Raquel
Wiggers
Família
em
conflito:
violência,
espaço doméstico
e
categorias
de
parentesco
em
grupos
populares de
F
lorianópolis
Dissertação apresentada
no Programa
de
Pós-Graduação
em
Antropologia Socialda
Universidade Federal
de
Santa Catarina,como
requisito parcial
à
obtençaodo
títulode
Mestre
em
Antropologia Social.Orientador: Prof. Dr.
Oscar
CalaviaSaez
PROGRAMA
DE
POS-GRADUAÇAO
EM
ANTROPOLOGIA
SOCIAL
*FAMILIA
EM
coN1‹¬L1To
v1oLENc1A,
ESPAÇO
DoMEsT1co
E
cA'rEGoR1As
DE
PARENTESCQ
EM
GRUPOS
PQPULARES
DE
ELoRIANoPoL1s”
RAQUEL
WIGGERS
Orientador
Dr
Oscar
CalaviaSaez
Dissertação apresentada
ao
Programa
de
Pós-Graduação
em
Antropologia
Social
da Universidade
Federalde
Santa Catarina,
como
requisito parcialpara obtenção
do
grau de
Mestre
em
Antropologia
Social,aprovada
pelaBanca composta
pelos seguintesprofessores:
Dr
Oscar Calavia Saez
/ff
(UFS
rientador)}\J\N)lfUW
Última
Dr
Marcos
Lanna
(UFPR)
Dr
The
philos Rifiotis(UFSC)
AGRADECIMENTOS
Agradeço
à
CAPES
pelofinanciamento
do
meu
cursode mestrado
em
forma de
bolsade
estudo.A
Eva
e
Alinne pela colaboração durante os créditos ena
discussãodos
projetos.Cada
uma
delas sabecomo
foi importante nossa amizade,finnada
por
dificuldades e alegriascomuns
durantetodo 0
cursode
mestrado.A
Alirmepor
fazerme
sentir normal.A
Eva
pelaprecisão
de
suas observações.A
Lis eHelô
pelaamizade
construida.Aos meus
amigos
Dilma
e Paulo, pelo apoio.A
Mymaia,
pelaamizade
mesmo
que
distante.A
Danielle, pela amizade.Aos meus
professores das disciplinasdo
curso,Oscar
Calavia Saez, JeanLangdon,
Maria
Amélia
Dickie, Theophilos Rifiotis e Rafael Bastos.Aos
fiincionários e bolsistasdo
Departamento
eda
Pós-graduação: Geralda, Luiz,Fátima,
Andreia
e James.Agradeço
a
Cris, Chica, Daílva eDodô
por
me
introduziremno
mundo
de
seustrabalhos
na comunidade.
Aos
moradores
e freqüentadoresda
Casa: Alcione, Fabrício,Cidinho, Wflsori, Elsinho, Israel, Mariza, e tantos outros
que fazem o
lugar sercomo
é.Agradeço
ao
Oscar,meu
orientador,que
com
suaforma de
orientartomou
o
trabalhomais
agradávelde
ser feito.A
Mirian Collarespor
me
acompanhar
nos
momentos
que não
estavapensando muito
em
trabalho e colaborar naquelesque eu
estava.A
minha
familia.As
minhas
filhas,Natacha
e Diana,por serem
quem
são eentenderem que
para serMulher tem
que
ser forte.A
minha
innã
Karina pela força.RESUMO
Na
análisede
conflitosdomésticos
ocorridosem
familiasde grupos
popularesde
Florianópolis são trazidos a
tona elementos
importantesque
devem
ser consideradosao
se tratar
da
questão
da
violência doméstica.O
principal deles é aampliação
do
quadro de
protagonistas envolvidos nas situações de conflitos domésticos,
demonstrando
anecessidade
de
se deslocar a análisedo
eixo vítima/ agressor,geralmente
privilegiadonos
estudos
de
violênciadoméstica
ou
violência contra a mulher.No
exerciciode
deslocamento
do
eixo vítima/ agressor a violência deixade
seruma
viade
mão
únicaem
que
vítimas e agressorestem
perfis
pré-definidos e passa a seruma
questãoque
dizrespeito
também
aos
parentes.Além
disso, esta dissertação salienta os diferentessignificados e
concepções
que
têm
os atos violentos eque
precisam
ser considerados nasatuações de
agentes sociais junto apopulações de grupos
populares.ABSTRACT
The
analisisof
domestic
conflicts inlow income
familiesof
Florianópolis revealsimportant aspects that should
be
taken into accountwhen
discussingabout domestic
violence.
The
main
aspect is theexpansion
in the focuswhen
considering the castinvolved in these situations,
which
shows
the necessity to considersome
aspects besidesthe victim/ agressor relationship,
which
is well reported indomestic
violence studiesand
in violence against
women
studies too.When
other aspects are considered, violence isno
longer a
one
way
relationship inwhich
victimsand
agressorshave
welldefined
rolesand
it
becomes
amatter
that envolves relatives too.Moreover
this studyremarks
the variousmeanings and concepts
that violent actshave and
thatmust
be
taken intoaccount by
thesUMÁR1o
INTRODUCAÚ
... ..VIOLÊNCIAI
UM
PROBLEMA GERAL
... ..A
violência para alguns autores brasileiras ... ._Violência domestica ... _.
violência no “discurso oficiol ” ... ._
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
nl
'oo 'o× 1»
'N
MINHA
TRAJETÓRIA
ATE
0 TEMA
... ..11O
OBJETODA
ETNOORAFIA ... _.Dados
sobre o lugar ... ._Chico Mendes: favela ou comunidade? ... _.
A
CONSTRUÇÃO
D0
PROBLEMA
DA
PESQUISA ... _.lvfinha inserção
em
campo
... ..QUESTÕES
METoDoLÓG1cAs_,______0
contatocom
o “outro” ... ._FAMÍLIA E
UNIIIAIIE
DOMÉSTICA
... _.Estabilidade das relaçoes conjugais ... ._
OS
PARENTES
Relaçao entre cunhados ... ._
PAR1‹:Nr1‹:sco
X
FAMÍLIA NUCLEAR; D1coToM1A PÚBLICOx
PRIVADOA
manifestaçao dos parentes,_______Parentesco e violência ... ._
“Não
épor
quemora
na favela que tem que ser bandido ” ______ __“So batendo
mesmo/
” ... ._As
intervenções... ...Moradores e Polícia: relação ambígua?
