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Com a bandeira e Oxalá: trajetória, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis

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Academic year: 2021

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COM A BANDEIRA DE OXALA!

Trajetória, práticas e concepções

das religiões afro-brasileiras

na ‘Grande Florianépolis

FLORIANOPOLIS

(2)

COM A BANDEIRA DE OXALA!

Trajetória, práticas e concepções

das religiões afro-brasileiras

na Grande Florianópolis

Tese apresentada como requisito 'parcial à obtenção do grau de Doutor.

Curso de Doutorado Intérchsçíi|lmar em Ciências Humanas.

Linha de pesquisa: Organização humana e identidade social

Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Profa. Dra. Ilse Schérer- Warren

FLORIANOPOLIS

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“COM A BANDEIRA DE OXALÁ !

Trajetória, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis”

Por

Cristiana Tramonte Vieira de Souza

Orientadora Profa. Dra. Ilse Scherer-Warren

Co-orientadora Profa. Dra. Sandra Sulamita Nahas Baasch

Esta tese foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas e aprovada em sua forma final no dia 08 de fevereiro de 2001, atendendo as normas da legislação vigente çlo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em

Ciências Humanas/Doutorado. ■ V

4 ; . A ( ^ ________________

Prof. Drrfiéctor Ricardo Leis - Coordenador do Programa

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Ilse Scherer-Warren - Presidente

-Pfofa. Dra. Alcina Maria de Lara Cardoso

y ia Terei s Cunha

Prof. Dr. Sel\/inõ Jos^ y^ssmann

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AGRADECIMENTOS

Meus primeiros agradecimentos são para todos aqueles que deram entrevistas para esta pesquisa ensinando-me preciosas lições de vida sem os quais teria sido impossível realizar este trabalho. Ter convivido com os tenreiros e seus participantes foi uma experiência cuja marca permanecerá para sempre, mostrando-me que, em melo à dureza da vida urbana, busca- se edificar uma espiritualidade forte e verdadeira mantida por pessoas de boa-vontade e grande valor.

Quero agradecer especialmente aos grandes amigos do Centro de Umbanda Exumaré: Máe Bega, Seu Hamilton, Betinha, Dalva, Eliane, Graziela e família, que confiantemente abriram-me suas portas para seus momentos mais particulares, acolhendo-me com amizade e propiciando-me uma visão ao mesmo tempo integral e detalhada do cotidiano do povo-de- santo.

Recebi especial atenção e dedicação e sou muito grata à Mãe Tereza e equipe do C.E. Caboclo Cobra Verde, que subsidiaram-me com documentos e Informações fundamentais para a pesquisa, abrindo-me todos os espaços possíveis.

Quero destacar a disposição e interesse da equipe do Centro de Umbanda Ogun de Angola, especialmente á querida Graça pela amizade e confiança ao responder a minhas inquietações e também à Helinha e Rosita.

Minha profunda gratidão também à Mãe Beth e equipe da Tenda de Umbanda Maria Padilha pelo carinho, disposição e acolhida generosa e, especialmente, a participação da guia espiritual Maria Padilha na entrevista.

Com o Templo Espírita de Umbanda Juraciara e equipe aprendi - e agradeço - a admirar a beleza e a vida da religião afro-brasileira nos cantos e beleza ritual e na liderança forte e decidida de Mãe Antonieta, cujo emocionado relato me fez compreender a grandiosidade da luta do povo-de- santo local. Obrigada ainda ã guia espiritual Vovó Generosa, pela deferência de ter participado do depoimento.

Agradeço também ao Pai Clóvis e equipe do C.E. de Umbanda S. Cosme e São Damião e, especialmente Renilson, pela boa-vontade e interesse.

A todos estes meu muito obrigado também por terem abrilhantado o dia da apresentação pública deste trabalho, inspirando-me espiritualidade e força, dando-me enfim a certeza de que os obstáculos vividos durante o caminho só serviram para torná-lo ainda mais belo.

Sou extremamente grata ao CEUCASC, nas pessoas de Shiriey e Gessy, por terem aberto todas as portas possíveis da entidade para que eu pudesse pesquisar; a elas minha admiração por sua trajetória e liderança históricas.

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Agradeço ainda a Tenda de Umbanda Cabocla Marola do Mar, na pessoa de Eldeni - por suas corajosas e sinceras opiniões e paciência em explicar-me os mais minuciosos detalhes - e equipe, que possibilitaram-me a vivência necessária das diversas etapas da formação de um médium e fomeceu-me, sem reservas, o acesso a materiais intemos permitindo-me acompanhar o desenrolar dos trabalhos.

Sou grata ainda pelos edificantes momentos passados junto a Pai Juca de quem ouvi preciosas explicações e Armando; Pai Leco pontuando- me com sabedoria os aspectos estruturais e históricos da religião local, a histórica D. Lídia e equipe da Comunidade Terreiro Abassá de Odé, particulamiente Ivan; o saudoso e admirável Pai Walter, cujo espírito paira iluminando o povo-de-santo local e à acolhedora Neuza e equipe do C.E. São Jorge; Guaracy, jovem guen^eiro da tradição do candomblé; Mãe Cristina pela compreensão, benevolência e paciência com que explicou a esta leiga as razões profundas da espiritualidade e ã equipe do C.E. de

Umbanda Caboclo Sete Flechas.

Meu sincero muito obrigada também a Pai Evaldo por sua disponibilidade, alegria e ensinamentos, a Fernando e equipe do C.E. Jesus de Nazaré; a memorável e generosa Vó Ida, que abriu-me o coração e o passado pemnitindo mais passos nesta caminhada.

Agradeço ainda à “família Camargo” do Asé Omin Bàbá Osogyian - D. Alice, Edemilson e especialmente EIzeni, pelo apoio nos primeiros passos desta trajetória; Mãe Cota, Das Dores, Tânia e Neuza da T.E. Pai José de Angola; Mãe Lurdinha, Walmir e equipe da Tenda de Umbanda Vovó Joaquina; Carlos da FUESC e D. Juraci, do memorável C.E. São Jorge; a todos agradeço pelas entrevistas.

Obrigada a Ivan, Mãe Dinah e equipe do C.E. Vovó Sebastiana que receberam-me com hospitalidade e abriram espaço para que eu documentasse o necessário.

Meu muito obrigada ao Valcir e Isabel da Rainha do Mar Artigos Religiosos pelo depoimento minucioso e por disponibilizarem o material que possuíam.

Agradeço ainda á equipe do Templo de Umbanda Pai João e, especialmente ao Elisson, pelas corajosas opiniões, profundos esclarecimentos e pela atenção com que fui recebida.

Para finalizar meus agradecimentos aos entrevistados, sou eternamente grata àqueles que são as peças-chave neste trabalho, que pacientemente guiaram-me pelos fascinantes caminhos da religiosidade afro-brasileira da Grande Florianópolis, abrindo-me portas, mostrando-me ideais e conduzindo-me aos lugares fundamentais da tradição: muito obrigada aos amigos Apolonio Antonio da Silva do Templo Espírita de Umbanda Juraciara e Geovani Martins da Tenda Espírita Caboclo Cobra Verde sem os quais este trabalho poderia ter se perdido nas encruzilhadas.

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Na parte técnica agradeço pelo carinho e profissionalismo de Edi Vieira de Souza, Vânia Oliveira Parreira, Alessandro e a todos que deram auxílio a esta pesquisa: Marlise Ludwig, pela mâo amiga e solidária na hora decisiva: Jeruse Romão, pelas primeiras luzes sobre o tema; André Rodrigues e Rosinha, pela cessão do material; UNIAFRO, IBGE e Diário Catarinense pelo apoio.

Agradeço ainda aos examinadores da banca, professores doutores Alcina Maria de Lara Cardozo, Maria José Reis, Maria Tereza dos Santos Cunha, Maristeja Fantin, Selvinq José Assmann, à minha orientadora Ilse Scherer-Warren e ao companheiro de caminhada Reinaldo Matias Fleuri.

Muito obrigada a todos por partilharem comigo desta viagem aos recantos iluminados da espiritualidade afro-brasileira.

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Sumário

COM A BANDEIRA DE OXALÁ!

