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PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO, DESLOCAMENTOS COMPULSÓRIOS E VULNERABILIZAÇÃO DE POPULAÇÕES LOCAIS

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CAPÍTULO PUBLICADO NO LIVRO:

SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; PITOMBEIRA, Karla Suzy Andrade. Projetos de desenvolvimento, deslocamentos compulsórios e vulnerabilização ao trabalho escravo de grupos sociais locais. In: FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Trabalho

escravocontemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad,

2011. p. 127-144.

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO, DESLOCAMENTOS COMPULSÓRIOS E VULNERABILIZAÇÃO DE POPULAÇÕES LOCAIS

Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior1 Karla Suzy Andrade Pitombeira2

1. INTRODUÇÃO

A Amazônia brasileira e, nela, o Maranhão, desde a década de 1960, têm sido alvos de planejamentos governamentais que envolvem políticas desenvolvimentistas promovidas pelos governos federal e estaduais, contando com a participação ativa de grandes grupos econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais de desenvolvimento. Estas políticas, quando implantadas, levam à instalação de grandes projetos industriais, mineradores, pesqueiros, turísticos, agro-pecuários. Seus impactos (políticos, sociais, culturais, ambientais, religiosos e étnico/raciais) são múltiplos, levando a conflitos sociais que, mais recentemente, em grande medida, passam a ser reconhecidos como conflitos socioambientais, na medida em que estão associados ao domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais.

Os grandes projetos de desenvolvimento provocam o confronto de lógicas diferenciadas de apropriação do ambiente, seja dos grupos que os gerenciam e/ou

1 Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC), Professor Permanente do Programa de Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas (PPGSE) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).

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Mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (PPGCSoc/UFMA), bolsista do CNPq.

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daqueles que se aliam aos mesmos, seja dos grupos sociais atingidos, conduzindo esse cenário de disputas para conflitos socioambientais, que envolvem diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores sociais que neles buscam legitimidade. Existe uma tendência geral, verificada nestes processos, de que os grupos sociais com menor poder de decisão sofram mais diretamente com as possibilidades de cerceamento do acesso a territórios tradicionalmente utilizados como fonte de sobrevivência, estando sujeitos mais diretamente a deslocamentos compulsórios3 e/ou impedimentos de realização de atividades produtivas e de manutenção familiar.

Deslocamentos compulsórios de populações locais e/ou impedimento de acesso a recursos naturais (em função de seu cercamento, apropriação privada ou extinção) para instalação de projetos industriais, mineradores, agropecuários, turísticos, pesqueiros, ou de infra-estrutura, têm ampliado a vulnerabilização destes grupos, na medida em que sua possibilidade de reprodução social fica comprometida pela diminuição de sua capacidade produtiva. A necessidade de buscar meios de sobrevivência diferenciados daqueles tradicionalmente acionados expõe, principalmente, os homens adultos em idade produtiva à ação de aliciadores/intermediadores de mão-de-obra, que arregimentam trabalhadores para as mais variadas formas de trabalho, submetendo-os a exploração, coerção e violência, com destaque para as atividades relacionadas ao roço da juquira4, produção de carvão vegetal e trabalho na cana de açúcar.

É recorrente na porção oriental da Amazônia brasileira a combinação de trabalho escravo5 em fazendas, tráfico de seres humanos, conflitos de terra e desflorestamento, o que demonstra o descompasso da lógica de produção dos grandes projetos com a realidade local, na qual a riqueza socialmente produzida não é distribuída igualmente e

3 Almeida (1996, p. 30) define deslocamento compulsório como “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.

4 “Trata-se da derrubada do mato com a foice, caracterizando uma das últimas etapas de limpeza do pasto para a criação de gado, com a retirada de ervas daninhas e demais tipo de vegetação que cresce em meio ao capim, já plantado anteriormente” (MOURA, 2009, p. 25).

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Para o aprofundamento do estudo de formas de exploração da mão-de-obra que podem ser interpretadas como trabalho escravo, em suas várias modalidades e diferentes denominações (escravidão, servidão, trabalho escravo, trabalho escravo contemporâneo, redução de pessoas a condições análogas à de escravo, trabalho escravo por dívida, semi-servidão, trabalho forçado) no Brasil, ver Esterci (1994), Martins (1994), Figueira (2004), Moura (2009), dentre outros.

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os ônus são socializados, sendo destinados principalmente aos grupos sociais mais fragilizados social e economicamente (SCHERER, 2009).