TERCEIRO CASOI
TAUTA
... __Mulher
X
Mari
do ... ._CONCLUSÕES
... ..Negotivação da violência: utopia? ... ._
A
ampliação do quadro de protagonistas ____Eixo vítima /agressor e o seu sentido único_______
'Mulher apanho quieta ” ... __
Violência e desestfutufoçãofamiliar ... ._
Violência efalta de recursos ... _.
Gênero e sexualidade ... _.
Violênciaf heterogeneidade das classificações _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ , _ _ , _
Porfim--. .... ... _.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁEICA
... ..¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢ ào
AS
CASAS
... ..03
PAPÉIS DEGÊNERO N05
GRUPÔS POPULARES ENA
CHICOMENDES
... _.FAMÍLIA
EM
CONFLITO
... ... ..PRIMEIRO cAso: CREONICE ... ... ._
SEGUNDOOASOI
LEA
... _.“O
QUE
E VIOLÊNCIA'-l” ...._ ¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢ .- ¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢¢ nz _13 16 _22 _24 _26 _31 _36 _39 _39 _41 _-43 _4ó _51 _53 _s7 _57 _61 _66 _68 _73 _74 _76 _79 _s3 _88 _91 94 94 _95 _97
(sã
1125 101 102 104 107 108Índice
de quadros
e figuras
Pg. 17 -
Foto da
Servidão
Pg. 18 -
Foto da Casa
de
Talita.Pg. 19 ‹
Foto do Campinho.
Pg.
21
- Anexo
as Figuras:I.
Mapa
do
BairroMonte
CristoII.
Foto
aéreado
bairroMonte
Cristo III. 'Foto
aéreada comunidade
Chico
Mendes.
IV.
Foto
aéreada comunidade
Chico
Mendes
com
amarcação
aproximada
dos
locaisde
residência das familias estudadas.Pg.
36
-Quadro
1:As
trinta famílias pesquisadas caracterizadas pelonome
fictícioda
mulher
Pg.
48
-Quadro
2: Categoriasde
referênciade
parentescoF
amíliaem
conflito 11›R11vr|‹:rRo
CAPÍTULO
“De
início, é preciso dizerque
a violêncianão
é
alguma
coisa peculiar à nossaépoca
ou
à nossasociedade.
Em
todas as sociedades,em
todas asépocas ocorrem
açõesque
sepodem
caracterizarcomo
violentas jáque apelam
parao
uso da
forçabruta, seja através
de
que
instrumento for,ao
invésde
apelar parao
consentimento.O
que
varia são assuas
formas de
manifestação e as regras sociaisque
as controlam. ” (Zaluar, 1994).
~
Introduçao
Neste
primeiro capítulo iniciouma
breve revisão nos estudos sobreviolência, fazendo
um
levantamentodo
tratamentodado
pelos estudiososao
assunto.Passo
então a analisaralgumas
bibliografias brasileirasque
tratamda
violência,apontando formas
diversas
de
percebê-la e ressaltando
uma
necessidadede
pesquisas mais específicaque
considereo
contexto
em
que
estou inserindo os estudos sobre violência.Analiso
também
os principiosque colaboram
naformação da
teoria sobreviolência
que
rege ospensamentos de que partem
os agentessociais
ao
lidaremcom
osgrupos
atendidos pelas políticas
de “contenção” da
violência eque aparecem
também
nas
produções
acadêmicas que
tratamdo
assunto.Na
seqüência esclareçoa
trajetória acadêmica, teórico emetodológica que
me
direcionou
ao
tema
proposto
nesta dissertação,onde
pretendouma
análisede
conflitosdomésticos
e suasformas de
resolução, violentasou
não,com
ênfasena
ampliaçãodo
quadro
dos
protagonistas envolvidos.Para
isso descrevo edefino
neste capítulo apopulação
eo
F
amíliaem
conflito 2Violência:
um
problema
geral
\
Embora
a
violência sejaum
tema
que
vem
ocupando
o
serhumano
desde muito
tempo,
nas últimas décadas elapassou a
serum
símboloda
contemporaneidade.Hoje
se estádando
grande
importânciaao fenômeno,
fazendoque
ele esteja presenteem
diversosdiscursos sobre nossa sociedade.
A
violência supostamente invadiu todas as áreasda
vida eda
relaçãodo
indivíduocom
o
mundo
das coisas,com
o
mundo
das pessoas,com
seucorpo
esua mente
(Freire e Costa, 198419). Assim, seconfigura
como
um
grandeproblema
sociall,principalmente nas grandes cidades,
onde
diariamente são noticiadosum
elevadonúmero
de
casos
de
assaltos, homicídios, estupros e acidentesde
trânsito, entre outros. Estaenorme
quantidade
de
situações violentas vividas e anunciadasprovocam
estudosem
diferentes áreasdo
saber, áreas estas relacionadascom
a saúde pública,com
a criminalidade,com
as favelasdas grandes cidades,
com
a
segurança pública.Existe
uma
ampla
discussãonos meios
acadêmicos,na
midia enos organismos
nacionais e internacionais
de
defesados
direitoshumanos,
sobre a violência.No
Brasilo
assunto
tomou-se emergente
no
iníciodos anos
80,com
o aumento de
diferentesfonnas de
violência, ocorridos principalmente nas grandes cidades
como
assaltos, assassinatos, estupros.A
violência é, desta fonna, associadaao urbano
eà modemidade.
A
históriada
sociedade brasileira foi constituídacom
recurso constante à força e àviolência.
Os
conflitos decorrentes das diferençasde
classe, etnia, gêneroou
geração,
foram
muitas vezes solucionados
com
o uso da
força. Basta lembrar a longa tradiçãode
lutaspopulares,
desde
o
séculoXIX
nas diferentes regiõesdo
país,como
a revolta Farroupilha,o
Quilombo
dos Palmares
ea
Cabanadaz.E
mesmo
assim, a violência é recusadasistematicamente
no
nível ideológico,o
que
pode
ser constatadona
idéiade
que o
brasileirotem
uma
índole pacíficaherdada
do
português,que
teria sabidopromover
a misturade
trêsraças, criando
uma
sociedadeharmônica
(Oliven, 1989).O
textode
Oliven (1989), escritono
firnda década de
80, apontaque
o
temro
‹ 1
Ribeiro (1999) define ““construção de
um
problema social”como
um
processo pelo qualum
determinado grupo (velhos, mulheres, crianças, índios, etc.) é distinguido e a situação
em
que seencontram seus integrantes é considerada, por alguma razão, socialmente problemática.
