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Limite do princípio da presunção de inocência: sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico gerando impunidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGAMA DE MESTRADO EM DIREITO

RAQUEL TIAGO BEZERRA

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE

INOCÊNCIA

Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico

gerando impunidades

Salvador

(2)

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE

INOCÊNCIA

Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico

gerando impunidades

Monografia apresentado ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito (PPGD) da Universidade Federal da Bahia para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Doutor Saulo Casali Bahia.

Salvador

2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Biblioteca da Universidade Federal da Bahia Biblioteca Federal da Bahia

Nº ____ BEZERRA, Raquel Tiago Bezerra,1981-.

Limites do Princípio da Presunção de Inocência. Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico gerando impunidades/ Raquel Tiago Bezerra. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012.

Trabalho de conclusão do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito na Universidade Federal da Bahia, Curso de Direito Público e Privado. 2013

Orientador: Prof .Doutor. Saulo Casali Bahia

1. Princípios. 2. Discurso Jurídico e Manipulação do Direito. 4. Presunção de Inocência. Proporcionalidade e Limitação. Bezerra. Saulo Casali. Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Título de Mestre em Direito.

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RAQUEL TIAGO BEZERRA

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico

gerando impunidades

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito exigido pela obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Direto Publico. Limite do Discurso Jurídico. Data da defesa: ____/_____/________

Resultado: _______________________________________

Banca Examinadora:

Prof.Dr.Saulo Casali Bahia ______________________________________________ Universidade Federal da Bahia

Prof. Ricardo Mauricio Freire Soares ______________________________________________ Universidade Federal da Bahia

Prof. André Alves Portella ______________________________________________ Universidade Católica de Salvador

(5)

A Deus incondicionalmente.

Aos meus queridos pais, Paulo e Claudivina que me emprestam seus dias, sabedoria, força e fé. Ao meu novo e eterno amor que está sendo gerado em meu ser e, desde já é amado.

(6)

AGRADECIMENTOS

Nesta página muito especial deste trabalho, gostaria de agradecer a algumas pessoas, dentre as muitas que me ajudaram a realizá-lo.

Ao apoio intelectual do meu orientador Prof. Dr. Saulo Casali, e de outros mestres componentes do programa: Paulo Bezerra, Rodolfo Pamplona, Sebastian B. de Albuquerque Mello, Nelson Cerqueira e Maria Auxiliadora Minahim.

(7)

Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, bandidos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Jorge Bengochea

(8)

RESUMO

Demonstrar como a manipulação discursiva da Constituição, e, suas diversas formas (ideológica, governativa, partidarista, narcisista, forense), faz com que o princípio da presunção de inocência, uma vez submetido a uma hermenêutica manipulativa, pode gerar inefetividade, desvios econômicos e sociais, impunidade e insegurança jurídica.

Tem a finalidade de afirmar que o principio da presunção de inocência é garantia constitucional do acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo uma interpretação contextualizada com outros princípios como o do interesse público e da razoabilidade, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-se julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a instrução probatória seja esgotada.

PALAVRAS-CHAVE: Princípios. Discurso Jurídico e Manipulação do Direito. Presunção de Inocência. Proporcionalidade e Limitação.

(9)

Sommario

Dimostrare come la manipolazione discorsiva della Costituzione, e le sue varie forme (ideologiche, governative, partigiano, narcisistica, medicina legale), rendono la presunzione di innocenza, una volta sottoposto ad una manipolazione ermeneutica, in grado di generare inefficienza, e gli spostamenti economici sociale, incertezza giuridica e l'impunità.

Si intende affermare che il principio della presunzione di innocenza di garanzia costituzionale dell’imputado, è la dottrina e la giurisprudenza a stabilire le sue dimensioni, per un interpretazione contestuale con altri principi, quali l'interesse pubblico e ragionevolezza, un peso di ciascun caso in cui si deve prevalere, evitando giudizi politici e ideologici e processi di estinzione senza l'istruzione probatoria è esaurito.

KEYWORDS: Principi. Discorso giuridico e manipolazione della legge. Presunzione di innocenza. Proporzionalità e limitazioni.

(10)

SUMÁRIO

1. Introdução

10

Cap.01. Os Princípios Jurídicos

14

1.1 O que é um princípio?

14

1.2 A normatividade dos princípios.

18

1.3 A hierarquia dos princípios.

23

1.4 A colisão de princípios e sua solução.

27

Cap.02. Discurso e Manipulação do Direito

30

2.1 Considerações iniciais sobre o discurso e sua análise.

30

2.2 Espécies de discurso: jurídico, político e ideológico.

34

2.3 A manipulação do discurso jurídico e seus efeitos.

39

Cap.03. Presunção de Inocência

48

3.1 Princípio da Presunção de Inocência: Origem histórica e

conceitos.

48

3.2 Interpretações do princípio da presunção de inocência.

51

3.3 Direitos e Garantias Fundamentais: Efetividade e Eficácia 53

3.4 Limites interpretativos que impedem a efetividade do

direito e a segurança jurídica dos cidadãos.

58

3.5 As práticas reiteradas desses desvios incide em

insegurança jurídica e inefetividade do sistema jurídico.

66

Cap. 04. Aplicabilidade entre o princípio de inocência e o princípio da

proporcionalidade stricto sensu como restrição

70

4.1 Fundamento e caráter jurídico do princípio da

proporcionalidade.

70

4.2 O crime e a culpa como fatores de impunidade ao

princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência

77

4.3 A inter-relação entre o princípio da razoabilidade e o

princípio da proporcionalidade na limitação ao princípio da presunção de

inocência.

83

Considerações Finais

86

(11)
(12)

1. INTRODUÇÃO

O trabalho exigirá inter-relação de campos de saber que permitam um resultado interdisciplinar das abordagens, estando de permeio saberes como: a) Direito, principalmente Direito Constitucional, já que o Princípio da Presunção da Inocência é uma garantia constitucional prevista no art. 5º, LVII, que diz verbi: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”; b) Política, uma vez que estará atentando para a manipulação do uso dispositivo constitucional de forma político-ideológica no sentido de gerar impunidade para determinados cidadãos e grupos; c) Análise de Discurso, pois será através desse instrumento de averiguação que serão propostos alguns limites hermenêuticos do princípio em tela, evitando-se a manipulação da Constituição, que, na prática, beneficiaria alguns destinatários da norma, gerando impunidade.

O tema não é novo, e aparece já no primeiro documento com fisionomia constitucional do Ocidente, isto é, o instrumento of Governement inglês, de 1653, que afirmava que “nem o próximo Parlamento que se convoque, nem nenhuma Parlamento posterior, será, durante o lapso de cinco meses, a contar desde o dia de sua primeira reunião, suspenso, prorrogado ou dissolvido, sem seu próprio consentimento”. Na interpretação do texto, Oliver Cromwell utilizou o termo meses como lunares e não solares como de costumes, com a finalidade de dissolver o Parlamento alguns dias do prazo.1

Não obstante a antiguidade e a frequência do problema, o tema não é constantemente observado pelos constitucionalistas. Vale a pena deter-se sobre essa patologia jurídica, intimamente vinculada com a hermenêutica da Constituição, já que o discurso e a manipulação necessitam, habitualmente, de valer-se da interpretação da Lei Suprema.