Trajetória, práticas e concepções

das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis

Entrevistados e Instituições... Listagem das Cerimônias... Agradecimentos... INTRODUÇÃO... ... ... 1

PRIMEIRA PARTE - TRAJETÓRIA HISTÓRICA DAS RELIGIÕESÍ AFRO-BRASILEIRAS: de Desterro a Grande Florianópolis

CAPÍTULO I - OS PRIMÓRDIOS: FINAIS DO SÉCULO XIX ATÉ A DÉCADA DE 40.

1.1. BASES HISTÓRICAS DA POPULAÇÃO NEGRA EM DESTERRO... 7 1.2. AS PRÁTICAS RELIGIOSAS DA POPULAÇÃO NEGRA NO SÉCULO XIX EM DESTERRO... ... ... ... 11 1.3. A POPULAÇÃO NEGRA NA ENTRADA DO SÉCULO XX EM

FLORIANÓPOLIS: religiosidade e estratégias de ocupação do espaço social ... ... ...16 1.4. BENZEDEIRAS/ CURANDEIROS, FEITICEIRAS; práticas alternativas de

saúde e a medicina oficial...21 1.5. NO CONTRAPONTO DA CIÊNCIA OFICIAL: a feitiçaria possível... ...36 1.6. A REPRESSÃO AOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS NAS PRIMEIRAS

DÉCADAS DO SÉCULO X X ... ... 40 CAPÍTULO II - A BUSCA DA AFIRMAÇÃO: 1940-1970

2.1. OS PRIMEIROS TERREIROS DE UMBANDA EM FLORIANÓPOLIS... 50 2.2. A MISSÃO REUGIOSA AFRO-BRASILEIRA EM FLORIANÓPOLIS; saúde e doença nas décadas de 40 e 5 0 ...53

(9)

2.3. A GUERRA DA POLÍCIA CONTRA OS ORIXÁS - Conflito no Plano

Superior... ... 57

2.4. A UMBANDA ABRINDO CAMINHO PARA AS RELIGIÕES AFRO- BRASILEIRAS ...73

CAPÍTULO ill - DÉCADA DE 70: O AUGE 3.1. DO TERREIRO PARA A RUA... 92

3.2. A FORMAÇÃO DA REDE URBANA DA GRANDE FLORIANÓPOLIS E O POVO-DE-SANTO... ... ... 100

3.3. RELIGIÃO E RECONHECIMENTO ...104

3.4. UMBANDA E OUTROS CREDOS ... 109

3.5. CONQUISTANDO ESPAÇOS NA MÍDIA... ...113

3.6. SIGNOS DE EXPANSÃO E RESISTÊNCIA...122

3.7. EXPANSÃO RELIGIOSA E OS PRIMEIROS IMPASSES ENTRE 0 POVO- DE-SANTO ... .... ... 140

3.8. A INFLUÊNCIA DA UMBANDA CATARINENSE NOS PAÍSES DO PRATA... 143

3.9. EM BUSCA DA INSTITUCIONALlDADE AFRO-RELIGIOSA NA GRANDE FLORIANÓPOLIS... ... .... ... ...146

CAPÍTULO IV - O POVO-DE-SANTO CONTA SUA HISTÓRIA NA IMPRENSA UMBANDISTA 4.1. A VOZ DO POVO-DE-SANTO: os boletins Eco Umbandista e Vira Informativo... ...164

4.2. PROJETOS E DILEMAS EMERGENTES... 167

4.3. SIGNOS DE EXPANSÃO E RESISTÊNCIA... 176

4.4. DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL... 191

(10)

CAPÍTULO V - DÉCADA DE 80: A CONSOLIDAÇÃO

5.1. A GUERRA DOS VIZINHOS CONTRA O LAR DOS ORIXÁS; Conflito no

Plano Inferior...224

5.2. CONSTRUINDO O RECONHECIMENTO... 233

5.3. A CONSOLIDAÇÃO DA INSTITUCIONALIDADE RELIGIOSA... 236

5.4. ESTEREÓTIPOS EM XEQUE... ... ... 252

5.5. SIGNOS DE EXPANSÃO E RESISTÊNCIA... 263

5.6. A BUSCA DO RECONHECIMENTO INTERNO E EXTERNO.... ...271

5.7. GUERRA E PAZ ENTRE A MÍDIA E OS FILHOS DOS ORIXÁS... 270

5.8. MUDANÇAS DE RUMO: revezes sofridos pelo povo-de-santo... 282

CAPÍTULO VI - DÉCADA DE 90: EM BUSCA DE NOVOS RUMOS 6.1. “VIGIAR E PUNIR”: a ação das entidades organizativas nos anos 90... 293

6.2. ENFRENTANDO ESTEREÓTIPOS E ADVERSIDADES... ...296

6.3. NOVOS TEMPOS, NOVOS LÍDERES, NOVOS VALORES...303

6.4. O “MEDO DO FEITIÇO” EM TEMPOS MODERNOS . . . ...311

6.5. EM BUSCA DA IDENTIDADE AFRO-BRASILEIRA... 315

SEGUNDA PARTE - AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NA GRANDE FLORIANÓPOLIS NA ATUALIDADE: práticas, concepções e desafios CAPÍTULO I. A “QUEDA NO SANTO”: o princípio de uma nova existência 1.1. OS MOTORES INICIAIS... ... 321

1.2. DO SOFRIMENTO À AUTO-REALIZAÇÃO: o longo caminho mediúnico ... ... 329

(11)

CAPÍTULO II. UM REENCONTRO PARA A ETERNIDADE: a relação entre os médiuns e seus guias

2.1. A FEITURA E A TRAJETÓRIA ESPIRITUAL ... 334

2.2. O DONO DA MINHA CABEÇA; deveres e obrigações...335

CAPÍTULO III - O TERREIRO, SEU MENTOR, SEU CHEFE E OS MÉDIUNS 3.1. DESVENDANDO A IMAGEM EXTERIOR DO TERREIRO; análise dos elementos básicos de apresentação... 354

3.2. O PRIMEIRO TERREIRO... ... 359

3.3. A FAMÍLIA-DE-SANTO E A FAMÍLIA CARNAL; células agregadoras do terreiro ... ... 361

3.4. A DINÂMICA INTERNA DO TERREIRO... 371

3.5. AS RELAÇÕES ENDÓGENAS DO POVO-DE-SANTO... 392

3.6. RELAÇÕES EXTERNAS DO POVO-DE-SANTO... 412

CAPÍTULO IV - OS DILEMAS DO PRESENTE 4.1. MERCANTILIZAÇÃO OU CARIDADE?... 433

4.2. OSTENTAÇÃO OU HUMILDADE?... ... 439

4.3. DEVOÇÃO OU PROFANAÇÃO?... 443

4.4. TRADIÇÃO OU MODERNIDADE?... ...449

4.5. SEMEANDO 0 FUTURO; a Natureza e o povo-de-santo... 461

CONCLUSÃO... ... ... 472 BIBLIOGRAFIA...

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ENTREVISTADOS^ E INSTITUIÇÕES

Centro de Umbanda Exumaré

1. Abegail dos Santos (Mãe Bega - chefe de terreiro)

2. Hamilton dos Santos

3. Maria Elisabeth Araújo - Betinha 4. Dalva Minella dos Passos

5. Eliane dos Santos Lima 6. Graziela dos Santos Lima

Templo Espírita de Umbanda Juraciara

7. Antonieta Maria dos Passos (chefe de terreiro) 8. Apolonio Antonio da Silva

9. Entidade Espiritual Vovó Generosa

❖ Centro Espírita Caboclo Cobra Verde

10. Maria Tereza Bonete Martins (chefe de terreiro) 11. Geovani Martins

Sociedade Espírita Centro de Umbanda Ogun de Angola

12. Maria da Graça Cardoso Silva (chefe de terreiro) 13. Helia dos Santos

14. Rosita Cristina Dias de Azevedo

*X *

Tenda de Umbanda Maria Padilha

15. Elisabeth Martins de Araújo (Mãe Beth - chefe de terreiro) 16. Antonia Maria Gomes

17. Entidade Espiritual Maria Padilha

^

Centro Espírita de Umbanda S. Cosme e S. Damião

18. Clóvis Tupinambá Alves Barbosa (chefe de terreiro) 19. Renilson Trindade

❖ Centro Espírita Vovó Sebastiana

20. D inor^ Calazans (Mãe Dinah - chefe de terreiro) 21. Ivan Carlos da Silveira (chefe de terreiro)

*X *

Tenda Espírita Yansã e Pai Ambrósio/ Conselho Estadual Cristão Espírita de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Santa Catarina (CEUCASC)

22. Shirley Nunes (chefe de terreiro) 23. Gessy Câmara da Silva

❖ Tenda Espírita Caboclo Serra Negra

24.Zulmar Carpes (Pai Juca - chefe de terreiro)

’ o aposto “mãe ou pai” foi colocado para identificação, quando o nome civü difere do nome religioso pelo qual é conhecido.