A
distinção dogrupo se
afirma
pela discussão de concepções que osdefinem como
sendo pessoas queameaçam
a paz
pública ou que se
devem
ser especialmente protegidas ou que nãodevem
ser discriminadas etc.A
legislação é parte deste processo e constitui-se
num
dos principais instrumentos que atribui oficialidadeadefinições que não contam, necessariamente,
com
o consenso a seu respeitomas
que ninn processo de lutas sociais são forrnalizadascomo
legítimas.A
construção deum
problema social envolvetambém
sua transformação
em
objeto de mobilizações, disputas e alvo de políticas sociais”.2
Família
em
conflito 3"violência urbana" refere-se
quase que somente
à delinqüênciade
classe baixa,que
naquelemomento
deixou áreas pobresda
cidade para atingir redutos das classes médias e altas.Vale
comparar
esta situaçãocom
aquela vividano
finaldos
anos 90,em
que
apreocupação passou
a ser
também
o
narcotráfico e a violência policial,tomando
evidenteque
a violência éum
fenômeno
histórico e mutável.A
violênciapara
alguns autores
brasileirosSoares (1996)
chama
a atenção parao
fatodos
cientistas sociais trataremda
violênciaatribuindo à ela diferentes causas e significados.
A
violênciapode
serpensada
como
uma
expressão
anômica que
põe
em
risco aordem
social;como
resistência àdominação
de classee à opressão política;
como
contra-face inevitávelda ordem,
ou
aindacomo
a ausênciade
detemiinadas políticas públicas
que
tratemadequadamente
a questão.Pode
também
serassociada à natureza, e desta
forma
seruma
expressão inextirpáveldo
serhumano,
ou
ainda,como
um
recurso simbólico acionadopor
processos psico-sociaisde
identificação e/oudiferenciação. Estas diferentes
formas de
abordaro
assunto“não
esgota as teses à disposiçãodo
pesquisador, assim,como
estas variamde
acordocom
os contextosem
que ocorrem
asviolências,
mas
o
inventário,mesmo
breve e insuficiente, basta para sugeriruma
hipótesemeta-interpretativa:
nem
todos
estamos falando
da
mesma
coisaquando
nos
referimosà
violência” (Soares, 1996223 grifos meus).
Afirmar
que o
assunto violência permite diferentes significados eabordagens
toma
atarefa
do
pesquisadordo tema
um
tanto complicada,na
medida que
aumentam enormemente
a
variedadedos fenômenos
considerados violentos.Em
uma
breve revisãode
autores brasileirosque
tratamdo
assunto,podemos
confirrnar a
afirmação de
Soares. Existem, realmente, diversasformas
de
entender e analisaro
assunto.
E
uma
diferença entreduas formas de abordagem da
violênciapode
ser expressadesta forma: a daqueles
que
tratam-nacomo
anomiag
e a daquelesque
aconsideram
constituidorcf
de
relações sociais.Pensar
na
violênciacomo
anomia
partedo
princípiode que
atitudes agressivas contrao
serhumano
e/ou contra a propriedade,provocam
a quebra das relações eo
caos social.Por
outro lado,
quando
a violência é analisadacomo
constituidorade
relações sociais, parte-sedo
3
Entre estes autores podemos citar Arendt (1994), Freire Costa (1984),
Adomo
(1994, 1993, 1991),Silva (1988), Chauí (1985) e Felipe (1996).
4
Entre os autores que
assumem
este tipo de abordagem temos Gregori (1993), Pereira (1996), GrossiFarnília
em
conflito 4princípio
de
que,mais
do
que
ser intrínseca aalgumas formas de
relação entre as pessoas, ela
pode,
em
diversas situações, constitui-las.O
textode
Adomo
(1995) é ilustrativo destasduas
posturas.Nele
é traçadoum
painel das
formas que a
violênciaassume
em
nossos dias, fazendouma
retrospectivano
passado
brasileiro eapontando
que,em
muitos momentos,
a violência foiusada
para resolverconflitos
de
ordens diversas.Segundo o
autor, é possível aí “entrevero
caráter costumeiro,institucionalizado e
de
imperativomoral de que ainda
se revestem as ações violentasna
sociedade brasileira
contemporânea” (Adomo,l995:304.
Grifos meus). Acrescentaque
aanálise
dos
cenários distintos,porém
interconectados,demonstra que
fatosde
naturezaviolenta
não
são episódicos, ocasionaisou
conjunturais, pelo contrário,“apontam
parauma
conclusão inversa: trata-se
de
fatos rotineiros, cotidianos,com
larga aceitação entrediferentes
grupos da
sociedade. Parece haveruma
inclinaçãoda
sociedade para reconhecê-loscomo
“normais',
como
sefossem meios
naturaisde
resoluçãode
conflito seja nas relações entre
classes sociais seja nas relações intersubjetivas”
(Adomo,
19951321).Neste
textoAdomo
ilustrao
caráter constituidorque a
violência muitas vezesassume
em
diversossegmentos
sociaisda
sociedade brasileira.E
'apontaque
em
muitas situações elaé
pensada
como
uma
forma
legítimade
se resolver conflitosde
ordens diversas.Seu
esforço éno
sentidode
reforçaruma
necessidadede
explicar e desconstruir esta “naturalização”,ao
defender
que
ela só acontecepor
causa das desigualdades sociais, pelamá
distribuiçãode
renda, falta
de
escola para os jovens,o não
acesso à justiçapor
todos indistintamente.Com
isso retira
dos
atoresa
responsabilidadepor
seus atos e os explicacomo
resposta aum
estímulo extemo.
Com
esta posiçãoo
autortoma
negativa aconcepção de
violência,retirando
dos
atos violentos a possibilidadede configurarem-se
como
formas de
resoluçãodos
conflitos eremetendo
esta funçãoao
aparelho judiciário.Para
este autor, é mediante acultura política democrática
que
setoma
possível desconstruir alinguagem que
naturaliza enormaliza a violência.
