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Polissemia do verbo ficar : introdução a gramatica de casos

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÕS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

POLI SSEMIA DO VERBO FICAR — MTRODOÇÃO Ã GRAMÃ.TICA DE CASOS

DISSERTAÇÃO APRESENTADA Ã UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA PARA OBTEN­ ÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM LETRAS (ÂREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGÜÍSTICA TEÕRICA) PELA ALUNA

ZÊLIA ANITA VIVIANI

FLORIANÕPOLIS 19 87

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MESTRE EM LETRAS

Área de Concentração: Lingüística Teórica, pelo Programa de Põs- Graduação.

Prof. Dr. Apostolo T. Nicolacopialos Coordenador da Pós-Graduação em Lingüística

Apostolo T. Nicolacopulos Orientador

Apresentada a Banca Examinadora:

Prof. Dr. Apóstolo T. Nicolacopulos

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Prof? Dr? Maria Marta Furlanetto

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Para:

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Apóstolo Theodoro Nicolacõpolus, cujas bri­ lhantes aulas no curso de Pós-Graduação me proporcionaram vis­ lumbrar uma nova luz nos caminhos do estudo da linguagem; pela dedicação, sabedoria e amizade com que me orientou durante a execução deste trabalho.

Aos demais professores do curso de Pós-Graduação em Lin­ güística, da UFSC e, em especial ao Prof. Dr. Dãrio F. Pagel, primeiro incentivador.

à Secretaria da Educação, que me proporcionou o afastamen­ to das aulas para a realização deste trabalho.

à Elza Lemos, pelo incentivo constante.

A todos os familiares e amigos que acreditaram na impor­ tância da concretização desta dissertação para a minha vida profissional e pessoal.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho ê tentar examinar o problema da polissemia (com referência especial ao verbo ficar), um proble­ ma que não tem sido suficientemente analisado nas gramáticas

tradicional, estruturalista e gerativa.

Visto que a polissemia ê um problema essencialmente semân­ tico, a gramática de casos foi usada para tratar do nível se­ mântico, junto com o modelo da sintaxe gerativa, com a finali­ dade de integrar os dois níveis de análise.

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ABSTRACT

This paper is an attempt to examine the problem of polysemy (with special reference to the verb FICAR) , a problem that has not been sufficiently analysed in the traditional, structural and generative grammars.

Given that polysemy is primarily a semantic problem, case grammar has been used to approach the semantic level, along with the generative syntax model, in order to integrate the two

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... ... 1

CAPÍTULO I - ANÃLISE DO VERBO FICAR NAS GRAMÁTICAS TRADI­ CIONAL, ESTRUTURALISTA E TRANSFORMACIONALIS-TA ... 4 1.1. Gramática Tradicional ... ... 5 1.1.1. Verbo ... 7 1.1.2. Verbos Auxiliares ... 13 1.1.3. Predicado Nominal ... 23 1.1.4. Predicações Comitativas ... 30 1.2. Estruturalismo ... 36 1.2.1. Verbo ... 37 1.2.2. Verbos Auxiliares ... 3 9 1.2.3. Predicado Nominal ... 44 1.2.4. Predicações Comitativas ... . 45 1.2.5. O Modelo de Tesnière ... 47 1.3. Transformacionalismo ... 51

1.3.1. Estruturas Sintáticas (Chomsky 57) ... 52

1.3.2. Aspectos da Teoria da Sintaxe (Chomsky 65). 59 1.3.3. Aspectos: Capítulo II ... 64

1.4. Tesnière, Chomsky e Fillmore ... 68

CAPTTULO II - GRAMÁTICA DE CASOS ... 72

2.1. Modelo de Fillmore ... 73

2.1.1. Fillmore 196 8 ... 77

2.1.2. Fillmore 1971 ... 84

2.2. Modelo de Chafe ... 89

(8)

2.2.2. Tipos de Verbos ... ... 98

2.2.3. Casos ... . 103

2.2.4. Relação entre Verbos ... 112

2.3. Considerações Gerais ... 113

CAPÍTULO III - POLISSEMIA DO VERBO FICAR -- TEORIA E PRÁ­ TICA --- 116

3.1. A Semântica e o Signo Lingüístico ... 116

3.1.1. Teorias do Significado ... 119

3.2. Polissemia ... 121

3.2.1. Polissemia verbal ... 124

3.2.2. Polissemia do verbo FICAR ... 127

3.3. Análise das diversas ocorrências do verbo FICAR ... 129

CONCLUSÃO ... 170

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Escolhemos trabalhar com a questão da polissemia verbal, motivados pelo tratamento escasso — e mesmo inadequado — que lhe confere a Gramática Tradicional- Pensamos, evidentemente, em nossos alunos, e numa maneira de facilitar-lhes a difícil tarefa de analisar orações segundo as regras gramaticais impos­ tas por um modelo complexo e incoerente. Não se trata, porém,de abandoná-lo: não acreditamos que a derrubada do passado possa construir o presente. Trata-se, sim, de eliminar o excessivo emaranhado de definições, de estabelecer critérios mais condi­

zentes com o uso lingüístico e, principalmente, de esclarecer pontos obscuros ou falhos, de preencher lacunas./

Logo nas primeiras consultas a essa Gramática Tradicio­ nal, constatamos o uso indiscriminado de critérios semânticos e sintáticos. O verbo FICAR, objeto do nosso trabalho, foi en­ contrado na classificação de verbos "de ligação", "vazió de sentido", quando figurante dos predicados chamados "nominais". Ora, como também fosse considerado um verbo indicador de "mu­ dança de estado", perguntamo-nos como poderia um verbo expres-

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sar alguma coisa — e, portanto, ter significado — e ao mesmo tempo ser definido como "vazio de sentido".

Além disso, se em outros contextos (devido a sua polisse- mia) o verbo FICAR pudesse ser classificado de outra forma, on­ de estava, nas nossas gramáticas, a análise dessas outras ocor­ rências?

Perguntamo-nos, então, se não haveria vim tipo de análise que desse conta, de maneira satisfatória, da questão da polis- semia: se um verbo (por exemplo) pode ter múltiplos sentidos, como analis-ã-los em cada contexto, sem incorrer em excessiva e intrincada terminologia?

A Gramática de Casos, proposta por Fillmore em 1966, sur­ giu-nos como a mais indicada para a solução de problemas semân­ ticos e, mais particularmente, para a análise de verbos polis- sêmicos. E constatamos que, finalmente (talvez não no sentido definitivo), poderíamos propor aos nossos alunos uma análise mais simples e mais clara da relação que o verbo mantêm com o(s) nome(s) que o cerca(m) na estrutura da oração.

Sendo um modelo semântico fechado e que, por isso mesmo, pode ser usado com qualquer outro modelo sintático, utilizamos também a análise sintática, com base, sobretudo, na teoria de Chomsky (1965). Integrando os dois aspectos, considerando que não se pode separar a dupla face do signo lingüístico (signifi- cante/significado), chegamos a atingir o nosso objetivo, que é propor um tratamento mais adequado para a questão dá polissemia do verbo FICAR. Colocamos, assim, nos seus devidos lugares, o nível sintático e o nível semântico.

Para atingirmos o nosso objetivo, percorremos o seguinte caminho:

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Inicialmente, revisamos a situação do verbo FICAR na Gra­ mática Tradicional; em seguida, repassamos a questão dentro do Estruturalismo; como o Transformacionalismo surgisse em rea­ ção, foi necessário também ali rever o assunto. Assim ficou es­ truturado o nosso primeiro capítulo.

Constatadas as lacunas até aqui encontradas, embora sem negar — e até mesmo utilizando — algumas das valiosas contri­ buições de todas essas teorias, passamos a discorrer sobre a Gramática de Casos. Assim ficou composto o segundo capítulo desta dissertação.

Por último, no terceiro capítulo, passamos a colocar em prática as teorias apresentadas: análise das diversas ocorrên­ cias do verbo FICAR, à luz da Gramática de Casos, integrada ao modelo sintático-gerativo.

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ANÁLISE DO VERBO FICAR NAS GRAMÁTICAS TRADICIONAL, ESTRUTURA- LISTA E TRANSFORMACIONALISTA.

Para examinarmos a situação do verbo FICAR na Gramática Tradicional, escolhemos Evanildo Bechara, Celso Cunha, Celso Luft e Rocha Lima (pela ordem). Em suas gramáticas, fomos pro­ curar os itens em que poderia figurar o verbo em estudo: defi­ nição de verbo e sua função, verbos auxiliares, predicado nomi­ nal e predicações comitativas.