A principal justificativa da pesquisa encontra-se em seus aspectos de relevância e atualidade.

1

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Teoria da Constituição e do direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

(13)

De fato, o tema é relevante porque comporta investigação de tema de extrema complexidade e importância em sede de Direito Constitucional, Hermenêutica e Jurisdição Constitucional, a saber, o tema de Manipulação ideológica da Constituição.

Relevante, por outro lado, porque as práticas manipulativas nem sempre são claramente estabelecidas, utilizando-se, por via do discurso político-ideológico, verdadeiros desvios dos fins da Constituição, através das hermenêuticas excessivamente extensivas, sem limites , que geraram, geram e gerarão, mecanismo de impunidade que precisam ser denunciados e coarctados.

No aspecto da atualidade do tema, mais ainda se justifica. Os meios de comunicação de massa têm, diariamente, veiculados em seus noticiários, tudo que vêm acontecendo em sede de investigações criminais que envolvem grandes grupos, principalmente políticos e econômicos, onde o trabalho inquisitório e processual apontam flagrantes de crimes organizados.

O que, porém, mais preocupa, daí a relevância da pesquisa, é que esses fatos têm ocorrido em sede de Jurisdição Constitucional, em vários julgados do Supremo Tribunal Federal, que, nos termos do art.102 da Constituição Federal de 1988, é o guardião da Constituição.

A manipulação político-ideológica do Direito sempre foi um dos problemas mais cruciantes da seara jurídica, por vários motivos, tais como: a) gerar inefetividade do sistema; b) produzir desvios sociais e economicamente relevantes na questão dos fins do direito, e muitos outros.

O problema central, contudo é: o principio da presunção de inocência sendo uma garantia constitucional das mais importantes para o cidadão, pode ser manipulado ideológico-politicamente por determinadas grupos de poder?

Na esteira deste problema, outros podem ser suscitados: 1)A manipulação da Constituição, a exemplo do princípio aqui eleito como paradigma, pode ser causa de baixa constitucionalidade? 2) A segurança jurídica deve ser flexibilizada em que limites para que não se caia em insegurança? C) Ao manipular a Constituição através de discurso ideológico-político, e de resto, todo o ordenamento jurídico, o produtor dessa espécie de interpretação beneficia a quem? De que maneira?

(14)

O trabalho estará fundado, em dois eixos principais: a) a teoria do discurso aplicada ao direito; b) a teoria constitucional da efetividade e normatividade dos princípios constitucionais da Segurança Jurídica e da Presunção de Inocência. Esse referencial teórico embasou o Projeto de Sumário abaixo descrito, buscando-se uma inter-relação entre os eixos teóricos eleitos para o trabalho e cada capítulo constante na estrutura prevista para o trabalho final.

Como pano de fundo, a Teoria da Constituição e a Teoria da Justiça. A pesquisa, a exemplo do presente projeto, partirá de algumas hipóteses que serão submetidas à verificabilidade. Caso algumas das hipóteses pré-estabelecidas se mostrem falsas, em substituição surgirão, automaticamente, outras hipóteses verdadeiras fundamentais para embasar a mesma2.

Como ressalta Gould3 que durante o estudo metodológico verifica que a ciência tem como base o estudo de confirmar ou refutar argumentos, que podem ser ponderados refutando os estigmas e a manipulação desse conhecimento para obter uma legitimação científica e, portanto, seria válida e, por isso, durante o desenvolvimento de uma pesquisa. E nesse sentido pode também ocorrer à desconstrução do método como afirma Balkin4

Sendo assim, partir-se-á do geral para o particular, logo, a princípio, utilizar-se-á o método dedutivo, o que não impedirá a pesquisa de dados para formar novos juízos, (caso de método indutivo), sem, contudo, se misturar métodos para que possa ser aplicado o uso essencial de métodos epistemológicos e especialmente operacionais5.

No presente trabalho verificaram-se ainda os conflitos existentes entre conceitos, ideias que de acordo com o interesse, ou seja, o objetivo principal da tese.6

Como instrumentos de pesquisa, os principais são os dados bibliográficos (doutrina) e a jurisprudência pertinente ao tema, revistas, jornais e dados de informação pela internet.

2 DESCARTES, René. Discurso do Método. Edición: eBooket. www.eBooket.net

3 GOULD, Sthepen Jay – A falsa medida do Homem. Editora: Martins Fontes. São Paulo.2003. Cap.04. Pag.111-146.

4 BALKIN, J. M. Deconstructive Practice and Legal Theory. 1987.

5 POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais: trad. Estevão de Resende Martins. Rio de Janeiro. Ed: Tempo Brasileiro, 1999, 2ª Ed.

(15)

Este trabalho monográfico é dividido em 04 (quatro) capítulos. O primeiro traz consigo noções de princípios e as diferenças existentes entre principio, fundamento, postulado, e ainda acrescentando os tipos de princípios aqui pertinentes ao tema proposto.

No segundo capítulo trata de Discurso e Manipulação do Direito com espécies e análise desses discursos jurídicos, políticos-ideológicos, e que nesse sentido ocorre por parte do intérprete a manipulação e seus efeitos.

E como cerne da pesquisa o terceiro capítulo tem como item o princípio de inocência que traz a origem, conceito e como a interpretação hermenêutica pode efetivar e trazer eficácia para garantir o direito e garantia fundamental desde que a limitação impeça a inefetividade e a insegurança ao cidadão, pois tem como finalidade de evitar que as práticas reinteradas causem desvios e insegurança jurídica.

O quarto capítulo aborda sobre a aplicabilidade entre o principio da proporcionalidade stricto sensu e o principio da presunção de inocência como restrição e, para isso traz fundamento e caráter jurídico; a interdependência e os mecanismos de punição ou impunidade entre estes princípios.

O último capítulo conclui a pesquisa com respostas que durante o trabalho foram confirmadas.

(16)

CAPÍTULO I – OS PRINCÍPIOS JURIDICOS

1.1 O que é um princípio?

A noção de princípios tem provocado discussões doutrinárias as mais variadas. Esse fato deve-se ao aspecto polissêmico e, às vezes, ambíguo, fugaz, do conceito. O certo é que os princípios “não constituem absolutamente uma categoria simples e unitária: pelo contrário, por essa expressão entendem-se frequentemente coisas muito distintas”.7

Por força disso, é possível tomar-se o conceito de princípio em várias acepções. Inicialmente, contudo, deve-se fixar que princípio vem de “ponto de partida” e “fundamento de um processo qualquer”. Os dois significados estão estreitamente ligados à noção desse termo que foi introduzida em filosofia, por Anaximandro8 e a ele recorria Platão, com frequência, no sentido de Causa do movimento ou de fundamento da demonstração; e Aristóteles foi o primeiro a enumerar uma lista de significados.

