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Instituto Sedes Sapientiae Departamento de Psicanálise TÍTULO: PULSÃO DE MORTE E SENTIMENTO DE CULPA AUTOR: RODRIGO BLUM. Novembro RESUMO

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Instituto Sedes Sapientiae Departamento de Psicanálise

TÍTULO: PULSÃO DE MORTE E SENTIMENTO DE CULPA AUTOR: RODRIGO BLUM

Novembro - 2000 RESUMO

Ao tratar da relação entre a pulsão de morte e de vida, Freud desenvolve uma importante idéia do que vem a ser para ele o dualismo pulsional; ou ainda a idéia de autonomia destas duas forças pulsionais. Se por um lado e momento de sua obra Freud, sustenta que a pulsão de vida e de morte andam sempre juntas, mais a frente e sobretudo em "O mal estar na cultura", aparece o lugar da pulsão de morte como pulsão de destruição autônoma.

Entendo, e esse trabalho se propõe a refletir, que os elementos para percorrer a idéia de uma potência destruidora ou princípio de retorno ao inorgânico, como algo próprio, inconsciente e determinante ao funcionamento psíquico, já se mostram com enorme amplidão no contexto freudiano assim que este concebe a idéia de sentimento de culpa. Portanto, é através deste tipo de sentimento inconsciente, por mais paradoxal que pareça, que esta o fundamento disto que estou chamando de o cruel no humano. Ao pensar o sentimento de culpa, seus destinos para o indivíduo e para cultura, pretendo percorrer um pouco da visão de crueldade e destrutividade que é tão humana quanto o sentimento de autoconservação . Acima de tudo, darei atenção especial ao que representa o conflito ente ego e superego rígido. Mas precisamente aos efeitos dessa conflituosa relação no trato com o social. Será objeto de reflexão as implicações e conseqüências do sentimento de culpa no ato delinqüente ou mais comumente transgressor. Mais do que apontar e elucidar esse tipo de relação entre a pulsão de morte, sentimento de culpa e ato de ilegalidade, esse trabalho propõe uma reflexão acerca do ganho secundário da atitude transgressora. Assim, o que se percebe, e o que Freud

elucida, é a busca inconsciente pela lei; ou ainda, a necessidade da procura de uma lei externa que venha aliviar o conflito gerado pela briga entre o superego e o ego.

Instituto Sedes Sapientiae - Departamento de Psicanálise PULSÃO DE MORTE E SENTIMENTO DE CULPA RODRIGO BLUM

Seminário: Teoria das Pulsões Coordenador: Nelson da Silva Junior

Os filósofos deveriam refletir, antes de estabelecer o impulso de autoconservação como impulso cardinal de um ser orgânico. Uma criatura viva quer antes de tudo dar vazão a sua força - a própria

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vida é vontade de poder- : a autoconservação é apenas uma das indiretas, mais freqüentes conseqüências disso. - Em suma: como nisso tudo, cuidado com os princípios teleológicos

supérfluos! - um dos quais é o impulso de autoconservavação ( nós o devemos à inconseqüência de Spinoza). Assim pede o método, que deve ser essencialmente economia de princípios.

NIETZSCHE

A questão fundamental para espécie humana parece-me ser saber se, até que ponto, seu

desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pela pulsão humana de agressão e autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial. Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte da sua ansiedade. Agora só no resta esperar que o outro dos dois "Poderes Celestes"(pág. 85), o eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu não menos imortal adversário. Mas quem pode prever com que sucesso e com que resultado?.

SIGMUND FREUD

Com este questionamento bastante provocativo e digamos pessimista sobre o futuro da humanidade, Freud termina seu importante artigo intitulado "o Mal Estar na cultura". Ao deixar, já em 1930 ,um olhar sombrio e verdadeiro sobre os aspectos mais cruéis da natureza humana, Freud não só

estabelece um olhar ao devir, mas sobretudo provoca seus interlocutores à uma reflexão acurada para uma das questões fundamentais de sua obra e claro da natureza psíquica dos seres humanos: a importância da pulsão de morte e sua relação com Eros.