Esta postura
de
tentar retirardos
atos violentoso
caráter constituidorque
elespossam
tertambém
pode
ser constatadano
discurso oficial sobre violência doméstica.Como
veremos
a seguir, estevem
sendo o
hábitode
diversos agentes sociaissque
trabalharncom
a
questão,
como
delegadosde
polícia, assistentes sociaisou
conselheiras tutelares.E
éS
No
zdecorrer do texto sera usada a categoria agentes sociais, que neste caso refere-se aos psicólogos,
assistentes sociais, agentes censrtários, entre outros, que trabalham
em
“comunidades carentes” sendofuncionários de órgãos govemamentais, trabalham
em
ONGs,
ou aindaem
caráter voluntário. Estas
pessoas intervém no cotidiano das pessoas de formas diversas e geralmente compartilham da visão
Familia
em
conflito 5importante
porque
marca
a
crescente oficializaçãode
uma
fomta de
concebera
violência,predominante
nestas últimas décadas,em
que
qualquer agressão é percebidacomo
tal,mesmo
não
incluindo qualquer tipode
contato fisico.A
violência desta forma, deixade
serapenas
um
ataque fisicoao corpo
do
outro e passa a englobartambém
atitudesde
outrasordens,
como
a violência simbólicaou
psicológica.Por
sua vez,Diógenes
(1998)em
um
exemplo de
uma
pesquisa recenteque
tratada
violência,
nos remete novamente a
constataçãode
Soaresde que
ela éum
fenômeno
interpretado e vivenciado
de
diferentes maneiras por diferentes pessoas.Ao
trabalharcom
gangues
em
Fortalezaa
autora centrou-sena
pergunta:o
que
os jovens consideram violência?Ela
percebeuque
entre estes jovens havia urna idéia "esvaziada"da
violência,como
senão
fosse lógico falar sobre ela. Isso
ficou
claroquando de
seus informantes disseque
"elesnãovêem
a
violência, violência é rotina".Aos
olhosda
investigadora a violência éum
acontecimento, para
a
experiência dasgangues
ela diluia-se até tomar-se imperceptível,entranhava-se
no
cotidiano até chegara
ser invisível.A
autora sugere tratarda
violênciaem
termos de
práticas e relações ensejadasno
seucampo.
Issoporque
"nasgangues a
violêncianão
está simbolizada, émuda
de
significantes, elanão
tem
projeto enão
aponta,intencionalmente,
um
outro códigode
conduta" (Diógenes,1998226).
Um
outroexemplo de
uma
forma
diferentede
se pensar teoricamente sobreo
tema
éaquela proposta
por Arendt
(1984),que
propõem
a distinção entre os conceitosde
poder,força e violência, conceitos estes
que
sãoretomados
e trabalhados porChauí
(1985) e Felipe(1996), e a eles acrescentam
o de
agressãoõ.Baseados
nesta distinção teóricapodemos
associar à agressão muitos atos
que
são considerados violênciapor
outros autores,uma
vez
que,
no
caso destas autoras,ambos
são definidos a partirdo
efeitoque o
ato violentotem
sobre
o
agredido.Temos
assimque enquanto
os autores tratados até aquireduzem
todosestes conceitos
a
um,
estas autorasdesdobram o
conceitode
violênciaem
outros, abrindoassim a possibilidade
de
sedesmembrar o
conceitoem
outros tantosque
semostrarem
úteispara a análise.
6
O
poderé a capacidade coletiva para tomar decisões concementes à vida pública de urna coletividade,
expressão de justiça, espaço de criação de direitos e garantias.
A
força é a ausência do poder.Na
relaçãode força há ausência de poder e presença do desejo de
mando
e de opressão deuma
classe sobre a outra,de
um
grupo social sobre o outro, deum
indivíduo sobre o outro. Violência éuma
realizaçãodeterminada das relações de força.
É
a conversão deuma
diferença ouuma
assimetrianuma
relaçãohierárquica de desigualdade
com
fins de dominação, de exploração e de opressão.É
também
uma
açãoque trata
um
serhumano como
não sujeito,mas como
uma
coisa, que se caracteriza pela inércia, pelapassividade e pelo silêncio, de
modo
que quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ouanuladas, há violência.
A
agressão éum
ato que envolve dois individuosem
situações mais ou menosFamilia
em
conflito 6Violência
doméstica
A
violênciadoméstica
refere-se principalmenteà
violência ocorrida dentrodo
lar eentre pessoas
que vivem
relações familiares e afetivas.É
um
conceitoque
vem
abrangendo
outros dois: violência contra
mulheres
e violência contra crianças e adolescentes,mas
que
não
pode
sercompletamente
traduzidopor
eles, jáque
existem outras violênciasque
podem
ser ai incluídas.
Estes conceitos estão carregados
de
significado político,que
são acionadosna
luta,perpetrada principalmente pelas integrantes
do movimento
feminista (Soares, 1999), pelaquebra da
hierarquiaque
coloca mulheres e crianças sobdominação
masculina, eem
defesados
direitos destas minorias.A
violênciadoméstica
estásendo
focalizadacomo
um
espaçoprivilegiado
de encenação de
um
dos mais
importantes debates sociais contemporâneos.E
asmobilizações
em
tomo
destetema
estãogerando modificações
profundasno
comportamento
social,
na medida que passaram
a representar ea
expressar as disputasem
tomo
dos
direitoscivis,
dos
direitos daschamadas
minorias, dasnovas
formas*de
relacionamento afetivo esexual entre os gêneros7.
Estes conceitos
de
violência contramulher
e violência contra crianças eadolescentes,
foram
forjadosno
âmbito das discussões e reivindicações feministas,que
iniciaram seus protestos
mais
enfáticosno
fim
dos
anos70
e iníciodos
80. Estas mobilizaçõescolaboraram muito
parao aumento da
visibilidade dos casosem
que
mulhereseram
assassinadas
por
seuscompanheiros
etomaram
como
ponto
principal aimpunidade dos
assassinos, trazendo para
a
ordem do
diaa
denúnciade
opressãoda mulher na
sociedadebrasileira.
