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CAPÍTULO II - MARCOS SOCIOECONÔMICOS E

POLÍTICOS DO REGIME REPUBLICANO

1.1 Queda do regime monárquico e articulação política da candidatura do

mineiro Affonso Penna

O Manifesto, marco importante da queda do regime monárquico, promulgou-se em 3 de dezembro de 1870 e simbolizou o processo de implantação do regime republicano no Brasil, em 1889. Foi lançado como resposta à dissolução da Câmara dos Deputados, ocorrida em 1868, considerada pelos liberais formadores do Clube Radical “[...] um ato despótico do monarca, um excesso do Poder Moderador.” (DEBES, 1977, p. 82 apud REAL, 2004) Mais do que seguir a tendência revolucionária dos movimentos de outros países, este fato foi o estopim que deu início a Propaganda Republicana1, simbolizada através do Manifesto.

A partir da divulgação desse documento, redigido por Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça, o movimento republicano tomou corpo, estruturou-se não apenas no Rio de Janeiro, mas também em outras províncias, principalmente em São Paulo, tendo sido, em Itú, realizada a Convenção Republicana, em 1873, onde ocorria a festa inaugural da linha férrea da Companhia Ituana. A plenária desta Convenção tomou a decisão de constituir o Partido Republicano, em substituição ao Clube Radical, uma estrutura política para consolidar os ideais de extinção da monarquia, lutar pelo aniquilamento das instituições vigentes e suas normas de funcionamento, com vistas a estabelecer bases de atuação do estado (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 529).

Assim, o marco da proclamação da República, e do fim da monarquia, com a passagem do poder para administração “dita” pública, deu-se no dia 15 de novembro de 18892. Parece que a queda da monarquia no Brasil não tenha sido um ato programado com antecedência, com base em procedimentos lógicos e racionais, ao contrário, foi uma decisão tomada no calor das emoções, e em clima de confusão. Ato realizado no afogadilho, categorizado por analistas como golpe político e com a concorrência de militares. De toda

1

“Quando Affonso Penna iniciou sua vida profissional, a propaganda republicana estendia-se pelo território mineiro, especialmente nos núcleos urbanos. Minas Gerais contava com 56 Clubes republicanos, mais que São Paulo com 48.” (LACOMBE, 1986, p. 43)

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“Os relatos históricos, em geral, retratam o golpe de 15 de novembro como uma operação simples, embora são muitas as incertezas. O espectro ideológico era amplo: militares influenciados pelo positivismo comtiano, republicanos históricos de vários matizes e monarquistas liberais, como o próprio Rui (Barbosa), que acabavam de abandonar o barco de Pedro II. Uniam-se pelo óbvio descontentamento com a situação imediata, e não por uma convergência amadurecida de objetivos e pontos de vista.” (LAMOUNIER, 2005, p. 97)

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maneira, a decomposição da monarquia foi precedida por seu enfraquecimento, sob o peso da perda de legitimidade popular e do desânimo do imperador Pedro II que, envelhecido, desinteressava- se cada vez mais do governo (LAMOUNIER, 2005, p. 94). “Pedro II sofreria forte desgaste – às vezes pelo que fez, e com freqüência pelo que deixou de fazer – e, com o tempo, também se tornaria um fator de desencanto com o regime monárquico.” (LAMOUNIER, 2005, p. 95).

Os acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889 foram divulgados na Imprensa, como também os primeiros atos da República.

Figura 2 - Boletins da Imprensa retrataram a Proclamação da República Fonte: (GUERRA; LAURYSTON, 1976)

O mineiro Affonso Penna, antigo conselheiro e Ministro de Estado da Monarquia, não participou desse acontecimento, causando- lhe forte impressão a ação militar que desencadeou o processo, afastando-se dos ideais de uma verdadeira república. De toda maneira, seu propósito então foi dar o fato como consumado e marchar para o futuro, levando a pauta da defesa dos direitos civis. Isso pôde ser observado em cartas destinadas aos correligionários, entre novembro a dezembro de 1889.

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Figura 3 – Carta de Affonso Penna aos correligionários

Fonte: (Arq. Nac. A.A.P. Ref. 7.37 apud LACOMBE, 1986, p. 126-127)

A surpresa do movimento foi geral, levando alguns integrantes da vida política a se encaminharem francamente para a conspiração, mas parte significativa dos antigos políticos enquadrou-se nos velhos grupos (LACOMBE, 1986, p. 125). Ou seja, a transição para um novo regime conservo u no poder os dirigentes do antigo regime.