Visa-se aqui analisar situações socioambientalmente conflitivas no Maranhão, decorrentes de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de 1970 ou, atualmente, em vias de instalação, enfatizando a relação entre deslocamentos compulsórios de grupos sociais locais, cerceamento de acesso a recursos naturais e vulnerabilização para o trabalho escravo.

A compreensão desses processos indica sua relação com o surgimento e desdobramentos do modelo de desenvolvimento decorrente das investidas dos governos ditatoriais, instalados após o golpe militar de 1964, no sentido da industrialização e, conseqüente, modernização do país e que previa, concomitante e associadamente, a integração da Amazônia à dinâmica econômica nacional e internacional (SANT’ANA JÚNIOR, 2004). O Governo Federal planejou, então, a instalação de infraestrutura básica (construção de grandes estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas) que permitisse a rápida ocupação da região, entendida então como um grande vazio demográfico (D’INCAO e SILVEIRA, 1994). Este entendimento desconsiderou a territorialidade multifacetada da Amazônia brasileira, marcada pela existência de inúmeros grupos sociais e povos que milenar ou secularmente vêem ocupando a região e aí constituindo relações produtivas, sociais e culturais, com características próprias. Estes grupos sociais e povos, em maior ou menor intensidade (o que somente pode ser verificado em cada caso empírico) sucumbem, reagem, enfrentam e/ou propõem alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atingia ou, ainda, atinge.

Lógicas de mercado, de representação, de vida se impuseram na Amazônia e são retratadas através de variadas pesquisas que revelam a população, o trabalho, o trabalho infantil, o espaço de reprodução da força de trabalho, a riqueza, a pobreza, os conflitos agrários, o trabalho escravo, a questão étnico-racial em suas diferentes manifestações (BECKER, 2007; CASTRO, 2008; ESTERCI, 1994; FIGUEIRA, 2008; SANT’ANA JÚNIOR, 2004; SCHERER, 2009), colocando às claras, o descompasso entre o desenvolvimento pensado para essa região e a repercussão deste no cotidiano de seus habitantes.

Nos últimos 30 anos, os vultosos projetos mínero-metalúrgicos e agroexportadores têm causado o deslocamento, expropriação e/ou expulsão de inúmeras famílias e povos tradicionais de seus lugares. A expansão da produção recompõe a

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organização socioespacial dos municípios que sediam esses projetos, assim como daqueles que estão em seu entorno, repercutindo nas condições de vida da população e contrapondo mais uma vez o dueto capital e trabalho.

2. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO

Na Amazônia Oriental, o Programa Grande Carajás6, “concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma grande área de influência e em vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na expressão mais visível do modelo de desenvolvimento implementado a partir do regime ditatorial de 1964 (CARNEIRO, 1997; MONTEIRO, 1997).

Fundamentando o modelo de desenvolvimento baseado em grandes projetos, está uma leitura da Amazônia e do Maranhão, como regiões de grandes potencialidades econômicas, porém com atrasos e déficits que devem ser supridos numa atuação conjunta de Estado e iniciativa privada. Esta atuação é percebida como um eficiente instrumento de promoção do desenvolvimento e da modernidade (SANT’ANA JÚNIOR, 2004).

A instalação de um amplo pólo siderúrgico situado entre os estados do Maranhão e Pará pode ser compreendida como uma das principais conseqüências do processo de modernização da Amazônia brasileira levado a cabo pelo Programa Grande Carajás. As indústrias siderúrgicas, segundo esse modelo de planejamento, ocupariam a posição de principais protagonistas da modernização nessa região. Os impactos sociais e ambientais referentes à atuação desses megaprojetos eram postos de lado frente ao discurso inebriante de geração de trabalho e expansão de bens e serviços que tornariam, portanto, a região mais “modernizada”. Na contra corrente desse discurso, evidenciou-se uma crescente degradação ambiental, posta em xeque por organizações ambientalistas e caracterizada pela poluição das áreas circunvizinhas às siderúrgicas, que passam a ser impactadas com a emissão de poluentes na atmosfera e nos cursos

6 Segundo Sousa (2009, p. 24), o Programa Grande Carajás foi criado por decreto presidencial (Decreto-Lei 1.813, de 24/11/1980) e “abrangia uma área de 900 mil Km² (10,6% do território nacional), e abarcava os estados de Goiás (na região que atualmente é o Tocantins), Maranhão e Pará”. O Programa previa a criação de pólos mínero-metalúrgicos, florestais, siderúrgicos e agrícolas. Foi oficialmente extinto, enquanto política governamental, em 1991, no entanto seus efeitos continuam presentes e atuantes na região, principalmente em função da infraestrutura gerada e do permanente estímulo à implantação de atividades produtivas nele previstas.