Os mesmos itens foram revisados dentro do Estruturalismo. Para tanto, pesquisamos Mattoso Camara Júnior e José Rebouças Macambira. Dentro desta "corrente", havia, porém, o modelo de Tesnière. Como não podíamos encontrar em sua obra os mesmos itens acima (pelo menos, não colocados convencionalmente), ti­ vemos de analisá-lo à parte.

Dentro de um modelo Transformacionalista, ficamos com o seu idealizador — Noam Chomsky. Resumimos as questões que mais de perto nos interessavam nas suas obras "Estruturas Sintáti­ cas" (1957). e "Aspectos da Teoria da Sintaxe" (.1965), e não particularmente a situação do verbo FICAR, que ali não pode ser encontrada nos mesmos moldes das gramáticas tradicionais.

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1.1. Gramática Tradicional

Remontando à antigüidade greco-romana, a nossa chamada gramática tradicional tem sido freqüentemente criticada por ser nacional. Em verdade, a concepção clássica da linguagem pren­ de-se a noções lógicas, segundo a visão filosófica de Aristó­ teles e seus seguidores — sobretudo Port-Royal — e, mais tar­ de, os que no racionalismo desta última se inspiraram, tais co­ mo Chomsky e Fillmore. Porém, se após o advento de Saussure, "a

língua deve ser encarada em si mesma e por si mesma", isto não significa que se possa abandonar totalmente as considerações ex- tralingüísticas, uma vez que a compreensão do universo se re­ flete, de certa forma, na linguagem. Se uma gramática concebida em moldes nocionais apresenta as suas incoerências, também é verdade que muitas das suas concepções perduram insubstituíveis até hoje, e retombam em teorias mais modernas (em oposição aos tempos antes do século XIX), cujos formuladores não podem delas prescindir. O próprio Saussure não negou a sua validade: "Como procederam aqueles que estudaram a língua antes da fundação dos estudos lingüísticos [...]? É curioso constatar que o seu ponto de vista [ . . .] é absolutamente irrepreensível" (MOUNIN, 1960 : 134).

É certo, como já vimos, que os critérios nocionais embar­ gam freqüentemente a análise do fato lingüístico em si. Muitas vezes, as definições das gramáticas clássicas são tão vagas, que é mesmo impossível refutá-las. Mas o problema maior, no nosso entender, reside na heterogeneidade de critérios: junta­ mente com o nocional, as gramáticas que analisamos mesclam a morfologia e a sintaxe, de tal forma que muitas vezes ficamos sem um ponto definido e coerente para nos apoiarmos na crítica

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daquilo que percebíamos nao ser válido.

Ao lado da falta de objetividade, está o fato de serem normativas as gramáticas estudadas. Não entraremos em discus­ sões a este respeito, pois que gramáticas normativas existem como tal e, de certa forma, exteriores ao que Saussure chama "estudos lingüísticos". Vamos abordá-las, porque são gramáti­ cas" e porque são utilizadas nas escolas. Mas teremos sempre em mente a distinção entre uma gramática que prescreve, ditando as regras do bem falar e escrever — e uma gramática descriti­ va.

Ao fazermos uma análise crítica da situação do verbo FICAR na Gramática Tradicional, consideraremos, portanto, os fatores apresentados acima, e que assim resumimos: 19) a inegável con­ tribuição de tantos quantos se ocuparam da linguagem na chamada era pré-científica; 29) a mistura, no entanto, de critérios, tais que o nocional, o morfológico e o sintático.

Assim, vamos considerar gramática tradicional as de cunho essencialmente lõgico-filosõfico, nos moldes das gramáticas clássicas.

A escolha dos autores prendeu-se à grande freqüência de consulta de seus respectivos manuais, tanto por parte dos pro­ fessores de língua portuguesa, quanto por parte dos alunos. Foi pensando especialmente nestes últimos que nos motivamos a ten­

tar esclarecer certas dificuldades que se lhes apresentam as gramáticas escolares.

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Rocha Lima1. SAID ALI será consultado apenas nos pontos possi­ velmente mais "cruciais" do trabalho. Examinaremos como se po­ siciona cada autor a respeito do verbo FICAR. Para tanto, ana­ lisaremos questões como definição de verbo e sua função, verbos auxiliares (locução verbal), predicação nominal, transitividade

(predicações comitativas).

1.1.1. Verbo

Desde Dionísio da Trãcia (fim do século II a.C.), a defi­ nição de verbo nas nossas gramáticas normativas apresenta-se mesclada de critérios nocionais2 e morfológicos. Assim definiu ele, o verbo: "o verbo é uma parte do discurso sem flexão de caso, mas com flexões de tempo, pessoa e número, e designa uma atividade ou fato de estar submetido a uma ação" (LYONS, 1969: 335). Esta definição foi estabelecida para uma língua como o grego, ou o latim, e não pode ser aplicada a todas as línguas. Basta ver que a flexão não é um traço universal, e as línguas que a têm, nem sempre manifestam as categorias de caso, número e tempo. Além disto, o gramático alexandrino baseava-se nas propriedades da estrutura superficial das palavras, para a

1 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 29.ed., Sao Paulo, Com­ panhia Editora Nacional, 1985.

CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 2.ed., Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1985.

LUFT, Celso Pedro. Gramatica Resumida. 8.ed., Porto Alegre, Editora Glo­ bo, 1978.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 26.ed., Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1985.

2 ^ f

A gramatica "nocional" parte do pressuposto de que a linguagem traduz ca­ tegorias de pensamento universais. Ha, segundo Jespersen, categorias ex- tralingüísticas independentes de fatos mais ou menos acidentais nas línguas existentes" e sao "universais na medida em que se podem aplicar a todas as línguas, embora tais categorias nelas venham raramente expressas de modo claro e inequívovo." (Lyons, 1979:140).

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classificação das partes do discurso. Hóje sabemos que elas de­ vem ser definidas como constituintes de frases na estrutura profunda, assunto ao qual ainda voltaremos.

Para BECHARA, "verbo é a palavra que, exprimindo ação ou apresentando estado ou mudança de um estado a outro, pode fazer indicação de pessoa, número, tempo, modo e voz" (1985:103). Sem chegarmos ao extremo do que pensa Bloomfield a respeito de uma definição encontrada em gramática escolar: "Esta definição pres­ supõe mais saber filosófico e científico do que a raça humana pode assimilar..." (MACAMBIRA, 1982:35), vamos, no entanto,con­ siderar a sua complexidade. O primeiro problema a constatar é que em tal definição encontramos mescladas as concepções nocio- nais (ação, estado, mudança de estado) e morfológicas (número, tempo, modo e voz),num capítulo dedicado à morfologia. É então justificada a crítica que se tem feito â análise tradicional,de não ser objetiva. Os critérios nocionais, como "exprime ação" e "apresenta estado", não ofereceriam então maiores problemas(nós mesmos utilizaremos tais noções na gramática de casos), não fos­ se a falta de formalização. A respeito da distinção semântica entre nomes e verbos, diz Mattoso Camara: "A interpretação fi­ losófica profunda não vem ao caso. Trata-se, [...] daquela ló­ gica, ou compreensão, intuitiva que permeia toda a vivência humana e se reflete nas línguas" (Estrutura da Língua Portugue­ sa, 1985:78). Quanto à definição nocional de "mudança de esta­ do", temos as nossas objeções. Entretanto, voltaremos ao assun­ to mais adiante, uma vez que o nosso verbo FICAR está incluído nessa noção.

Nos mesmos moldes, mas com características diferentes, en­ contramos a definição de verbo em CELSO CUNHA: "VERBO é uma palavra de forma variável, que exprime o que se passa, isto ê,

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um acontecimento representado no tempo" (19 85:367). Por forma variável o autor entende o que Bechara cita já na definição, quer seja "pessoa", "número" e "voz". Enfatiza e separa, no en­

tanto, a característica de tempo, comprovando-se mais vima vez a não-universalidade de tal tipo de definição. Poder-se-ia jus­ tificar a incorporação da flexão temporal, alegando ser esta vima gramática da língua portuguesa, mas como já dissemos no início, os estudos lingüísticos voltam-se hoje para vima teoria mais universal. Justamente por isto, separamos das demais as gramáticas ora em estudo.