(13)

< *

Templo de Umbanda Pai João

25 .Elisson Fernandes Camargo (chefe de terreiro)

^

Tenda de Umbanda Cabocla Marola do Mar

26. Eldeni Fernandes Camargo (chefe de terreiro)

❖ Ilé Asé Omin Bàbá Osogyian

27. Edemilson Fernandes Camargo (chefe de terreiro) 28. Maria Alice Camargo

29. EIzeni Fernandes Cam^go

Tenda Espírita Pai José de Angola

30. Maria Verônica Costa (Mãe Cota - chefe de terreiro) 31. Maria das Dores Costa

32. Tânia Costa

33. Neuza Regina Costa

❖ Comunidade Terreiro Abassá de Odê

34. Alexis Teódolo da Silva (Pai Leco - chefe de terreiro) 35. Lídia Luiza dos Santos - Mãe Lídia

36. Ivan Costa Lima

❖ Centro Espírita São Jorge Guerreiro

37. Juraci Malvina Pereira (chefe de terreiro)

❖ Centro Espírita São Jorge

38. Walter de Souza {chefe de terreiro) 39. Neuza de Souza

❖ llê Àsé Olorunfúnmí/ Centro de Estudos e Pesquisa de Cultura Afro- brasileira Orunmilá

40. Guaracy E. Fagundes (chefe de terreiro)

Centro Espírita de Umbanda Caboclo Sete Flechas

41. Cristina Simas Costa (chefe de terreiro)

❖ Tenda Espírita Jesus de Nazaré - Evaldo Linhares

42. Evaldo Costa Linhares (chefe de terreiro)

Centro Espírita de Umbanda São Jerônimo (desativado)

43. Guilhermina Barcelos - (Vó Ida)

*1*

Rainha do Mar - Artigos Religiosos

44. Valcir Raimundo Pinho

Tenda de Umbanda Vovó Joaquina

45. Maria de Lourdes dos Santos Nascimento (Mãe Lurdinha - chefe de

terreiro)

Federação Umbandista de Santa Catarina

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CERIMÔNIAS RELIGIOSAS^ 1999

1. Oborização de Ivan Costa Lima - Comunidade Terreiro Abassá de Odê - jan. 1999

2. Saída de Camarinha da Ialorixá Maria Ehsabeth Araújo - Centro de Umbanda Exumaré - 23/4/1999

3. Catulação de Maria Elisabeth Araújo - Centro de Umbanda Exumaré - 21/4/1999

4. Gira de Ibeijada - Centro de Umbanda Exumaré - 24/4/1999

5. Casamento na Umbanda - Centro de Umbanda Pai Joaquim -17/6/1999 6. Festa de Laalú - Exu Rei das 7 Encruzilhadas - Hé Asé Omin Bàbá

Osogyian -17/7/1999

7. Gira e Sessão de Atendimento - Templo de Umbanda Pai João - 7/8/1999 8. Festa de Exu - Templo Espúita de Umbanda Juraciara -15/8/1999

9. Obrigação para Nanã - Templo Espírita de Umbanda Juraciara - 28/8/1999 10. Saída de Camarinha do Babalàô Luís Carlos Vieira e Oborização de laô -

Tenda Espírita Caboclo Cobra Verde -18/9/1999

11. Homenagem ao Povo Cigano - Tenda de Umbanda Cabocla Marola do M ar-23/10/1999

2000

12. Homenagem para Oxóssi - Centro de Umbanda Exumaré - 20/1/2000 13. Homenagem para Oxóssi - Tenda de Umbanda Cabocla Marola do Mar -

21/1/2000

14. Homenagem para lemanjá - C.E. São Cosme e São Damião - 5/2/2000 15. Gira - C.E. São Cosme e São Damião - 18/2/2000

16. Festa de Exu - C.E. Jesus de Nazaré - 24/2/2000

17. Homenagem para Oxóssi - C.E. Vovó Sebastiana - 22/1/2000

18. Sessão de Desenvolvimento Mediúnico - Tenda de Umbanda Cabocla Marola do Mar - 21/10/1999

19. Gira e sessão de atendimento - Centro de Umbanda Exumaré - 4/2/2000 20. Festa de Exu - Centro de Umbanda Maria Padilha - 21/4/2000

21. Festa de Ibeijada - Centro de Umbanda Exumaré - 22/9/2000

22. Saída de Camarinha de 21 anos de “feitura” de Mãe Tereza - Tenda Espírita Caboclo Cobra Verde - 7/10/2000

’ A autora participou diretamente como pesquisadora destas cerimônias, documentado-as com reciu-sos audiovisuais: fotografias, gravação em fita cassete e vídeo, sempre com o consentimento e apoio dos centros envolvidos. O mesmo ocorreu com os Congressos, Encontros e Mostras.

(15)

CONGRESSOS, ENCONTROS, MOSTRAS

23. F Encontro da Cultura Afro-brasileira da Grande Florianópolis - UNIAFRO - 13/5/1999 - Assembléia Legislativa

24. P Semana da Cultura Afro-brasileira - Largo da Alfândega, Florianópolis, set.1999

25. IP Festa da Cultura e Etnias Afro-brasileiras - 1 a 15/9/2000 - Federação Umbandista de SC - Largo da Alfândega, Florianópolis.

26. Witch Craft - Jornada Mística - Florianópolis, SC. fev.2000

26. Homenagem a D. Cristina Simas Costa - Gabinete do Vereador Márcio de Souza - Câmara de Vereadores, Florianópolis, 11/5/2000

Eventos assistidos em vídeo:

23. Homenagem para Obaluaiê e Cabocla Jurema - 20/8/1994 - Templo Espírita de Umbanda Juraciara

(16)

complicado! Ele e complexo porque a simplicidade

é

uma complexidade murto grande,

n é ^

Mas a força dele é íntrínseca, de dentro prá fora è de fora prá dentro. Mâo tem uma pessoa superior

à

outra. Todos

b

5

o iguais, filhos da mesma criação. Tudo é uma

energia cósmica, através dessa explosão é que se deu a criação e cada energia é concatenada, mas todas vivem entrelaçadas. E do caos que surge a vida. Se não houver o caos, nada se transforma e o Universo

é

assim.

Se 0 Universo é assim, a nossa vida também é. Se voce olhar bem para dentro de você toda, já viu que

cada um é um Universo, cada um é uma energiaf^

(17)

A pesqxiisa “COM A BANDEIRA DE OXALÁ: trajetória, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis” é o resultado de investigações realizadas durante quatro anos junto ao chamado “povo-de-santo” local, ou seja, a base dos adeptos das rehgiões afiro- brasileiras, desenvolvidas em duas fases: inicialmente, um levantamento bibliográfico e documental, e posteriormente, a pesquisa de campo.

Na primeira fase da investigação, percorrendo as hipotéticas fontes informativas, a constatação inicial foi da flagrante escassez de documentos, uma das faces da ainda remanescente estigmatização e “invisibilidade” do grupo de adeptos das religiões afro-brasileiras. Foram consultadas algumas instituições do Poder Judiciário, arquivos de Polícia e acervos de jomais, entre estes A Gazeta, A Ponte, O Estado, Diário Catarinense e A Notícia, diante dos quais constatou-se o esparsamento, fragmentação e até mesmo a parcialidade e distorção com que o tema aflora. Até mesmo informativos de bairro e comunitários silenciam sobre o tema. Também não há destaque expressivo para as religiões afro-brasileiras entre as obras acadêmicas que tratam de Desterro/Florianópolis ou do Estado de Santa Catarina em geral, ou nas revistas especializadas na cultura local, com algumas poucas exceções, limitadas a recortes específicos temáticos e/ou territoriais.