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d’água e pelo intenso desflorestamento, em função da produção de carvão vegetal, principal redutor e fonte de energia utilizados na produção siderúrgica da região.

Há de se considerar que, antes mesmo da implantação do pólo siderúrgico, os desmatamentos já ocorriam por conta do preparo da terra para a lavoura, posse de terra e formação de pastagens sem “quaisquer controle ou mesmo sem o devido cuidado no tocante ao manejo florestal e reflorestamento” (IDESP, 1988, p. 02). Contudo, isso ocorria em menores proporções comparado à atuação da siderurgia, que é tão predatória quanto o desmatamento para fins agropecuários, mas com a agravante de ser uma atividade regular ao longo dos anos. Ambas causam danos irreparáveis ao meio ambiente ao destruírem o frágil equilíbrio dos ecossistemas regionais (IDESP, 1988). Em menos de quarenta anos, a vasta floresta que caracterizava a pré-amazônia maranhense foi praticamente extinta. Essa degradação passou a ser apontada pelo discurso empresarial como sendo, exclusivamente, resultado da atividade pecuária e da agricultura “itinerante”, funcionado como argumento para escusa da responsabilidade ambiental que lhe cabe.

Outro aspecto derivado do Projeto Grande Carajás e associado diretamente à implantação da Estrada de Ferro Carajás, é o processo de concentração fundiária com a ampliação das ações de grilagem de terra e da expulsão de trabalhadores de sua área. A Amazônia, fonte de fornecimento de matéria-prima e mão-de-obra barata, sofre a apropriação de recursos que beneficiam o capital em detrimento das condições de reprodução material e subjetiva dos grupos sociais locais. São vastos hectares de terra voltados ao modelo de desenvolvimento pensado para essa região para atender, principalmente, a exploração mineral, madeireira, agrícola e pecuária de grandes proporções.

Este cenário reflete o avanço da fronteira agrícola regido pelos denominados proprietários de terras tituladas, que amiúde são os representantes de empresas transnacionais, madeireiras e grandes fazendeiros que se utilizam da logística dominante na região para instaurar um modelo de desenvolvimento que vem de fora e beneficiam-se ainda mais das injunções políticas locais, contribuindo para invisibilidade de grupos sociais com pouco poder político e econômico diante do grande capital. Sendo-lhes útil direcionar os holofotes quando convier aos protagonistas do desenvolvimento, significativas são as iniciativas de responsabilidade social que se apresentam como tendo o objetivo de neutralizar os impactos dessas atividades, embora de uma maneira limitada e contraditória.

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Longe de ser uma região de oportunidades – pelo menos, para aqueles que produzem a riqueza de nosso país – a Amazônia destaca-se pela pauperização de sua população contrastando com a riqueza dos recursos naturais, o que vem a contribuir para a vulnerabilização dos agentes sociais, ocasionando deslocamentos de pessoas e famílias inteiras a procura de melhores condições de vida.

No Maranhão, os desdobramentos do Projeto Grande Carajás e de outras grandes iniciativas desenvolvimentistas levaram à implantação da infraestrutura necessária para a exploração mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial. Desde o final da década de 1970, foram implantados: estradas de rodagem cortando todo o território estadual e ligando-o ao restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do sudeste do Pará ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de São Luís, formado pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa Maranhense de Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira (pertencente à Cia Vale do Rio Doce, hoje conhecida como Vale) e da Alumar (pertencente ao Consórcio Alumar, subsidiária da grande multinacional do alumínio, a Alcoa); a hidrelétrica de Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui (ambas em construção). Paralelo e associadamente a estas grandes obras de infraestrutura, foram instalados neste mesmo período: sete usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de Ferro Carajás (ver quadro 1); uma grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR, que no ano de 2009 inaugurou a expansão de sua planta industrial, dobrando sua capacidade produtiva) e bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral.

Quadro 1: Empresas siderúrgicas implantadas no Maranhão

Nome da Empresa Controle Origem

Viena Siderúrgica do Maranhão S/A

Grupo Valadares Siderurgia/MG Cia. Vale do Pindaré S/A Grupo Queiroz Galvão Construção/PE Cia. Siderúrgica do Maranhão

S/A

Grupo Queiroz Galvão Construção/PE Siderúrgica do Maranhão S/A Grupo Queiroz Galvão Construção/PE

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Ferro Gusa do Maranhão Ltda Grupo Aterpa Siderurgia/MG

Maranhão Gusa S/A Grupo Calsete Siderurgia/MG

Fonte: Dados apresentados pelo Prof. Dr. Marcelo D. S. Carneiro na Mesa Redonda Impactos Econômicos e Transformações nas Relações de Trabalho, VI Jornada Maranhense de Sociologia e II Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, UFMA, de 06 a 09/10/2009.