Desta forma
o movimento
feministatem
grande responsabilidadena
visualizaçãocrescente
que
tevea
violência nas últimas décadas.Os
estudos sobre violência domésticas,que
centram-se principalmente nostemas da
violência contra mulher, contra criança e, recentemente
também
contra idosos,têm
em
comum
o
fatode
privilegiaro
eixo vítima/ agressor.A
postura analítica destes estudos tendea
salientara
relação entreo
agressor eo
agredido, construindo, a partirdo
ato violento,um
personagem que
éo
detentordo
poder de
agredir, e outroque
éo
receptorda
agressão. Istofaz
que
estas posições sejam relativamente estanques, opostas e contraditórias.Nos
casosde
violência contra mulher, esta postura
toma
amulher
vítima eo
homem
agressor, muitas vezes7 Ver
Soares (1999).
8
Gregori,1993; Grossi, 1996; Guerra,1985, Safioti,1988; Junvêncio e Batista,1996; Azevedo e Guerra
(1997); Silva (1988), entre outros.
Família
em
conflito 7sem
consideraro
papelde cada
um
na
situação analisada9.Desta fomia
ela écomumente
associada
ao
aspecto negativoou
anômico
da
violência,sendo
consideradoum
fenômeno
que
deve
ser banido,uma
vez que
contradizo
que
seria,em
nossa sociedade, a baseda
instituiçãofamiliar:
amor
e carinho.A
família configura-seem
nossa sociedadecomo
um
contextomuito
sensível.
Uma
tentativade
relativizara
fixidez destas posições é pensarna
violênciacomo
constituidora
de
relações sociais, sexuais e sentimentais, e neste sentido Gregori e Grossi sãoautoras inovadoras.
Ambas,
cada
urnaa
seumodo, argumentam
que a
violência contramulher,
que
ocorre dentroda
relação conjugalpode
terum
aspecto relacional,ou
seja,pode
fazer parte
do
jogo
conjugal,em
que
as regras são compartilhadas pelos parceiros.Desta
forma,
a
violênciapode
seruma
das linguagensque
expressa, entre outras coisas, os conflitosintrínsecos à própria relação.
Neste
contexto,não
cabeà mulher
apenaso
papelde
vítimawda
violência mas,também
o
de
uma
parte atuanteno
jogo
estabelecido entremarido
e esposa.Existem
estudosque
tratamde
mulheresque foram
denunciadas nas delegaciaspor
terem
assassinado seus filhos recém-nascidosou
se envolvidoem
discussõesou
agressõescom
outras mulherespor motivos
variados.Nestes
trabalhos écomum
ser esvaziadoo
papelagressor
da
mulher, dizendo-se delasque
são vítimasdo
sistemaque
asoprime
e as obriga atais atitudes (Soihet,l989; Pedro,l994; Soares,l999).
É
interessanteo
discurso diferenciadopara
homens
e mulheres agressores,o
que
ressalta a posição idealde
vitima e agressor,ocupada
respectivamentepor
mulheres ehomens.
Mesmo
quando há a
agressãopor
partede
uma
mulher,a
ela é remetidoo
papelde
vítima, neste caso vítimado
sistemaque
a obrigaa
agir daquela forma. A
Discutir
a
violênciadoméstica
traz a tonauma
outra discussão sobre os limitesda
intervenção
do
Estado
nas relações pertencentesao
universo privado, as relações familiares.Soares (l999) levanta
que
“trata-seagora de
experiências e tentativasde
regulaçãoda
vidaprivada
em
matéria pública,uma
vez que
se realizamem
nome
da
igualdadede
direitos edo
combate
à discriminação”.9
Em
alginnas vezes vai além, quando,
em
se tratando de violência simbólica, remete a todos oshomens
o papel de agressor e a todas as mulheres o papel de vítima
em
potencial da dominação masculina.W
Soares (1999) aponta para os diferentes caráteres que este tenno está imbuido no Brasil e nosEUA
Enquanto que nos
EUA
háum
movimento de se positivar a posição de vítima, concebendo-ascomo
“sobreviventes” e fazendo-as assumirem o papel ativo de politizar o seu discurso; no Brasil as mulheres
vítimas de violência doméstica não falam diretamente para o público e sua fala é intermediada por
um
narrador.
Quando
falam da violência sofridaficam
envergonhadas e constrangidas.No
Brasil, a vitimaFamília
em
conflito 3Violência
no
“discurso
oficial”Há
uma
tendênciaassumida
principalmentenos
últimos25
anos,de
desconsideraçãodas
formas
violentasde
resoluçãode
conflitos.Passou a
haverem
influentessegmentos da
sociedade
uma
negativizaçãoda
violência. Postura estaque
pode
ser constatada hoje,em
rápidas análises
de
notícias divulgadasnos meios de
comunicação,na
atuaçãode
diferentesagentes sociais
ou
na produção acadêmica sobre
violência.É
esteparadigma que
rege nestefim
de
século afonnação
do
que eu chamei de
discurso oficial sobrea
violência.Como
exemplo
do
discurso oficial sobre violência doméstica encontreiduas
fontesque
o
sistematizamde forma
exemplar.A
primeira é a apostila”do
cursode
capacitaçãode
Conselheiros Tutelares
e de
Direitosde SC. Nesta
apostila são explicitados diferentesconceitos sobre violência doméstica.
A
segunda
fonte éa
falade
uma
delegadade
políciaque
entrevistei durante
meu
trabalhode campo. Nela
explicitaum
discurso coerente sobre ascausas
da
violência doméstica eo
perfildos
agressores e das vítimasem
potencial.Na
citada apostila (1999) a violência fisica é “caracterizadapor
qualqueração
únicaou
repetida,não
acidental (ou intencional), perpetradapor
um
agente agressor adultoou
maisvelho,
que
promove
dano
fisico à criançaou
ao
adolescente,dano
estecausado
pelo atoabusivo
pode
variarde
lesão levea
conseqüências extremascomo
a morte”12.E
acrescentamque
“todaação que
causador
fisicanuma
criança, desdeum
simples tapa atéum
espancamento
fatal, representamum
ato contínuode
violência”.Sobre
o
abuso
sexual é utilizadana
apostilauma
citaçãodo
textode
Azevedo
eGuerra
(1995) “étodo
atoou
jogo
sexual, relação heterossexualou
homossexual, entreum
ou
mais
adultos euma
criançamenor
de
18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmenteou
utilizá-la para obteruma
estimulação sexual sobre sua pessoaou
de
outra pessoa”.Na
apostila
há
aindaa
definiçãode
violência psicológica e negligência.A
primeira éde
dificilvisibilidade
uma
vez que não
deixamarcas
fisicas e são: humilhação, tortura psicológica,exposição indevida
da
imagem
da
criança, ausênciade
limites, corromper, isolar, negligênciaafetiva.