Para o estagirita, princípio poderia significar: a) ponto de partida de um movimento (de uma linha ou de um caminho); b) o melhor ponto de partida (que facilita a aprender uma coisa); c) ponto de partida efetiva de uma produção (quilha de um navio ou alicerce de uma casa); d) causa externa de um processo ou de um movimento (insulto que provoca uma briga); e) o que, com sua decisão, determina movimento ou mudanças (governo ou magistratura de uma cidade); f) aquilo que parte de um processo de conhecimento (premissa de uma demonstração), acrescentando, ainda que “todas as causas são princípios”.9

Etimologicamente, pelo menos para os gregos, a raíz de princípio estaria no termo arque, significando “a ponta”; a “extremidade”; “o lugar de onde se parte”; o “início”; a “origem”.

7 BOBBIO, Norberto. Principi generali Del diritto. In: Novissimo digesto italiano, XIII, UTET: Turim:1966.p.893-894.

8

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op cit. p. 175.

(17)

No termo princípio porém, “há mais do que em arque. Principium, tal como “príncipe” ou “principal”, provém de primum (primeiro) + capere (tomar, pegar, apreender, capturar). Primum capere significa “colocar em primeiro lugar. Assim, princípio significa não o que está em primeiro lugar mas o que “se coloca primeiro lugar”. E essa distinção é importante porque significa uma valoração. Coloca-se em primeiro lugar porque valioso, mais valioso.10

É importante ressaltar aqui a distinção de Alexy11 e Ávila12 fazem entre os dois modelos - regras e princípios - de compreensão e aplicação do sistema jurídico, que por vezes podem desempenhar papeis muito semelhantes, e ao mesmo tempo, se diferenciar quanto ao aspecto formal. O primeiro autor afirma que a aplicação ocorre por via da ponderação mediante regras, e os princípios seriam elásticos, ou seja, deve ser realizado na medida do possível, levando-se em conta as possibilidades jurídicas e fáticas, embora ocorram nos planos de validade, e quando ocorrer conflitos no plano abstrato entre princípios as condições ou o peso determinará qual prevalece sobre o outro, o que não ocorre se houver conflito entre regras, pois estas têm características abstratas.

Já o segundo autor – Ávila – concretiza seu pensamento ao afirmar que a regras só entram em conflito no caso concreto, pois são imediatamente descritivas, e por isso, ocorre no plano da eficácia e não no plano da validade, sempre observando e criticando critérios tais como o: hipotético-condicional, modo final de aplicação e o relacionamento normativo, ao passo que os princípios são normas imediatamente finalísticas, ou seja, estabelecem a determinação da realização de um fim juridicamente relevante. Ainda podemos acrescentar aqui que para distingui-los – regras e princípios – propõe outros critérios de acordo com a natureza do comportamento prescrito, da justificação exigida e a medida de contribuição para a decisão. Portanto Ávila contraria e critica a ideia de Alexy.

É comum a confusão entre os termos “princípio”, “fundamento” e “postulado”. A confusão, contudo se desfaz com o processo de fixação dos termos.

10 CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto. Estudos de direito constitucional: em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 261 O primeiro autor listou 14 acepções para o termo “princípio” em seu Dicionário Compacto do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

11 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

12

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

(18)

Princípio é geralmente ligado a uma progressão, isto é, ao início das coisas, enquanto “fundamento” é mais utilizado com um sentido de regressão, ou seja, a fundamentação final das coisas, a base. Já os postulados, pertencem a uma terceira categoria, que não se confunde com princípios nem com normas: embora também normativos, os postulados são regras de segundo grau, que estruturam a aplicação de outras normas, como o chamado princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, (que se verão mais adiante), são postulados e não princípios13.

Em Direito, costuma-se fixar o significado de princípio, estabelecendo-se uma distinção entre eles e as normas. Contudo, não parece possível traçar uma linha precisa de demarcação entre estes e aquelas. Como se verá, num certo sentido, os princípios são normas, ou seja, enunciados do discurso prescritivo, dirigidos à orientação do comportamento. Constituem gênero das normas, uma espécie particular cujos traços característicos não é fácil individualizar com precisão: não é absolutamente claro, quais propriedades deva ter uma norma para merecer o nome de princípio. Grosso modo, pode-se dizer que: 1) em geral, os princípios caracterizam-se relativamente às (outra) normas pelo lugar que ocupam no ordenamento jurídico como um todo e/ou em algum setor específico (direito civil, penal, administrativo, etc.), considerados como fundamento de um conjunto de normas; 2) segundo um modo muito difundido, os princípios se caracterizam com respeito às (outras) normas também do ponto de vista linguístico: as normas seriam enunciados de significados (relativamente) precisos; os princípios, ao contrário, seriam enunciados dotados de significados (altamente) elástico e/ou indeterminado; 3) segundo outro modo de ver, os princípios são vistos com característica mais generalizante com referencia às demais normas, por isso que se aproxima do termo “princípio” o adjetivo “geral”.14

Ainda sobre princípios é possível afirmar que podem ser vistos em cinco modalidades:15

13 BARRETTO, Vicente de Paula. Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p. 660. Para nós, a proporcionalidade e a razoabilidade não são, a rigor, nem princípios, nem postulados, e sim métodos de ponderação. O Juiz, ao escolher um princípio em lugar de outro, para aplicação do caso concreto, faz ponderação de valores e aplica a solução que lhe pareça mais razoável, utilizando-se de critérios como proporcionalidade, adequação e necessidade, como já assentadas em vasta doutrina. 14 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo:Quartier Latin do Brasil, 2003. PP. 188-190 15

ARNAUD, André-Jean. Dicionário enciclopédico de Teoria e Sociologia do Direito. Rio de janeiro: Renovar, 1999, p. 621.

(19)

a) Como princípio positivo de direito, norma explicitamente formulada no texto do direito positivo, quer uma disposição legal, quer uma norma construída a partir dos elementos contidos nestas disposições;

b) Como princípio implícito do direito, regra tratada como permissão ou consequência das disposições legais ou das normas;

c) Como princípio extra-sistêmico do direito, regra tratada como princípio, mas que não é nem princípio positivo do direito, nem principio implícito do direito. Por definição não pertence ao sistema do direito, como as diretrizes da interpretação e aplicação do direito;

d) Como princípio-nome do direito. Nome que caracteriza traços essenciais de uma instituição jurídica, como o princípio da liberdade, da verdade objetiva e outros, que às vezes são tratados como fontes;

e) Como princípio-construção do direito, construção do legislador, racional ou perfeita, pressuposta na elaboração dogmática do direito ou na aplicação e interpretação jurídica.

O sistema constitucional brasileiro, como o português, é um sistema normativo aberto de regras e princípios. Apresentando uma opção à tradicional separação entre regras e princípios, Canotilho sugere a divisão segundo a qual: a) regras e princípios são duas espécies de normas; b) a distinção entre regras e princípios é a distinção entre duas espécies de normas.16

16 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 166. Para o autor, toda a dificuldade de se distinguir entre regras e princípios consiste em não se distinguir duas questões: a) saber qual a função dos princípios e regras; b) saber se entre princípios e regras existem denominadores comuns, pertencendo à mesma família e havendo apenas uma diferença de grau (quanto à generalidade, ao conteúdo informativo, à hierarquia das fontes, à explicitação do conteúdo valorativo) ou se, ao contrário, os princípios e as regras são suscetíveis de uma diferenciação qualitativa.