Após este período de “exploração documental”, constatamos que a primeira fase deveria ser a tentativa de reconstmção da trajetória histórica no último século do que denominamos uma “rede humana iavisível que recobre toda a malha urbana da Grande Florianópohs” organizada em tomo das religiões afro-brasileiras. O recolhimento das informações sobre o tema ocorreu primeiramente nos informativos impressos acima citados, mas, pela insuficiência de dados, esta fonte foi minoritária em relação ao todo da pesquisa. Parte importante da memória sobre as religiões afro-brasileiras locais, felizmente foi “salva” da obscuridade e do esquecimento pelo valioso acervo mantido pelas dirigentes do Conselho Estadual Cristão Espírita de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Santa Catarina - CEUCASC e pela sua disposição em cedê-lo. Esta generosa oferta permitiu a recuperação em detalhes do período entre 1977 e 1984, fase áurea e decisiva para a compreensão da problemática em nível local. Além deste acervo, os arquivos individuais de alguns religiosos foram preciosos para auxiliar na reconstituição temática, tanto a partir de materiais impressos quanto audiovisuais, em geral cedidos com grande boa-vontade, lembrando a solidariedade de uma obra constmída em “mutirão”.

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primórdios das religiões afro-brasileiras, de meados do século XEX e início do século XX, apoiamo-nos principalmente nas investigações que o pesquisador catarinense Oswaldo Cabral faz dos “benzedores e curandefros” que, nos anos 40, se fransfonnarão nos primefros umbandistas da região de Florianópolis. As décadas seguintes foram recuperadas afravés de depoimentos colhidos em entrevistas, uma coluna diária na grande imprensa local e algumas esparsas notícias pubhcadas em periódicos. Os anos 70, até meados de 80, foram privilegiados pelos mformativos pubhcados pelos próprios religiosos. Após este período, até a atualidade, as informações voltam a rarear, e foram recolhidas principalmente na grande imprensa e em alguns centros, produzidos por estes mesmos, restritos ao registro de sua experiência. Esta frajetória de desnivelamento na produção da informação explica o fratamento diferenciado dado a cada momento da redação da tese.

A pesquisa bibhográfica foi sucedida pela pesquisa de campo, na qual foram envolvidos dfretamente vinte terrefros dos mais variados pontos geográficos da área em estudo. Junto a estes, gravadas em vídeo entrevistas com seus líderes e participantes, além da freqüência, observação e documentação de cerimônias de todos os tipos promovidas por estes: fechadas ou abertas ao público, cotidianas ou em situações excepcionais, para as quais, alguns grupos confiantemente abriram-me suas portas até mesmo no caso de rituais íntimos, visando a possibilitar-me a vivência necessária para abordar o assunto “sem preconceitos”, como insistfram reiteradamente os participantes. Além dos terrefros, foram enfrevistados os responsáveis e contatadas frês entidades organizativas, um cenfro de pesquisas de cultura afro-brasileira e uma loja de artigos especializados, totalizando 46 enfrevistados, sendo que 2 destes participaram dos depoimentos em duas fases: uma, em seu próprio corpo fisico de médium e oufra “incorporado” ' com sua entidade espiritual.

Foi asshn que, tendo em mãos as peças do fascinante mosaico das rehgiões afro-brasilefras locais, colocou-se a necessidade de estender a contribuição para além do campo acadêmico, motor inicial da pesquisa. O

^Incorporar é entrar em transe, receber o orixá ou a entidade, ser possuído por eles. Diz-se: "a entidade incorporou no médium”; "o filho-de-santo está incorporado em um caboclo”, mas também “o médium incorporou um exu'\ Cacciatore, 1988 “Transe”, para a autora é termo utilizado por eruditos e por escritores

crentes. “Nos terreiros de Umbanda é dito incorporação e nos de Candomblé queda no santo e estado de

santo.. A s vezes há perda total de consciência. No momento da incorporação os movimentos da pessoa são violentos, depois acalmam. Os gestos, danças e gritos são os do orixá ou entidade incorporada. Rodopia sem cair, às vezes bebe, fixma, fala conforme o canto ou entidade. A desincorporação também traz movimentos violentos, após os quais a iniciada (o) estonteada por momentos volta ao normal. ” . No caso aqui referido, as

duas entidades espirituais - Vovó Generosa e Maria Padüha - também deram entrevistas para a pesquisa, incorporadas nas médiuns.

(19)

foi cercado por estigmas e que era necessário tentar compreendê-lo sem paixões ou pré-julgamentos. Assim, esta pesquisa tentou contribuir também para a reconstrução da trajetória do povo-de-santo e de suas práticas religiosas, buscando auxiliar no florescimento destas vozes que embalam as noites dos morros da Ilha e área continental, com belos cantos e toques ritmados, preenchendo de espiritualidade o espaço compreendido entre o céu e o mar da Grande Florianópolis.

Desta forma, a redação do trabalho foi organizada em duas partes: a primeira, denominada “Trajetória histórica das religiões afro-brasileiras:

de Desterro à Grande Florianópolis”, e a segunda, “As religiões afro- brasileiras na Grande Florianópolis na atualidade: práticas, concepções e desafios”.

A primeira parte, “Trajetória histórica das religiões afro-

brasileiras: de Desterro à Grande Florianópolis”, acompanha o

desenvolvimento histórico das religiões afro-brasileiras da Grande Florianópolis, identificada em quatro ciclos básicos, que explicitam seu desenvolvimento histórico, desde suas formas embrionárias até a afirmação e consolidação. 1. Os primórdios, que remontam aos finais do século XIX, nos quais as práticas religiosas restringem-se aos benzedores, curandeiros e “feiticeiros”, guardando estreita associação com as práticas altemativas de saúde popular; 2. O período que envolve as décadas de 40 a finais de 60, quando do surgimento dos primeiros terreiros e busca de afirmação da religiosidade; 3. a década de 70, na qual as religiões afro-brasileiras ocupam o espaço público na Grande Florianópolis e atingem seu auge organizativo, e a

década de 80, que, a partir da evolução dos anos anteriores, configurou-se

como a fase de consolidação, institucionalização e visibilidade dos religiosos e suas práticas 4. Os anos 90, caracterizados por crescimento numérico da base de adeptos e refluxo na organização coletiva. Os ciclos históricos são abordados em seis capítulos:

O capítulo I, denominado “Os primórdios: finais do século XIX até a década de 40” trata do embrião das religiões afro-brasileiras, que

localizamos neste espaço de tempo. Este período foi marcado pela preponderância dos estigmas e da violência fisica e simbólica sobre o chamado “povo-de-santo” local, o que impediu, naquele momento, a existência de espaços fisicos de expressão religiosa abertos ao público. Naquele momento, os primeiros praticantes eram denominados “benzedores”, “curandeiros” ou ainda, pejorativamente, "feiticeiros” e foram perseguidos pela opinião pública em geral e suas instituições, através da repressão fisica e

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Nesta época, a grande maioria dentre os que procuravam as práticas ou as exerciam, o faziam em tomo da busca de melhorias na saúde psicossocial ou física, quer dizer, as religiões afro-brasileiras locais atuavam principalmente no sentido de oferecer alternativas de saúde popular, em especial àqueles que não possuíam acesso ou não haviam encontrado respostas na medicina tradicional. Por isso, abordamos esta primeira fase enfocando principalmente a obra do médico e folclorista catarinense Oswaldo Cabral, que preocupou-se estreitamente com o tema, ora rejeitando abertamente os praticantes e seus métodos, como em suas primeiras obras, ora aceitando-os parcialmente em obras posteriores, como veremos. Confrontamos ainda suas idéias com outro importante pesquisador local, Franklin Cascaes. Sua obra foi escolhida porque, para este, os mitos e as práticas populares representam uma das mais relevantes altemativas para a população local, na razão inversa de Oswaldo Cabral.

Aliado a este viés da saúde popular, analisamos a formação da população negra local, o gmpo cultural que fomeceu a matriz religiosa, para chegar, enfim, à configuração das religiões afro-brasileiras naquele momento.