Constatamos igualmente em Celso Cunha, o nocional ("que ex­ prime o que se passa") e o morfológico ("forma variável"). Ou­ tro problema é que o autor define verbo como exprimindo "acon­ tecimento". Poderíamos nos perguntar como justificaria ele os verbos que classifica como "estado". Além disto, seguindo sua definição de verbo como acontecimento, o autor cita, entre ou­ tros, o exemplo: "Como estavam velhos" (p.367). A este propósi­ to vamos optar pela solução encontrada por Chafe ao especifi­ car os verbos de estado em não-acontecimento, e os que indicam processo ou ação, em acontecimento ou evento. Não podemos con­ cordar, pois, com a definição de Celso Cunha: "acontecimento" não abrange — como talvez pretendesse o autor — tudo o que o verbo pode expressar.

Para CELSO LUFT, verbo é a "palavra que exprime vim proces­ so, apresentando ações (CORRER, TRABALHAR), fenômenos (VENTAR, CHOVER), estados (SER, ESTAR) ou mudanças de estado (TORNAR, FICAR), situados no tempo" (1978:93). Dentre os autores con­ sultados, LUFT ê o único que emprega o termo "processo". Vamos ver mais adiante, na parte dedicada ao estudo do Estruturalismo, que também Mattoso Camara e Tesnière assim definem o verbo,

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adotando a definição de Meillet. Para este lingüista, proces­ so pode indicar tanto ação, quanto estado ou mudança de estado. No entanto, para Chafe, cujo posicionamento adotaremos no pre­ sente trabalho, processo é uma das características que pode in­ dicar o verbo, ao lado de estado e ação — o que é bem diferen­ te. Poderíamos assim representar as duas concepções:

MEILLET - verbo (e LUFT)

-> processo « açao

estado ^mudança de estado

CHAFE - verbo

estado processo ação

ação-processo

Quanto à inclusão de "fenômenos", na definição de Luft, não vemos porque considera-los à parte: os fenômenos, ou são estados ou são ações, como veremos no capítulo n . Além disso

(e portanto), não constituem um processo, como diz o autor.

à parte estas considerações, o que nos interessa mais de perto é a inclusão do verbo FICAR em mudança de estado. Volta­ mos a dizer que, sobre este assunto vamos concordar com Chafe, para quem mudança de estado é um processo: "... parece que es­ tamos tratando com PROCESSOS em que se diz que o nome MUDOU de estado ou condição" (1979:100).

ROCHA LIMA não difere muito dos autores analisados, em sua definição de verbo: "... denota ação, estado ou fenômeno, é a parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais" (1985:107). De fato, a língua portuguesa, como de­ rivada do latim, apresenta grande quantidade de formas, o que faz com que as classes se oponham com mais nitidez. Se para

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Benveniste, por exemplo, a função sintática é o único argumento válido para distinguir nome e verbo, é porque na língua inglesa são quase ausentes as flexões nominais e verbais. Mas nosso ob­ jetivo, no presente trabalho, será propor um modelo semântico que possa dar conta das relações entre o verbo e os nomes que o cercam.

Tendo feito assim esse breve comentário sobre a definição de verbo, passemos a considerar como se posicionam os autores a respeito de sua função sintática. Embora de Platão para cã a definição de, verbo esteja indissoluvelmente ligada a de predi­ cado, separamos os dois enfoques, pois é desta maneira que o faz a maioria dos autores (à exceção de Celso Cunha): a defi­ nição de verbo no capítulo reservado à Morfologia e, a sua fun­ ção, na parte que trata da Sintaxe.

Apesar de nem sempre estar claramente expresso, entende- se que, havendo um verbo na estrutura oracional, este desempe­ nhará obrigatoriamente a função de predicado.

Os autores são unânimes em definir o predicado como AQUILO QUE SE DIZ DO SUJEITO. Por esta definição, subentende-se que não pode haver predicado sem sujeito, pois que, então, predica­ do se resumiria em AQUILO QUE SE DIZ. No entanto, todos admi­ tem a oração sem sujeito. Ora, dizer que predicado ê "tudo o que se diz do sujeito" e logo em seguida admitir que nem sempre há sujeito, deixa-nos bastante inseguros. BECHARA ê um pouco mais cuidadoso ao definir o predicado: "é tudo o que se declara na oração, ordinariamente em relação ao sujeito" (1985:260).Mas embora o autor tenha usado o termo "ordinariamente"- e isto sig­ nifica que nem sempre haverá sujeito — tal definição gera ex­ plicações à parte e não abrange então tudo o que pode indicar

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o predicado. "Ê tudo o que se declara" ê um critério nocional e um tanto vago. Se a determinação das relações recíprocas na oração -— como o requer a sintaxe — está presente: "em relação ao sujeito", o autor não pôde prescindir do sentido. Cabe assi­ nalar também, pois que será um ponto importante na gramática de casos, que ao definir o predicado como citamos acima, Becha- ra (e também os demais) coloca o predicado em função prima­ cial. CELSO LUFT nos diz, ao referir-se ao sujeito e ao predi­ cado: "0 mais importante dos dois, núcleo da oração, é o predi­ cado: há orações sem sujeito (com verbos impessoais), mas não as há sem predicado" (1978:128). CELSO CUNHA expressa claramen­ te a função do verbo: "O SINTAGMA VERBAL (SV) constitui o pre­ dicado. Nele há sempre um verbo que, quando SIGNIFICATIVO, é o seu núcleo" (1985:121).

Quanto à "atitude do sujeito" (.Celso Cunha, 19 85:128) em relação aos verbos de ação, todos os autores afirmam ser ele "agente" ou "paciente". Mas, se "os diferentes modos de predi­ cação representam os diferentes modos de ser dos objetos ou dos seres animados" (Dicionário Dubois, 19 75:480), então há la­ cunas em nossas gramáticas, pois que não apresentam todos os modos de ser do sujeito. Acreditamos que sõ uma gramática que leve em conta a polissemia possa resolver tais problemas. A questão retorna à definição de verbo: se os autores o definem como exprimindo ação ou estado, como classificar, por exemplo, a atitude do sujeito em: "0 combate cessou" (CHOMSKY, 1980:110) em agente ou paciente? Por outro lado, também não é um verbo de estado como os arrolados pelos autores. Assim não pode,igual­ mente, apresentar do sujeito "uma qualidade, estado ou condi­

ção" (BECHARA, 1985:202). Talvez apenas Celso Cunha tenha se aproximado melhor do problema ao dizer que a atitude do sujeito

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com os verbos de estado é de "neutralidade" (1985:128). Nesses casos, para o autor, "o sujeito ê a sede do processo verbal, o lugar onde ele se desenvolve" (id.:129). Veremos, mais adian­ te, no capítulo II que, para Fillmore, o caso objetivo é o mais neutro semanticamente. Porém, o problema em Celso Cunha, é clas­ sificar esses verbos como estado (jã vimos anteriormente). Não cabe também — e portanto — ao exemplo de Chomsky citado aci­ ma.

1.1.2. Verbos Auxiliares (Locução Verbal)

Os autores consultados não divergem muito quanto â defini­ ção de verbo auxiliar: estão praticamente acordes em que sua função na chamada locução verbal é apenas gramatical. No entan­ to, há divergências quanto â listagem dos verbos auxiliares em português. Passaremos à análise das abordagens relativas ao conceito de auxiliaridade nas gramáticas jã citadas, dando es­ pecial atenção ao nosso verbo em estudo. Da mesma forma como

fizemos no item anterior, seguiremos, pela ordem, Bechara, Cel­ so Cunha, Celso Luft e Rocha Lima.

Como veremos em seguida, os conceitos de auxiliar e locu­ ção verbal, estão intimamente ligados. Assim, para BECHARA, lo­ cução verbal é "a combinação das diversas formas de um verbo auxiliar com o infinitivo, gerúndio ou particípio de outro que rse se chama PRINCIPAL: [...] (1985:110). Subentende-se aqui que

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(pela definição do autor) o verbo auxiliar não tem um signifi­ cado, pois que são suas "formas" que vão combinax-se com o principal. No entanto, logo em seguida: "Muitas vezes o auxi­

liar empresta um matiz semântico ao verbo principal, dando ori­ gem aos chamados ASPECTOS DO VERBO" (id.:110). Assim, ficamos sem saber exatamente o que ê verbo principal: se ele tem signi­ ficado por si (embora o autor não o conceitue), não necessita de que o auxiliar lhe empreste um "matiz semântico". Por outro lado, "aspecto", segundo a visão tradicional, é uma caracterís­ tica gramatical, formal, e não semântica. Podemos mesmo depre­ ender, indo um pouco mais além, que os autores não estão . bem certos de que o tempo da enunciação seja apenas uma categoria gramatical. Não podemos prolongar esta discussão no presente trabalho; hã, inclusive, vários estudos sobre o assunto. Porém, é possível concluir que para Bechara, o "matiz semântico" infe­ rido nos verbos auxiliares dá origem aos aspectos do verbo.