Os debates parlamentares, em 1888, haviam revelado a ameaça de queda do regime monárquico. Mesmo que Affonso Penna estivesse ciente de possíveis movimentos militares, “[...] exatamente nas vésperas da instalação da nova Câmara, já em secessões preparatórias [...]” (LACOMBE, 1986, p. 123), ele não previa o golpe político. Sua primeira reação levou a se afastar da política. Mas logo em seguida, enviou ao antigo Ministro da Monarquia, Sr. Visconde de Ouro Preto, uma carta de solidariedade, considerada como o mais famoso protesto monarquista, que revelava, inicialmente, o estado de espírito dos políticos monárquicos: a espera de uma reação que não houve (LACOMBE, 1986, p. 123).

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Figura 4 - Carta escrita por Affonso Penna dois dias após a Proclamação da República Fonte: (LACOMBE, 1986, p. 123)

Em Minas Gerais, a mudança do novo regime tomou aspecto particular, “[...] como a bomba estourou nas mãos dos liberais, a nova ordem de cousas, não foi, por este Brasil em fora, mais do que a ascensão do Partido Conservador ao poder.” (LACOMBE, 1986, p. 124). Os velhos liberais se reagruparam e a premência em organizar a nova força política forçou-os a atrair os valores revelados no Império. A maior personalidade do momento era Cesário Alvim3, à frente do governo mineiro. Porém, a incompatibilização entre este e Floriano Peixoto, em exercício na presidência da república (1891 – 1894), fez com que Affonso Penna fosse chamado para completar o período governamental de Alvim. Assim, no tempo relativamente curto, chefiou o governo. “Alvim passou para a oposição e o tradicional republicano, João Pinheiro, considerado expoente do espírito republicano mineiro, retirou-se de toda a cena. Bias Fortes, antigo colega de faculdade de Penna, perma neceu ligado ao governo, sob o pálio do florianismo.” (LACOMBE, 1986, p. 124)

3 Primeiro governador eleito pelo Congresso Mineiro na forma da Constituição. De 70 votantes, obteve 68 votos,

resultado considerado expressivo. Para efeito de complementação, é importância destacarmos que Cesário Alvim, foi uma figura que marcou a linha divisória entre os grupos políticos. Alvinistas e antialvinistas formavam as principais correntes (LACOMBE, 1986, p. 154).

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Affonso Penna foi acolhido pela ala de tradição liberal dos republicanos mineiros. Porém não foi o espírito de adesismo que o orientou. O traço principal de seu caráter, a compostura, não foi maculado, prevalecendo seu espírito cívico, o ânimo ao trabalho público, sua dedicação à terra natal. “Essa mesma generosidade d’alma é que inspiraria [...] ao conselheiro, tão marcado na sua personalidade moral pelos traços monárquicos.” (MAGALHÃES, 1957, p. 148 apud LACOMBE, 1986, p. 126). Penna era figura de prestígio, pouco afeito à trama política coronelista, tinha um perfil mais de conselheiro do que de líder, fundado “[...] na independência em relação aos agrupamentos políticos, numa política menos comprometida com interesses eleitoreiros ao que acrescia seu grande valor intelectual e a projeção que adquiria na militância política do império.” (RESENDE, 1982, p. 99 apud LACOMBE, 1986, p. 247).

Com a Proclamação da República, o presidente e o vice-presidente passaram a ser escolhidos pela maioria absoluta para um mandato de quatro anos sem direito a reeleição. Caso não houvesse a maioria absoluta nas urnas, deveria ser escolhido um dos dois mais votados pelo povo (representado pelos maiores de 21 anos, e não analfabetos, de acordo com a Lei Saraiva, última legislação imperial). Esse movimento trouxe algumas conquistas: a dissolução das Assembléias Provinciais e das Câmaras Municipais; a criação do governo provisório chefiado por Deodoro da Fonseca, que se tornou presidente constitucional, eleito pelo Congresso, em fevereiro de 1891 (LAMOUNIER, 2005, p. 101); e a abolição da exigência de determinada renda para ser eleitor ou até mesmo para ser candidato, deixando o direito de voto de ser censitário para se tornar universal.

A primeira Constituição da República, editada em 24 de fevereiro de 1891, concedeu autoridade suprema do país ao presidente, constituiu a forma federativa de governo concedendo importância aos Estados na recém- inaugurada ordem política. Instaurado o presidencialismo, com funções específicas para deputados e senadores, o presidente, eleito diretamente pelo povo, usufrui de poderes para escolher livremente os Ministros de seu governo. Os Estados e o Distrito Federal seriam representados por três senadores, com mandatos de nove anos, e por deputados em número proporcional às suas respectivas populações, com mandatos de três anos.

