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UM ESTUDO SOBRE AS CATEGORIAS TEÓRICAS: IDEOLOGIA, IMAGINÁRIO SOCIAL E MENTALIDADE NA HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO

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UM ESTUDO SOBRE AS CATEGORIAS TEÓRICAS: IDEOLOGIA, IMAGINÁRIO SOCIAL E MENTALIDADE NA HISTORIOGRAFIA DA

EDUCAÇÃO

Angela Maria Souza Martins /UFRJ-UNIRIO

Introdução

Realizamos essa pesquisa porque percebemos que eram escassas as discussões de caráter epistemológico sobre algumas categorias teóricas que embasavam a história da educação brasileira. Poucos textos discutiam amplamente categorias como: ideologia, imaginário social e mentalidade, mostrando o uso apropriado dessas categorias na pesquisa da história da educação. Por isso, acreditamos que é necessário promover discussões que possam contribuir para uma análise mais profunda das categorias usadas na historiografia da educação brasileira.

Na segunda metade do século XX, a história avançou muito no campo epistemológico, ao buscar o entrelaçamento entre o social e o histórico. Nas décadas de 60 e 70 do século XX, os relatos históricos passam a dar prioridade às relações sociais e não mais à trajetória de líderes e instituições políticas. Cultiva-se uma história de orientação social. Essa aproximação entre o social e o histórico resulta da predominância, na investigação histórica, de dois paradigmas: o marxismo e a Escola dos Annales. Ambos realizaram estudos sócio-econômicos, possibilitando uma compreensão da história nos diferentes aspectos da vida social: cultural, econômico e político.

A Escola dos “Annales” e o marxismo questionaram a história positivista, que trabalha com narrativa e descrições exaustivas e factuais, procurando construir uma historiografia que explicitasse as vinculações básicas entre os diferentes aspectos de um contexto social, ou seja, que apreendesse o econômico, o mental, o social e o político, postura que possibilitou o diálogo com as demais Ciências Humanas. Na construção desse diálogo apareceram diferentes categorias teóricas que foram utilizadas na historiografia, tais como: ideologia, imaginário social e mentalidade.

Por isso, consideramos necessária uma investigação no campo da historiografia que reflita sobre a aplicabilidade de algumas categorias no registro da história. Essas categorias têm sido usadas, com considerável freqüência, nas pesquisas no campo da história da educação, mas nem sempre encontramos precisão em seu uso. Realizamos uma análise epistemológica dessas categorias com o intuito de saber até que ponto elas podem dar conta da interpretação de fenômenos culturais, econômicos e políticos no campo da

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história da educação. Estudamos a categoria ideologia, segundo a perspectiva de: Marx, Gramsci, Lukács, Althusser e Poulantzas. Para compreender a categoria imaginário social pesquisamos a concepção de Castoriadis e a mentalidade, foi estudada segundo as perspectivas de Lucien Febvre e de Michel Vovelle. Analisamos como essas categorias explicitam aspectos importantes da realidade social e histórica, possibilitando a construção de uma história que não fique apenas no registro dos acontecimentos, mas que explicite as vinculações básicas entre os diferentes aspectos de um contexto histórico e social.

Ideologia e Historiografia

As idéias e representações sobre a realidade têm sido alvo de discussões constantes. Ao longo da história, aparecem diferentes interpretações sobre o papel e a eficácia das idéias nas práticas sociais. A principal questão tem sido compreender como as idéias e representações interpretam e atuam num determinado contexto histórico e social.

No século XIX, Marx elaborou reflexões importantes sobre a origem e o papel das idéias numa determinada formação social e histórica, quando nos forneceu pistas importantes para compreender o conceito de ideologia. Sua proposição básica foi a não desvinculação da produção das idéias das relações sociais e históricas.

De acordo com Marx, não podíamos dissociar o social do econômico, eles formavam um todo, e por isso, o econômico não deveria ser analisado destacado do social, nem vice-versa. A produção estava inserida num todo que era a sociedade, e somente poderia ser compreendida a partir de sua vinculação com esse todo, que era determinado historicamente.

Em cada momento histórico, existe um desenvolvimento específico das relações sociais e de produção. A obra Introdução à Crítica da Economia Política (Marx, 1974) nos mostra que existe um vínculo estreito entre conceito e realidade e, a produção de idéias e conceitos depende das condições históricas reais. Nos diferentes períodos históricos, de acordo com os diferentes estágios de desenvolvimento das relações sociais e de produção, surgem idéias e conceitos específicos para explicar o todo social. E no Prefácio à Contribuição Crítica da Economia Política (Marx, 1974), Marx explicita a sua concepção de todo social: a sociedade é composta de uma infra-estrutura, base econômica sobre a qual se ergue uma superestrutura, locus onde se manifesta a vida econômica e social.