0 verbo FICAR encontra-se expresso somente na classifica­ ção do verbo auxiliar como formador da voz passiva: "SER, ESTAR, FICAR se combinam com o particípio (variável em gênero e núme­ ro) do verbo principal para constituir a voz passiva (de ação, de estado e mudança de estado): [ . . .] FICARAM RODEADOS" (id.: 111). Igualmente não podemos entrar em detalhes, neste traba­ lho, sobre assunto tão vasto e discutível como a voz passiva. Vamos discorrer apenas sobre o exemplo: "ficaram rodeados".

Na definição de locuçáo verbal, o autor havia dito que o auxiliar serve para combinar-se, através de suas formas, com o verbo principal — do que depreendemos que não possui signifi­

cado. Aqui, indica voz passiva de "mudança de estado", critério semântico. Jâ afirmamos que não estamos de acordo com a noção de mudança de estado. Porém, não ê isto que cabe analisar no

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momento, e sim a contradição entre atribuir-lhe função apenas gramatical e depois classificá-lo com base no seu significado: o sentido "mudança de estado" sõ pode ser conferido à locução através do verbo FICAR. Quanto a constituir voz passiva, o exemplo FICARAM RODEADOS, aparentemente não comporta objeções: rodear ê verbo transitivo e está no particípio passado. No en­ tanto, apresenta certos problemas a considerar. No exemplo, há uma ação (RODEAR) e ao mesmo tempo uma mudança de estado (FI­ CAR). Além disto, sabemos que o particípio equivale .muitas ve­ zes a uirt adjetivo, dificultando o saber se ê voz passiva ou não.. A maioria dos autores está de acordo com Rocha Lima para quem o particípio tem o valor e a forma de adjetivo.

Analisando orações com o verbo ESTAR, EUNICE PONTES (19 73) nos diz: "Como ESTAR, há uma série de verbos que se combinam acm particípio mas não constituem orações passivas: [...](1973:57). Dentre os verbos citados, encontra-se FICAR. Parece-nos que há o problema de que certos verbos no particípio passado estão fossilizados como adjetivos. Como então fazer a distinção se, além do mais, o agente nem sempre está expresso? A propósito, diz Lyons: "0 sujeito da ativa não é necessariamente "expresso" (claramente representado) na versão passiva da "mesma frase," [...] (1979:396). Se Bechara cita o exemplo FICARAM RODEADOS, poderíamos igualmente citar outros com as mesmas característi­ cas, mas que dificilmente podem ser considerados passiva:

(1) João ficou calado. (2) João ficou curado.

Examinando (1) e (2), vemos que não implicam necessariamente em agente da passiva como "alguém calou joão" (1) ou "alguém cu­ rou João" (2). Se aplicarmos os testes de Chafe (1979:99 e 100)

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aos quais voltaremos em maiores detalhes no estudo da gramáti­ ca de casos), veremos, inclusive que em (1) o próprio agente é João. Assim: O QUE FEZ JOÃO? — ficou calado. Em (2), temos um processo: 0 QUE ACONTECEU A JOÃO? — ficou curado.

Para a mesma definição de voz passiva, Celso Cunha cita o exemplo: "FICOU MOLHADO" (1985:386). Um exemplo assim, sem um agente expresso, pode gerar outras interpretações, que não voz passiva, pelos motivos já expostos."FICOU MOLHADO" pode deixar subentender vim agente — pela chuva — traduzindo, neste caso, a voz passiva. Mas dificilmente encontraremos tal frase (como voz passiva) no português coloquial. É mais freqüente ouvir-se, por exemplo: "Ele apanhou chuva e ficou molhado" ou "Ele está molhado de chuva". Um agente animado, no exemplo de Celso Cu­ nha, está totalmente fora de possibilidade: (?) "Ele ficou mo­ lhado por João".

Eunice Pontes, que utiliza o critério sintático para a análise do assunto, argumenta que o critério semântico não é seguro, "(...) uma vez que nem sempre temos casos claros de sentido diverso" (1973:39). Mas embora seja preponderante o critério sintático — e eficaz o seu estudo — não deixa ela de usar também o critério semântico e, em nota ao pé da página, refere-se â complexidade da relação entre a sintaxe e a ^semân­ tica. Voltaremos ainda â Eunice Pontes. Para o momento, vamos ..^ntinuar a nossa análise dos exemplos de voz passiva.

Celso Luft cita o mesmo exemplo de Bechara, expressando entretanto o agente: "ELE FICOU RODEADO POR (DE) CURIOSOS"(1978:

105). Neste caso, considera igualmente o verbo FICAR como indi­ cador de mudança de estado. Embora o agente esteja expres­ so, cabem aqui as mesmas observações que fizemos a propósito

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de Bechara.

ROCHA LIMA é o único a considerar apenas o verbo SER como auxiliar da voz passiva: "Organiza-se a voz passiva com o verbo auxiliar SER, conjugado em todas as suas formas, seguido do particlpio do verbo que se quer apassivar" (1985:123). A propó­ sito, também para SAID ALI e MATTOSO CAMARA o auxiliar da voz passiva é somente o verbo SER. Rocha Lima não distingue a voz passiva em indicadora de ação, estado e mudança de estado, como os outros. Não nos deteremos, então, na análise do assunto em sua gramática, pois que (felizmente) o verbo FICAR não se en­ contra assim classificado. Vamos observar apenas, que fica bem mais evidente — e talvez menos sujeito a controvérsias — a ação da voz passiva com o verbo SER. Transpondo os exemplos de Bechara e Celso Luft, teríamos:

(3) ELES FORAM RODEADOS POR CURIOSOS.

Passaremos agora a verificar como se encontram nos nossos autores as construções com gerúndio e infinitivo.

BECHARA classifica os auxiliares em acurativos, modais,cau- sativos e sensitivos, mas não encontramos neles nenhum exemplo com o verbo FICAR. Deduzimos, porém, que o autor o inclui nos chamados acurativos, indicadores de "DESENVOLVIMENTO GRADUAL DA AÇÃO; DURAÇÃO: estar a escrever, andar escrevendo, [...] etc." (1985:111), pois foi somente neste item que conseguimos eacaixá-lo. A não ser que Bechara considere o verbo FICAR ape­ nas auxiliar de voz passiva.

Eunice Pontes (1973), dedica-se quase que exclusivamente aos chamados (também por SAID ALI) auxiliares " caus ativos", "sen­ sitivos" e "modais", que se combinam com infinitivo. Alguns "acurativos" são revistos aqui e ali. Portanto, nada

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encontra-mos em seu trabalho especificamente sobre o verbo FICAR. Justi­ fica a autora: "Quanto a ESTAR e FICAR exigiriam um estudo mais demorado" (1973:59). E, logo em seguida: "Deixaremos o estudo dos verbos que se combinam com gerúndio para outro trabalho."De nossa parte, não estamos cientes de que a autora tenha reali­ zado o seu intento. De qualquer forma lamentamos esta ausência, pois que, temos certeza, seu trabalho em muito nos ajudaria. A- pesar disto, tentaremos aplicar as conclusões a que chegou so­ bre os auxiliares acima citados — embora sintáticas — ao nosso verbo em estudo.

: Uma das críticas à análise tradicional, que faz Eunice Pontes, é a de que as locuções verbais não constituem um pro­ blema de morfologia, e sim, de sintaxe: "Como as LV consistem de mais de uma palavra, não se pode compreender que seu estudo seja feito na parte dedicada à Morfologia. Trata-se de iam pro­ blema claramente sintático, [...]" (1973:41). Constatamos que,

á exceção de Celso Cunha, cuja gramática não está dividida em grandes capítulos, tais que FONÉTICA, MORFOLOGIA e SINTAXE, todos os outros autores tratam do problema num capítulo expres­ samente reservado à Morfologia. De certa forma, há coerência oam

a sua compreensão de auxiliar como indicador de aspecto e, por

conseguinte, gramatical. Como já discutimos brevemente esta questão, e por não se tratar de objeto maior do nosso trabalho, deixemos assim a colocação de Eunice Pontes, com a qual, por ora, vamos concordar.