Com a Constituição promulgada, criou-se também um novo sistema eleitoral a ser adotado nas eleições da Câmara dos Deputados, em 1892.

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Os estados foram divididos em distritos eleitorais, cada um deles elegendo três deputados. [...] O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi dividido em cinco distritos eleitorais, cada um deles agregando diversos municípios. [...] Cada eleitor votava em 2/3 do número de candidatos do distrito, nos distritos de quatro ou cinco deputados, votava em três nomes. [...] Assim que acabava a votação, a mesa contava os votos e enviava os resultados de todas as mesas eleitorais para serem apurados. Os três candidatos mais votados eram eleitos. Este sistema foi utilizado na eleição de deputados de quatro legislaturas: 1894-96; 1897-99; 1900-02; 1903-05 (NICOLAU, 2004, p.31).

A nova lei eleitoral, de 1904, criou o voto “dito” secreto. Antes de depositar seu voto na urna o eleitor assinava e apresentava diante a mesa eleitoral as duas cédulas, as quais eram datadas e rubricadas pelos mesários, uma era depositada na urna, e a outra, ficava de sua posse, não possibilitando ao processo ser confidencial. Tal prática passou a ser a principal responsável pela falta de franqueza nos pleitos eleitorais. O que proporcionou as lideranças e aos candidatos controle sobre os votos dos eleitores, podendo exigir, através da cópia, uma prova. O curioso é que as cédulas eram trazidas no dia da eleição pelos eleitores, disponibilizadas para serem recortadas através das publicações em jornais impressos da época. Caso o eleitor não a trouxesse, os cabos eleitorais a forneciam, no entanto, já estavam preenchidas com os nomes dos seus respectivos candidatos.

Títulos como o da figura 5 foram utilizados para eleger os s presidentes: Affonso Penna (1906-1910), Hermes da Fonseca (1910-1914) e Wenceslau Braz (1914-1918), além de membros para as legislaturas federais, presidentes dos estados, membros dos congressos legislativos estaduais e câmaras municipais.

Figura 5 - Título de Eleitor no início do Século XX Fonte: www.tre-sp.gov.br

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Desse modo, ocorreu “[...] a passagem do regime monárquico, que resguardava contra os interesses da política o posto do chefe supremo da nação, para uma estrutura que se firme e revigora nas sucessões presidenciais, momentos decisivos da vida política que se inaugurava” (SOUZA, 1982, p. 163). Em suma, as três grandes coordenadas legais da Primeira República foram o federalismo (que surge no atendimento às necessidades de expansão e dinamização da agricultura cafeeira), o presidencialismo e a ampliação do regime representativo.

O Partido Republicano Mineiro renasceu em 1897, sob a direção de Bias Fontes. Uma convenção, com esse objetivo, foi realizada por dissidentes do Partido Republicano Constitucional Mineiro (PRC), em 21 de dezembro de 1897, aprovando “[...] os fundamentos do novo Partido [...], cujas bases vão constituir um dos mais fortes grupos políticos do Brasil e transformar-se no modelo das oligarquias.” (LACOMBE, 1986, p. 248). Seus políticos, a partir de agora mais organizados, ambicionavam privilégios federais, já que consideravam sua província tão importante qua nto a de São Paulo.

Depois da Proclamação da República, a escolha do presidente e do vice-presidente, para o primeiro quadriênio, deu-se em condições excepcionais, pela Constituinte, com o Congresso cercado de tropas. Deodoro da Fonseca (1889-1891) entregou o governo a Floriano Peixoto (1891-1894), que terminou o mandato pela renúncia de Deodoro, não influindo na escolha de seu sucessor.

Os presidentes que sucederam Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto4 tais como, Prudente de Moraes5, Campos Salles6, Rodrigues Alves7, Affonso Penna8, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca, enfrentaram dificuldades relativas a um regime em fase de implantação. A epopéia de Canudos9, movimento social, de natureza revolucionária , teve como resposta do governo Prudente Morais à intervenção armada; o presidente Affonso Penna incentivou a industrialização; e Nilo Peçanha, a quem, com a morte de Affonso Penna, coube terminar o mandato, soube conciliar os ânimos exaltados com a iminente eleição que empossou Hermes da Fonseca (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 593).

