que tinha sido um grande Presidente, que promoveu o desenvolvimento, manteve a vigência democrática e era um homem tolerante, generoso, que anistiou todos seus opositores. Então, comentou FHC: “Talvez seja o seu caminho: anistiar os seus opositores segundo a lição do Juscelino”.

Em síntese, cabe dizer que JK teve uma visão de futuro, mas com o pé no chão. Foi capaz de agir com firmeza e de maneira efetiva respondendo as necessidades do seu tempo, transformando o vigente e criando, com engenho, o novo a partir do existente. Há uma bonita biografia do JK, escri ta pelo Claudio Bojunga, que se chama “JK, o artista do impossível”. O título aponta essa sensibilidade de um artista. Os vários livros de Ronaldo Costa Couto sobre Juscelino iluminam como nele se entremearam a vida, o empreender e as artes da política.

Um estudioso francês, Bertrand de Jouvenel, diz que toda liderança é uma combinação de duas dimensões a do Rex que pacifica e a do Dux que inova e transforma. Juscelino tinha sábia mescla do

Dux que inovou e renovou e do Rex que soube acomodar e pacificar para levar adiante o seu governo.

7. Cenário Internacional na Presidência JK.

O cenário internacional na época da presidência do Juscelino, que é a base para essa discussão das possibilidades externas, é o de uma alteração na dinâmica da Guerra Fria. A morte de Stálin levou ao degelo da lógica totalitária, a fissuras no Leste Europeu, teve sua ilustração na insurreição húngara de 1956; o novo da transformação científico-tecnológica exemplifica-se no “Sputnik” que os russos enviaram para o espaço. A ideia da coexistência pacífica amainou a intensidade belicosa da bipolaridade. Facilitou, no nosso caso, o restabelecimento de relações comerciais com a União Soviética. Como disse nesta linha e de maneira ampla Horácio Lafer em seu discurso de posse no Itamaraty: “Não ficaremos prisioneiros de um círculo limitado por nós próprios traçado e que nos impeça de expandir nossas exportações e recolher as colaborações que forem mais úteis ao desenvolvimento do Brasil”.

Ocorreu também a crise do Canal de Suez, nacionalizado por Nasser, que resultou em uma intervenção militar anglo-francesa com apoio de Israel, rejeitada pela ONU, por ação dos Estados Unidos e da União Soviética. Isso representou o fim do momento anglo-francês no Oriente Médio, que caracterizava a região no pós-Primeira Guerra Mundial. Disso resultou o Batalhão Suez, que o Brasil enviou para a região por solicitação da ONU e do seu Secretário-Geral Hammarskjöld. Essa foi a primeira Força

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brasileira enviada para supervisionar o término de hostilidades. Estampou a presença do Brasil em forças de paz, indicativas da nossa participação no encaminhamento de problemas internacionais. A emergência do Terceiro Mundo na vida internacional verificou-se com a Conferência de Bandung, em 1955, na Indonésia, e com aparecimento, no plano internacional, da presença de Nehru da Índia, Tito da Iugoslávia e Nasser do Egito. Vale a pena lembrar, como mencionado, que Sukarno, presidente da Indonésia, fez uma visita oficial ao Brasil, em 1959, que foi a primeira visita de um Chefe de Estado asiático ao Brasil. Também ocorreu como disse, a visita do Primeiro-Ministro do Japão, indicativa da mudança geográfica dos polos econômicos e antecipação da presença do Pacífico na economia mundial.

A Europa celebrou, em 1957, o Tratado de Roma, marco inaugural da criação da Comunidade Econômica Europeia e de seu papel no mundo. Teve uma função de inspiração do papel da ação conjunta de países na ALALC (Associação Latino-Americana de Livre-Comércio), de que falarei mais adiante.

Iniciou-se a Revolução Cubana com Fidel Castro, que reinseriu o tema da segurança no continente, com o potencial de ameaça do Comunismo e da penetração da União Soviética na América Latina. Com a questão confrontou-se, em seus momentos iniciais, a diplomacia do governo Juscelino, que respaldou as preocupações norte-americanas em matéria de segurança, mas insistiu na relação de causalidade entre o subdesenvolvimento econômico e social e a penetração do Comunismo, uma ideia importante da Operação Pan-Americana, cuja relevância passo a examinar.

8. A Operação Pan-Americana - OPA

Sérgio Danese, que estudou diplomacia presidencial e tem um livro interessante sobre o assunto aponta que existem vários tipos de diplomacia presidencial: de encontros e de deslocamentos; de grandes gestos, como, por exemplo, a ida do Nixon à China, que representou a reinserção da China comunista no plano internacional, e há uma diplomacia de iniciativas.