Ao tratar da relação entre a pulsão de morte e de vida, Freud desenvolve uma importante idéia do que vem a ser para ele o dualismo pulsional; ou ainda a idéia de autonomia destas duas forças pulsionais. É fundamental deixar claro esta diferença. Se por um lado e momento de sua obra Freud, sustenta que a pulsão de vida e de morte andam sempre juntas, mais a frente e sobretudo em "O mal estar na cultura", aparece o lugar da pulsão de morte como pulsão de destruição autônoma.

Mais do que analisar estes dois momentos na teoria freudiana e sua implicações, quero ressaltar que seja entendendo as pulsões como fusionadas e em alguns momentos se separam, ou afirmando que pulsão de morte e pulsão de vida possuem inclinações originárias independente, o que parece fundamental na concepção de Freud é a disposição pulsional para o que existe de mais cruel no humano. Assim como salienta Garcia-Rosa : A naturalidade ou não-naturalidade da pulsão, assim como a distinção entre pulsão de morte e pulsões sexuais, são, evidentemente, questões presentes e de extrema importância para Freud. No entanto, julgo que estas questões, a partir do texto Além do princípio de prazer, escamoteiam uma outra, mais fundamental, que é a do reconhecimento, por parte de Freud, da existência do mal radical no homem.

Independente desta questão ser fundamental e mesmo aparecer mais claramente em O mal estar na cultura(1930), entendo que os elementos para percorrer a idéia de uma potência destruidora ou princípio de retorno ao inorgânico, como algo próprio, inconsciente e determinante ao

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concebe a idéia de sentimento de culpa. Portanto, é através deste tipo de sentimento inconsciente, por mais paradoxal que pareça, que esta o fundamento disto que estou chamando de o cruel no humano. Ao pensar o sentimento de culpa, seus destinos para o indivíduo e para cultura, pretendo percorrer um pouco da visão de crueldade e destrutividade que é tão humana quanto o sentimento de autoconservação . Acima de tudo, darei atenção especial ao que representa o conflito ente ego e superego rígido. Mas precisamente aos efeitos dessa conflituosa relação no trato com o social. Será objeto de reflexão as implicações e conseqüências do sentimento de culpa no ato delinqüente ou mais comumente transgressor. Mais do que apontar e elucidar esse tipo de relação entre a pulsão de morte, sentimento de culpa e ato de ilegalidade, esse trabalho propõe uma reflexão acerca do ganho secundário da atitude transgressora. Assim, o que se percebe, e o que Freud elucida, é a busca inconsciente pela lei; ou ainda, a necessidade da procura de uma lei externa que venha aliviar o conflito gerado pela briga entre o superego e o ego.

SENTIMENTO DE CULPA E SEUS DESTINOS

A culpa talvez seja um dos tipos de sentimento mais familiar aos homens. Se pensarmos em culpa, rapidamente podemos imaginar inúmeras situações ou experiências onde a culpa se mostrou presente ou ainda muito presente. Talvez por ser este sentimento algo muito próprio à natureza humana, ou ainda estruturante ao psiquismo. Mas certamente esse tipo de culpa comum a todos ou facilmente imaginado, não se trata do sentimento de culpa que Freud observou na clínica ou ainda imaginou ser o resultado de um conflito muito particular entre superego e o ego. A culpa que estamos de uma certa forma familiarizados é resultado de uma causa, ou ainda um estado consciente. Sentimos culpa por "termos feito algo errado" ou ficamos culpados "por não termos assumidos algo que havíamos nos comprometidos", etc. Isto é, o sentimento de culpa possui uma origem, é uma conseqüência, não originário. Neste sentido é consciente, como os sentimentos o são. No entanto, Freud, ao analisar o funcionamento psíquico humano estabelece uma outra idéia e origem para um sentimento bastante peculiar: o sentimento de culpa inconsciente. Pode parecer uma contradição algo inconsciente produzir um sentimento tão forte, mas não é. Não é uma contradição pois se trata de um postulado, ou seja, uma idéia construída por Freud para dar conta de uma suposição e de observações retiradas do trabalho clínico. Mas o importante talvez não seja a

existência real ou virtual desse tipo de sentimento, mas sobretudo sua determinação psíquica e seus destinos no comportamento humano.