CELSO CUNHA dá especial atenção ao verbo FICAR: "FICAR, [ . . .] emprega-se:

a) com o GERÚNDIO, o u com o INFINITIVO do verbo principal

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cos-tumeira, ou mais longa do que a expressa por ESTAR; comparem- se:

Ficava cantando Ficou esperando Estava cantando Esteve esperando Ficava a cantar Ficou a esperar

Estava a cantar Esteve a esperar" (1985:386). Sabemos que, segundo as nossas gramáticas, as construções com infinitivo e com gerúndio (assim como as com particípio) podem formar orações dependentes, no caso, orações subordina­ das reduzidas. Assim constituídas, portanto, tais construções não formam locução verbal. A respeito,^Eunice Pontes cita o caso de orações que apresentam ambigüidade, tais que:

(4) João anda estudando.

Esta oração admite duas interpretações, conforme andar in­ dique movimento ou aspecto durativo:

(5) a) João anda ao mesmo tempo-em que estuda. b) João está estudando ultimamente" (19 73:58).

Uma das condições para que um verbo seja considerado auxi­ liar é que ele possa ser combinado com qualquer sujeito. Assim, ANDAR, no sentido de movimento, não pode ser usado com um su­ jeito inanimado como:

(6)?"A pedra anda:" (id.)3 Então, a oração

(7) "A pedra anda caindo do morro" (id.).

3Na Gramática Transformacional, as oraçoes agramaticais sao assinaladas por um asterisco. No presente trabalho, preferimos utilizar o ponto de inter- rogaçao (?), como o faz Cruse, em seu artigo SOME THOUGHTS ON AGENTIVITY

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não será ambígua e fica claro tratar-se de uma locução verbal. Além dessas restrições de seleção,e segundo Chomsky, o auxi­

liar não subcategoriza os verbos. Então, ANDAR, no sentido de duração, é auxiliar, pois combina-se com qualquer verbo, inclu­ sive com os impessoais.

(8) "Anda chovendo muito, ultimamente" (1973:59).

Aplicando essas regras aos exemplos de FICAR com gerúndio e infinitivo citados por Celso Cunha, parece então indiscutí­ vel tratar-se de verbos auxiliares. Tomemos um dos seus . exem­ plos: "Ficava cantando" (citado atrás). A restrição de seleção deve ser feita em relação ao verbo CANTAR — que exige sujeito animado — e não ao verbo FICAR. Este, combina-se com qualquer sujeito:

(9) O quadro ficava pendurado, e com qualquer sujeito:

(10) Ficava dançando, etc.

Parece-nos, então, que nas construções com gerúndio apre­ sentadas, e pelo critério sintático, o verbo FICAR ê realmente um verbo auxiliar. No entanto, a nossa proposta no capítulo 3 deste trabalho, será a de apresentar um modelo semântico que dê conta das diversas ocorrências do verbo FICAR, e suas rela­ ções com os nomes que o cercam. Não teremos, pois, a preocupa­ ção em classificá-lo ou não como "auxiliar". Tomaremos as pró­ prias incoerências da gramática tradicional, que ora diz que o verbo auxiliar FICAR é "desprovido [...] da acepção semânti­ ca" (Celso Cunha, 19 85:371) — = critério histórico — ora o classifica com base no seu sentido — (mudança de estado) — critério semântico, e utilizaremos um modelo mais seguro.

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as conclusões a que chegou MIRIAM LEMLE (19 84), no seu livro A ANÁLISE SINTÁTICA ATRAVÉS DOS DIAGRAMAS. No entanto, reserva­

remos a análise do seu trabalho quando do estudo do estrutura- lismo, e ficaremos aqui com as conclusões de Eunice Pontes.

Voltando aos exemplos citados por Celso Cunha, passaremos a analisar brevemente o verbo FICAR com infinitivo: "Ficava a cantar" (1985:386, citado atrás).

Neste caso, também pode ocorrer um sujeito qualquer. Mu­ dando-se o verbo no infinitivo, teríamos, por exemplo, constru­ ções com sujeito inanimado.

(11) A casa ficava a ranger. (12) A casa ficava a estremecer.

Com infinitivo, FICAR também não subcategoriza o verbo, pois: (13) Ficava a chover.

Mas, mesmo assim, tal análise não dá conta dos diversos "mati­ zes semânticos" (BECHARA, 19 85:110) que são conferidos a tais construções justamente por encontrar-se nelas o verbo FICAR.

CELSO LUFT (1978:95), na sua definição de auxiliar, diz que este tem "significação apenas gramatical", o que envolve por si só uma contradição: "significação" e "gramatical".

Ac sistematizar os verbos auxiliares, LUFT utiliza prati­ camente a mesma classificação de Bechara, â exceção (também aqui, felizmente) dos causativos e sensitivos. O nosso verbo FICAR encontra-se no que classifica de "auxiliares que deter­ minam o momento do processo verbal:

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(ficar) a + infinitivo; ficar + gerúndio " (1978:96). Sobre as construções com gerúndio, Eunice Pontes conside­ ra ainda que, quando os sujeitos são os mesmos, _\há locução verbal. Construindo um exemplo com base na classificação de Celso Luft, podemos ter:

(14) João ficou estudando.

A prova sintática para a existência de locução verbal seria a identidade de sujeitos para ambos os verbos, no caso, JOÃO. As­ sim, não seria possível algó como:

(15) ? João ficou que Pedro estuda.

Outra prova é que estes verbos não podem ser negados independe- temente, como:

(16) ? João ficou não estudando.

Voltando, então, aos nossos autores, concluímos com o que encontramos em ROCHA LIMA. Este autor não se prolonga muito e nem entra em detalhes na classificação do verbo auxiliar. Cita apenas alguns verbos: "São numerosos os auxiliares em Portu­ guês: I...] , FICAR (fiquei a contemplá-la) , t - . .] " (1985:118).

Por este exemplo, e em comparação com os outros citados, é que podemos voltar a afirmar a necessidade de um critério semântico relacional na análise do auxiliar.

Conclusão

Embora superficialmente, foi necessário abordar o proble­ ma dos verbos auxiliares, pois que o verbo FICAR encontra-se — como vimos — assim classificado nas gramáticas tradicio­ nais. Por ora, podemos chegar a algumas conclusões a respeito do que acabamos de avaliar:

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1) Nem sempre temos voz passiva còm o verbo FICAR, porque na maioria dos casos o particípio (como se quer) que o acompa­ nha, é antes um adjetivo e não verbo. A propósito, encontramos em Mattoso Camara: "Entretanto, o particípio foge até certo ponto, do ponto de vista mõrfico, da natureza verbal" (Estrutu­ ra da Língua Portuguesa, 1985:103).

2) Pelas provas sintáticas apresentadas por Eunice Pontes, as construções de FICAR com gerúndio, dificilmente deixam dú­ vidas de que ele seja um verbo auxiliar. No entanto, há neces­ sidade de se estabelecer as diversas relações que tal verbo mantém com os nomes que o cercam.

3) As construções de FICAR com infinitivo são mais raras no português do Brasil, preferindo-se, salvo poucas exceções, FICAR mais gerúndio, assim, por exemplo:

(17) Ele ficava estudando.

1.1.3. Predicado Nominal

De um modo geral, todos os autores consultados classificam o verbo FICAR como "verbo de ligação" servindo de nexo entre o sujeito da oração e seu predicativo e expressando "mudança de estado". Vejamos, porém, algumas particularidades quanto à predicação nominal, encontradas nas quatro gramáticas em análi­ se .

O primeiro exemplo com o verbo FICAR encontrado em BECHA- RA, está inserido na parte que trata da sintaxe, no tipo de predicado que declara "uma QUALIDADE, ESTADO ou CONDIÇÃO: [...] Os circunstantes ficaram ATÔNITOS com a cena [...] " (1985:202).

...

(32)

Dois problemas se nos apresentam quanto ao enquadramento do verbo FICAR no item acima: primeiro, não está totalmente claro se este predicado expressa qualidade, estado ou condição, uma vez que temos no subtítulo estas três noções, seguidas de vá­ rios exemplos. Parece-nos, todavia, que o exemplo expresse es­ tado ou condição, porque — também por exclusão — não se pode pensar que declare uma qualidade. Segundo, não sabemos se o autor coloca estado e condição como sinônimos, pois estão liga­ dos por "ou". Além disto, torna-se difícil a compreensão exata das noções "qualidade", "estado", "condição", principalmente es­ ta última, que envolve por si mesma várias interpretações. De nossa parte, recorremos ao dicionário, e encontramos:

"condição sf. 1. Modo de ser, estado, situação (de coisa).

estado sm. 1. Modo de ser ou estar. 2. Situação ou dispo­ sição em que se acham as pessoas ou as coisas. [...] .