A
negligência está relacionada,segundo a
apostila,“com
as condições estruturaisda
sociedade,
que
excluigrande
camada
da
população das oportunidadesde
acessoao
conhecimento, à geração
de
renda e distribuiçãode
riquezas” (pg53).Estes conceitos são elaborados a partir
de
uma
sériede
princípios: 1)em
primeiroll
Esta apostila (1999) foi organizada pelo Centro Crescer
sem
Violência, que é ligado aUFSC.
Recebendo o apoio do
Govemo
do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado doFamilia
em
conflito 9lugar
que
violênciagera
violência; 2) depois,que
dentroda
familiao
amor,que é
natural,pode
ser solapadopor
diversos fatores, geralmente relacionadoscom
o
“caldoda
culturapropício
ao
desenvolvimentodo
desamot”
(pgl7).Desta forma
os laçosde
consangüinidadenão
são totalmente capazesde
assegurar sentimentoscomo
amor
e carinho,uma
vezque há
momentos
em
que
outros sentimentos“o
esmagam
no
seioda
familia”, 3) epor
fim,
em
função de tudo
isso,a
violência é algoque
as pessoastentam
ocultarda
sociedade.E
dificilmente
um
paiou
uma
mãe
assumiráque
agride seu filho,sabendo que
pode
pesar sobresi
a
culpa, adesaprovação
social,além
do
riscode
incorrerem
sanção penal (pg21).Podemos
concluir distoque
existem familiasem
que
a violênciatem
maisprobabilidade
de
surgir,que
são aquelasem
que
os pais vivenciaram situaçõesde
violênciaquando
crianças eonde
existem conflitos familiaresque
produzam
sentimentosde
desamor.Estes pressupostos são compartilhados
por
diferentes agentes sociais envolvidosna
questãoda
violência doméstica, etêm
como
pano de
fimdo
um
modelo
idealde
família “estruturada”,amorosa,
sem
conflitos, eonde
a violêncianão
teria motivos para acontecer.Na
entrevistacom
a
delegadada
polícia civilque
atende a região obtive explicaçõessobre
o
que
elaconcebe por
violência, suas causas e efeitos.Infomtada
sobreo
interessede
meu
trabalho sobre violência domésticana comunidade onde
ela atua, fezuma
careta,franzindo
o
nariz e entortandoa
boca, e disse, “isso aqui pareceo programa
do
Ratinhow”.Ela argumentou que
a maioria das mulheres é vitima, e a maioriados
homens
é violentoem
fimção
do
álcool eda
droga, e issoprovoca
a violência doméstica.E
embasa
sua posiçãono
fato
de
ter anosde
experiênciana
delegaciade mulher de São
Paulo.Perguntada
sobre quaisos
tiposde
casosde
violência domésticaque
elacostuma
atender, disse-meque
éLesão
Corporal e
Ameaça,
e continuou discursando sobreo
assuntosem
que eu
precisasse fazerqualquer comentário
ou
perguntau:“o
homem
éo
patriarcaque submete
amulher
e as filhas.Molesta
a filha esubmete
amãe.
O
ambiente familiar éo
seguinte:o
homem
éo
superior e amulher
sesubmete
e as filhas são criadas nessa situação doentiaem
que
amulher
tem
medo
de
se expor,de
mudar
uma
situação.Por que
tem
medo
de
encarar asituação
de
sermulher
separadasubmetem-se
duranteanos
à situaçõesde
'2
A
fonte citada é Deslandes (1994).13
Um
programa de televisão transmitido durante o horário nobre, que traz para o cenário pessoas quetem alguma desavença, o que faz
com
que muitas vezes acabem se agredindoem
frente às câmeras.14 Seu discurso foi transcrito praticamente na íntegra, tendo sido retirado apenas aquelas expressões
usadas na fala que tornariam a leitura mais tnmcada. Minhas intervenções foram mínimas.
O
discursoda delegada
me
parece que estava pré-elaborado e foi pronunciado quando demonstrei interesseem
saberFamília
em
conflitoViolência” (l 8/08/1999).
A
delegada acreditaque
“no
primeiro tapaacabou
o
respeito.No
segundo acabou o
amor, então, enao
pode
deixar acontecero
segundo.Tem
que tomar
uma
decisão.No
primeiro amulher
játem
que
se posicionar.Se
existe aindaamor
de
alguma
das partes,ou
de
ambas
as parte,tem
que
ser conversado.A
violência doméstica independede
classe social, é
uma
questãoda
submissãodo
gênero mulher”
(l8/O8/ 1999).À
minha
pergunta sobreo
caso registrado naquela delegacia,em
que
amãe
denunciou
o
filhoque
lhe agrediu eameaçou
(casoque
será tratado mais adiante) elarespondeu
com
um
discursoque nada
diziade
um
caso específico:“Eu
tenhouma
tese:de
um
lar conflituosoo
fiuto
desse lar já é problemático,concorda?
Um
menino
ou
uma
menina que
cresceem
um
ambienteque vê
o
paitodo
diaembriagado dando
porradana mãe, onde
ele vai extravasar a violênciaque
elevê
dentrode
casa?Onde
ele vai extravasar toda essa violência?Na
rua.Qual
a primeira portade
entradaque
ele vê?A
droga, normal.A
menina que
foimolestada sexualmente,
quando
ela atingeuma
certa idade,na
primeira ofertao
que
ela vai fazer?Se
prostituir.É
a realidadeque
ela teve dentrode
casa. Então,não
se justificao
menor
estarna
rua se drogando,por que
teveum
larconflituoso,
mas
se entendepor que que
ele tána ma.
O
que eu
senti foio
seguinte,
eu
pegava
essasmeninas
que estavam
se prostituindo e invariavelmenteelas
tinham
históriade abuso
sexualna
inf`ancia ena
adolescência passou a seprostituir.
É
quase
regra, e aquelemenino que
estána
rua se drogando, équase
regra
que
elena
infância presenciou muita violência.O
filhode
um
larconflituoso é
uma
iscamuito
fácil parao
traficante.Não
tem
jovem
mais fácilde
ser aliciado para usar
droga
do
que
aqueleque
veiode
conflitos, veiode
violência.