O sentimento de culpa teria uma origem inicial no medo da perda de amor. Assim, o sentimento de culpa consciente estaria intimamente ligado ao pavor de desproteção. Perder o amor de outrem significa ficar exposto aos perigos, sobretudo ao perigo de sofrer a punição que essa pessoa querida e superior pode provocar. Portanto, tudo que provoque uma sensação de ameaça a perda do objeto amado, pode ser marcado como um sentimento mau. Neste sentido, a culpa esta diretamente ligada a uma angústia social. Sentimento este que é muito próprio das crianças que se percebem

desprotegidas pelos seus pais ou em adultos que mesmo conscientes desafiam as autoridade em busca de prazer; ainda que o medo de serem descobertos esteja bastante presente. Desta forma o perigo só se instaura quando a autoridade descobre a infração. Por isso, faz tão pouca diferença pretender fazer algo irregular ou mesmo faze-lo; a culpa esta no perigo de ser apanhado ou de ser repreendido.

A entrada do superego no funcionamento psíquico provoca uma importante mudança na relação entre o ego e suas vinculações. Ao internalizar a autoridade, ao estabelecer uma instância

superegoica, o trabalho psíquico promove uma ordem interna julgadora. A lei, ou seja, a noção de certo ou errado já não mais está fora do sujeito e sim presente em seu mundo interno. Desta

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maneira, fazer algo mau ou pensar em fazer, não tem diferença. Perante ao superego não há segredos, não se distingue pensamento de ato, ainda que a efetivação de um pensamento traga importantes conseqüências à vida social do sujeito. Mas o fundamental, é saber que a punição não virá de fora, ela já esta presente consciente ou inconscientemente. Como afirma Freud: O superego atormenta o ego pecador com o mesmo sentimento de ansiedade e fica à espera de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo mundo externo.

O que se coloca como realmente diferencial na instauração do superego é a dependência do

sentimento de culpa à sua força punitiva. Se anteriormente renunciar à pulsão e por conseguinte ao ato transgressor, aliviava o sujeito da punição externa, com a incorporação da autoridade interna essa possibilidade desaparece. Assim, a renúncia pulsional não possui mais um efeito libertador; ou seja, a certeza do amor não mais exime o ego de ser cobrado. O sentimento de culpa e a tensão permanente entre o ego e o superego tomam um caráter permanente e amplifica o medo da infelicidade externa.

Ainda que o sentimento de culpa seja anterior ao superego e anterior mesmo a consciência , pois tem origem na relação do ego com o mundo externo e suas autoridades; é derivado

substancialmente dos conflitos entre ego e o medo da perda do amor e sobretudo da tesão pulsional. Neste sentido, o sentimento de culpa ganha força e intensidade na função inibitório do superego ao id e no resultado do poder de agressividade que esse impasse provoca ao ego. Portanto, o

sentimento de culpa vai muita além do resultado do conflito entre o ego e o superego, ma sobretudo sinaliza um conflito ainda mais importante que se dá entre as forças pulsionais inconscientes (id) e a moral egóica e seu juiz. Pode-se afirmar que o que esta realmente em jogo é motor da economia libidinal, qual seja: de uma lado as forças pulsionais inconscientes e seus representantes em Eros e de outro o trabalho da consciência. Porém, nesta equação se insere um elemento diferencia: o poder pulsional do retorno ao inorgânico, ou ainda a pulsão destruidora responsável por alterar o caminho "natural" de expansão da vida. O superego rigoroso, representante da pulsão de morte, é ingrediente desarticulador e fundamental nesse quadro psíquico conflituoso e estruturante do sujeito neurótico.

SENTIMENTO DE CULPA E O MASOQUISMO MORAL

Ao nosso impulso mais forte, o tirano em nós, submete-se não apenas nossa razão, mas também nossa consciência.