No capítulo II, “A busca da afirmação: 1940-1970” tratamos do surgimento dos primeiros terreiros de Umbanda em Florianópolis e do impacto que causou na realidade local. Anahsamos os conflitos, os preconceitos e estigmas, a violência, e as estratégias defensivas dos adeptos. Apontamos ainda os primeiros sinais do surgimento da institucionalização da religião em nível local.

No capítulo III, “Década de 70: O Auge”, exphcitamos, em detalhes, os acontecimentos, a correlação de forças e os inúmeros fatores que fízeram desta época a fase de maior organização, visibilidade e consequente institucionalização das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis e sua influência sobre a realidade social, política e cultural local. Buscamos desvendar também o início do adensamento urbano na região e o surgimento das novas exigências de adaptabilidade dos adeptos face aos desafíos emergentes.

No capítulo

rv, “O

povo-de-santo conta sua história na imprensa umbandista” enfocamos especifícamente os eventos, embates e composições de forças relatados pela ótica dos próprios religiosos, expressas em sua imprensa, examinada em 58 edições de periódicos. Ainda em pleno movimento de expansão, o povo-de-santo, vive intenso e acelerado processo organizativo, numa sucessão de eventos de grande visibilidade e criação de entidades coletivas.

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contínuo desenvolvimento da religião e da rede dos adeptos, e a segunda metade, quanto tem início o lento processo de refluxo, cujo ápice ocorrerá nos anos 90. O rápido adensamento das religiões afro-brasileiras, originou dois movimentos contrários: a expansão e institucionalização das práticas religiosas, caracterizadas pela aproximação com o Poder Público e maior visibilidade na mídia e, na outra face, o surgimento de novos opositores.

No capítulo VI, “Década de 90: em busca de novos rumos”, o

objetivo é analisar alguns casos a partir de notícias da grande imprensa, a principal fr)nte de informações impressas do período, procurando observar a recorrência dos temas e os ângulos de abordagem, a fím de identifícar as tendências e problemáticas desta fase, encerrando assim a primeira parte da pesquisa.

A segunda parte, “As religiões afro-brasileiras na Grande

Florianópolis na atualidade: práticas, concepções e desafios” busca traçar

um perfíl destas tanto nos aspectos físicos e especifícamente territoriais, quanto simbólicos e religiosos. Desta forma, a partir de entrevistas abertas com líderes e participantes dos terreiros, foram tematizados os principais eixos de problemáticas recorrentes que perpassam a base social do chamado “povo- de-santo” neste fínal de século na região.

Os entrevistados foram selecionados a partir de uma opção metodológica: o ponto de partida foi a indicação dos próprios religiosos daqueles que consideravam os líderes “tradicionais” do grupo e seus descendentes “no santo”, ou seja, os “históricos”. Este recorte resultou em geral, em confluência de valores, com exceção de alguns aspectos, que mantiveram-se polarizados.

Foram identifícados quatro grandes grupos de temas relevantes que emergiram dos depoimentos, organizados em capítulos, que ajudam a traçar um perfíl social, relacionai e espiritual do povo-de-santo da Grande Florianópolis. São eles: 1. A “queda no santo”, que trata das motivações que levam o indivíduo a integrar a religião; 2. Um reencontro para a eternidade, no qual são explicitadas as relações entre os médiuns e suas entidades espirituais; 3. O terreiro, seu mentor, seu chefe e os médiuns, que busca identifícar aspectos físicos e sociais dos terreiros e seus integrantes e de suas relações intemas e extemas, analisando especifícamente a atuação de dois gmpos de centros distintos: um, tomado como foco de exame do trabalho de formação e preparação religiosa intema, através do desenvolvimento mediúnico e outro, de atuação extema, observando sua ação assistencial comunitária. 4.0 item Dilemas do presente visa a identifícar os mmos que

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planos da materialidade e da espiritualidade. Localizamos os dilemas da mercantilização ou caridade polarizando a comercialização e o altruísmo religiosos; ostentação ou humildade, discutindo a posição que cabe a divindades e humanos e a relação enfre matéria e espírito no cotidiano ritual do povo-de-santo. O tercefro dilema está enfre tradição ou modernidade, como se relacionam e/ou se antagonizam na vida intema e extema dos terrefros. Por último, analisaremos a relação entre a Natureza e o povo-de- santo para verificar como este enfrenta um dos maiores problemas globais da atualidade - a degradação ambiental - que, ocorrendo no plano material ameaçando dfretamente a continuidade ancesfral da fradição religiosa afro- brasilefra.

Quanto à metodologia da redação do texto, optamos por não destinar uma parte específica à revisão bibhográfica sobre o tema das religiões afro- brasilefras, dada a exaustividade com que o tema tem sido fratado desde o princípio do século XX. Consideramos que uma nova revisão de literatura se tomaria repetitiva, além de correr o risco de permanecer incompleta, dada a rapidez e quantidade de estudos acadêmicos produzidos em tomo da temática em nível nacional, inversamente ao que ocorre em âmbito local - Estado de Santa Catarina ou a região da Grande Florianópolis aqui enfocada - sobre os quais o vazio documental é imenso. Face a esta configuração, escolhemos desenvolver o texto de forma a que o suporte teórico viesse acompanhando os elementos da pesquisa empírica, objetivando uma maior fluidez e aproximação dos autores com a pesquisa específica.

Esta investigação e o texto resultante dela foram concebidos com uma perspectiva que busca a coerência com xmia proposta interdisciplinar. Assim, acreditamos fratar-se de um frabalho de recuperação histórica que dialoga com as confribuições reflexivas da Anfropologia e da Sociologia.

Esperamos assim, que esta pesquisa consiga dar uma contribuição para compreender a complexidade e importância da atuação espiritual e social das centenas de terrefros organizados no “povo-de-santo”, a rede dos adeptos das rehgiões afro-brasilefras, espalhados por toda a Grande Florianópolis, afravés da compreensão de sua frajetória histórica e de suas práticas e concepções na atualidade.

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TRAJETÓRIA fflSTÓRICA DAS RELIGIÕES

AFRO-BRASILEIRAS DE DESTERRO

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CAPÍTULO I - OS PRIMÓRDIOS: FINAIS DO SÉCULO XIX ATÉ A DÉCADA DE 40.

Para compreendermos a origem das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis é preciso remontar às bases históricas do grupo que lhe deu origem; a população negra, de origem afiicana. O que nos interessa aqui é analisar o processo de enraizamento cultural local, retomando aspectos históricos do século XIX, na antiga Desterro, até a década de 40 do século XX em Florianópolis.

Dois aspectos são relevantes para entender a questão da religiosidade afro-brasileira local; as práticas dos “curandeiros, benzedores e feiticeiros” que estão na origem do surgimento dos primeiros umbandistas e sua relação com as práticas altemativas de saúde, motor principal e central que justificou e impulsionou esta forma de organização social e espiritual. Abordaremos esta perspectiva quando confrontada com as concepções hegemônicas da época, principalmente da Medicina Oficial e do saneamento público configurado na “missão higienizadora” das primeiras décadas. Este redefiniu valores, normas de conduta e espaços fisicos e sociais e esteve na base da repressão aos cultos afro-brasileiros no princípio do século XX.

1.1. BASES HISTÓRICAS DA POPULAÇÃO NEGRA EM DESTERRO

Evidentemente, a visibilidade de líderes religiosos e adeptos ocorrerá em maior ou menor intensidade conforme o momento histórico e o grau de repressão, inserção, ou aceitação da sociedade em relação às práticas.

Remontando à formação da Vila de Nossa Senhora do Desterro no século XIX - o então núcleo urbano relevante da região aqui analisada, pode- se observar, evidentemente, a presença de negros escravizados, a exemplo do restante do país.^ Segundo o historiador Oswaldo Cabral (1979), o escravo afiicano era originário dos mercados negreiros do Rio de Janeiro, pois Santa

* Alguns pressupostos históricos aqui apresentados foram indicados em trabalho anterior, que resultou em tese de mestrado denominada “O samba conquista passagem: as estratégias e a ação educativa das escolas de samba de Florianópolis”. Tramonte, 1996. As reflexões destinaram-se a entender o aspecto “profano” desta população como o carnaval e sua hegemonia cultural sobre a noção de brasilidade a partir daí construída. Entretanto, o foco da atendo será aqui direcionado para ^ofundar o aspecto do “sagrado” na vida dos negros de Desterro e demais “fireguezias”, até a formação da Grande Florianópolis do século XX. Portanto, as reflexões aqui expostas objetivam entender a face cultural que permaneceu quase invisível até os dias atuais.