A diplomacia da Operação Pan-Americana é uma paradigmática expressão de uma diplomacia presidencial de iniciativas. Teve o senso de oportunidade, a intuição do momento: as hostilidades que o Vice-Presidente dos Estados Unidos Nixon enfrentou na sua viagem à América Latina. Daí, o ponto de partida: a carta de Juscelino a Eisenhower destacando a relevância de um programa de ajuda ao desenvolvimento econômico de um combate à pobreza na América Latina. Desdobrou-se numa ativa e inédita correspondência pessoal de Juscelino com todos os Chefes de Estado da América Latina para respaldar, pela ação conjunta, as iniciativas voltadas para lidar com os problemas do subdesenvolvimento.

Observo que o mundo é composto por várias regiões, cada uma com as suas especificidades, mas que, com maior ou menor intensidade, integram a ordem global. Uma região, para ser chamada assim, precisa ter uma delimitação geográfica. É o caso da América do Sul e da América Latina. A geografia enseja uma convivência regional, da qual pode promanar uma dimensão de identidade que permite favorecer a cooperação internacional, responder a desafios externos e coordenar posições comuns em instituições e em foros internacionais.

Com a Operação Pan-Americana, o Brasil deu outra dimensão ao relacionamento com os Estados Unidos, reencontrou-se com países latino-americanos nos foros continentais e deu alcance renovado

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à sua inserção internacional. A mensagem clara foi: “Sem desenvolvimento não há democracia, sem democracia não há solidariedade, sem solidariedade não haverá nem paz nem segurança”.

A OPA (Operação Pan-Americana) foi um legado duradouro da política externa de Juscelino, uma iniciativa inspiradora da atuação do Brasil no seu contexto regional, que é a circunstância, como diria Ortega y Gasset, do nosso eu diplomático, na dinâmica da interação com o eixo assimétrico, como diria Rubens Ricupero, representado pelo papel dos Estados Unidos na área. Foi uma diplomacia de iniciativas que traduziu-se numa afirmação continental e internacional do Brasil e teve como um dos seus desdobramentos a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Propiciou a formulação de propostas específicas sobre os desafios do desenvolvimento sob o prisma novo do multilateralismo. Não apenas no plano bilateral, mas no plano multilateral. A OPA, mereceu cuidadosa documentação elaborada na Presidência JK e foi bem estudada por Alexandra de Mello e Silva em estudo no qual realça a inovadora interação entre desenvolvimento e multilateralismo. Esta interação foi posteriormente trabalhada pela diplomacia brasileira.

9. A modernização diplomática e a convergência da economia e da política

A Presidência JK ensejou uma visão institucionalizada da diplomacia econômica e do seu papel para a condução da política externa. Uma ilustração foi a criação, no Ministério das Relações Exteriores, da Comissão de Coordenação de Política Econômica Exterior por meio de decreto de novembro de 1959. A Comissão tinha, como responsabilidade, estabelecer diretrizes da política econômica externa e de relações financeiras com o exterior. Era composta pelos principais atores e ministérios responsáveis pela temática: o Ministério da Fazenda, o Ministério da Indústria e Comércio, o Banco do Brasil, o BNDE, a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), antecessora do Banco Central, a Comissão de Política Aduaneira, a Carteira de Câmbio e a de Comércio Exterior do Banco do Brasil. A presidência da Comissão cabia ao Ministro das Relações Exteriores, Horácio Lafer. Este, no exercício da função naturalmente tinha o lastro da sua experiência como Ministro da Fazenda de Getúlio Vargas e o conhecimento da iniciativa privada. Horácio Lafer afirmou que a concepção da Comissão era a de criar “instrumentos de ação, frutos da expansão e da diversificação das responsabilidades internacionais do Brasil consequentes ao seu próprio crescimento”. É uma antecipação do que foi, por exem plo, a CAMEX no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Menciono a seguir alguns tópicos relevantes relacionados à modernização acima realçada:

- Café

Começo pelo café, na época, o principal produto de exportação do Brasil, sujeito a cíclicas os cilações do mercado que geravam o que se denominou o estrangulamento cambial do país. O Brasil procurou desde o Convênio de Taubaté de 1906, valorizar os preços retendo unilateralmente o volume de exportação do produto, o que acabou gerando uma crescente concorrência internacional. O governo de Juscelino inaugurou um tratamento multilateral da matéria.

Primeiro, no plano regional, com o Convênio Latino-Americano do Café de 1958 e, depois, com o Acordo Internacional do Café de 1959. Este reuniu países produtores e consumidores que representavam 93% do comércio mundial do produto. A iniciativa levou à Organização Mundial do Café, em 1962, que é o primeiro grande acordo intergovernamental de produtos de base - uma reivindicação da especificidade econômica dos países em desenvolvimento na Conferência de Havana de 1948, da qual proveio o multilateralismo comercial do GATT. Deste aliás, o Brasil participou desde os seus momentos iniciais e exerceu a Presidência das Partes-Contratantes em 1959 e 1960, no governo JK – ponto de partida da atuação significativa do Brasil no multilateralismo comercial.