A implementação dessa logística operacional voltada ao escoamento da produção em grande escala trouxe uma série de transformações aos municípios que estão em seu entorno. O abandono da agricultura (por parcela dos camponeses) e a consequente venda de terra podem ser elencados como fatores que alteram a realidade regional da atividade produtiva e do trabalho, uma vez que estes trabalhadores encontram-se pressionados (por falta de alternativas) e atraídos pelo carvoejamento.

Acresce-se a isso o crescimento do latifúndio, o avanço da propriedade privada sobre a floresta, os fluxos migratórios e “uma defasagem gritante entre a infra-estrutura voltada ao desenvolvimento das atividades econômicas ligadas ao grande capital e a infra-estrutura destinada ao bem estar da população em geral” (HÉBETTE et al, 2004, p. 107)7. O desenvolvimento da atividade carvoeira exemplifica um dos processos desencadeados após a efetivação da Estrada de Ferro Carajás, devido à instalação das empresas siderúrgicas, em que o trabalho nas carvoarias assume uma dimensão relevante na cadeia de produção siderúrgica. “O carvão vem de milhares de grandes e pequenas carvoarias espalhadas por um amplo território abrangendo os estados do Maranhão, Pará, Tocantins e, em menor escala, do Piauí” (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 19)

O processo de produção do carvão envolve um conjunto de etapas com funções específicas:

Cada etapa da produção do carvão é feita por trabalhadores com funções características: motoqueiros (operadores de motosserras) para o corte da madeira; carbonizadores e forneiros, funções chave no processo, que lidam com a queima da madeira; batedor de tora e carregadores de lenha, que transportam a madeira (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 21).

As atividades relacionadas à agricultura, à extração da madeira e à produção de carvão tem registrado inúmeros casos de trabalhadores em condições de trabalho não digno8, que também vem sendo denominado de trabalho escravo.

7

Nesta, e nas demais citações, mantemos a ortografia original do texto, que é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entrou em vigor em 2009, provocando algumas alterações na ortografia utilizada no Brasil.

8

“O trabalho forçado é a antítese do trabalho digno” (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 05)

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A utilização da força de trabalho sob forma repressiva e precarizada tem se apresentado como uma questão recorrente no segmento siderúrgico, por adquirirem carvão vegetal de fornecedores (terceirizados) que se utilizavam destas práticas, ações que se tornaram mais conhecidas a partir das fiscalizações do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e a atuação de entidades da sociedade civil e organizada.

O carvão, principal recurso usado para a fabricação do ferro-gusa, passou a adquirir uma dimensão econômica relevante na área de influência da estrada de ferro, pois as indústrias o consomem em larga escala, provocando desta forma a modificação da realidade regional, compondo uma “vocação” imposta à região em razão dos empreendimentos siderúrgicos. O preço reduzido em relação aos outros insumos, a maior oferta e disponibilidade logística são os fatores que contribuem para que o carvão vegetal seja, ainda, o mais utilizado como insumo energético na produção siderúrgica (PITOMBEIRA, 2008).

Considerando a atividade de produção de carvão como um apoio ao parque siderúrgico de Carajás, Monteiro (2004, p. 05) percebe a produção de carvão como:

o principal elo de articulação dessas indústrias com a socioeconomia da região (...) não só pelos valores movimentados, mas principalmente pelo surgimento de variadas e diversas estruturas sociais que passaram a viabilizar a produção do carvão vegetal. Esta demanda impulsiona transformações sociais na região. Dentre elas o surgimento de um grande contingente de trabalhadores dedicados à produção de carvão vegetal.