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do grupo Sudanês e alguns Minas, que eram Nagôs e pouquíssimos Cabo- verdes e Songas. Piazza (1975) completa este quadro mencionando ainda as nações Angola, Costa da Guiné, Rebolla e Monjolo.

É importante observar que, com o processo da escravidão, os indivíduos negros desintegram-se totalmente do seu grupo de origem, desprendendo-se não só de suas famílias como de suas nações. Pelos apontamentos de Piazza em solo catarinense, aos negros era dado um primeiro nome português e o nome de sua nação como sobrenome, permitindo apenas uma precaríssima identificação para fins de comercialização nos mercados negreiros: Francisco Angola, João Benguella, Angélica Conga, Domingos Cassangue, Joaquina Mina, etc., além dos chamados simplesmente “mulatos” ou “crioulos” (nascidos na terra) como: Ana Crioula, Pedro Mulato, Gertrudes Crioula, João Crioulo, José Mulato, etc.

Piazza demonstra que o fluxo para o ingresso da população negra no litoral catarinense foi mais intenso no período compreendido entre 1789/1799. Tomando apenas as entradas para a região que nos interessa temos: vindos de Pernambuco para Desterro, chegando em 1799, 210 indivíduos, sendo 192 vivos e os demais mortos na viagem; da Ilha Grande para a lUia de Santa Catarina, chegando no mesmo ano: 102 embarcaram, 29 morreram e 73 desembarcaram. Piazza indica, a partir de 1803, a existência de 23,5% de escravos na população de Santa Catarina, um total de 4.215 indivíduos. Este montante mantém-se mais ou menos estável - variando de 18% a 26% - até 1857. Neste período a Vila de Nossa Senhora do Desterro abrigará grande parte deste contingente - de 1810 até 1840, cerca de 30% de negros escravos. Em 1856, um decréscimo para cerca de 20% em relação à população cativa total do Estado e, a partir daí, um decréscimo no montante geral em Santa Catarina, resultante das múltiplas medidas legais tomadas em prol da Abolição, resultado de pressões econômicas nacionais e estrangeiros^.

Embora seja possível traçar alguns paralelos gerais com o modo de produção escravista nas regiões economicamente mais importantes do país na época - como os grandes latifiindios de cultura de café, algodão e cana-de- açúcar - a região da Vila Nossa Senhora do Desterro e “freguesias” em tomo do que aqui focalizamos, apresenta algumas especificidades que a diferenciam profimdamente daquela, de onde'advém que a configuração da escravidão negra em âmbito local obedecerá a outra lógica.

^ Não nos cabe aprofundar aqui os motores econômicos, sociais e políticos do Abolicionismo, já que há inúmeras obras que tratam deste tema. Trataremos de retomar apenas os elementos que são decisivos para a compreensão da problemática religiosa aqui focalizada.

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Entretanto, o negro esteve presente desde os tempos da colonização e ainda que sua participação tenha sido reduzida em termos numéricos não foi nada desprezível, se analisarmos sua contribuição cultural ou mesmo social e econômica. Relatos de estudiosos que pesquisaram profundamente a vida e cultura da Ilha de Santa Catarina e entorno, como Franklin Cascaes'^, atestam sua inserção, senão macro-estrutural, ao menos estratégica na micro-estrutura econômica e social: “A escravatura fez grande falta para eles, [refere-se à

sua própria família, de origem portuguesa e açoriana) porque eu acredito que eles viviam mesmo às expensas dos escravos, do trabalho que eles praticavam na lavoura, na pesca, na pecuária que eles criavam gado

também

Diferentemente das grandes e prósperas regiões de latifúndios brasileiros, Desterro, desde os primeiros tempos de sua fimdação, era uma província pobre, com pequena densidade populacional e que sobrevivia em meados do século XVII com uma economia de subsistência.

A transformação da antiga atividade econômica de subsistência em economia de mercado vai começar a ocorrer por ocasião da chegada, por volta de 1737 de militares de carreira e com eles, famílias de oficiais portugueses para cumprir a fimção estratégica de defesa que era destinada a Desterro. Aos antigos pescadores e agricultores, agrega-se iraia parcela da população portadora de valores morais e sociais diferenciados, ocupando uma posição social diversa. Junto com os militares origina-se uma burocracia administrativa da capitania subalterna de Santa Catarina, ligada diretamente ao Rio de Janeiro.

A diferenciação social

A diferenciação social em Desterro principia com a formação deste quadro. Ò isolamento da antiga população de agricultores é rompido e novos valores passam a imperar, já que a Vila de Nossa Senhora do Desterro agora é

^ Ver as obras de Oswaldo Rodrigues Cabral, Walter Hazza, Octavio lanni e Fernando Henrique Cardoso. ^ Franklin Cascaes foi professor, escritor, artista plástico, desenhista e folclorista. Foi responsável pela preservação do patrimônio cultural da Ilha, que estava ameaçado de extinção pela decadência da vida rural face à modemização. Em 1983, sua obra foi recolhida ao Museu de Antropologia, da UFSC. O pesquisador recolheu anotações e fez desenhos e maquetes sobre a cultura ilhoa, baseado no que via e ouvia no interior da nha de Santa Catarina. Lupi, dez.1988. Boletim da Comissão Catarinense de folclore, nr.39-40, ano XXVI ^ In; Grucinsld, p. 42. Em trabalho anterior demonstrei como a organização cultural dos negros para as épocas festivas influenciou e determinou as formas de lazer urbano da Florianópolis do século XX, superando a influência européia no carnaval e hegemonizando os espaços públicos nesta época, abriado espaço para as camadas populares locais.

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baluarte estratégico do sistema português que a vila passava a cumprir. lamii (1960) relata que as formas tradicionais de dominação são suplantadas por um tipo de autoridade mais “moderna”, por assim dizer, sujeita diretamente às imposições do estatuto colonial. Desterro fícava sob pleno domínio econômico da legislação portuguesa e acelera-se a produção econômica, tendo início a integração a uma economia de mercado. Como seria de se esperar em situações de rápida transformação, inicialmente houve um desequilíbrio originário da insuficiência da produção. A chegada dos imigrantes açorianos é incentivada pelo govemo português para resolver o problema, mas, a vinda de famílias constituídas impediu a miscigenação.

Assim, de meados do século XVni em diante, o aumento da população de Desterro vai ser significativo: tropa, funcionários e os imigrados das Ilhas dos Açores - que, por trazerem famílias constituídas, não se miscigenavam - e negros escravos, como descrito anteriormente.

Por não estar plenamente integrada a lógica da estmtura colonial - já que sua missão era militar, de defesa estratégica, a Vila de Nossa Senhora do Desterro não possuía riquezas que possibilitassem e demandassem mão-de- obra escrava em quantidade tal que a integrasse no circuito do modo de produção escravista^, embora, esta lógica lhe fosse subjacente. A integração do negro na sociedade desterrense ocorre com esta especificidade numa economia que permanece quase estagnada até as primeiras décadas do século

XX^.

Escravidão negra em Santa Catarina: na contramão da Abolição

O que atesta este descompasso entre a macro-estrutura colonial e a lógica estrutural específica da região da Vila de Nossa Senhora do Desterro e entomo é que esta Vila surgiu como um local altemativo de negociação de escravos, justamente quando esta modalidade de comércio humano já se extinguia em todo país, resultado das inúmeras pressões - principalmente intemacionais - contra a escravidão negra. Piazza (op.cit) registra em Desterro um intenso movimento de compra e venda de escravos que se estenderá desde a época da chegada dos primeiros negros - nos finais do século XVIII - até meados do século XIX, quando a coibição do tráfico negreiro internacional já era uma realidade, mantida sob severa vigilância da Marinha de Guerra Britânica. Já imperava grande parte da legislação em defesa do escravo^ e

® A este respeito ver lanni, 1988.

^ Esta retrospectiva histórica da formação social de Desterro foi a^B-ofundada em Tramonte, 1996.