(20)

1.2 A normatividade dos princípios.

Parece-nos absolutamente ultrapassada a discussão acerca da normatividade dos princípios. De fato, de tudo o que foi dito até agora, parece indiscutível a força normativa dos princípios.

O caminho teórico para o reconhecimento da normatividade dos princípios segue o seguinte roteiro: a) direito natural; b) positivismo legalista; c) pós-positivismo. No primeiro momento (direito natural) os princípios eram axiomas jurídicos que buscavam atingir o conceito de bem, ideia superada pelo positivismo legalista que, com a Escola da Exegese, via os princípios como fontes meramente secundárias e subsidiárias, com função integradora ou programática, o que provocou um esvaziamento de sua função normativa e, dentre outras coisas, a separação entre Direito e Moral, e também nesse sentido, o legalismo de:

“Certo modo é o desejo ou a sensação de segurança que faz com que os homens continuem reduzindo o ser do direito ao ser da lei, quando sabem que o direito meramente legal é só um pedaço da realidade jurídica, e que o predomínio deste direito apenas legal é o ponto de apoio de certas denominações sociais às vezes compatíveis com o conteúdo ético alcançado pela própria cultura moderna”17

A esse caminho teórico – o do legalismo - existem críticas a respeito, pois devido ao liberalismo predominante à época e a necessidade de se codificar os “ismos jurídicos” se desfaz pelo fato de ser antagônico e difícil manter afastados os traços próprios do direito, inclusive a valorização da expressão legal, mesmo que revelando uma característica social, a marca de diversos elementos reduz a estrutura legal do ordenamento a um mero aparato formal e, portanto, não essencial.

O positivismo é um modelo de e para um sistema de regras, denominado “política” um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade denominado “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou

(21)

assegurar uma situação econômica, política ou social considerável desejável, mas porque é um exigência de justiça, equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.18

E finalmente o surgimento, no chamado pós-positivismo, da força normativa autônoma e preponderante dos princípios, verdadeiro arcabouço do ordenamento jurídico.19

Servem mesmo os princípios para promover uma “síntese dialética entre o direito natural e o direito positivo”,20

havendo mesmo quem afirme, com razão, que:

A grande virtude, pois, dos princípios é esta capacidade de condensar numa unidade operacional, os aspectos axiológicos e deontológicos da normatividade jurídica, revelando que o dever-ser das imperatividade do direito não pode ser dissociado de um núcleo ontológico que resguarde uma eticidade necessária à consecução dos fins do direito. Assim, o comando (dever-ser) não pode ser separado do valor que lhe justifica, impedindo que o direito seja reduzido à pura força ou violência institucional, muito embora não prescinda dela. Dessa forma, os princípios jurídicos parecem ter uma extraordinária capacidade de aglutinar as dimensões constitutivas da própria teoria do direito: dever-ser (deontologia), valor (axiologia) e finalidade (teleologia) se reúnem numa tecitura ontológica que forma identidade e validade do direito.21

No mesmo sentido e buscando a mesma aproximação integradora entre Direito e Moral, proporcionada pelos princípios, é o ensinamento de José Armando ponte Dias Junior:

A teoria pós-positivista rearticula o direito e a moral, buscando introduzir elemento morais na fundamentação estritamente jurídica das decisões judiciais, reconhecendo a magnitude de padrões normativos que não se limitam às tradicionais proibições, permissões e obrigações (...) Os

18 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério.Trad. Nelson Boeira. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.36.

19 RANGEL, Helano Marcio Vieira. Breves apontamentos sobre a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. In: Diálogo Jurídico. São Paulo: N.5. 2006, p. 301-315.

20 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso Bastos, 2007, p. 51.

21

CUNHA. José Ricardo. Sistema aberto e princípios na ordem jurídica e na metódica constitucional. In:

(22)

princípios, na linha de pensamento pós-positivista, prestam-se assim a diluir elementos morais no ordenamento jurídico, contribuindo para uma proveitosa articulação entre equidade e segurança jurídica, uma vez que as decisões judiciais não mais precisam recorrer a elementos extrínsecos ao ordenamento jurídico, metafísicos talvez, na ausência de uma regra específica a regular um caso concreto posto, sob apreciação jurisdicional.22

Há doutrina que afirma o contrário, optando pela tese da não normatividade dos princípios, parece fundar-se no fato de os princípios serem, às vezes, bastante vagos. Mas essa aparente vagueza dos princípios pode depender de “duas circunstâncias distintas (ora de uma, ora de outra, ora de ambas)” às vezes um princípio é vago porque não possui um campo exato de aplicação, como o princípio da tutela da confiança, que se concretiza no principio segundo o qual “o contrato é anulável se uma das partes era inapta legalmente para contraí-lo”; (b) ou é vago porque possui um conteúdo teleológico ou programático, não prescreve uma conduta determinada.

Mas nem por isso deixam os princípios de consistirem em verdadeiras normas, de possuírem força normativa de condutas, incluindo-se no gênero de normas prescritivas. Coexistem, portanto, no ordenamento jurídico, os princípios e as regras, ambos com força normativa diferenciada apenas pelo seu grau. Enquanto as regras são mandamentos fechados e excludentes, os princípios são abertos, não retira a característica de ser includente ou impositivos, possuindo, inclusive, maior densidade valorativa, sendo, por isso, mais adequados para o suprimento da vontade do direito. Essa normatividade, portanto, concretiza, de forma mais satisfativa, os imperativos da segurança jurídica e de legitimidade que deve estar inserido no direito.

Porém não serve de critério de distinção entre princípios e regras, a normatividade, uma vez que é comum às duas espécies de normas. É muito esclarecedora a técnica utilizada por Vicente de Paulo Barreto, para distinguir princípios de regra, classificando a distinção em: distinção fraca e distinção forte entre princípios e regras. Para o autor:

“A distinção fraca funda-se no argumento de que os princípios, porque fluidos, permitem maior

22 DIAS JUNIOR, José Armando Ponte. Princípios, regras e proporcionalidade: análise e síntese das críticas às teorias de Ronald Dworkin e de Robert Alexy. In: Revista do Curso de Mestrado em Direito da

(23)

mobilidade valorativa, ao passo que as regras, porque pretensamente determinadas eliminam sensivelmente a liberdade apreciativa do aplicador (...) já a distinção forte afirma que os princípios são normas que se caracterizam por serem aplicadas mediante ponderação com outras e por poderem ser realizadas em vários graus, contrariamente às regras que estabelecem em sua hipótese, definitivamente aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido”23

.