NIETZSCHE

A consciência é o lugar do sofrimento. É o ego a instância psíquica que responderá pela guerra entre o id e o superego. O sentimento de culpa é, portanto, anterior à consciência, mas sobretudo um produto pulsional reprimido, ou, como coloca Ferraz: A atuação deste superego, em linhas gerais, teria como motor o sentimento de culpa e como força propulsora a agressividade do id, defletida de seu alvo externo e re-direcionada para o ego.

Assim, estamos tratando de um bombardeio moral. De um lado temos a pressão das foças do id e de outro a solidez do superego. Entre esse jogo de forças encontramos o ego e seu poder de

negociação. Ou seja, temos configurado o que Freud chamou de funcionamento psíquico ou economia mental. Se o que esta em jogo é necessariamente um equilíbrio de forças, e claro forças pulsionais, então o que se torna fundamental é analisar o mecanismo dessa engrenagem. Portanto, o que aponta para o desequilíbrio ou ainda para o sintomático. Nesse sentido, o motor do sentimento

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de culpa passa estar representado ou ainda identificado como um tipo de masoquismo mental, o que para Freud tinha a denominação de : masoquismo moral.

Diferentemente dos outros dois tipos de masoquismo (erógeno e feminino), ambos conceituados no artigo intitulado : O problema econômico do masoquismo (1924), no masoquismo moral o próprio sofrimento é que importa. Ao passo que as outras formas masoquistas dependem do objeto amado para se instaurar o sofrimento, no masoquismo moral essa vinculação é abandonada. No

masoquismo moral a pulsão destrutiva se voltou para o próprio ego e estabelece um duro poder contra essa instância.

O sentimento de culpa então ganha uma aparência mais clara. Ainda que possa parecer estranho para todos nós, sobretudo para os pacientes, algo inconsciente provocar um tipo de sentimento culposo; é isso que se observa no masoquismo moral. Pressionado pela "necessidade de punição" (função do superego), o ego reage com angústia e com enorme sofrimento à consciência de estar a quem do ideal a ele exigido. Esse tipo de sentimento e opressão é misturado ao desejo de

identificação.

No processo de superação do complexo de Édipo, o superego ganha um lugar fundamental. O passo de dessexualização dos objetos acarreta em um deslocamento libidinal, ou seja, ao desviar dos objetos sexuais a pulsão encontra no superego uma fonte de investimento e identificação. Neste sentido o superego ganha uma importância fundamental no processo de constituição egóica e psíquica do sujeito. Seu lugar de representante da lei e modelo de identificação marcam a passagem do complexo de Édipo e por conseguinte os investimentos libidinais futuros. Assim Freud o

posiciona: O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas - a sua força, sua severidade, e sua inclinação a supervisar e punir. (...) O superego - a consciência em ação no ego - pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo.

O masoquismo moral portanto está na base dessa identificação, ou seja, ao pensar no masoquismo interno Freud, esta tratando do poder destruidor da pulsão. Mais do que isso, esta se referindo ao efeito punitivo que um juiz interno estabelece com seu representante para o mundo externo: o ego. O masoquismo moral teria sua origem na necessidade de punição às mãos de um poder paterno. Necessidade essa que corresponde a uma parcela significativa de agressividade, que foi

internalizada e assumida pelo superego. Porém, vale ressaltar que o poder agressivo não é todo resultado de uma ação externa ao ego. O que se pode afirmar é que parte da agressividade que o superego impera ao ego foi alimentada pela própria agressividade infantil contra os pais. Ou seja, é também pela impossibilidade de efetuar uma descarga agressiva para fora, devido à sua fixação erótica e dificuldades externas, que o superego se torna rigoroso. Portanto, a criação da criança não é necessariamente responsável pela sentimento de culpa inconsciente; ainda que podemos supor ser esse elemento fundamental na constituição superegoica. O que é bastante importante na idéia da própria agressividade interna das crianças contra os pais se voltarem para o próprio sujeito, é o fato de a pulsão de morte se apresentar como originária. Assim, podemos identificar a trama constituinte do sentimento de culpa inconsciente, sobretudo analisar seus genitores; ou ainda, apresentar os representantes da pulsão de morte no funcionamento psíquico. O masoquismo moral, nos convoca a analisar o sentido da necessidade inconsciente de punição e principalmente o lugar que esse tipo de desejo estabelece no economia psíquica do sujeito. Mas, se teoricamente esse implicação subjetiva possui grande fundamentação, sua representação prática não é menor. O sentimento de culpa também possui sua sintomatologia, e é essa manifestação fenomenológica a maior prova do efeito pulsional no determinismo psíquico humano.