A ideologia localiza-se na superestrutura, pois esta abriga as formas de consciência social. As interpretações jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas são formas

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ideológicas por meio das quais os homens tomam consciência dos conflitos e lutam para resolvê-los. Numa carta à W.Borgius em 1894, Engels explicitou que essas interpretações não deviam ser vistas como absolutamente determinadas pelo econômico porque “o desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico etc., baseia-se no desenvolvimento econômico. Mas todos eles reagem uns sobre os outros e também sobre a base econômica” (ENGELS, F., 1974/1976, p.530). Assim, as interpretações ideológicas se relacionam entre si e podem provocar alterações na super e infraestrutura.

Nesse sentido, a ideologia pode ser considerada um modo de conhecer a realidade social, ela tem uma participação ativa e efetiva numa formação social, apresentando uma eficácia na explicação ou ocultamento de uma determinada realidade.

Seguindo as pistas deixadas por Marx afirmamos que a categoria ideologia ainda apresenta uma eficácia epistemológica para explicar determinadas concepções na história. Mas vamos caminhar um pouco mais e dialogar com Gramsci. Para este autor a ideologia insere-se no complexo estrutura/superestrutura, denominado de bloco histórico. O homem também é concebido como bloco histórico, síntese de relações sociais e históricas, resultado do encontro da subjetividade com a objetividade. Esse homem produz idéias, valores e normas para atuar na prática social.

De acordo com Gramsci (1978), a ideologia é uma concepção de mundo “que se manifesta implicitamente na arte, no Direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vidas individuais e coletivas” (Gramsci, 1978, p.16). Ela deve ser analisada historicamente, por isso devemos distinguir entre “ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma determinada estrutura e ideologias arbitrárias, racionalistas, desejadas. Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade“psicológica”: elas organizam as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição e lutam” (Gramsci, 1978, p.63). As ideologias não devem ser julgadas segundo o critério de verdade ou falsidade, mas de acordo com a sua função e eficiência em reunir classes ou frações de classes em posições de domínio ou subordinação. Uma ideologia pode contribuir para cimentar uma estrutura social e favorecer a sua coesão. Ela é fundamental para a consolidação da hegemonia de uma classe ou fração de classe no interior de uma formação social.

A ideologia é um conjunto de representações, idéias, valores e normas que direcionam a ação humana e ela constitui, também, uma forma de conhecer o mundo. Por isso, as ideologias têm um papel sócio-político-cultural fundamental. Gramsci enfatiza que as

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idéias não são um mero reflexo de uma realidade, nem tampouco resultado de outras idéias. Elas são geradas “no confronto entre outras idéias e a realidade a que se referem ou em que são produzidas” (Cardoso, 1978, p.76). Uma ideologia jamais poderá ser vista como simplesmente um conjunto de idéias, normas e valores que tem como função primordial ocultar a realidade, porque, na verdade, as ideologias expressam concepções de mundo de diferentes grupos sociais e através delas, esses grupos atuam na realidade social e histórica. Em Gramsci, a ideologia tem um papel gnoseológico e tudo depende do contexto histórico e em que posição de classe, os valores, idéias e normas estão sendo construídos.

Lukács conceitua ideologia de um modo distinto ao de Gramsci, ele retoma as dimensões hegelianas do pensamento marxista, ou melhor, ele faz uma nova leitura da tradição hegeliana presente em Marx e também rejeita a interpretação mecanicista e economicista do marxismo defendida na II Internacional, isto quer dizer que ele faz uma interpretação do marxismo que questiona a determinação absoluta do econômico sobre a consciência do homem. Na obra “História e consciência de classe”, Lukács realiza uma reflexão interessante sobre a relação teoria/prática e conhecimento/ação e cria uma teoria da consciência de classe, este é o caminho escolhido por ele para estudar a questão da ideologia. Lukács busca compreender o que a classe pode tornar-se e não está preocupado com as consciências individuais, porque acredita que a compreensão da história deve ir além da consciência daqueles que fazem a história. Devemos compreender que as forças reais da história são independentes da consciência que os homens têm delas, porque os homens fazem história, mas freqüentemente com uma “falsa consciência”, por isso precisamos compreender a racionalidade e a validade subjetiva dessa “falsa consciência” e como ela é produzida e se relaciona com a sociedade. A “falsa consciência” é um aspecto e um estágio do processo histórico. Ela será superada a partir da consciência de classe, que expressa uma compreensão racional e crítica que uma determinada classe pode atingir sobre seu papel e sua posição nas relações sociais.

