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Introdução

O grafite1 está nos muros e nas paredes do Rio de Janeiro.

Ele está no Jardim Botânico, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Leblon, em Ipanema e na zona portuária da cidade. Ele também está nas galerias de arte contemporânea, pintado nas paredes das salas das casas e apartamentos da classe média alta carioca, nas seções de cultura, entretenimento e negócios do jornal O Globo, em anúncios publicitários, na fachada de lojas e centros comerciais. O grafite virou produto e está estampado na capa de cadernos, na embalagem de perfume, na abertura da novela das sete, nas redes sociais da internet, em livros e revistas especializadas, em programas sociais e educativos do governo, na tela do cinema, em estampas de camisetas e transformado em toy art. O grafite é pop.

Para além de toda aceitação e popularidade que ele alcança na atualidade, sua prática esteve guiada pela transgressão e marginalidade em diversos momentos de sua história. Influenciado por transformações econômicas, sociais e culturais, o grafite tornou-se, nas décadas de 1960 e 1970, uma ferramenta política de contestação, indignação e afirmação por parte daqueles que, de algum modo, sentiam-se excluídos ou esquecidos pelas esferas de poder.

Nos protestos estudantis de maio de 1968, em Paris, microfones, tiras de quadrinhos, músicas, grafites e balões pintados

1 Apesar do vocábulo graffiti ser constantemente utilizado e, consequentemente,

aceito no Brasil, nesta pesquisa optou-se pela grafia em língua portuguesa, “grafite”. A grafia original graffiti será usada somente em casos de citação de outros autores ou em algum tipo de nomeação específica.

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invadiram não só as universidades, mas também as estações de metrô e ruas com palavras de ordem antiautoritárias, utópicas e com fins macropolíticos. Disseminados pelas cidades, em largas proporções, os grafites tornaram-se uma das principais formas de expressão, mediação e comunicação daqueles jovens, que por meio de inscrições nos muros e paredes procuravam proclamar o ideal revolucionário e mostravam a vontade de reescrever o contexto da época.

Já em Nova Iorque, na década de 1970, o grafite despontou como forma de resistência, praticado por jovens pertencentes a duas expressivas e específicas minorias étnicas: os negros e os porto-riquenhos. Uma manifestação característica dos guetos do Bronx e do Brooklyn, com suas próprias leis, normas e propósitos micropolíticos. Uma maneira gráfica de demonstrar e reforçar que também pertenciam àquele espaço urbano e àquela cultura.

Enquanto na década de 1980, na América Latina, marcada por crises políticas e econômicas, surgiram grafites figurativos, irônicos, debochados e cínicos como manifestações de desordem urbana, sobretudo impulsionados pelo desencanto e pela perda da credibilidade nas instituições políticas. O fato de o grafite manter-se fora dos circuitos comerciais e da opressão dos governos autoritários fez com que ele se tornasse uma expressiva e visível fonte de opinião pública.

No entanto, as esferas econômica e subversiva, aparentemente contraditórias, passaram a combinar-se de forma inseparável. Por influências e poderes diversos, criou-se uma cultura intensa de valorização da prática e do produto do grafite, na qual os modelos econômicos passaram a influenciar a forma, o local e seu modo de produção e exibição. Dessa maneira, o grafite começou a

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ser definido por modelos econômicos e políticos de negociação, troca e valor.

Na década de 1980, ele alcançou o status de arte, ganhou importância e, desde então, passou a ocupar, para além das ruas, diferentes espaços e territórios, como galerias, museus e bienais de arte. Cooptado pelo mercado, reconfigurou-se e adquiriu novas funções e significados. Especificamente no Brasil, foi reconhecido pelo governo federal em 2011 como expressão artística, deixando de ser crime. Por decreto, 27 de março foi institucionalizado como o seu dia. Afastou-se e, sobretudo, diferenciou-se da pichação2.