® Não cabe aqui ^ofundar as inúmeras leis que foram, paidatinamente, construindo a Abolição, entre elas a Lei do Ventre Livre, Lei Áurea, etc. já largamente discutidas em inúmeros trabalhos.

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assim, os centros agrícolas de São Paulo, Rio de Janeiro, Recôncavo Baiano e outros, nos quais havia lavouras extensivas, ressentiam-se da falta de mão-de- obra e principiava a busca pelos escravos nos centros menores, como Santa Catarina. Em âmbito local aumenta a demanda por aqueles, tanto que, a partir de 1867, em Desterro, desaparecem completamente os anúncios de vendas e permanecem somente os de compra de escravos. Entretanto, este período de transição durou um pequeno espaço no tempo pois, em nível do estado, já iniciavam-se as primeiras negociações para a vinda da mão-de-obra do imigrante europeu.

Havia ainda uma peculiaridade que registramos em trabalho anterior^, fundamental para entender a formação da população negra, as relações entre negros e brancos e a formação cultural de práticas afro-brasileiras locais; "Em

Desterro, a posse de escravos significava a integração numa determinada posição social, um status necessário para integrar a categoria senhor-de- escravo e afastar-se hierarquicamente do cativo. ”(p.69). Ou seja, se em

outros locais do país o distanciamento ocorrerá pela situação econômica de fato, coincidindo com a questão étnica, ou seja, a classe dominante era predominantemente rica e branca, em Desterro a pobreza extrema atingia negros e brancos indiscriminadamente aproximando-os na prática. Para fazer a diferenciação, era preciso adquirir escravos, ainda que fosse em pequeno número, para transpor a passagem estamental para a condição de “senhor de escravos”. Este seria um marco definidor para a compreensão da formação do preconceito racial local, dado estrutural para compreender como se originará a formação das populações afro-brasileiras na Vila de Nossa Senhora do Desterro e “frequesias” em tomo, e os obstáculos que este gmpo será obrigado a enfrentar, quase um século depois.

1.2. AS PRÁTICAS RELIGIOSAS DA POPULAÇÃO NEGRA NO SÉCULO XIX EM DESTERRO

Quando falamos de práticas religiosas da população negra em Desterro, não podemos esquecer o papel das Irmandades. Estas cumprirão um papel fundamental tratando de organizar os negros para participarem das festas religiosas da Igreja Católica. O Código de Posturas de Desterro, Lei 222, de 10 de maio de 1845 "proibia os ajuntamentos de escravos ou libertos...que

tiverem por objetivo os soutos reinados africanos” e vetou até mesmo os

temos-de-reis organizados por negros. Mortari (1995) demonstra que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos,

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fundada por volta de 1750, tratará de garantir a oportunidade para o encontro deste grupo e será um espaço, ora de controle por parte da hierarquia católica, ora de resistência, permitindo que o grupo negro participasse de festividades, nas quais era possível o relacionamento entre escravos livres e libertos e a circulação pela cidade.

Estas expressões do catolicismo popular praticadas pelos negros são fundamentais para compreender a origem da formação das religiões afro- brasileiras em Florianópolis. O Cacumbi^®, por exemplo, caracteriza-se pela intercalação de temas católicos com uso de palavras africanas, o que permanece na formação do sincretismo religioso afro-brasilefro^\ A contribuição das manifestações do catolicismo popular em Florianópolis foi principalmente no sentido de abrir caminhos à expressão religiosa dos negros, mais tarde diversificada e autônoma em relação à Igreja Catóhca, como o candomblé e alguns segmentos da Umbanda.

Quanto às práticas religiosas de origem africana em meados do século XVIII, pode-se dizer que, nesta época, no Estado da Bahia, já se tem regisfro da existência de candomblés. Carneiro (1961) revela que o primefro a fimcionar regularmente teria sido o Engenho Velho, fundado por volta de 1830, dando nascimento a todos os demais. O conhecido candomblé do Gantois, teria nascido de uma dissidência entre as fimdadoras daquele. Nina Rodrigues (1988) localiza uma notícia no jomal anunciando a fundação em 30 de setembro de 1896 de um “grande candomblé” já indicando a importância que teriam estas casas para a população negra baiana O artigo anuncia que duas linhas de bonde passam por ali “cheios de povo que para ali tem

afluído ” e revela também a problemática que será uma constante nas religiões

afro-brasilefras de todo país - a repressão policial. Diz o texto; “Entre as

'°Alves et. all. (1990) registram que a Irmandade terá um papel fimdamental na manutenção do Catumbi, que subsiste até o século XX em Florianópolis. Denominado “Caciunbi do Capitão Amaro", é uma manifestação da população de negros do Morro da Caixa D ’âgua, no Estreito, na parte continental da cidade. Piacentini (1991) revela que Francisco Amaro Campos (1906-1991), Capitão do Cacumbi, nasceu em 1906, é natural de Biguaçu, la Grande Florianópolis, dança desde os 10 anos de idade e conhece as letras afiicanas, as “profanas” e as dos cantos religiosos. Entre 1950 e 70 o Cacumbi do Capitão Amaro não dançou, ao que parece, por dificuldades financeiras causada pela falta do antigo ^ i o da Igreja Católica. A vinda do Capitão para a cidade deu-se em fimção do êxodo rural na década de 30, quando começaram as primeiras ocupações na região do Morro da Caixa D'Âgua, integrando o contingente negro que ocupa-se na construção civil. Segundo Alves et all. o grupo de Florianópolis sobrevive atualmente apenas como “folclore”, perdendo a associação inicial com as necessidades místicas sociais da comunidade, devido ao impacto da modernidade. Segundo Piacentini, em 1980, o núcleo inicial de moradores negros oriundos das áreas rurais representava somente 20% da população do Morro da Caixa d’Âgua. A perda de identidade do gnq» teria ocorrido devido às péssimas condições materiais e à falta de participação nas periferias urbanas, criando uma dependência de apoios externos.

" Exemplo recolhido por Doralécio Soares no fimeral do Capitão Amaro; "Avuou uma ave/daquela janela/é

um papagaio, papagaio/de pena dourada/ó matumba, ó querenga orunganda/orunganda/ó matumba/ó querenga”. (Boletim da Comissão Catarinense de Folclore, n.43-44, ano XXIX, dez. 1992.

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pessoas que foram apreciar o candomblé achavam-se uma autoridade policial e diversas praças de polícia à paisana e alguns secretas da mesma polícia

Se a primeira “roça”^^ de candomblé de que se tem notícia localiza-se na Bahia e data de 1830, na mesma época em Desterro e adjacências, se tem vaga notícia apenas da prática de “feitiçaria”^'*. Cabral analisa detidamente essas práticas em suas obras destinadas ao estudo da medicina ofícial,

teológica, benzedores e aos “charlatães”, como denomina

indiscriminadamente a todos aqueles que não fazem parte deste grupo e exercem práticas populares de saúde^^. Analisaremos suas contribuições mais adiante, quando tratarmos das relações entre religiões afro-brasileiras e usos terapêuticos. Pelo momento basta dizer que, em relação às “práticas de feitiçaria”^^ no século XIX, o pesquisador informa que “elas não eram

desconhecidas e estavam previstas já em 1831, quando uma Postura proibia que se retirasse dos cemitérios ou covas de Igrejas, fragmentos de ossos destinados à prática de feitiçaria. ” (p. 408^. Ele afírma que, devido ao fato de

Diáiio de Notícias, 5/10/1896. In; Rodrigues, Nina, 1988.

^^“Roça = O mesmo que terreiro... conjunto de terrenos e casas onde se processam as cerimônias religiosas e os preparativos para as mesmas, nos cultos afro-brasileiros, tanto de Candomblé(Ilê), como de Umbanda (Tenda, Cabana, Centro) e outros.” Cacciatore, 1988. Na Grande Florianópolis a denominação “roça” é

utilizada exclusivamente pelos praticantes do candomblé, sendo os demais termos utilizados indiscriminadamente por todas as religiões afro-brasileiras. Não registrei, em âmbito local o termo Cabana citado pela autora.