O carvão vegetal a baixos custos desempenharia certo controle sobre a margem de lucro tanto das empresas siderúrgicas quanto dos empresários fornecedores de carvão. A mão-de-obra barata e a madeira em abundancia retirada ilegalmente da floresta sem licença ambiental são fatores que se coadunam para o complexo guseiro de Carajás adentrar na concorrência de mercado de uma forma vantajosa, com baixos custos em sua produção. A ampliação da capacidade de produção das siderúrgicas tem contribuído para que muitos proprietários rurais voltem sua atenção para a produção de carvão, o que os leva a investir na mobilização de trabalhadores através da estratégia de subcontratação9. Repete-se aqui, o que é conhecido internacionalmente: “São particularmente vulneráveis as pessoas menos protegidas, incluindo as mulheres e os

9 A subcontratação pode ser citada como uma estratégia de garantia da força de trabalho para o complexo siderúrgico dessa região, prática esta que tem dado margem ao descumprimento da legislação trabalhista vigente.

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jovens, os povos indígenas e os trabalhadores migrantes” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2009, p. 01).

O emprego da força de trabalho nas carvoarias está vinculado à condições estruturais que viabilizam o delineamento de relações entre empregados e empregadores sob conjunturas de dominação e exploração. No cotidiano dessas carvoarias ainda persistem vivências de exploração humana, tema comumente recorrente na literatura que trata do período escravidão no Brasil, que aparentemente parece ter cessado. Há de se considerar, conforme é enfatizado pelo já referido relatório da OIT, o trabalho forçado “não pode ser simplesmente conotado com baixos salários ou com más condições de trabalho”, esta atrelado à violação de direitos humanos em suas variadas nuanças, sendo considerado, portanto, uma grave infração penal.

Nas carvoarias da Amazônia vivem:

homens que perderam a liberdade, não recebem salários, dormem em currais, comem como animais, não têm assistência médica e, em muitos casos, são vigiados por pistoleiros autorizados a matar quem tentar fugir. Esses trabalhadores, em sua maioria, não sabem ler nem escrever. Em geral, esqueceram a data do aniversário. Têm dificuldades de se expressar, sentem medo, vivem acuados e não gostam de falar sobre si mesmos. Quase sempre, não possuem carteira de identidade nem título de eleitor. São como fantasmas, com futuro incerto (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 12)

Embora haja legislação, declarações políticas, convenções coletivas de trabalho10, instrumentos regionais e planos de ação contra essas práticas que afrontam os direitos humanos, ainda é persistente sua ocorrência. Em março de 2004, servindo como um aliado ao trabalho desenvolvido pelo Grupo Móvel de Fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT-MA), foi constituído o Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão (FOREM)11 que, somado às ações realizadas pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH)12, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), Organizações Não-Governamentais (ONG) e demais entidades civis, vem realizando atividades de mobilização social junto aos trabalhadores rurais, com vistas à prevenção e à denúncia de trabalho escravo.

O artigo 149, do Código Penal Brasileiro (CPB) considera trabalho escravo não só a privação da liberdade, mas igualmente, a submissão do trabalhador a trabalhos

10A Convenção Coletiva de Trabalho 2009/2010, celebrada entre o Sindicato de Trabalhadores nas Indústrias de Carvão Vegetal no Estado do Maranhão e o Sindicato das Indústrias de Carvão Vegetal do Estado do Maranhão, Piauí e Tocantins, é significativa no setor siderúrgico, pois estipula as condições de trabalho para as categorias de trabalhadores e empregadores nas indústrias e reflorestamento para carvão vegetal do estado do Maranhão.

11 Moura (2009) ressalta que algumas denúncias encaminhadas à DRT-MA partiram deste Fórum. 12

Instituição sediada em Açailândia-MA, e que tem como uma de suas principais características o combate ao trabalho escravo contemporâneo na região em que atua.

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forçados ou á jornada exaustiva13. Os artigos 203 e 207 do CPB também visam atribuir punição a este crime, apesar de muitos casos não resultarem em efetiva punição, tendo como agravante a indefinição da competência jurisdicional (Justiça Federal ou Justiça comum dos estados?) para se julgar esses casos (CERQUEIRA, FIGUEIRA, PRADO e COSTA, 2008).

Das 29 operações regionais de fiscalização realizadas no Maranhão pelo grupo Móvel de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho, entre janeiro de 2005 e setembro de 2009, ao todo foram resgatados 1.093 trabalhadores em situação de análoga a de escravo (ver Tabela 1). Moura (2009) salienta que a maioria das ações de fiscalização foram realizadas na Região Tocantina (ao Sul do estado), com destaque aos municípios de Imperatriz, Açailândia e adjacências, ou seja, na região de influência da Estrada de Ferro Carajás.

Tabela 1: fiscalizações da Superintendência Regional do Trabalho no estado do Maranhão

Ano Operações realizadas Trabalhadores

resgatados 2005 05 264 2006 05 287 2007 08 381 2008 08 87 2009* 03 74 TOTAL 29 1.093

Fonte: Superintendência Regional do Trabalho/MA *Dados até setembro de 2009.