Para Lukács, no modo de produção capitalista existem duas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado. A burguesia tem consciência de classe, mas vive uma contradição porque nas relações sociais o proletariado representa a sua negação, ou seja, a trágica dialética da burguesia reside no fato de que é essencial e desejável que a burguesia defenda seus interesses e expresse racional e criticamente a sua posição de classe, mas esses interesses e a sua posição enquanto classe esbarram nos interesses e na posição de classe do proletariado. Isto significa que a burguesia não é capaz de compreender

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efetivamente as contradições internas e insolúveis do modo de produção capitalista e, se as entendesse deveria se reconhecer como uma classe dominante historicamente limitada. Portanto, a burguesia esbarra nos limites e nas contradições do modo de produção capitalista e se reconhecesse esses limites deveria promover seu auto-aniquilamento.

Por isso, Lukács afirma que somente o proletariado teria condições históricas de produzir um conhecimento consciente genuíno, ser a classe que porta a verdade histórica, porque é a classe que pode desnudar as contradições internas do capitalismo. O proletariado é uma classe que pode superar o dualismo pensamento/realidade e sujeito/objeto. De seu pensamento surgem as seguintes questões: como o proletariado romperia com essa falsa consciência e atingiria a consciência revolucionária? De que modo se efetivaria a formação de idéias críticas e revolucionários, no interior de uma formação social e histórica? Essas questões não foram respondidas a contento por Lukács.

Para dialogar com o pensamento de Gramsci e Lukács, estudamos Althusser e Poulantzas. Em Althusser, a formação social é composta de instâncias ou níveis: estrutura econômica e superestruturas política e ideológica. Existe uma relação hierárquica entre essas instâncias, o econômico determina em última instância os níveis político e ideológico.

Para Althusser, uma formação social produz e reproduz as condições de produção, por isso as ideologias não existem somente no campo das idéias, elas têm existência material, porque elas servem para a reprodução das relações de produção e da força de trabalho.

A reprodução da força de trabalho não se efetiva exclusivamente por meios econômicos, são necessários mecanismos que possibilitem esse processo. Assim, não basta apenas assegurar as condições materiais que reproduzem a força de trabalho, é preciso também qualificar essa força de trabalho, por isso, para Althusser, o sistema escolar e outras instâncias sociais e, principalmente as ideologias são fundamentais nesse processo de reprodução da sociedade capitalista.

Na visão de Althusser, a ideologia tem um papel importante a desempenhar no contexto social, porque ela não é uma mera ilusão. Ele considera que a ideologia é uma relação vivida entre os homens e o seu mundo. Na ideologia os homens exprimem “a maneira pela qual vivem a relação entre eles e suas condições de existência: isto pressupõe tanto uma relação real como uma relação imaginária vivida” ( Da Ideologia, 1980, p.111).

A tese central de Althusser ao estudar a ideologia é o processo de reprodução. Partindo da tese da reprodução, Althusser teoriza sobre os Aparelhos Ideológicos do

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Estado (AIE) e os Aparelhos Repressivos do Estado (ARE). Os AIEs se apresentam sob a forma de instituições distintas (escola, religiões, família, partidos, imprensa, televisão, rádio etc.), estes aparelhos funcionam através da ideologia, enquanto que os AREs funcionam principalmente através da repressão e secundariamente através da ideologia. Uma classe que pretende manter o domínio precisa ter a direção desses aparelhos, por isso os Aparelhos Ideológicos de Estado é o lugar da luta de classes, porque é por meio dos AIEs que uma classe social reproduz e mantém o poder. A reprodução das relações de produção é assegurada pela superestrutura jurídido-política e ideológica e, principalmente pelos Aparelhos Ideológicos do Estado, por meio desses aparelhos se conserva a hegemonia, ou seja, a direção e domínio do Estado.

Para Althusser, o Aparelho Ideológico escolar é o aparelho dominante na sociedade capitalista. Na escola se aprende as regras do bom comportamento, a moral, a consciência cívica e profissional.