Um
jovem
que
tem
estrutura familiarsem
conflito,mesmo
que não
sejaaquela estrutura padrão, dificilmente vai chegar a esse tipo de envolvimento”
(diário
de campo,
entrevista feitano
dia 18/08/99).Destes discursos
podemos
concluirque
a violência seriaum
reflexo condicionadoque
se desencadeia
ou
não.É um
sentimentoque
depoisde
serdesencadeado
tem
que
serdescarregado
em
alguma
coisaou
pessoa.Há
um
determinismo,um
caminho de
mão
umca
Família
em
conflito llfinanceiros, analfabetos,
que não
tem o
paivivendo
na
mesma
casacom
a
mãe
e
os filhosou
quando vivem
juntos estãoem
permanente
conflito - são aquelasque
serão protagonistasde
cenas
de
violência doméstica. Fica determinadoque
o
conflito leva necessariamenteà
violência, e
não
seria erradoafinnar que
violênciae
conflitomesclam-se
em
detemiinadosmomentos.
Parece
haveruma
pré-definiçãode
que
abuso
sexual resultaem
prostituição e surrasna
inf`anciaproduzem
um
homem
adulto violento.Nestes
discursos percebe-sea
definiçãoda
vítima:
a
criança,no
primeiro caso ea mulher
neste último. Partindo desteponto de
vista,definem
o
homem
adultocom
problemas de
relacionamento familiar eque
sofreu violênciana
infância
como
o
agressorem
potencial.As
posiçõesde
vítima e agressor já estão dadas, faz-se necessário
agora é
resolvero
problema.Relacionando a concepção de
violência destesagentes sociais
com
o
recorte elaborado das teorias sobre violênciano
Brasil, estaspercepções
fazem
parte daquelasque entendem-na
em
sentido negativo.Minha
trajetória
até
o tema
Durante
o
cursode graduação
em
Ciências Sociaisna
UFSC,
participei entre outrasde
quatro pesquisasque
tinhamcomo
enfoqueo tema
da
violência.A
partir destas pesquisascentrei-me
na
questãoda
violência doméstica para a realização desta dissertação, tendocomo
enfoque
principal a influência das relaçõesde
parentesco postasem
ação nos
momentos
de
conflito; '
Meu
interesse inicial estava centradonos
casosde
violência contramulher
dentrodo
contexto conjugal. Assim, participei
de
um
trabalhode
pesquisa ede
análisede
notícias sobreviolência publicados
em
jomais impressosde
circulação nacional duranteo
ano de 1995
-
Folha de
São
Paulo,O
Correio Brasiliense, eo
Zero
Hora. Este trabalhocontou
com
a
participação
de
outros pesquisadores, eforam
levantadas as “tipologias”de
violênciaacionadas pela midia durante
o
periodo.Minha
parte neste trabalho foi a análisede
casosnoticiados
de
violência contra mulher.Em
um
segundo
momento
centreiminha
atençãona
análisede
dois processos penaisde
crimesde
panicídioque
tiveram resolução jurídica diferentesem
decorrênciada
aceitaçãoou
não, pela familia,do
atodo
agressor.Em
ambos
o
filhomatou
o
pai e foi julgadoem
uma
instância
públicade
resoluçãode
conflitos,respondendo a
processo judicial.Os
assassinatosFamilia
em
conflito 12compuseram
os
autosdo
processo.As
pessoasque
compunham
as relações domésticasforam
chamadas
para opinarna
resolução jurídicados
casos ea
decisãodo
juiz foi baseadanestes testemunhos. Assim,
o
âmbito doméstico foio
locusdo
acontecimento ede onde
partiram
os
discursosque
resolveram judicialmenteo
processo.Em
um
dos
casos,o
filho assassinouo
pai eo
esquartejou,jogando
as partesdo
corpo
em uma
latiinanos
fimdos
da
casa.A
família recusou-se a manifestar-se publicamente,deixando
claroque condenava a
atitudedo
rapaz.Durante
o
processo penal ele foi absolvidosob alegação
de sofier problemas
psiquiátricos e internadono
manicômio
judiciário portempo
indeterminado.Depois de
quatroanos houve
uma
nova
perícia psiquiátricaque o
considerou apto
ao
convívio social.Mas
a libertaçãosomente
seria possível se a família sedispusesse
a
recebê-lo,o que não
aconteceu.Os membros
da
família recusaram-se a aceitá-loem
casa,mantendo
a condenação
manifestadano
decorrerdo
processo,que
tomou
sualiberdade impossivel.
Em
decorrênciada forma
como
foi tratadono
processo penal,que
exigiada
familiaque
aceitasseo
rapaznovamente
no
convívio doméstico depoisda
reclusão, busqueiinfomiações sobre
a
repercussãodo
casoem
outros âmbitosda
sociedade.Nos
jomais da
época, encontrei
uma
reportagem
publicadano
dia seguinteao
assassinatoque
descreviao
acontecimento.
Nos
dias subsequentes,porém, não houve mais
manifestaçõesno
jornal sobreo
assunto.Depois
do
laudo psiquiátricoque
asseguravaque o
rapaz estava aptoao
conviviosocial e a negativa
da
famíliaem
recebê-lo, procurei pessoasque
trabalharamna
pastoralcarcerária e
que
entraramem
contatocom
a familianuma
tentativade
reconciliaçãocom
o
filho assassino.
As
alegaçõesdos
integrantesda
pastoral carceráriaeram
de
que o
rapaz eraum
bom
moço,
muito
simpático eque não
merecia estar presono
manicômio por não sofier
doença
psiquiátrica. Foi possível constatarque o
casonão provocou
repercussões negativasna
sociedade. Acreditoque a
falta delasdemonstra que
este tipode
situaçãonão
ofendiademasiadamente a
sensibilidade social.Podemos
considerá-laexemplar
na medida que
indicaa extrema
eenorme
diversidadede opções
com
que
se percebe a violênciaem
nossasociedade.
No
outro casode
parricidio analisado a atitudedo
filhonão
foicondenada
pelamãe
epelos irmãos, fazendo
que
ele tenha sido libertadoum
ano
e trêsmeses após
o
crime.Neste
segundo
processo foi possível perceberque haviam depoimentos
contraditórios narrandoo
mesmo
fato, eque
estes partiamde
dois lugares diferentes nas relaçõesde
parentescoque a
vítima estava incluída.