A utilização da força de trabalho sob condições degradantes e repressiva passou a ser um aspecto recorrente na Amazônia Oriental, levando-se em consideração a tendência “fabricada” a partir da instalação de empreendimentos siderúrgicos para a fabricação do ferro gusa. As desigualdades sociais que destoam da riqueza de recursos minerais e florestais na região é apontada por Esterci (1994) como o vetor responsável pela utilização de práticas degradantes da força de trabalho. As denúncias que tratam da exploração da mão-de-obra rural, da coerção e da violência despertaram um interesse público graças às ações de entidades de mobilização social que contribuíram de forma decisiva para ações mais efetivas por parte do estado.

13

Quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

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No caso específico das situações de trabalho escravo na cadeia de produção siderúrgica da região Carajás, destaca-se a atuação de combate e denúncia do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, do Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão (FOREM), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, por parte das empresas siderúrgicas, o Instituto Carvão Cidadão (ICC).

Criado em 2004, o Instituto Carvão Cidadão é uma entidade que representa os interesses das empresas siderúrgicas de Carajás14, uma espécie de porta-voz das experiências dessas empresas na questão da repressão ao trabalho escravo na produção de carvão vegetal, embora haja iniciativas de tornar a produção autossustentável, com o reflorestamento, com eucalipto, das áreas devastadas.

As siderúrgicas15 não possuem fornecedores fixos de carvão. As

carvoarias produzem para distintas siderúrgicas e o processo de produção (por ser terceirizado) nesses termos apresentava-se como um dado sem grande relevância. A criação do ICC tem sido apresentada como uma tentativa de acompanhar o cumprimento da legislação por parcela de seus fornecedores. É com este intuito que o ICC audita somente os fornecedores das indústrias guseiras associadas a este16. Assim como o Ministério do Trabalho, o Instituto Carvão Cidadão emprega em suas auditorias questionários para diagnosticar as condições de trabalho nas carvoarias, de forma a avaliar o desempenho dos fornecedores e das empresas siderúrgicas na área de sua atuação.

Os dados quantitativos que esses questionários sintetizam oferecem um meio privilegiado de apreensão da realidade social da produção carvoeira que abastece o Pólo Siderúrgico de Carajás. A diversidade de indicadores mensura as irregularidades cometidas pelos fornecedores de carvão.

Vale destacar que a seleção dos indicadores que o ICC leva em consideração está em consonância com as exigências do Ministério do Trabalho e Emprego. São esses indicadores que vão permitir ao Instituto a aproximação com a realidade do trabalho na atividade carvoeira. O ICC, portanto, é apresentado como:

14 O ICC foi criado pelas siderúrgicas que compõem o Pólo Carajás, sendo o seu capital produto exclusivo de aplicações dessas empresas voltadas para o desempenho de suas funções.

15

Essas siderúrgicas têm como principais consumidores de ferro gusa os Estados Unidos. Esse gusa movimenta um mercado de aços especiais, requisito indispensável para fabricação de artigos de alta tecnologia.

16

As siderúrgicas associadas ao ICC são: Cikel Siderurgia Ltda, Cosima, Fergumar, Gusa Nordeste, Ibérica, Margusa, Pindaré, Sidepar, Simasa, Sinobrás, Viena e Vale.

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fruto da necessidade das Siderúrgicas de ter entre seus fornecedores, produtores de carvão vegetal responsáveis e cumpridores da legislação trabalhista. O Ministério do Trabalho e Emprego iniciou em 1996 um trabalho intensivo de fiscalizações nas carvoarias do Maranhão, que resultou, em 1999, no Termo de Ajuste de Conduta firmado entre as Siderúrgicas do Maranhão, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, instrumento que regulamenta até a presente data as relações de trabalho nas carvoarias do Maranhão (http://www.carvaocidadao.org.br/empresa/).

Depreendemos, portanto, que o Instituto carvão Cidadão tem sido um mediador importante entre as siderúrgicas que compõem o Pólo Carajás e o segmento mobilizado da sociedade civil que luta contra o trabalho escravo contemporâneo. É o ICC quem traduz aos produtores mínero-metalúrgicos as pressões externas decorrentes da execução das atividades no setor carvoeiro (PITOMBEIRA, 2008, p. 55).

Segundo Carneiro (2008), a explicação para a maior adesão das siderúrgicas localizadas no Maranhão ao ICC pode estar relacionada com a maior pressão exercida pelo movimento de combate ao trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica nesse estado, o que depois irá ocorrer também no estado do Pará.