(Minidicionário da Língua Portuguesa — Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 19 77).

As noções qualidade e estado também são muito próximas uma da outra. A respeito diz Lyons (embora se refira à morfologia) :"Nos tratamentos nocionais das partes do discurso diz-se freqüente­ mente que os adjetivos denotam "qualidades" e os verbos "ações" ou "estados". Mas a diferença entre uma "qualidade" e um "esta­ do" se não é totalmente ilusória, ê menos marcante que diferen­ ça entre "ação" e "estado" (1979:340).

Não estamos querendo demonstrar que a gramática tradicio­ nal incorre, em suas definições, num círculo vicioso, pois nem sempre isto acontece. O fato é que apresenta o nocional mes­ clado com a sintaxe — como no caso citado acima — derivando disso a dificuldade de interpretação e de uma análise mais ri­

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gorosa.

Logo em seguida, BECHARA diz que num predicado assim cons­ tituído o elemento principal é um nome. 0 predicado chama-se então, "nominal" e o nome, "predicativo" (não voltaremos a es­ tas conceituações na análise dos outros autores, pois que con­ sideramos inútil repeti-las).

0 verbo FICAR encontra-se ainda em Bechara nos "verbos de ligação":

"Chama-se de ligação o verbo que entra no predicado nomi­ nal. Seu ofício é apresentar do sujeito um estado, qualidade ou condição que pode ser:

a) PERMANENTE: [,.I b) PASSAGEIRO: [...] c) MUDANÇA DE ESTADO:

Todos ficaram adoentados. [...]. (1985:203)

No nosso entender, o primeiro problema resulta da subdivi­ são èm "permanente", "passageiro" e "mudança de estado". Veja­ mos um dos exemplos de "passageiro": "O professor encontra-se triste" (id.). Como podemos afirmar que seja passageiro? Então, um tratamento semântico, numa abordagem sintática gera confusão na análise. Considerar o verbo FICAR (no exemplo citado acima) como verbo de "LIGAÇÃO" e ao mesmo tempo com o "ofício de apre­ sentar do sujeito" uma mudança de estado, incorre numa visão até certo ponto incoerente.

Mas a nossa maior objeção, como já deixamos antever quando da análise do auxiliar, é quanto a inclusão de FICAR nos predi­ cados indicadores de mudança de estado. Veja-se a respeito,CEL­ SO CUNHA: "Incluem-se naturalmente entre os verbos que evocam vim estado, ou melhor, uma mudança de estado, os incoativos como

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ADOECER, EMAGRECER, EMPALIDECER, equivalentes a FICAR DOENTE, FICAR MAGRO, FICAR PÁLIDO" (1985:129).

No dicionário de Dubois (Dicionário de Lingüística — Jean Dubois e outros, 1973) encontramos a seguinte definição de ver­ bo incoativo: [..] é o verbo que indica o início da ação ou do processo [...]" (id.:335). E em Mattoso Camara: [...] o aspecto se expressa lexicalmente em português por sufixos derivacio- nais: a) - ECER, para o aspecto incoativo (ex.: ENTARDECER

"começar a ficar tarde") [...]" (1985:62).

Parece-nos que o verbo FICAR continua tendo apenas função gramatical, pois que "incoativo" indica aspecto, segundo os au­ tores. No entanto, como já observamos, o aspecto se confunde com o valor semântico. Celso Cunha nos diz, na mesma gramáti­ ca, que "É o próprio significado dos auxiliares que transmite ao contexto os sentidos INCOATIVO, PERMANSIVO e CONCLUSIVO"(1985:

370). /

Ainda a respeito dos incoativos, observamos que Celso Cunha os inclui entre os que indicam estado, "ou melhor, mudan­ ça de estado": adoecer, para ele, é igual a FICAR DOENTE. Nós já salientamos que "processo" se distingue de "estado". Mas os nossos autores incluem as noções de "ação", de "estado" e de "mudança de estado", no que chamam processo verbal. A nossa o- pinião será a mesma de Chafe: processo não é estado. Assim, se­ gundo o ponto de vista que adotaremos, há contradição em Celso Cunha em dizer, ao referir-se aos verbos de estado: "O sujeito, no caso, não é o agente nem o paciente, mas a sede do processo verbal, o lugar onde ele se desenvolve" (1985:129). E, dentre os exemplos: "Pedro é magro", "O porteiro ficou pálido" (id.). Perguntamo-nos se é possível aplicar ao primeiro exemplo, "Pe­ dro" é o lugar onde se desenvolve o processo verbal? Parece-nos

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que se trata puramente de um estado e não de desenvolvimento de um processo. Já no segundo exemplo, cabem melhor as noções de "desenvolvimento" e de "processo". Não concordamos, pois,com Celso Cunha: os incoativos, para nós, indicam um processo e não um estado e, se "ficar doente" equivale a "adoecer", conside­ ramos um processo a construção com o verbo FICAR.

Celso Cunha também inclui o verbo FICAR no predicado nomi­ nal, indicando mudança de estado: "Amaro ficou muito perturba­ do" (1985:130). Define igualmente os verbos de ligação como funcionando "apenas como elo entre este e o seu predicativo" (id.). ("Este", quer dizer o sujeito). Mas, na mesma observação (nota) diz que "há verbos que se empregam ora como copulati- vos, ora como significativos [...]" (id.). Entre os exemplos: "Fiquei pesaroso" (copulativo) e "Fiquei no meu posto" (signi­ ficativo) . Da mesma forma, discordamos: ambos os exemplos são significativos. Além disto, no primeiro exemplo, FICAR não é verbo de ligação, pois o processo se traduz na frase, justamen­

te por se encontrar nela esse verbo.

Para CELSO iUFT, há cinco classes de verbos de ligação, segundo o "aspecto" que apontam ao estado do sujeito. FICAR é situado nos denotadores de mudança de estado que, segundo o au­ tor, expressam "aspecto transitório inceptivo: FICOU triste

r...]" (1985:133). (não encontramos nada sobre o significado de

"inceptivo" nem nos livros de Lingüística, nem nos Dicionários de Dubois e de Mattoso Camara.

Encontramos ainda em LUFT, o verbo FICAR numa outra clas­ sificação de ligação, desta vez, nos que indicam "aspecto dura- tivo": FICOU todo o tempo ajnuado [....] (1978:134). Neste exem­ plo temos, inclusive, vima ação por parte do sujeito: QUE FEZ -v ''JOÃO? — ficou amuado. Como então classificá-lo como verbo de

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estado?

Celso Luft empresta ainda (acreditamos) de SAID ALI, a distinção entre verbos nocionais e relacionais. Veja-se Celso Luft: "Há, assim, dois grupos de verbos NOCIONAIS — transiti­ vos/intransitivos — /RELACIONAIS ou de ligação" (id.:133).SAID ALI estende ainda o seu conceito de verbo relacional aos auxi­ liares. Neste autor — que utiliza, como já vimos, o critério da evolução histórica para definir os relacionais — encontra­ mos a seguinte colocação sobre o verbo FICAR: "FICAR TRISTE não designa a permanência, e sim a transformação do estado de ale­ gria no de tristeza" (Gramática Histórica da Língua Portugue­ sa, 1971:165). Para nós, e segundo a gramática de casos, tanto a permanência em um estado quanto a passagem de um estado a ou­ tro indicam processo:

0

(18) A festa / continua / animada. 0

(19) A festa / ficou / animada.

onde (18) expressa permanência em um estado e (19) passagem de um estado a outro.

ROCHA LIMA, autor que viemos deixando para o final, coin­ cidentemente é o que apresenta de modo mais sucinto as coloca­ ções (pelo menos na parte que interessa ao nosso estudo). Nas suas breves linhas sobre o predicado nominal, encontramos o exemplo: "Pedro ficou doente" (1985:207), onde — também para este autor — " a declaração feita relativamente ao sujeito PE­ DRO contêm-se no adjetivo DOENTE" (id.). O verbo FICAR, no ca­ so, é apenas um elemento indicativo do "aspecto" sob o qual se considera a condição de doente em relação a Pedro. Também para ele, chamam-se verbos de ligação.