Os princípios embora distintos das regras e dos postulados, pois “na sua grande maioria não são postulados, não são conceitos intuídos a priori; são sínteses extraídas das normas, por abstração de seu conteúdo ou se sua forma” tem exatamente por distinção principal o grau de normatividade.24

Assim, não há qualquer dúvida de que os princípios são também normas jurídicas prescritivas, tanto quanto as regras específicas, entretanto mais abstratas; mais gerais. E como “toda norma de conducta es obrigatória, y por eso no quiere dar consejos, sino imponer deberes”25

ressalta a obrigatoriedade induvidosa de cumprir e fazer cumprir os comandos contidos nos princípios.

Vai ainda mais além Robert Alexy, ao afirmar “norma é o gênero, do qual são espécies as regras e os princípios. Ambas dizem o dever-ser, sendo expressas por meio de termos deônticos, prescrevendo proibições ou permissões”.26

Deixam mesmo os princípios, na era do neo-positivismo ou do pós-modernismo, um papel meramente secundário, para ocupar lugar de relevo no ordenamento, reconhecido que tem sido o seu caráter de norma potencializada e predominante.

E esse caráter normativo não se encontra somente nos “princípios positivos do direito”, como também nos chamados “princípios gerais de direito”. “Reconhece-se normatividade não só nos princípios explicitamente contemplados no

23 BARRETTO, Vicente de Paulo. Op.Cit. p.658. O autor apresenta ainda outros critérios de distinção entre regras e princípios, contudo a conclusão, para o que aqui interessa, é o reconhecimento da normatividade dos princípios, regras e postulados. .

24 CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do Direito Administrativo. Rio de janeiro: Forense, 1977, p. 22.

25

VANNI, Icilio. Filosofia Del derecho. Madrid: Principe, s.d. p. 71.

(24)

âmago da ordem jurídica, mas também nos que, defluentes de seu sistema são enunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito”.27

Embora seja teoricamente aceitável que os princípios “assumem um significado apenas quando considerados em conjunto com o restante do sistema jurídico, daí a necessidade de pressupô-los como uma totalidade”28, vai daí uma distância enorme em se poder, só por isso, retirar-lhe a normatividade que lhe é própria.

27 ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: RT, 2002. P. 64.

28

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 110.

(25)

1.3 A hierarquia dos princípios

Falar de hierarquia dos princípios importa dois tipos de questão: a) sobre a hierarquia entre princípios e regras; b) discute se há hierarquia entre princípios.

No que toca a hierarquia entre princípios e regras, a doutrina já fixou que os princípios são mais relevantes do que as regras, por serem mais carregados de valores.

A grande questão é a de se estabelecer uma hierarquia entre dois princípios, se é possível se falar especificamente em hierarquia nesse caso. Em todo caso, há que se distinguir três dimensões para os princípios: os princípios gerais de direito; os princípios constitucionais positivos e os princípios fundamentais.

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam o sistema de normas; são núcleos de condensações; começam por ser a base das normas jurídicas e “podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.29

Os princípios constitucionais positivos referem-se aos princípios que traduzem em normas da Constituição ou que delas diretamente se inferem, e podem ser de duas categorias: os princípios políticos constitucionais e os princípios jurídicos constitucionais.

“Os primeiros, constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo” (...). Já os princípios jurídicos constitucionais são princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e não raro, constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da Constituição e o consequente princípio da constitucionalidade, da legalidade, da autonomia individual, decorrente da Declaração de Direitos, da isonomia e da proteção social dos trabalhadores, dentre outros. 30

29 CANOTILHO, J.J.Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 49.

(26)

Os princípios políticos constitucionais constituem-se, por outro lado, “nos princípios definidores da forma do Estado; da estrutura do Estado; dos princípios estruturantes do regime político e dos princípios caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral”. 31

Os princípios constitucionais fundamentais são aqueles de que derivam logicamente - em que, portanto, já se manifestam implicitamente - as normas particulares, regulando imediatamente, relações específicas da vida social.32

Dentre as funções dos princípios fundamentais, destaca-se a função ordenadora servindo mesmo de critério de interpretação e integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema.33

Há hierarquia dos princípios, notadamente dos princípios constitucionais sobre os demais princípios e regras, em proporção direta ao grau de consciência constitucional ou de sentimento constitucional, ou seja, quanto maior o grau de conscientização constitucional, maior o valor dos princípios constitucionais. “Sucede que não há no Brasil, cultura constitucional materializada em comportamentos e condutas tendentes a: i) preservar a vontade da Constituição; ii) efetivar, no plano máximo possível, os princípios e regras constitucionais; iii) disseminar o conhecimento a respeito do texto constitucional. E a inexistência de cultura constitucional reverbera nos mais variados domínios da vida brasileira, que no campo econômico, político social, quer no pensamento jurídico”.34

Assim, os princípios seguem uma ordem de hierarquia axiológica: primeiramente os princípios constitucionais fundamentais; depois os princípios gerais de direito em espécie; e mais abaixo em valor, as chamadas regras jurídicas. Essa gradação hierárquica de valores tem implicação imediata no próximo tópico, a saber, o referente à colisão de princípios.

Só é possível discorrer sobre a questão se há hierarquia entre os princípios, analisando-se a relação entre os princípios e os valores, uma vez que se pode falar em colisão e sopesamento tanto de uns, quanto de outros, ou seja, uma vez que a

31 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Op. Cit. P. 66 32

CRISAFULLI, Vezio. La constituzione e Le sue disposizioni di princípi. Milano: Giuffré, 1952, p. 38. 33 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1983, Tomo II, p. 199. Os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 estão nos artigos 1º a 4º.

34

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008, p.237.

(27)

definição bem como o sentido dos enunciados normativos depende da escolha reflexiva entre valores e opções políticas.35

Pode-se distinguir como faz Robert Alexy36 os princípios dos valores, dizendo-se que princípios são mandamentos de otimização e se situam no âmbito deontológico, enquanto os valores pertencem ao nível axiológico. Os princípios funcionam como “filtros, que captam os valores em abstrato, e os transformam em regras, em direitos, como no caso do valor igualdade que através do princípio da igualdade criam os direitos de igualdade”.37

A grande questão posta no tema da hierarquia entre princípios é: há que se falar, com rigor, numa hierarquia entre princípios? Depois de acirrada cizânia doutrinária, aqui dispensável de ser reproduzida à exaustão, podemos seguir a lição segundo a qual:

Os princípios jurídicos devem ser aplicados nos limites e nos contornos das circunstâncias fáticas (adequabilidade), o que não quer dizer que sejam propriamente determinados por essas circunstâncias. Antes eles funcionam como pressupostos que orientam os processos de aplicação das regras e dos próprios princípios jurídicos, que transferem correção a esses processos. O conflito na verdade, é fruto da concorrência de princípios distintos em um caso concreto. 38

Não é, todavia, pelo fato de haver a necessidade de opção entre um e outro princípio, quando colidem na apreciação de um caso concreto, que se pode falar, com rigor, na existência de hierarquia entre eles. Na verdade, quando se escolhe um princípio para aplicação a um caso concreto, o outro não escolhido não sai do ordenamento jurídico, permanecendo à espera de novo caso concreto e de nova colisão, quando poderá ser reputado, pela ponderação, como sendo mais adequado, proporcional e necessário para aplicação.