O consumo da mata nativa, com impactos sobre os biomas locais, é a outra face do tão almejado e difundido desenvolvimento industrial. Um dos pilares da industrialização, a siderurgia é expressiva na economia brasileira dada sua inevitável importância na viabilização de outras indústrias, como, por exemplo, as de materiais de transporte, bens de capital e equipamentos elétricos.

O volume de matéria-prima demandado impressiona. Somente em 2007, segundo a Associação Mineira de Silvicultura (AMS), o consumo de carvão vegetal no Brasil foi de 9,2 milhões de toneladas - mais de 90% destinou-se ao setor siderúrgico. Para se ter uma idéia, são necessárias 48 árvores, conforme parâmetros do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para produzir apenas uma tonelada de carvão. Em outras palavras, naquele ano mais de 440 milhões de árvores foram para o forno (http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1611).

Muitos empresários desse setor compraram e ainda compram terras para a plantação de eucalipto, ampliando a especulação imobiliária e fazendo com que muitos trabalhadores migrem para grandes centros urbanos ou para os municípios circunvizinhos.

O trabalho escravo na região Amazônica, relacionado ao roço da juquira, está atrelado a constituições de condições prévias ao estabelecimento de atividades produtivas. É no processo de formação das fazendas que subsidiam os empreendimentos na chamada região de fronteira agrícola que se cria a complexa rede de relações sociais que transformam a super-exploração em escravidão (MOURA, 2009). É no interior dessas fazendas, que abrangem uma imensidão de hectares, que muitos dos trabalhadores em situação de desemprego buscam trabalho, submetendo-se a

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super-exploração, que pouco a pouco passa a se configurar como escravidão. Muitos destes encontram-se longe de seus locais de moradia e foram aliciados por contratos verbais com promessas de emprego que favorecem a imobilização do trabalhador diante da necessidade de reproduzir-se material e socialmente.

Convém destacar que os objetivos postos pelo Instituto Carvão Cidadão não são intrínsecos a esse espaço, mas emergentes de uma conjuntura situada historicamente. O seu sentido atrela-se ao engajamento (relacional e engendrado) do setor empresarial com as questões sociais reclamadas pelos agentes (ou grupo de agentes) atingidos por suas ações.

As estratégias acionadas pelos trabalhadores que, expulsos de suas terras, submetem-se às condições precárias de trabalho17 alteram as condições de funcionamento da economia familiar assim como sua organização, reconstituindo os papéis sociais envoltos nesse processo. A subordinação ao trabalho que se aceita por questão de sobrevivência e/ou ausência de alternativas, que no interior do Maranhão é conhecido como “a necessidade” (MOURA, 2009), em muitas situações é vivenciada como superexploração da força de trabalho, em que diversos mecanismos são postos em ação para imobilizar a força de trabalho.

Considerando esse aspecto, a relação estabelecida entre estes trabalhadores e suas atividades podem, por vezes, dar um sentido específico às interações entre os aliciadores/intermediadores da força de trabalho, fazendeiros, trabalhadores e outros agentes envolvidos nessa trama.

Os deslocamentos de trabalhadores em busca de trabalho têm transformado o contexto de vários municípios formadores de um exército de mão-de-obra que é distribuído em diversos setores da economia. Timbiras, assim como, Codó e São José dos Basílios são municípios maranhenses que se destacam por fornecer trabalhadores para o desempenho de funções nas usinas de cana-de-açúcar de São Paulo e de outras regiões do centro-sul brasileiro.

Muitos dos agentes envolvidos nessa conjuntura expressam aquiescência pelas situações de exploração vivenciadas no trabalho18, uma vez que estas denotam possibilidade de aquisição19, conforme salienta Marinho (2007).

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Moura (2006) designa esses trabalhadores de escravos da precisão.

18 Experiência também vivenciada no transporte desses trabalhadores em ônibus clandestinos que, comumente encontra-se em péssimas condições de conservação.

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Aquisição de bens materiais e de dinheiro que proporcionariam a sensação de que o “esforço” empregado foi compensatório, embora se tenha vivenciado exploração da força de trabalho.

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A repercussão desses deslocamentos na região de origem e suas representações (nuançadas pelas experiências individuais) criam laços que deixam em aberto a possibilidade de retornar ao destino que lhes propicia oportunidade de emprego, conjecturando, portanto, uma complexidade na representação que os trabalhadores formam a respeito das atividades que desempenham e o custo-benefício atreladas a estas, neutralizando, por vezes, a problemática do trabalho escravo e a superexploração do trabalho (preponderantemente rural) e constituindo, assim, uma peculiaridade relacional que varia conforme a conjuntura local.