Os
consangüíneos da
vítima(com
exceção
do
filhoque
matou
o
pai)Família
em
conflito 13todos muito bem.
Enquanto
os
cqins criticavam-no dizendo serum
bêbado que não
colaborava nas despesas
da
casa e batiana
esposa.Durante
a pesquisanos
processos penais citada anteriormente, participeitambém
da
organização e elaboração
do Mapa'
de
Violênciado
Estado de
Santa Catarina” ede
um
levantamento
de dados da
Delegaciada
Mulher
de
Florianópolis” sobre mulheres vítimasde
agressões registrados
nos
Boletinsde
Ocorrênciados
últimosdez
anos.Nesta
pesquisarecolhi
dados
sobre vitimas e agressores, eda
relação entre eles, e os tiposde
agressõesregistradas.
Tanto na
pesquisana
delegacia,quanto
no
casodo
estudode
violência contramulher
foi possível constatar
que a maior
paitedos
casosem
que
as mulheres sofreramalgum
atoviolento,
ocorreram
dentrodo
lar e/ouo
agressor fazia parte das relações afetivas daquelamulher
(Wiggers, l996a).É
comum
mulheresdenunciarem
nas delegacia agressõesperpetradas
por
seus ex-maridos, maridos,amantes
ou
namorados.
Este fato aponta para asviolências
que acontecem
nas relações familiares, principalmente entreo
casal.O
resultadoda
análise destes quatro trabalhosem
que
participei indicavam doisfatores a
serem
consideradosem
trabalhos posteriores: l.Havia
uma
diferençade
percepçãoda
situaçãodependendo da
posiçãona
estruturade
parentescoque estavam
os atoresque
semanifestavam
no
processo; 2.A
familia e a redede
parentescotem
um
papel importantena
resolução
dos
casosde
violência doméstica, seja ela juridicaou
não
(Vlfiggers, l996b).Estes trabalhos
promoveram
uma
reflexão sobre situaçõesde
violênciaem
que
aspessoas envolvidas
mantinham
uma
relação doméstico-familiar.Casos
assim sãodenominados por
muitos/ 'estudiosos e pelo sensocomum
de
violência doméstica, eprovocaram
meu
interesseem
obter mais esclarecimentos sobreo
assunto, principahnentecom
relaçãoao
papeldos
diferentesmembros
da
farnília nas situaçõesde
violência. Centro-me
destaforma
em
um
ponto
pouco
desenvolvidonos
estudos sobreo
tema: as relaçõesde
parentesco
permeadas
pelas relaçõesde
violência.O
objeto
da
etnografia
Como
meu
interesse foi estudar formasde
resoluçãode
conflitos domésticos, busqueiiní`om¡açãc sobre situações
em
que
familias necessitam intervenção estatalem
decorrênciade
15
UFSC,
e que participei nas primeiras fases.Trabalho ainda não concluido e desenvolvido no Laboratório de Estudo das Violências (LEVIS)
F
amíliaem
conflito 14denúncias deste tipo
de
violência.Fazendo
isso estariaenglobando
em
minha
pesquisafamílias
que
são consideradas,nos
órgãosgovemamentais que atuam
nas áreasde
residênciade grupos populares",
como
o
locusde maior propensão
desteproblema
social. Pesquisandoa população
indicadapor
estes agentes sociaiseu
estariame
aproximando
das famíliasque
provocam,
com
suas ações, as atuações destes agentes.Depois de
investigarnos
diferentes órgãosa
possibilidadede
pesquisar estas famílias,cheguei
ao
Conselho
Tutelar -um
órgão
mtmicipal responsável pela proteçãodos
direitosde
crianças e adolescentes. Esta
aproximação
aconteceu aindana
fasede
definiçãodo
objetoda
pesquisa,
quando
procurei informações sobre violência domésticano
Conselho
Tutelarde
Florianópolis (Continente),
na
intençãode
trabalharcom
famílias atendidaspor
essainstituição. Obtive
a
informaçãode que
os casos atendidospor
eles são principalmente osde
processo
de
reconhecimentode patemidade
ede
violência e/ou abusoscometidos
contracrianças e adolescentes, denunciados
na maior
parte das vezespor
parentesou
vizinhos.São
atendidas principalmente famílias
muito
pobresmoradoras
das favelasda
cidade,caracterizadas pelas conselheiras tutelares
como
carentes”./Uma conselheira tutelarme
sugeriuque eu
pesquisasse as farnílias residentesna “comunidade” Chico Mendes. Por
ser este lugar,
segundo
os registrosdo
próprio órgão,extremamente problemático
no
que
serefere
a
violência contra crianças,além de
ser considerada pelos agentesuma
grandefornecedora
de meninos de
rua parao
centrode
Florianópolisls. Acateia
sugestão e delimiteiminha
pesquisa às famílias desta comunidade.A
Chico
Mendes
éuma
“comunidade”.em
que
residem prioritariamentecamadas da
população urbana de
baixíssima renda,que
como
define Fonseca
(1987)em
trabalho nas vilasde Porto
Alegre,poderiam
serchamados
de
sub-proletariado.Diferem de grupos
operáriospor viverem de
biscates ede
trabalhos esporádicos(oshomens
na
construção civil e asmulheres
como
faxineiras),da
mendicância,de
juntar papelão e metais para reciclagem eda
recuperação
do
lixo das casasmais
abastadas.São
principalmente pessoasque na maior
partedo tempo
não
estão incluídasno
mercado
formalde
trabalho.Geralmente recebem muito
pouco
pelo seu trabalho,o
que
colabora para viverem pobremente.Mas
não
é urnaabordagem
econômica que
pretendo,uma
vez que
estoumais
interessadano
sistema Este trabalho foi encomendado pela professora Eleieth Safiotti.17
O
termo grupos populares é usado para caracterizar
uma
população de baixíssima renda, quegeralmente não está inserida no mercado formal de trabalho e que compartilha valores e significados, e as formas simbólicas
em
que seacham
incorporados (Thompson, 1998).18
Ver
dissertação de Rita de Cácia Oenning da Silva, sobre “meninos de rua”,
UFSC,
dezembro de1998, que indica a Chico
Mendes
como
o local de residência da maior parte das famílias que tem filhosmorando na nia.