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Quotas e mercados foram o instrumento multilateral com a qual se procurou regular a oferta e a procura do café no mercado mundial pela cooperativa ação conjunta internacional de países produtores e consumidores. A liderança brasileira na sua concepção e ne gociação é uma explicitação do papel da diplomacia econômica na sua dimensão multilateral.

- Associação Latino-Americana de Livre Comércio - (ALALC)

A ALALC foi uma iniciativa inédita de integração regional. Criada em 1960, é a primeira e inovadora proposta de regionalismo econômico voltada para promover o desenvolvimento. Teve inspiração nas ideias da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) e viu a integração como um caminho de desenvolvimento com o alargamento do mercado. Levou em conta a experiência europeia do, já mencionado, Tratado de Roma, de 1957, e favoreceu no tempo o conhecimento da prática da diplomacia econômica para suas partes contratantes.

A ALALC transformou-se, em 1980, na ALADI (Associação Latino-Americana de Integração) com a redução dos compromissos de desgravação tarifária. No entanto, permanece como a moldura jurídica de um tratado-quadro de todos os acordos econômicos da região, inclusive o Mercosul. Daí, a vigência da sua atualidade e também o papel da interação entre o interno e o externo, que foi muito trabalhada, desde aquela época, nas negociações comerciais internacionais do Brasil.

- Relações com a Argentina

Menciono também a vis directiva de uma vigorosa aproximação com a Argentina democrática e com o desenvolvimentismo do presidente argentino Arturo Frondizi. Surge, nesse contexto, o Protocolo de Consulta, de 1959, assinado por Horácio Lafer e pelo Chanceler argentino, Diógenes Taboada. O Protocolo é um precedente inaugural da parceria argentino-brasileira, com importância significativa no tempo. Basta mencionar o Mercosul e a relevância deste tipo de entendimento para a ação brasileira na América Latina.

- Relações com o Paraguai

No contexto de vizinhança verificou-se uma aproximação com o Paraguai. Foi um esforço para debelar as cicatrizes históricas da guerra do século XIX, por meio de ligações rodoviárias, fluviais e ferroviárias, feitas no contexto dos projetos do Programa de Metas. Isto levou à Ponte da Amizade, em 1965, e, subsequentemente, à construção de Itaipu, - um ingrediente de uma outra ideia-força subsequente: a da integração física da América do Sul.

- Valores

Nesse campo, vale mencionar a Declaração de Santiago de 1959 sobre a democracia. Na avaliação feita pelo Chanceler Horácio Lafer sobre o seu significado: “Somente o império da lei e o pleno exercício da democracia na órbita interna são capazes de assegurar para um país o respeito dos demais”.

Resumo

Para concluir, fiz uma exposição dividida em várias partes interligadas. Tratei da minha sensibilidade que é explicativa de uma perspectiva e do porquê ela é algo que me diz respeito e que tem um lastro do estudo do conhecimento. Pontuei o macro enfoque da exposição. Há, no governo do Presidente Juscelino, uma inequívoca identificação das necessidades internas de desenvolvimento, que é o tema Programa de Metas, e há uma apropriada avaliação das possibilidades externas, que transita pelos temas dos financiamentos e dos investimentos. A estratégia da personalidade do Presidente é um

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dado importante para entender como ele norteou os rumos da política externa. Nesse sentido, cabe mencionar sua perspectiva da relação Brasil-Mundo, ou seja, a ideia de que o mundo não o assustava, mas era um caminho de possibilidades. Foi o que levou a um nacionalismo de fins, qual seja o uso de todos os meios apropriados que permitissem o desenvolvimento do Brasil, o “50 anos em 5”. JK era, ao mesmo tempo, um homem moderno e um homem tradicional. Por isso, sua liderança era uma soma do Dux que inova e do Rex que pacifica. Ele levou em conta o cenário internacional, que tinha características diferentes dos anos 1940, dos anos 1930 ou dos de 1920, que foram objetos da exposição do Embaixador Fernando de Mello Barreto. Havia os limites externos da bipolaridade, mas havia novos espaços: a emergência do terceiro mundo e a possibilidade de um terreno gerado por uma visão da coexistência pacífica. Foi o que permitiu uma modernização diplomática, um renovado papel da diplomacia econômica e a uma afirmação da relevância do Brasil no mundo. Destaquei o significado da Operação Pan-Americana como a expressão de uma diplomacia presidencial de iniciativas com alcance econômico e político. Procurei especificar a minha análise, seja examinando tópicos como o café, seja destacando o significado da ALALC - a integração como um caminho do desenvolvimento - seja realçando o significado inaugural da aproximação com a Argentina, seja pontuando o entendimento e a aproximação com o Paraguai, que também diz respeito ao potencial de integração física no contexto da vizinhança. No campo dos valores realcei, a ideia do papel da democracia e da obediência ao Estado de Direito como componentes do soft power da credibilidade internacional do Brasil.

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