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SENTIMENTO INCONSCIENTE DE CULPA E SEUS EFEITOS

Analisando os efeitos da pulsão de morte, seu poder destruidor e força ao retorno ao inorgânico, Freud chegou ao conceito de sentimento de culpa inconsciente, como já descrevemos. Muito mais que descrever, analisar e teorizar sobre esse conceito, Freud o observou na clínica e sobretudo nas manifestações sociais. Assim, além de identificar uma necessidade de punição e analisar seus motivos, Freud evidenciou seus representantes práticos.

Uma das manifestações clínicas que mais intrigou e elucidou o pensamento freudiano para essa questão, é o que ele chamou de reação terapêutica negativa. Diz Freud: As pessoas, nas quais esse sentimento inconsciente de culpa é excessivamente forte, manifestam-se no tratamento analítico pela reação terapêutica negativa, que é tão desagradável do ponto de vista prognóstico. Quando se lhes proporciona a solução de um sintoma, que pelo menos deveria acompanhar-se do

desaparecimento deste, o que essas pessoas apresentam é, ao invés, uma exacerbação do sintoma e da doença. Muitas vezes, basta elogiar tais pacientes por sua conduta no tratamento, ou dizer-lhes umas palavras de esperança a respeito do progresso da análise, para causar uma inequívoca piora de sua condição.

O sentimento inconsciente de culpa aqui se revela a luz de uma reação contraia a possibilidade de melhora no tratamento. Ou seja, o trabalho analítico esbarra na necessidade de satisfação que o doente estabelece com o sofrimento. Sofrer, ou ainda, ser punido pelo superego passa a ser condição psíquica determinante ao ego. É nesse jogo libidinal que se estabelece a força do masoquismo moral, e sobretudo da impossibilidade de melhora, logo a reatividade negativa.

Mas não é somente na reação terapêutica negativa que Freud pode identificar ação da pulsão de morte e sua expressão. Como já dissemos, o masoquismo moral e fundamentalmente sua busca pela auto-destruição, ganham expressividade nas tendências anti-sociais. Esse tipo de comportamento anti-social, seria uma conseqüência de um sentimento de culpa e ao conflito entre o superego rígido e o ego. Ao contrário do que se imagina, e ai Freud muda realmente a ordem da lógica comum, o sentimento moral de culpa é a causa e a criminalidade ou a transgressão, seu representante simbólico.

O que se percebe nesse tipo de afirmação freudiana é a força da determinação psíquica da pulsão de morte. O fato do sujeito necessitar da punição para satisfazer um desejo inconsciente produz a busca por um poder externo. Poder este que está acima do pai internalizado, ainda que rigoroso é um pai insuficiente, portanto se faz necessário outro representante da lei; agora supremo. É correto então afirmar que a nessecidade de punição interna é motivação para o ato criminoso. Assim, o crime aqui representado não significa necessariamente algo que tenha a ver com mundo da criminalidade, mas sobretudo a busca pela ilegalidade. É fundamental essa distinção, pois não se trata de analisar se o criminoso "profissional" está ou não procurando uma punição de origem inconsciente, mas sim de pensarmos no que significa um ato delinqüente para indivíduos que possuem um juízo rigoroso consciente. O que Freud realmente salienta é a importância da procura compulsiva pela punição, seja ela por vias internas ou externas. No caso do conflito entre o ego e o superego tomar dimensões insuportáveis ao sujeito, principalmente no tocante à satisfação de um desejo inconsciente oriundo do id, a busca pela punição anti-social é muitas vezes freqüente. O ato ilegal acaba por ser um representante desse conflito, e quase que inesperadamente para o indivíduo se concretiza e dá um lugar ao massacre moral.