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Como não há divergências aqui em relação aos demais, dei­ xemos assim constatada a posição de Rocha Lima sobre o verbo FICAR.

Conclusão

Seremos breves também na conclusão deste item, pois a nos­ sa opinião já pôde ser depreendida durante o desenvolvimento da análise que acabamos de fazer. Será, antes, então, um resu­ mo das conclusões.

Se a divisão tradicional de tipos de predicado nem sempre aponta uma correta análise dos verbos, faz-se necessário um modelo que dê conta satisfatoriamente das suas diversas ocor­ rências. Sendo FICAR um verbo polissêmico, assim deve ser tra­ tado. Além disto, não é (sintaticamente) um verbo de ligação, pois incorpora-se ã oração para dar-lhe significado, expressan­ do dela um processo. É comum utilizar-se o artifício didático de dizer aos alunos que os verbos de ligação podem ser supri­ midos sem que se altere o sentido da frase. Perguntamo-nos como é possível suprimir o "processo" que a frase traduz em "O Por­ teiro ficou pálido" (Celso Cunha, 1985:129) que difere sensi­ velmente de um estado "puro" como em "O porteiro é pálido".

Sem maiores objeções à concepção de predicado nominal (que exigiria um estudo mais aprofundado em todos os seus detalhes), queremos constatar aqui, que não existe predicado nominal (da maneira como o definem os autores) quando figura na oração o verbo FICAR. Comprovaremos tal afirmação no capítulo 3 do pre­

sente trabalho, quando então arrolaremos as diversas possíveis ocorrências do verbo FICAR.

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1.1.4. Predicações Comitativas (Transitividade)

As predicações comitativas (ou de acompanhamento) serão revistas neste trabalho, devido ao fato de que nossas gramáti­ cas lhes têm dado um tratamento um tanto "vago", quando não incompleto ou, mesmo, ausente. É nossa intenção, também, vol­ tarmos com mais insistência ao assunto no exame da Gramática de Casos.

Devemos abordar aqui, também o problema da transitivida­ de, embora muitos autores (como BLINKENBERG1* e também Bechara) considerem as construções em que figura a preposição COM, fora desse domínio. Não daremos, no entanto, um tratamento substan­ cial ao assunto.

Vejamos, inicialmente BECHARA.

Os únicos exemplos encontrados neste autor, de construções com a preposição COM, encontram-se: 1) na parte da Morfologia que trata dos advérbios: "Sair com os amigos (companhia)"(1985:

152); 2) no estudo das preposições: "Os primos estudaram com José" (id.:158).

Na análise da predicação, no entanto, não há nenhum exem­ plo com este tipo de preposição. Bechara refere-se indiretamen­ te ao assunto, ao tratar dos complementos verbais: "Poder-se-ia ainda acrescentar a classe dos verbos TRANSITIVOS ADVERBIADOS que pedem como complemento uma expressão adverbial como: IREI À CIDADE ou VOLTEI DO TRABALHO. ANGB não agasalhou, entretanto, este tipo de complemento, considerando-o, como veremos adian­ te, mero adjunto adverbial" (id.:207). A propósito do verbo IR, Rocha Lima cita o exemplo: "Irei a Roma" (1985:222),

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rando-o também um complemento circunstancial. E, em nota que segue: "É o acusativo de direção do LATIM: ROMAM PRO FICISCI (ir a Roma)" (id.:223). No caso, "é um complemento de natureza adverbial — tão indispensável ã construção do verbo quanto, em outros casos, os demais complementos verbais" (id.:222). Vemos então que tanto Bechara quanto Rocha Lima consideram transitivo o verbo IR, e o nome que o acompanha, um "complemento" e não um "adjunto".

Voltemos a considerar, porém, o tratamento dado a constru­ ções com a preposição COM.

Ao classificar o adjunto adverbial, Rocha Lima nos diz que isto "nem sempre se alcança fazer com facilidade" (1985: 22 8). Mas cita o exemplo: "Saiu com amigos" (id. ) , consideran­ do-o adjunto adverbial de companhia. Parece-nos que, segundo o critério sintãtico-semântico adotado pelos nossos autores, trata-se realmente de um adjunto adverbial: "com amigos", além de possuir a preposição "claro valor significativo" (Celso Luft, p. ), "não é indispensável à construção do verbo"(Rocha Lima, 1985:222). Mas, se num exemplo como "saiu com amigos", fica mais evidente tratar-se de um adjunto, um termo "acessó­ rio", como o querem os autores, uma construção como

(20) MARIA FICOU COM JOÂO.

exige uma reflexão mais rigorosa. Rocha Lima, por certo, o con­ sideraria intransitivo, pelo menos é o que pudemos depreender de: "[...] SER, ESTAR e outros deixam de ser de ligação e figu­ ram intransitivamente, acompanhados de um adjunto adverbial de lugar, de modo, de tempo etc." (Macambira, 1982:204).

Também em BLINKENBERG é bastante reduzido o tratamento da­ do a predicações comitativas. Cita, porém, os exemplos:

(40)

"aller (venir) avec q. (=£ accompagner q.)" ir (vir) com alguém (£= acompanhar alguém)

em que, segundo o autor, AVEC (com) forma uma unidade semânti­ ca bastante forte com o verbo que ela acompanha, tendendo então ao domínio da transitividade. Mas ressalta, em conclusão, apôs outros exemplos, que se trata apenas de um esboço de evolução para uma função transitiva. Aliás, ao arrolar as idéias expres­ sas pelos grupos transitivos e intransitivos, Blinkenberg não se refere às que indicam companhia. Quanto ao instrumento, é expresso por um complemento circunstancial introduzido também pela preposição COM mas, conforme o autor, geralmente "refratã- rio ã transitivação". 0 verbo RESTER (ficar), figura entre os verbos "simples funcionalmente monovalentes, intransitivo.

Voltemos, porém, às nossas gramáticas escolares. Como vi­ mos, Bechara, Celso Luft e Rocha Lima, consideram como comple­ mentos certos adjuntos adverbiais adotados pela NGB, sobretudo os de lugar. Quanto a proposições em que figura COM, resta ain­ da citar CELSO LUFT: "Saiu com ele (adjunto adverbial)" (1978: 111) e CELSO CUNHA: "Vivi com Daniel perto de dois anos" (1985: 148), adjunto adverbial de companhia.

Todos os autores consideram os adjuntos adverbiais termos acessórios, em oposição aos termos integrantes. Já mencionamos dois dos critérios para distinguir complemento (integrante), de adjunto (acessório). Um deles, repetimos, é o que expressa cla­ ramente Celso Cunha: "Enquanto a preposição que encabeça iam ad­ junto adverbial possui claro valor significativo, a que intro­ duz vim objeto indireto apresenta acentuado esvaziamento de sen­ tido" (1985:141). Critério da evolução semântica, que também utiliza Blinkenberg. 0 outro critério é que o adjunto adverbial não é indispensável ã construção do verbo. Mas, como saber se

(41)

numa construção, como,

(21) MARIA FICOU COM JOÃO.

o termo sublinhado é dispensável? Os autores não nos dão um critério seguro para assim qualificá-lo. Já quanto a COM pos­ suir valor significativo, parece-nos mais claro, pelo menos se trabalharmos por oposição a, por exemplo:

(22) CONCORDOU COM ELE.

Em Blinkenberg encontramos um critério transformacional bastante eficaz no nosso entender: Para distinguir o complemen­ to (objeto) do circunstancial, recorre ã transposição passiva. Assim, em

Pierre mange le soir. Pierre mange le gâteau. teríamos

le gâteau est mangé par Pierre. mas nao

le soir est mangé par Pierre5.

No entanto, o mesmo critério, isto é, a transposição pas­ siva, não é eficaz (segundo o autor) para distinção entre o ob­ jeto direto e o indireto.

Não podemos entrar em detalhes aqui, quanto aos critérios para se distinguir objetos diretos e indiretos. Paíece-nos, to­ 5Traduzindo:

Pierre come ã noite. Pierre come o bolo . teríamos

o bolo é comido por Pierre. mas nao

a noite é comida por Pierre.

Observe-se que, em francês, tanto o circunstancial "le soir" quanto o com­ plemento "le gâteau" são introduzidos pelo artigo "le", enquanto que, em português, temos a preposição expressa (ã).