Braga (1995) informa-nos que a Carta Constitucional de 1824 já acenava com um direito limitado de professar diferentes religiões. Diz o texto : "A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião

do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas sem forma alguma exterior de templo”, (p. 149, grifo meu). Maggie (1992) informa que,

com o Decreto de 11 de outubro de 1890, o Estado criou o Código Penal e os mecanismos de combate aos feiticeiros. O Código continha três artigos: prática ilegal da medicina; prática da magia e proibição de curandeirismo. (p.22)

Claro está que as formas embrionárias das rehgiões afro-brasileiras na Desterro do século XIX até os anos 40 do século XX, praticadas por indivíduos isolados em casas particulares, estavam absolutamente dentro da lei. Portanto, a perseguição só se justificaria se fossem taxadas de “feitiçaria e falsa medicina”, estas sim ilegais, o que de fato ocorrerá. Com a fundação dos primeiros terreiros a partir dos anos 40, em Florianópolis, a configuração tomará outras formas que analisaremos a contento.

Maggie (1992) demonstra que, na década de 20 do século XX, no Rio de Janeiro, são muitas as investidas contra os centros espíritas e a preocupação com práticas ditas nocivas à saúde pública será o centro das motivações. O mesmo ocorre em Florianópolis, alguns anos mais tarde, no contexto das normalizações de condutas higienizadoras e ditas “modemizadoras” da área uibana.

Maggie analisa que, desde 1890, período republicano no Brasil, não se penalizava o exercício do espiritismo, mas, sim, seu alegado “ mau uso” aí incluídos os casos dos médicos sem diploma e o artigo 156 - prática ilegal da Medicina. Só que na “prática ilegal” estariam incluídos todos que se utilizam de métodos de cura que não pertenciam ao campo de conhecimento da Ciência oficial. Os denominados “curandeiros” usavam poderes sobrenaturais para a cura e as acusações eram, então, de produção do mal, taxada como “feitiçaria”. As acusações nomeando a macumba, o candomblé e o espiritismo científico só começam a surgir a partir de 1920, após o periodo de referência do surgimento oficial da Umbanda. Na análise da obra de Osvaldo Cabral veremos que, em Florianópolis, sob o estigma da feitiçaria empreendeu-se a perseguição a benzedeiras e curandeiros desde meados do século XDC até por volta da década de 40 do século XX, quando o termo não é mais utilizado, mais a prática da perseguição sim, surgindo a denominação “macumbeiro” com matiz acusatório, que permanece até os dias atuais.

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Desterro ser pequena e pouco habitada, qualquer ação desta natureza seria evitada pela facilidade de ser descoberta. Ele credita a pequena incidência das notícias na imprensa da época sobre o tema a outro dado curioso: o medo dos jomalistas de que as “feitiçarias” se voltassem contra o pessoal da redação^^.

O medo do feitiço

Aliás, o “medo do feitiço” será uma constatação constante em vários autores que trabalharam as religiões afro-brasileiras. Ao analisar os processos criminais de repressão à feitiçaria e para compreender como se organiza a crença nesta, Maggie (1992) discorre longamente sobre a permeabilidade do feitiço na cultura brasileira. Ou seja, indivíduos de todas as classes sociais, oriundos de todas as formações culturais, com qualquer inserção política e econômica passam pelo “temor do feitiço” e este interfere e determina as relações entre autoridades, instituições e praticantes das religiões afro- brasileiras. Analisando os processos criminais ela afírma que ninguém, no Brasil, estranha que alguém possa “receber espírito, fazer trabalhos de

macumba, estar manifestado, z«cor/7oraí/o”(p.l86) Todos partilham da mesma

crença: a existência de espíritos que incorporam e a possibilidade de que façam o mal. A dúvida é: quem incorpora, ou quem apenas finge?

Segundo Maggie, a própria crença nos espíritos jamais é posta em questão. Ela mostra como autoridades nacionais em todos as instâncias - sejam policiais ou meramente administrativas, evitaram o confronto direto com a pessoa do feiticeiro e preferiram, em geral, desfazer o feitiço, tirando sua força - daí as inúmeras batidas policiais e fechamentos de terreiros - para “garantir” que este não se voltasse contra os repressores. Haveria, em sua concepção, uma verdadeira hierarquia - entre falsos e verdadeiros espíritos, rituais e crenças e a totalidade dos envolvidos - autoridades, pohciais, rehgiosos atuariam com base neste escalonamento deste corpo de valores dos quais todos, sem exceção, seriam partidários. É esta hierarquia, para Maggie, que garante, inclusive, a superioridade de alguns gmpos das religiões

afro-1 R •

brasileiros sobre outros , e organiza todo o campo religioso.

A autora mostra como a repressão às religiões em colônias inglesas na África ocorreu de maneira totalmente diferenciada em relação ao Brasil, porque as autoridades européias não “temiam o feitiço”, antes o desprezavam

Pedro (1994) registra a prisão em 1911, de três mulheres por “Furto e prática de Feitiçaria” (p. 160). Importa registrar que a alegação de “feitiçaria” justificava a prisão de seus praticantes.

‘*Lody (1987) fala em “nagocracia”, analisando o fenômeno da tentativa, de lideranças do candomblé jeje- nagô com o apoio de intelectuais, de colocá-lo em grau de superioridade sobre outros, como por exemplo, o candomblé de caboclo, considerado um desvirtuamento em prejuízo da “pureza africana”. Ele acredita que este é um conceito falso, uma “pura utopia”, (p.76)

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como traço de primitivismo evidente. Nina Rodrigues também detectou, em relação às práticas de feitiçaria no Brasil, “o desprezo apenas aparente das

classes influentes, que, apesar de tudo, as temem”, (p.239) Para Bastide

(1985) diversos ingredientes contribuíram para este sentimento brasileiro em relação à magia: em primeiro lugar, uma herança das superstições do português colonizador que, longe de sua terra natal, sentia-se inseguro diante do estranho e do desconhecido agravado pela ausência de uma medicina científica. Além disso, os africanos e seus descendentes em solo brasilefro reuniam dois elementos temíveis pelo europeu: ser esfrangeiro, e portanto, esfranho e ser negro, cor associada ao demônio no senso comum. Enfretanto, a atitude do branco será sempre ambivalente: “de um lado aceitará sua magia

medicinal...e de outro terá receio do feiticeiro escravo que conhece plantas venenosas” (p. 189). Para Bastide, esta duahdade está associada à oposição

cidade-campo. Nas áreas rurais o negro possuía mais prestígio, associado ao médico ausente. Na cidade, a magia africana choca-se com o clero romanizado e se deprecia em contato com os brancos que lhes pediam receitas para fins escusos, por exemplo, eliminar rivais no amor ou inimigos políticos.

Gilberto Freyre (1999) também analisou a formação da feitiçaria nacional. Ele aponta que, nos documentos do Santo Ofício no Brasil há vários regisfros de bruxas portuguesas. Apesar de admitir que suas práticas podem ter tido influência africana, em sua essência foram expressões do satanismo europeu que permanece, em combinação com a feitiçaria africana ou indígena.

“Em Portugal...Boticários astutos ...faziam fortuna vendendo a erva pombinha defumada, com dentes de defuntos lançados sobre tijolos em brasa...Da crença nos sortilégios já chegavam impregnados ao Brasil os colonos portugueses. A feitiçaria de direta origem africana aqui desenvolveu- se em lastro europeu. Sobre abusões e crenças medievais”.{p.324). Ele

descreve como a mulher grávida passou a ser resguardada por uma série de práticas nas quais, às influências africanas misturaram-se fraços de liturgia catóhca, muitas vezes descaracterizados e ainda sobrevivências de rituais indígenas. Ganha relevância na temática das crenças e práticas, as de magia sexual, segundo Freyre, “coloridas” pelo intenso misticismo do negro, algumas oriundas da África, oufras africanas apenas quanto ao aspecto técnico, com a utilização de animais e ervas indígenas. Na época colonial, paradoxalmente, os “escravos macumbeiros” tinham grande prestígio junto a seus senhores brancos idosos e desgastados, devido à perícia com que atuavam no preparo de feitiços sexuais e afrodisíacos. Em tomo do recém-nascido também articulavam-se as correntes místicas: de um lado a africana ou ameríndia, e de oufro, a portuguesa; as primeiras como ama-de-leite, mãe- preta ou mãe-de-criação materializadas na escrava africana, os segundos, os

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