A hierarquização dos princípios constitucionais tanto é possível que o constituinte assim o fez, “elegendo” os mais importantes para compor o núcleo

35BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. P, 117.

36 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Op. Cit. P. 98. 37 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op. Cit. p. 177

38

GUALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado democrático de Direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa. N.143. p.191-209. Jul/set.1999

(28)

essencial, e por isso seriam “irreformáveis”, enquanto outros podem ser submetidos a mudanças através, por exemplo, de um processo legislativo constitucional. Do ponto de vista estritamente jurídico (epistemológico), não há hierarquia entre princípios.

É importante enfatizar que as regras têm sua interpretação e eficácia atrelada aos princípios e que estes se harmonizam, a partir da hierarquia estabelecida entre eles, para dar coerência ao sistema jurídico, como afirma Hans Kelsen39: “o ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, cada uma delas dotada de um determinado valor e ocupando uma posição igual no sistema, pois uma norma para ser válida tem que ter seu fundamento de validade em outra norma superior”, e assim é reconduzida a uma norma fundamental, uma ordem normativa, embora esse autor não reconhecesse o caráter de norma jurídica aos princípios de direito, este pensamento foi superado pela dogmática moderna.40

39 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.248. 40

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.141.

(29)

1.4 A Colisão de princípios e sua solução

Quando se refere a um conflito de normas, de modo específico se está falando de conflito de regras e não de princípios, isto porque, entre princípios o máximo que pode ocorrer é colisão entre eles, uma vez que no ordenamento jurídico não cabe antinomia de princípios, como se verá.

“Um conflito de normas pressupõe que valem ambas as normas que estão em conflito (caso contrário o conflito é aparente) (...) Por meio da derrogação é abolida a validade de uma norma que está em vigor, mas não constitui uma contradição lógica; no caso de contradição lógica entre dois enunciados normativos, um deles é falso desde o início”.41

No caso de conflito de regras, há conflito de validade, mas não um conflito lógico, e a doutrina assentou que tal conflito se resolve pelos três critérios clássicos: regra posterior revoga a anterior (critério temporal); regra superior revoga a inferior (critério hierárquico); regra especial revoga a geral (critério da especialidade).

No caso dos princípios, fala-se de colisão e não de conflito, vez que não se pode falar de conflito lógico, nem mesmo de conflito de validade, por isso que, em caso de colisão de princípios, no momento de aplicação ao caso concreto, aplica-se um deles, porém o outro não perde a validade nem é expurgado do sistema, porque, num outro caso concreto, em que ocorra a colisão, este outro princípio pode ser aplicado.

No caso de colisão entre princípios, a doutrina tem recorrido ao chamado princípio da razoabilidade que alguns chamam, indevidamente, de princípio da proporcionalidade, gerando uma confusão, porque a razoabilidade comporta “três elementos: proporcionalidade, necessidade e nexo de causalidade (ou adequação). Assim, é razoável a escolha de um princípio em detrimento de outro que lhe é

(30)

inconciliável, se for mais proporcional ao caso concreto ao qual de aplica, se for mais necessário do que o outro e se houver maior nexo de causalidade com o caso”. 42

Portanto, a proporcionalidade não é o mesmo que razoabilidade, mas um critério de aferição da razoabilidade; o método de ponderação ou sopesamento e fixação da razoabilidade.

Assim, no dizer de Robert Alexy:

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e de acordo com outro é permitido – um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser considerado inválido, nem que nele deva ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. 43

Alexy propõe uma abertura na interpretação e aplicação dos princípios a toda a comunidade de intérpretes44 e, no caso de colisão entre princípios, o que há, na verdade é a necessidade de se agir, conforme Marcelo Lima Guerra ensina:

Se há casos em que não é possível, em razão de limites da própria capacidade humana, discernir uma única solução correta, nem mesmo a melhor entre várias, quando há mais de uma qualificável como correta, então não se pode considerar que tudo esteja contido nos princípios, nada restando a fazer senão concretizá-los através do sopesamento.45

42 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Lições de teoria constitucional e de Direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 241.

43 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93. Essa proposta do autor parece mais adequada do que aquela apresentada por Ronald Dworkin, recorrendo à figura do juiz “Hercules”, um ser dotado d qualidades ideais, onisciente, que busca a solução para cada caso através da reconstrução do direito vigente com base nos princípios morais. DWORKIN, Ronald. Levando os

direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 165.

44 Proposta seguida, dentre outros por MULLER, Friederich. Hermenêutica constitucional. São Paulo Martins Fontes, 2010, p. 11.

45

GUERRA, Marcelo Lima. A proporcionalidade em sentido estrito e a “fórmula do peso” de Robert Alexy; In: Revista de Processo. São Paulo: V.31, n. 141. P. 53-71, Nov.2006.

(31)

Assim é, que a ponderação deve ser uma técnica distinta na solução das antinomias , pois:

Em particular, o intérprete poderá ser confrontado com conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas e tensões insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais da solução de antinomias, e, para solucioná-los, será necessário recorrer à técnica da ponderação (...).

Ademais, não é possível simplesmente escolher uma disposição em detrimento das demais; o princípio da unidade, pelo qual todas as disposições constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de maneira harmônica, não admite essa solução. Essa, portanto, é a primeira distinção entre a ponderação e as técnicas tradicionais de solução de antinomias; estas estão ligadas à subsunção, ao passo que a ponderação é uma alternativa a ela.46

Por fim, o princípio da razoabilidade (ou o método da ponderação da proporcionalidade em sentido estrito) pode ser entendido “pela análise da relação entre o fim e o meio com o sentido teleológico ou finalístico, reputando-se arbitrário o ato que não observar que os meios destinados a realizar um fim, são por si mesmos apropriados ou quando a desproporção entre fim e o fundamento é arbitrário” 47. Por isso é necessária à adequação e o nexo de causalidade.

Assim, para o que interessa no presente trabalho, pode-se concluir neste capítulo, preparando-se uma sinergia entre os diversos capítulos, dizendo-se que, no tocante ao princípio da presunção de inocência, muitas vezes invocado em nome da dignidade da pessoa humana do acusado, não pode ser elevado ao nível de princípio intransponível porque isso pode gerar impunidades, comprometendo o princípio da segurança jurídica, e até o princípio da motivação jurisdicional.

46 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 112.

47 BERALDO, Leonardo de Farias. A flexibilização da coisa julgada que vicia a Constituição.In: NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa julgada inconstitucional. Rio de janeiro: América Jurídica, 2005, p. 172.

(32)

CAPÍTULO II – DISCURSO E MANIPULAÇÃO DO DIREITO

O presente capítulo trata das espécies de discurso e da análise desses discursos, buscando estabelecer pontos de contato entre o discurso jurídico e o discurso político-ideológico, o uso (ou manipulação) desse discurso jurídico pelos centros de poder produtores do direito, preparando a análise de como se tem manipulado o conceito de presunção de inocência, que interessa aqui, mais de perto.