A relação de exploração formatada sob diversas nuanças20 acrescida da formação de grandes empreendimentos agrícolas na Amazônia brasileira constitui uma rede de relações21 que caracterizam a chamada escravidão contemporânea. É no mosaico dessas relações que a vulnerabilidade a que estão sujeitos esses trabalhadores passa a ser um aspecto marcante.

A atividade agrícola, não obstante as condições precárias em que é realizada, continua a ser a principal fonte de rendimentos, mesmo considerando outras atividades que geralmente são apontadas como complementação de renda, sendo, também, um meio de se adquirir recursos para serem aplicados no roçado que garantirá (por algum tempo) a reprodução do grupo familiar (MOURA, 2009).

Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos governamentais e/ou envolvendo a iniciativa privada, tem provocado profundos impactos socioambientais, alterando biomas e modos de vida de populações locais (conhecidas também como populações tradicionais), através de reordenamento socioeconômico e espacial de áreas destinadas à implantação dos mesmos.

3. CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, À GUISA DE CONCLUSÃO

Apesar das permanentes relações de exploração/complementariedade que ocorrem entre trabalhadores rurais vulnerabilizados pela concentração das terras e graves limitações às suas formas de reprodução social e grandes empreendimentos agropecuários e industriais e seus intermediários (os “gatos”, por exemplo), os impactos de grandes projetos podem provocar o confronto de lógicas diferenciadas de

20 A escravidão por dívida, alojamento inadequado, falta de equipamentos de segurança são bastante esclarecedoras nesse sentido.

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apropriação do ambiente, seja dos grupos sociais atingidos, seja dos grupos que gerenciam os grandes projetos de desenvolvimento ou daqueles que se aliam aos mesmos, conduzindo esse cenário de disputas para “conflitos ambientais”, que envolvem diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores sociais que neles buscam legitimidade (ACSELRAD, 2004). Na medida em que alguns grupos sociais incorporam em sua luta e em seus discursos a questão ambiental, como instrumento de universalização de sua luta particular, podemos identificar um processo de “ambientalização dos conflitos sociais” (LEITE LOPES, 2004). No Maranhão, um expressivo número de conflitos socioambientais se configuram em decorrência de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação.

Dentre os principais conflitos sócio-ambientais que marcaram e/ou marcam a história recente do Maranhão, podemos destacar os conflitos em torno da criação de búfalos nos campos de uso comum da Baixada Maranhense, que ficou conhecido na imprensa local como a “matança dos búfalos” (MUNIZ, 2009); a luta dos povoados quilombolas do município de Alcântara contra as ações do Centro de Lançamentos de Alcântara (centro de lançamento de artefatos espaciais), que para se implantar na década de 1980 deslocou compulsoriamente vinte e três povoados e ameaça deslocar mais seis para expandir sua área de atuação (PAULA ANDRADE e SOUZA FILHO, 2006); o movimento de quebradeiras de coco babaçu contra a expansão da pecuária bovina extensiva e contra o cercamento e interdição de acesso às florestas de babaçuais (CORDEIRO, 2008); o conflito envolvendo povoados da Zona Rural do município de São Luís contra a instalação de um pólo siderúrgico que implicaria no deslocamento de doze povoados (ALVES; SANT’ANA JÚNIOR; MENDONÇA, 2007), conflitos em função da expansão da sojicultura no sul e leste maranhenses (SCHLESINGER; NUNES; CARNEIRO, 2008), os conflitos nos municípios de Bacabeira e Rosário em torno da instalação da Refinaria Premium da Petrobrás. Além destes, inúmeros outros conflitos vão se configurando com a implantação de projetos de carcinicultura no litoral; a construção da Hidrelétrica de Estreito, na divisa com o Tocantins; a ampliação da indústria turística, principalmente nos Lençóis Maranhenses; dentre outros. Esses conflitos revelam que, além da subordinação e ajustamento a uma ordem injusta, vários grupos sociais podem vir a acionar instrumentos de resistência e, buscando estabelecer alianças com outros grupos sociais na mesma condição e com movimentos sociais os

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mais variados, lutar pela garantia do acesso à terra e aos recursos naturais utilizados ancestralmente, procurando superar sua condição de vulnerabilidade.

5. REFERÊNCIAS

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