Mas a atitude transgressora não é só uma busca pela punição. É também, e principalmente, uma procura de alívio. O ato ilegal acarreta certamente numa interdição e consequentemente em um ato exterior punitivo, porém carrega consigo um profundo alívio ao sentimento inconsciente de culpa. Alívio esse resultante de um afrouxamento do sentimento de culpa proveniente do complexo de

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Édipo. Para Freud essa talvez tenha sido uma descoberta fundamental para o trabalho analítico, como diz artigo intitulado "Criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa": O trabalho analítico trouxe a surpreendente descoberta de que tais ações eram praticadas principalmente por serem proibidas e por sua execução acarretar, para seu autor, um alívio mental. Este sofria de um opressivo sentimento de culpa, cuja origem não conhecia, e, após praticar uma ação má, essa opressão se atenuava. Seu sentimento de culpa pelo menos estava ligado a algo. (...) O resultado invariável do trabalho analítico era demonstrar que esse obscuro sentimento de culpa provinha do complexo de Édipo e constituía uma reação às duas grandes intenções criminosas de matar o pai e de ter relações sexuais com a mãe.

MEA - CULPA

A certa altura da conferencia XXXII (Angústia e Vida Pulsional) Freud, fala da importância prática da descoberta do desejo masoquista e ressalta a não menos importância teórica dessa descoberta para sua obra. Ao finalizar esse trabalho posso afirmar o mesmo, mas talvez de uma ordem inversa. A significação teórica desse tema, pôde elucidar minha experiência prática. Muito mais que

exemplificar a teoria que acabei de apresentar com algum caso clínico, acho fundamental salientar a função da conceituação teórica para minha prática. Assim, o que me parece extremamente

importante nesta parceria clínica/teoria é saber se elas se comunicam e sobretudo se entendem. É neste sentido que posso afirmar que esse trabalho ganha um relevo significativo e pôde ser

desenvolvido. Desde o início, ou seja, de sua formulação mental até seu término, o motor condutor foi a ligação entre a possibilidade atual de resposta teórica à situações clinicas bastante intrigantes. Neste sentido, posso dizer que se algo me parece bastante claro hoje, é a proposição freudiana que a pulsão de morte tem como representante o sentimento inconsciente de culpa e sobretudo a

necessidade de punição obter expressão no mundo externo. Falo isto agora não somente por intermédio dos livros, mas fundamentalmente da clínica.

É bastante significativo olhar para um caso do passado e identificar a presença dessa formulação teórica. Mais interessante é observar a teoria falar da clínica e não a clínica precisar responder à teoria. Assim, ao relembrar um caso de um paciente que por vezes precisou sair do país para se afastar do pai e da mãe, tamanho o conflito edípico/masoquista, e ainda assim acabava preso ou deportado; posso entender seu desespero e necessidade de punição paterna. Mais do que isso, sua busca recorrente por algo que aliviasse sua culpa, ainda que para isso precisasse destruir sua vida de possibilidades no exterior. Hoje, seu delírio de estar sendo penetrado pelo pai ou perseguido pelos estrangeiros, ganha um sentido ainda maior quando leio a seguinte proposição de Freud: Sabemos agora que o desejo, tão freqüente em fantasias, de ser espancado pelo pai se situa muito próximo do outro desejo, o de ter uma relação sexual passiva(feminina) com ele, e constitui apenas uma

deformação regressiva deste último. Se inserimos essa explicação no conteúdo do masoquismo moral, seu conteúdo oculto se torna claro para nós.

Hoje me parece mais claro o comportamento anti-social desse paciente, sobretudo sua necessidade compulsiva de auto-punição . Seu superego rigoroso impedia que seus desejos mais eróticos

pudessem aparecer e serem satisfeitos, seu conflito interno era massacrante, e sua reação ao exterior clamava por uma castração que trouxesse alívio. Neste caso o seguinte enunciado de Ferraz, é bastante exemplar: (....) Na tendência anti-social - especialmente na psicopatia - impera um mecanismo do tipo paranóide, e a destrutividade se dirige ao objeto externo, vivênciado essencialmente como perseguidor.