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davia, que o que prepondera é o substituir-se os "diretos" pe­ los pronomes oblíquos: "o, a, os, as" e os indiretos pelos pronomes "lhe, lhes". De um modo geral, o objeto direto repre­ senta o ser sobre o qual recai a ação (paciente) e o indireto, a pessoa ou a coisa a que se destina a ação. 0 critério da substituição pela passiva — também usado pelos autores — quan­ do, então, o sujeito será o objeto direto, está fora de cogita­ ção, pois que não abrange todas as possíveis ocorrências.

Como poderemos testar e aplicar tais critérios e tais de­ finições para exemplos, como:

(23) MARIA FICOU COM JOÃO.

(24) 0 ALUNO FICOU COM O LIVRO.

Poderíamos receber a alegação de que o verbo FICAR é in­ transitivo — mas isto é uma noção circular — ; ou ainda, de que não há uma AÇÃO e, portanto, fora do campo da transitivida­ de (embora BECHARA aponte outros "sentidos" dos verbos transi­ tivos, que não ação). Mas nós vamos demonstrar que há uma AÇÃO nos exemplos (23) e (24) e é sobre a noção justamente de agen- tividade que vamos trabalhar e não de transitividade.

Conclusão

Incluídas nos chamados adjuntos adverbiais, as predicações comitativas requerem, no entanto, vima análise mais cuidadosa. Todos os autores consultados, trabalhando apenas com estrutura de superfície, deixam bastante vagas as relações entre sujei­ to e objeto do verbo. Quando o fazem, apresentam critérios nem sempre aplicáveis a todas as ocorrências como ao definirem, por exemplo, o objeto direto como a pessoa ou coisa que recebe a ação verbal. Veja-se, por exemplo,

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(25) O GAROTO GANHOU UMA BALA.

onde é o sujeito e não o objeto quem recebe alguma coisa. Além disto, não há uma ação verbal. São critérios de base semântica aplicáveis somente em certos casos. Devemos concordar com Blin- kenberg, para quem cada caso deve ser analisado em suas parti­ cularidades.

O critério da substituição pela passiva foi também testado por Blinkenberg. Não convém entrar em detalhes aqui — isto nos obrigaria inclusive a citar vários exemplos — mas o autor citado chega a conclusão que, embora a afinidade entre sujeito e objeto fique bastante clara através da aplicação desse crité­ rio, ele não recobre todas as possibilidades com objeto direto e é pouco aplicável ao indireto.

Quanto ao critério operacional de substituição por prono­ mes oblíquos (também não abrangente), parece-nos mais um "arti­ fício" do que propriamente critério científico. Além disto, os pronomes oblíquos estão praticamente desaparecendo no português coloquial — em conseqüência, não são muitos os que sabem usã~ los com exatidão.

Por último, e o que nos interessa mais de perto, é a dis­ tinção entre "complemento" e "adjunto". Resumindo o que já ex­ pomos, chegamos ã conclusão de que o critério para distingui- los não é seguro. Dizer que o complemento é indispensável ao sentido do verbo e o adjunto -- por op o s i ç ã o — dispensável,dei­ xa-nos em dúvida muitas vezes. Como explicar a um aluno, por exemplo, que nas proposições

(26) MARIA FICOU COM JOÃO. (27) PEDRO COMEU UMA BALA.

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complexidade que o assunto exige? Além do mais, não ficam cla­ ras as relações sujeito-objeto das frases. De nossa parte,abor­ daremos com mais cuidado este assunto, no segundo capítulo, re­ servado à Gramática de Casos.

1.2. Estruturalismo

Dentre os lingüistas estruturalistas (para simplificar,va­ mos considerá-los assim) escolhemos analisar MATTOSO CAMARA JÚNIOR e José Rebouças MACAMBIRA6, principalmente porque se distinguem das gramáticas anteriormente analisadas e que foram enquadradas dentro do que chamamos Gramática Tradicional. Vamos analisar — brevemente — também o modelo de TESNIÈRE. No en­ tanto, este deverá ser tratado à parte, por não ser possível comparar a sua análise com a de Mattoso Camara ou Macambira e, sobretudo, por estar mais próximo do modelo da Gramática de Casos proposto por Fillmore.

Mattoso Camara e Macambira têm muitos pontos em comum. Po­ rém, enquanto aquele, numa visão mais "mentalista" dentro do Estruturalismo, valoriza o critério semântico, este o rejeita radicalemtne.

Não seremos exaustivos. Apenas confrontaremos os dois au­ tores nos pontos que de mais perto interessam ao nosso trabalho, como já fizemos com os autores ditos tradicionais. Assim, ob­ servaremos noções como VERBO, AUXILIARIDADE, predicado nominal e predicações comitativas.

6 CAMARA JÚNIOR, J.M. (1977) Princípios de Lingüística Geral e (1985) Di­ cionário de Lingüística e Gramática. MACAMBIRA (1982) A Estrutura Mor- fo-Sintática do Português.

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1.2.1. Verbo

MATTOSO CAMARA nos dá uma definição de verbo utilizando o critério morfo^semãntico. No seu Dicionário de Lingüística e Gramática (1985), vale-se da definição de Meillet: "indicam os processos, quer se trate de ações, de estado ou da passagem de um estado a outro" (1985:239). Diz que sua significação é DIN­ MICA e que se caracteriza por conter uma idéia temporal (justa­ mente o que faz com que seja dinâmico, ao contrário do nome; é também uma palavra sujeita a flexão (conjugações).

MACAMBIRA, para quem o critério morfológico é o meio mais seguro para a descrição das categorias gramaticais, critica a Gramática Tradicional por recorrer ao sentido na classificação do verbo ao invés de apoiar-se na sua riqueza formal ("só no mo­ do indicativo são trinta e poucas formas") (1982:39).

Ao criticar (assim entendemos) as definições semânticas como AÇÃO, FENÔMENO e ESTADO, diz que só têm valor se encaradas numa.perspectiva de tempo, que é o que vale, apenas. Para ele, o verbo também pode indicar outras coisas, 11 como por exemplo, qualidade, no caso do verbo AZULAR: "Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema" (id.: 40). Ora, o verbo aqui indica PROCESSO e não "qualidade" como pre­ tende o autor.

Ao considerar ainda o verbo sob o aspecto semântico, diz que "indica PROCESSO, isto é, aquilo que se passa, naturalmen­ te aquilo que se passa no tempo" (id.:41). Mas, como veremos, PROCESSO, para Chafe, não é o que se passa no tempo.

Como fizemos na 1? parte deste capítulo (1.1), veremos agora o posicionamento de ambos os autores a respeito da função sintática do verbo.

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Dentro de vima linha estruturalista e inspirado em Saus- sure, para quem a análise lingüística resume-se na depreensão de sintagmas em ordem decrescente, MATTOSO CAMARA considera o verbo um determinante e, como tal, subordinado ao determinado, que é o sujeito. Apesar disto, não fica totalmente claro se o sujeito tem função primacial. No seu Princípios de Lingüística Geral (1977), diz que "o sujeito é o ponto de partida ou de re­ ferência na formulação da frase [...] ê o TEMA do que se vai comunicar" (1977:176). E, logo adiante: "o sujeito não passa de vim tema para a enunciação correspondente do predicado" (id. :177).

Para MACAMBIRA o sujeito é o termo principal da oração sob o aspecto sintático e o verbo, o termo principal sob o aspecto semântico. Nada teríamos a opor quanto a isto, se mais adiante o autor não dissesse que "o facho da idéia (o grifo é nosso) se origina do sujeito, donde passa para o predicado [...]" (1982: 153) .

Desde que se tomou a Lingüística "em si mesma e por si mesma" a relação lógica "causa e efeito" felizmente não tem si­ do mais confundida com sujeito e predicado. No entanto as con­ trovérsias continuam em termos do que primeiro se passa na men­ te (ainda não, aqui, no sentido de estrutura profunda). Mattoso Camara cita Hermann Paul, para quem "primeiramente se apresenta a idéia do sujeito, para seguir^se-lhe a concepção de vim predi­ cado a ele aplicável" (1977:179). Cita mais adiante TRENDELEN­ BURG: "Pensainos por meio de predicados" (id.:178). É contra a idéia de um sujeito psicológico, pois nas frases impessoais o esquema se desmembra sem a formulação de um tema ou de um mar­ co de referência para o processo verbal. Parece-nos então que para Mattoso Camara o predicado tem função primacial. No entanto, tem razão Macambira em dizer que suas definições são

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