Ao teorizar sobre a ideologia, Althusser busca uma teoria da ideologia em geral e não uma teoria das ideologias particulares que represente posições de classe. Epistemologicamente ele apresenta as seguintes teses: “a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” ( Althusser, 1998, p.85) e “a ideologia tem uma existência material” ( Althusser, 1998, p.88). Assim, os homens, por meio da relação imaginária com a realidade, criam uma visão deformada da realidade e uma ideologia existe sempre materializada num Aparelho Ideológico e em suas práticas. Sendo assim, a ideologia sempre será um conjunto de idéias, representações, valores e normas que tem como função primordial ocultar as contradições reais e reconstitui um discurso imaginário que explica a realidade. A ideologia tem três funções: coesão, inversão e mistificação.

Poulantzas afirma que existem várias ideologias cada uma correspondendo a uma classe ou fração de classe de uma determinada formação social. “Cada uma destas ideologias específicas forma o elemento dominante num conjunto ou subconjunto ideológico particular, mas o conjunto também contém elementos de outras ideologias – são contaminados. Ademais, cada uma destas ideologias específicas é ela própria dominada pela ideologia dominante” (Da Ideologia, 1980, p.143-144).

A ideologia dominante tem várias regiões ideológicas, sendo a principal e dominante a região jurídico-política, porque o Estado capitalista precisa se apresentar como um Estado que está acima de todas as classes, que representa o interesse geral, por isso a função da ideologia é intervir no funcionamento do Estado de modo a mascarar as divergências de

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classe. O significado político da ideologia burguesa está oculto e ela se apresenta como ciência e considera utópica qualquer representação na qual a luta de classes esteja presente. A legitimidade da ideologia dominante vem de sua aceitação numa formação social, como ela convence e domina os demais subconjuntos ideológicos. Deve-se assinalar que são complexas as relações de dominação e subordinação.

Poulantzas usa a mesma definição de Althusser afirmando que a ideologia é uma relação imaginária com as relações reais, mas apresenta uma indefinição, às vezes mostra como a ideologia dominante surge na luta de classes e, outras vezes, aponta a ideologia dominante como conseqüência de uma classe que domina. Além disso, o debate entre ideologia e ideologia dominante não fica explícito em sua obra. Podemos considerar que a contribuição mais importante de Poulantzas é a sua tentativa de demarcar o campo ideológico da luta de classes, ou melhor, que as ideologias nascem do processo de luta de classes. A ideologia é uma estrutura material complexa, e não uma subjetividade coletiva, uma mera consciência de classe. Por isso, a ideologia dominante reflete não apenas a visão dos governantes, mas relações entre classes governantes e dominadas na sociedade.

Imaginário Social e a Historiografia

Discutimos a categoria “imaginário social” a partir da obra “Instituição imaginária da sociedade” de Cornelius Castoriadis. De acordo com este autor, o homem cria a sociedade, ou melhor, a institui. Nesse processo o homem cria figuras, formas e imagens que compõem a sociedade, dando significado a sua práxis. O conceito de imaginário vincula-se a idéia de criação. A práxis humana não é fruto da determinação, mas uma criação. Por isso Valle (1997), baseada em Castoriadis, explica que para estudar o imaginário social devemos considerar que: “1- ele é situado e datado; 2- ele não se deixa absorver inteiramente por “causalidades” históricas, metafísicas, racionalistas (funcionalistas ou materialistas); 3- ele representa, primeiramente, uma força instituidora e, como tal, unificadora da sociedade; somente a partir dessa preliminar é que se pode falar em “imaginários” derivados; 4- ele é dinâmico, e essencialmente aberto para a produção do novo: quando assim não o é, tal situação de fato caracteriza uma condição de fechamento da própria sociedade” (Valle, 1997,p.53-54).

É importante enfatizar que o conceito de imaginação sempre foi muito polêmico no pensamento filosófico, porque quando se falava em imaginação pensava-se no que não era

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real, ilusão, visão deformada da realidade, ou seja, falsa imagem, mas Castoriadis enfrenta essa visão deformada e mostra a importância desse conceito. De acordo com esse autor, “toda relação social e, mais ainda, toda instituição social exige que o homem prolongue sua existência em imagens que faz de si mesmo e do outro, de seu passado e de seu futuro. Ora, isto supõe um trabalho permanente da imaginação, sua interação com a razão e as paixões e, em particular, a tradução em imagens de conceitos abstratos, tais como sociedade, virtude , etc... Contrariamente à memória, que não faz senão conservar as idéias, a imaginação é criadora” (Castoriadis, 1982, p.25). O imaginário social é considerado uma potência criadora, emancipadora do homem e da sociedade, tem um poder renovador. O imaginário social representa o poder, inerente às sociedades humanas, de engendrar o novo (Valle, 1997).