2.1 Considerações iniciais sobre o discurso e sua análise

Apesar de passar também por essas ideias, a análise de discurso como aqui se refere não trata da língua ou da linguística, nem de estudo de gramática, mas propriamente de discurso, em seu sentido de curso, de percurso, de correr por, de movimento48. Trata-se, assim, de analisar a palavra em movimento, prática da linguagem, tendo esta apenas como mediação necessária à compreensão dos conceitos e de seus usos na prática jurídica, possibilitando a análise de seus usos e dos efeitos desses usos. Portanto, resta delimitado assim, o uso dos conceitos que têm pertinência direta com as ideias de presunção, de inocência, de manipulação, de ideologia, e de discurso jurídico.

Por seu turno, a análise do discurso viabiliza a mediação, por meio da linguagem, entre o homem e a realidade natural e social, que, portanto possibilita a continuação e o deslocamento e transformação do homem e da realidade em que se insere. Essa análise é que identifica as estratégias críticas dos usos da linguagem e das ciências sociais como um todo, refletindo e pondo a descoberto, as manobras

48

Embora muitos sejam os sentidos da palavra discurso, podendo-se apontar: atividade comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos, que se dá na interação entre falantes.

(33)

ideológicas, uma vez que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é transformado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido”.49

Nesse sentido, pode-se dizer que não há discurso neutro; todo discurso produz sentidos que expressam posições sociais, culturas, ideologias do sujeito da linguagem. Muitas vezes os sentidos são explicitados e às vezes não, nem sempre se diz o que se pensa, deixa-se nas entrelinhas significados que não se quer tornar claros ou porque a situação não permite ou não se quer assumir responsabilidades, deixando a critério do interlocutor (ou do intérprete) o trabalho de construir os sentidos implícitos. Isso é muito comum nos discursos políticos mas acabam interferindo nos discursos jurídicos.

Assim, a análise de discurso tem por objeto de estudo o próprio discurso, o que delimita significativamente as abordagens a respeito do tema, o que facilita o trabalho do pesquisador, pois trata do estudo da língua, distinguindo-se da análise de conteúdo, pois enquanto esta tem por objetivo direto extrair o sentido do texto, a análise do discurso deve estar centrada nos falantes, daí toda a carga ideológica que acaba desnudando. Visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos e se reveste de significados para e pelo sujeito.

Além dos sujeitos, (e age por meio deles) é que se manifesta outro elemento do discurso, a saber: a memória. Fazendo parte do discurso, a memória interfere na produção do discurso, melhor dizendo, no contexto de produção do discurso, inclusive (e principalmente) nos discursos jurídicos e políticos. É o que Marx denunciava, quando dizia que todo produto carrega as influências de seu meio de produção. Do mesmo modo, todo discurso carrega os elementos do “meio” onde é produzido, ideologicamente.

E nesse “meio”, nesse “espaço” onde o discurso é produzido, dá-se na tensão entre a paráfrase e a polissemia, num jogo entre o mesmo e o diferente, entre o que foi dito e o que está ainda por dizer, que os sujeitos falantes se movimentam, percorrem seus intentos discursivos, produzem o direito.

Importante para se trabalhar com análise de discurso é, também, a idéia de “formação discursiva”, que significa que, numa formação ideológica dada, a partir de uma determinada posição, determina o que pode e o que deve ser dito. E como o

(34)

discurso se delineia sempre nas relações com os outros, é importante que se determine se o sujeito diz se inscreve numa formação discursiva e não em outra; e é produzido para ter um sentido e não outro. Esse aspecto do discurso é importante, aqui, para determinar que o discurso da presunção de inocência deva ser tomado num determinado sentido e não em outro (o que leva, por exemplo, à costumeira impunidade, o que soi acontecer, como se verá).

Ponto que interessa reforçar aqui, é o diz respeito a possibilidade da análise de discurso permitir uma re(significação) da noção de ideologia, a partir da linguagem. Essa ideologia tem o sentido de determinar que não há sentido das palavras sem o exercício da interpretação, o que atesta a presença desta, seria a presença constante de qualquer objeto simbólico, o homem é obrigado a interpretar, o que, como já foi dito, transforma o indivíduo em sujeito que produz e interpreta o discurso.

E como nem sujeitos nem sentidos são completos, essa incompletude reclama uma integração do discurso, através da interpretação, carregada sempre de ideologia, o que gera a polissemia dos termos componentes do discurso, o que facilita a manipulação desse tipo dos discursos constitutivos dos textos normativos. E essa manipulação é sempre possível de se manifestar porque a ideologia e o inconsciente não se controlam com o saber e a razão. O próprio jogo da linguagem funciona assim. Tudo depende de uma questão de método. É o método de se analisar o discurso que permite o desnudar das ideologias inseridas nos discursos, e principalmente, nas interpretações que se dão aos textos.

E o texto, escrito ou oral, é uma dispersão do sujeito, como o discurso é uma dispersão do texto. O sujeito se subjetiva de várias maneiras ao longo de um texto, o que permite a invasão de sentidos eivados de ideologias variadas para um mesmo texto.

Muitos autores têm procurado apontar as principais características do discurso. Assim, Maigueneau50 aponta como características: a) o discurso deve ser entendido como algo que ultrapassa o nível puramente gramatical (contam os interlocutores, com suas crenças e valores; e a situação, o lugar e o tempo geográfico e histórico em que é produzido); b) Os falantes/ouvintes devem ter não apenas conhecimento linguístico como extralinguísticos, para produzirem discursos adequados;

50

MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise de discurso. Campinas: Unicamp/Pontes, 1993, p.18.

(35)

c) o discurso é contextualizado, isto é, do ponto de vista discursivo, toda frase só tem sentido no contexto em que é produzido; d) o discurso é produzido por um sujeito e é em torno dele que se organizam as referências de tempo e espaço; e) o discurso é interativo, pois se desenvolve entre dois parceiros (binômio eu-você); f) o discurso é uma forma de atuar, de agir sobre o outro; promessas, ordenamentos, perguntas, permissões, proibições, isso é uma ação sobre o outro, um ato de fala, que busca sempre modificar uma situação; g) o discurso trabalha como enunciados concretos, falas/escritas produzidas; h)um princípio geral rege o discurso: o princípio do dialogismo, que significa conversa, interação verbal, que supõe pelo menos dois falantes; i) mas o discurso é também dialógico porque quando se fala ou escreve, dialoga-se com outros discursos, trazendo a fala do outro para o nosso discurso; j) por causa desse caráter dialógico o discurso tem efeito polifônico, emporque um discurso dialoga com outros, é sempre atravessado por outras vozes; k) todo discurso se constrói em rede com outros discursos, é uma arena de luta entre os diversos discursos.51

51 Essas características variam de acordo com a linha teórica de quem as aponta. Assim, variam de acordo o autor se filie à escola francesa da análise de discurso, de cunho preponderantemente político, de caráter ideológico, com o viés marxista, ao qual costuma-se ligar Michel Pêcheux, Michel Foucault, Louis Althusser e, mais recentemente, Boaventura de Souza Santos.