Mesmo em casos em que ainda estou atendendo é possível identificar essa formulação teórica e repensar a condução do caso. Um deles, não por acaso, foi o mote inicial para a reflexão desse

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trabalho. Caso esse que tem muitas das características descritas pela teoria freudiana e seus seguidores acerca do sentimento inconsciente de culpa, masoquismo moral, superego materno rígido e complexo de Édipo. Acima de todas esses elementos, uma busca melancólica pela punição e uma saída pela ilegalidade para o alívio psíquico. Sem mesmo ser necessário descrever o caso, posso identificar uma importância significativa desses elementos na constituição psíquica desse sujeito; a ponto deste precisar ser interditado por uma lei suprema para se dar conta do mundo interno fantasioso que habitava, misturado ao conflito interno rigoroso do ego com seu super ideal. Uma frase talvez fale mais que a descrição do caso. Após ser autuado me diz: "Perdi a inocência..." Assim, se a prática aproximou a teoria para Freud, para mim a teoria freudiana sobre a vida

pulsional ganhou guarida na minha prática clínica. Se nos atendimentos essa formulação teórica toma corpo e produz um aprofundamento, no âmbito do movimento social da humanidade não fica atras. Passados 70 anos da provocação de Freud acerca da luta entre Eros e a pulsão de morte e o futuro da humanidade, podemos entender que não havia pessimismo na sua projeção; se falar em realismo é arriscado, no mínimo podemos assegura que o mal do homem é mesmo parceiro da vida pulsional.

BIBLIOGRAFIA

FERRAZ, Flávio Carvalho. A eternidade da maçã: Freud e a ética, São Paulo, Ed. Escuta, 1994. FREUD, Sigmund. OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD: Edição standard brasileira das obras completas, Volume XIV, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

_________________ OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD: Edição standard brasileira das obras completas, Volume XVIII, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

_________________ OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD: Edição standard brasileira das obras completas, Volume XIX, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

_________________ OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD: Edição standard brasileira das obras completas, Volume XXI, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

_________________ OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD: Edição standard brasileira das obras completas, Volume XXII, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

GARCIA-ROSA, Luiz Alfredo. O Mal Radical em Freud, 4ª Edição, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1990.

NIETZSCHE, Friedrich W. ALÉM DO BEM E DO MAL Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1992.

NOTAS DE RODAPË

1 NIETZSCHE, Friedrich W. ALÉM DO BEM E DO MAL Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1992, 20.

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2 FREUD, Sigmund. OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD: Edição standard brasileira das obras completas, Volume XXI, O Mal Estar na Civilização 1930, Rio de Janeiro, Imago, 1996, p 147.

3 GARCIA-ROSA, Luiz Alfredo. O Mal Radical em Freud, 4ª Edição, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1990, 146.

4 FREUD, Sigmund. Obra citada, Volume XXI, O Mal Estar na Civilização 1930, p 129.

5 NIETZSCHE, Friedrich W. ALÉM DO BEM E DO MAL Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1992, 81.

6 Superego super-moral e violento, que se sacia apenas através da condenação e da busca de punição para o ego.

7 FERRAZ, Flávio Carvalho. A eternidade da maçã: Freud e a ética, São Paulo, Ed. Escuta, 1994, 77.

8 FREUD, Sigmund. Obra citada, Volume XIX, O Problema Econômico do Masoquismo 1924, p185.

9 FREUD, Sigmund. Obra citada, Volume XXII, Conferência XXXII Ansiedade e Vida Pulsional 1932, p 111.

10 FREUD, Sigmund. Obra citada, Volume XIV, Criminosos em Consequência de um Sentimento de Culpa 1916, p 347.

11 FREUD, Sigmund. Obra citada, Volume XIX, O Problema Econômico do Masoquismo 1924, p 186.

12 FERRAZ, Flávio Carvalho. A eternidade da maçã: Freud e a ética, São Paulo, Ed. Escuta, 1994, 82.

Referências

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