Mentalidade e Historiografia

Questionando o caráter essencialmente político e o determinismo econômico, presentes no conceito marxista de ideologia, Lucien Febvre afirma que o social não pode se diluir nas ideologias que tem por finalidade moldá-lo. Mostra ser necessário perguntar: Como se organiza a percepção e a representação do mundo? Como são definidos os limites do que é possível pensar numa determinada época? Febvre propõe uma história das “utensilagens mentais”, ou melhor, das mentalidades.

Os historiadores das mentalidades passam a buscar as categorias psicológicas que fundamentam os sistemas de idéias ou representações de um determinado grupo social. Indagam sobre o concebido e o sentido, o intelectual e o afetivo.

Para Vovelle, o conceito de mentalidade parece ser mais amplo que o de ideologia porque ele comporta o que não é explícito, o “não significante”, o que está no nível das motivações inconscientes. As mentalidades remetem à lembrança, à memória, às formas de resistências. Elas desnudam “a força de inércia das estruturas mentais” (Vovelle, 1991, p. 19).

De acordo com Vovelle (1991), a história cultural das mentalidades é: “o estudo das mediações e da relação dialética entre, de um lado, as condições objetivas d vida dos homens e, de outro, a maneira como eles a narram e mesmo como a vivem”. (Vovelle, 1991, p.24). Ele procura não fazer um uso reducionista da teoria marxista, ou seja, explicar os fenômenos culturais através da determinação absoluta pelo econômico, por isso une o mental e o social, a subjetividade e a objetividade. Busca mediações complexas entre

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a vida real dos homens e as suas representações e, nos faz pensar sobre a relação entre as produções mentais e os seus vínculos com a realidade sócio-econômica.

O estudo da mentalidade remete à discussão do “inconsciente coletivo” e do “imaginário coletivo”. Ressaltamos que esses conceitos não são tratados pelos historiadores das mentalidades, nem sob o prisma da psicanálise, nem tampouco segundo a concepção antropológica de Lévi-Strauss. Na verdade, é uma noção empírica que mostra um pensar coletivo com causalidades e ritmos próprios.

Considerações Finais

Procuramos investigar se havia uma distinção clara entre os conceitos de ideologia, imaginário social e mentalidade. O que é imaginário social? O que o distingue da ideologia e das mentalidades? Podemos utilizar simultaneamente essas categorias na historiografia da educação? Buscamos respostas para essas perguntas.

A discussão teórica sobre as categorias utilizadas na historiografia, na verdade, é realizada desde a criação da “Escola dos Annales”, no intuito de tirar a história de sua velha rotina, buscando novas formas de análise histórica. A discussão sobre as categorias: ideologia, imaginário social e mentalidade nos coloca o problema da relação entre as idéias e a realidade histórica e social. Essa relação se efetiva exclusivamente no campo econômico e político? Podemos constatar que existem comportamentos, atitudes, práticas educacionais que não podem ser explicadas apenas no terreno econômico e político, porque ela apresenta outros desdobramentos culturais. Será que podemos apregoar a autonomia do mental e sua irredutibilidade ao econômico e social?

Por exemplo: a categoria “mentalidade” nos possibilita pensar a questão das mediações complexas entre a vida real dos homens e as representações que ele produzem para si, além da permanência por uma longa duração de comportamentos e atitudes numa determinada cultura. Mas observamos também que na composição das mentalidades estão presentes as ideologias.

Com relação à categoria imaginário social, constatamos a sua polissemia, por isso é uma categoria que provoca muitas questões, tais como: qual a validade e o sentido das produções imaginárias? Qual a contribuição do imaginário social para a construção de ideologias? Qual seria a aproximação possível entre os conceitos de imaginário social, ideologia e mentalidade?

A categoria imaginário social trabalha com a potência criadora e emancipadora do homem e da sociedade, por isso ela apresenta um poder renovador, engendra o novo. Mas

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não podemos deixar de considerar que o engendramento do novo se efetiva no interior de determinadas relações sociais de um contexto histórico, o que nos remete ao mesmo ambiente, onde são engendradas as mentalidades e as ideologias. Isto ocorre porque ao representar o mundo, os homens travam relações econômicas, sociais, políticas e afetivas com um determinado contexto sócio-histórico e, assim, instauram sua relação simbólica com o mundo. Essa relação pode se apresentar na forma de ideologia, de imaginário social ou de mentalidade. As reflexões sobre essas categorias nos possibilitaram avanços epistemológicos no campo da história aplicada à educação e também constatamos que devemos definir com mais rigor as categorias utilizadas em nossas análises, para que não ficarmos na superfície dos acontecimentos históricos.

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Referências

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