(36)

2.2 Espécies de discurso: jurídico, político e ideológico.

Como tipos de discursos, podem ser apontados: o discurso político, o jurídico, o religioso, o jornalístico, o pedagógico, o médico, o científico. Esses tipos comportam variáveis como: discurso terapêutico, místico, didático, dentre outros, devendo-se ainda levar em consideração os estilos (barroco, renascentista, moderno, contemporâneo); gêneros (narrativa, descrição, dissertação), interessando, para a análise do discurso as prioridades internas dos processos discursivos; as condições de formação, produção, interpretação e efeitos dos discursos, e, aqui, aquelas (condições) referentes aos discursos jurídicos e políticos.

Pode-se, inicialmente afirmar que as palavras constantes nos discursos de textos jurídicos, costumam ter significados distintos da linguagem comum. São utilizadas por pessoas específicas (os operadores de direito e os destinatários da norma), em situações específicas (necessidades do exercício profissional ou nos chamados “usos do direito”). Pode-se, assim dizer que é uma linguagem técnico-jurídica, apresentando, assim, várias e sérias dificuldades de compreensão.

A primeira dificuldade é a constatação de que embora o discurso jurídico seja feito de termos técnicos, com nomenclatura que exige exatidão técnica, não consegue se desprender totalmente de sua significação comum. Essa dificuldade avoluma-se quando se constata que o direito não é feito apenas para técnicos e sim para toda a comunidade que se encontra em seu espaço de aplicação, a saber todos os destinatários da regra posta.

E por ser assim, multiplicam-se as dificuldades quando se tem uma técnica de aplicação do direito como a nossa que afirma que a ninguém é permitida a alegação de desconhecimento da lei.52 Apesar de se justificar que esse dispositivo é fundado no princípio da publicidade e que atende à necessidade de observar ao princípio da imperatividade das regras jurídicas, esse discurso não satisfaz as reais condições de sua aplicabilidade uma vez que toda lei tem o que se conhece como vacatio legis, que

52

O art. 3º da Lei de Introdução Ao Código Civil diz, verbis: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

(37)

grande parte da comunidade desconhece, e mesmo o acesso ao conhecimento do direito, que reclama por uma política mais efetiva de educação para o direito53.

A lei brasileira exige que “em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo”54

Ocorre que esse “vernáculo” (língua portuguesa), contém termos desconhecidos da grande maioria da comunidade de destinatários da norma, o que facilita o trabalho de manipuladores do discurso, emprestando significados e finalidades distantes do pretendido pelo produtor da norma.

Além da dificuldade de compreensão dos textos, por causa de sua tecnicidade, o discurso jurídico é, como amplamente reconhecido, um discurso de poder, o que, por si só, implica uma interface com o discurso político, ou seja, o discurso jurídico tem uma inafastável ligação com o político, seja porque é produzido pelos centros políticos do Poder Legislativo (notadamente a lei, em sentido amplo), seja porque engendra uma decisão política sobre quais matérias devem ser regulamentadas, seja porque, decidido o quê,decide-se, também politicamente, como legislar.

Depreende-se do pensamento de Foucault55, que o exercício do poder manifesta-se no modo de agir de uns sujeitos sobre os outros, que os divide em governantes e governados, e as relações de força se estabelecem entre sujeitos desiguais, individuais ou coletivos, por suas posições sociais e quantidade de recursos de que dispõem (econômicos, políticos, militares ou de informação). É preciso, pois, estudar o direito em seus aspectos contextuais: a) do próprio contexto do discurso, onde o significado das palavras resulta do contexto textual, do ordenamento onde esse operador tá inserido; b) da situação discursiva, (quem fala, de onde, de qual centro de poder; c) da situação jurídica no espaço político–social.

Mas não é isso que se verifica no espaço que está entre a produção do direito e sua aplicação, ou seja, não têm sido esses os parâmetros utilizados pelos operadores/intérpretes/aplicadores do direito, e sim um mecanismo político/ideológico/ manipulador, como se observa facilmente. Ao contrário, dá-se um discurso jurídico que

53 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 46. O autor trata das funções do direito, dentre elas, a função educativa. Advirta-se que não se está aqui defendendo a tese de que qualquer um, para esquivar-se da incidência da regra, basta alegar que a desconhece. O que não é admissível é essa presunção genérica de que todos conhecem a lei amplamente, somente porque foi publicada. A linguagem do discurso muitas vezes impede ou dificulta o seu entendimento, comprometendo a compreensão.

54

Art. 156 do Código de Processo Civil.

(38)

vai além do poder e se torna autoritário, monofônico, pois as vozes que poderiam compor o discurso são abafadas ou ocultadas sob a aparência de uma única voz (a do detentor do poder).

A grande dificuldade enfrentada em toda parte, pelos aplicadores do direito, ou pelos destinatários da regra, advém, justamente, da ambigüidade, da falta de clareza que muitas vezes se encontram nos textos normativos, e cabe ao operador do direito determinar e esclarecer o sentido e o alcance dos vocábulos, observando a característica técnico-científica de sua linguagem. Isso leva a um contexto onde uns (os técnicos) falam e determinam o sentido das normas que serão aceitos e obedecidos por outros ouvintes (destinatários), o que, por si só gera uma relação de dominação/subordinação.

Deve-se buscar, pois, o sentido mais razoável possível para os textos objetivando-se uma aplicação mais justa possível. Mas essa tarefa torna-se extremamente difícil, ver, por exemplo, quando estamos diante de conceitos jurídicos indeterminados, que, não raras vezes, encontram-se nos textos a serem interpretados e aplicados. Assim ocorre com termos como “função social” da propriedade e do contrato; “duração razoável” do processo; utilidade pública; interesse público; presunção de inocência, “fumaça do bom direito” . Nesses casos todos, os termos jurídicos perdem clareza, concisão, harmonia com a realidade, dando vazão a sentidos absolutamente subjetivos, em detrimento da objetividade do direito.

Outro tipo de discurso que, de tão relacionado que está com o discurso jurídico, às vezes com este se confunde, seja na produção, seja na interpretação e aplicação do direito, é o discurso político. É um discurso que está sempre presente nos espaços (legislativo, executivo e, até judiciário), de todas as esferas de poder ou unidades da Federação. Um discurso que tem legitimados para o produzirem em todos os escalões de poder e que se manifestam não somente nas épocas de campanhas políticas, quando se desnudam de vez e passam a fazer parte do cotidiano das gentes, mas também de forma velada (às vezes ideologicamente) em todos os espaços sociais, e em todos os tempos.

Legitimados são, pois, todos os cidadãos e cidadãs, em todos os espaços sociais para proferir discurso político, falando, propondo, criticando, etc Assembléias, comícios, ou rodas informais de discussão, estão sempre impregnadas de discurso político, sempre permeado pela poderosa mídia, escrita, falada ou televisiva,(sem

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