Concomitantemente, o grafiteiro, sujeito produtor do grafite, abandonou a clandestinidade, ganhou fama, status de artista e/ou designer e tornou-se um corpo dócil, uma força útil e produtiva para a sociedade. Além de se mostrar nos muros, passou a produzir estampas, produtos, ilustrações e pinturas com claros objetivos comerciais.

Nesse contexto, no qual a subversão parece sair de cena e a prática do grafite adequar-se, pouco a pouco, ao modo de produção capitalista, firma-se o objetivo principal desta pesquisa: realizar uma leitura cartográfica desse processo de transformação, legitimação e cooptação, tomando como campo de análise a Zona Sul e a região portuária do Rio de Janeiro. Territórios onde essas variações e movimentos ganham força e tornam-se cada vez mais evidentes no espaço da cidade. O problema de pesquisa concentra-se na seguinte questão: afinal, qual o papel do grafite na contemporaneidade,

2 A separação entre grafite e pichação só acontece no Brasil, diferentemente de

outros países. Na língua inglesa, por exemplo, a pichação, chamada tag, é considerada um tipo de grafite, a assinatura dos grafiteiros.

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sobretudo na Zona Sul do Rio de Janeiro3? Transgressão? Ação

política? Expressão artística? Decoração? Estratégia de marketing e mercado?

Na tentativa de responder às referidas questões, dentro da trama rizomática que se apresentou diante do cartógrafo-pesquisador e na qual pretendia-se abrir passagens, criar novos caminhos e identificar transformações e mutações na paisagem do grafite, tomou-se como ponto de partida os conceitos de Poder, Resistência e Sociedade Disciplinar, propostos por Michel Foucault, e Sociedade de Controle, apresentado por Gilles Deleuze. Os conceitos aqui utilizados, formulados por esses autores, dizem respeito às formas de controle do indivíduo no espaço e no tempo, além de fornecerem elementos para o entendimento das estratégias e dos mecanismos de poder exercidos pela sociedade e pelos próprios indivíduos sobre o corpo e, consequentemente, os espaços ocupados e as práticas realizadas por esses corpos.

Dentro da multiplicidade de forças em que a pesquisa se encontra, e a fim de buscar o maior entendimento e provocar o diálogo, procurou-se no referencial teórico outros autores que pudessem ampliar a discussão e o estudo. Jacques Rancière e o conceito de dissenso; Pierre Bourdieu e sua teoria dos bens simbólicos; Janet Wolff e suas apreciações sobre as relações entre o campo da arte e o capitalismo; Nestor Garcia Canclini e seus

3 Cabe ressaltar que o grafite encontrado na Zona Sul do Rio de Janeiro em muito

se difere do grafite encontrado em outras regiões, como o centro e a Zona Norte e o subúrbio. De acordo com Moren (2009), enquanto na Zona Sul encontra-se um grafite menos homogêneo, mais fluído e detalhista, que parece ressaltar a preocupação do grafiteiro com o resultado final de seu trabalho, na Zona Norte tem traços mais fortes, rígidos e grosseiros, onde se exclui a percepção de movimento e muitas vezes vinculados ao chamado estilo Hip hop.

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comentários sobre o próprio grafite; Neil Smith e suas críticas à gentrificação, como alguns exemplos a serem citados.

Autores e conceitos que, aplicados à prática do grafite, promovem um novo olhar e um entendimento mais amplo sobre essa atividade, que ocupa cada vez mais espaço além dos muros e das paredes, mas também na mídia, no design, em galerias e museus.

De maneira geral, pretende-se traçar aqui uma cartografia referente a um saber parcial, preliminar, que não objetiva o conforto da verdade ou a demarcação das origens e limites do grafite na Zona Sul do Rio de Janeiro. Um mapeamento ciente de seus limites e circunscrições.

No que diz respeito à organização do trabalho, o segundo capítulo aborda a cartografia de Deleuze e Guattari (1995a) enquanto recurso metodológico. Uma estratégia que extrapola o sentido etimológico do termo ao propor uma cartografia social, múltipla e plural, voltada às transformações, relações, jogos de poder e embates que envolvem o grafite na contemporaneidade. Apesar de não se tratar de uma cartografia geográfica, optou-se por nomear os capítulos seguintes com nomes de bairros ou regiões do Rio de Janeiro, uma referência poética aos territórios e cenários das histórias, casos e relatos aqui tratados e analisados.

Jardim Botânico, o terceiro capítulo desta pesquisa, narra a pintura e o consequente apagamento dos grafites do muro do Jockey Club Brasileiro, localizado na rua e no bairro de mesmo nome. A polêmica em torno do episódio traz à tona discussões acerca dos jogos de poder e do papel exercido pela Zona Sul carioca na aceitação do grafite na cidade. Discussões sobre a constituição

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dos espaços urbanos, territórios, muros e paredes, público e privado, completam a seção.

Lagoa Rodrigo de Freitas, o quarto capítulo, discute o tema a partir do projeto “Jockey Club Arte Urbana”, de pintura de um novo mural, após a polêmica e os protestos surgidos com a destruição dos antigos grafites. Um projeto que envolveu curadoria, patrocínio e apoio do poder público. A transgressão se normaliza e os conceitos de sociedade disciplinar, biopolítica (Foucault, 1987) e sociedade de controle (Deleuze, 1992) embasam as discussões teóricas.

Leblon, o quinto capítulo, analisa, a partir da pintura de um grande painel de grafite na lateral do Hotel Marina Palace, o papel das instituições, empresas, marchands e galerias de arte na cooptação do grafite, sua consequente transformação em um bem simbólico (Bourdieu, 2007) e seu estatuto de mercadoria.

Porto Maravilha apresenta a questão da gentrificação (Smith, 1996) dos espaços urbanos e do grafite a partir do relato dos eventos, feiras e ações que têm o grafite como temática e vêm ocorrendo na região portuária da cidade, que passa por um trabalho de revitalização.

Botafogo, último capítulo teórico, aborda as novas formas de resistência e transgressão que vêm tomando força nos muros e nas paredes da cidade, concomitantemente aos processos de cooptação e mercantilização do grafite. Escrituras anônimas que surpreendem, questionam e desafiam os cidadãos. Práticas estranhas ao espaço geométrico das grandes cidades (Certeau, 1994), que fazem emergir uma nova marginalidade cultural.

Cabe ressaltar que não se pretendeu realizar aqui uma história do grafite carioca, mas identificar exemplos, técnicas de poder e

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cooptação na Zona Sul do Rio de Janeiro, importantes no contexto deste trabalho. Descrever essa prática e suas transformações implicou dar grande atenção às suas particularidades, de forma a buscar não um sentido, mas a coerência de uma estratégia maior. Assim, ao modo de Foucault (1984), procurou-se uma “história perspectiva” ou “história efetiva”, que tem o ponto de vista voltado às práticas e ao contexto no qual ocorrem os confrontos, partindo sempre de quem olha. Ponto de vista no qual o referencial é o próprio sinônimo para uma genealogia da história, visto que “o sentimento histórico dá ao saber a possibilidade de fazer, no movimento de seu conhecimento, sua genealogia” (Foucault, 1984, p. 30).

Uma visão que se contrapõe à narrativa dos historiadores. De acordo com o autor, assim como não temos vidas totais ou conceitos universais hábeis o suficiente para delinear a história, esta não existe. A História com “H” maiúsculo “seria construída fora do tempo, um ponto de apoio, que pretende tudo julgar segundo determinada objetividade, supondo verdades eternas, almas que não morrem, consciências idênticas a si mesmas” (Foucault, 1984, p. 26).

Dessa maneira, espera-se aqui oferecer uma nova leitura sobre o grafite, a partir do desemaranhar das linhas dos dispositivos atuantes no campo de forças e relações no qual a prática se localiza. Um trabalho micropolítico, no que diz respeito ao entendimento das dimensões da análise do grafite na contemporaneidade. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1212294/CA

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