4

Deodoro renuncia à presidência, assumida em 23 de novembro de 1891 pelo vice, Floriano Peixoto, até o fim do mandato. (LAMOUNIER, 2005, p. 101)

5

Assumiu o cargo de presidente em 1894, com 84, 30% dos votos válidos, sendo que 2,21% da população total votante. (LAMOUNIER, 2005, p. 101)

6

Assumiu o cargo de presidente em 1898, com 90, 90% dos votos válidos, sendo que 2,70% da população total votante. (LAMOUNIER, 2005, p. 101)

7

Assumiu o cargo de presidente em 1902, com 91,70% dos votos válidos, sendo que 3,44% da população total votante. (LAMOUNIER, 2005, p. 101)

8 Assumiu o cargo de presidente em 1906, com 97, 90% dos votos válidos, sendo que 1,44% da população total

votante. (LAMOUNIER, 2005, p. 101)

9

Revolta ocorrida nos primeiros tempos da República, pelo descaso dos governantes com relação aos grandes problemas sociais do Brasil..

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Figura 6 –Ex-presidentes republicanos entre os governos de 1889 a 1906 Fonte: www.culturabrasil.pro.br

A grande oportunidade de Affonso Penna na política surgiu quando Campos Salles10 indicou os nomes de Rodrigues Alves e Silviano Brandão, respectivamente, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República. “A função do vice-presidente da República, à época, era quase honorífica. [...] Cabia- lhe, como compensação, a presidência do senado, que alguns não exerceram praticamente.” (LACOMBE, 1986, p. 251)

No entanto, Silviano Brandão faleceu11 antes de sua posse em setembro de 1902, e coube ao mineiro Affonso Penna substituí- lo no cargo (CARONE, 1977, p. 230), por força da indicação de seu nome, na convenção, para assumir a Vice-Presidência.

Para suceder Rodrigues Alves (1902-1906), estava em ascensão o nome de Berna rdino de Campos, eleito duas vezes presidente do Estado de São Paulo e antigo Ministro da Fazenda. Compelido pela política paulista, o Presidente pretendia fazer dele seu sucessor, “[...] sob o fundamento da necessidade de haver coerência na política financeira” (LACOMBE, 1986, p. 254). De outro lado, Pinheiro Machado defendia o nome de Campos Salles. Mas permanecia a expectativa de o Vice-Presidente, Affonso Penna, ser o candidato natural à sucessão. Rodrigues Alves comunicou a este sua decisão de apoiar a candidatura de Bernardino de Campos, através de carta datada de 15 de março de 1905, apelando favoravelmente à candidatura de Bernardino. Seu signatário “[...] contava com o bom senso-mineiro para vencer a pedra no caminho que era a candidatura Campos Salles e seu lançador

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Para o estudioso da Primeira República, o mais difícil desafio consiste em avaliar a chamada “política dos governadores”, implantada por Campos Salles (1898-1902). “Ao assumir plenamente as rédeas do poder, a partir do governo Prudente de Morais (1894-1898), não quis a elite dirigida cafeicultora de São Paulo e Minas Gerais enfrentar o desafio de implementar um programa político de verdadeira construção institucional, que implicaria revisar a Constituição de 1891 e consolidar a democracia republicana em bases modernas e pluralistas, com melhores práticas eleitorais e uma efetiva organização partidária em nível nacional. Mais urgente, como declarou o próprio Campos Salles, era estabilizar os mecanismos de governo a fim de equacionar problemas econômicos urgentes, em vista da contínua queda no valor das exportações e da perda de credibilidade internacional.” (LAMOUNIER, 2005, p. 98)

11 Quando ocorrera a morte de Silviano, Rodrigues Alves mandara oferecer a Salles candidatura à vice-

presidência da República. Foi encarregado dessa missão Lamounier Godofredo. A esse emissário confiou Salles a resposta negativa com agradecimento e promessa de apresentar outro nome de maior projeção no país. E trouxe o nome de Penna.

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gaúcho.” (LACOMBE, 1986, p. 257). No entanto, Affonso Penna respondeu em tom de sinceridade, conforme fragmentos selecionados da carta do dia 21 de março de 1905.

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Figura 7 – Manifestação de Affonso Penna ao presidente Rodrigues Alves Fonte: (Arq.Nac. A.A.P. Ref. 1.1.514 apud LACOMBE, 1986, p. 257-260)

Por meio dessa síntese, compreendem-se os fatores da crise econômica e política que abalou a segunda metade do mandato de Rodrigues Alves e de seu vice Affonso Penna (1902-1906) influindo decisivamente no desenvolvimento posterior da história republicana, bem como a candidatura e o governo de Affonso Penna e do vice, Nilo Peçanha (1906-1909).

[...] os políticos paulistas, como representantes da região mais interessada na cultura cafeeira, não se cansavam de fazer sentir ao presidente Rodrigues Alves a urgência de uma ação qualquer sobre o câmbio monetário que viesse neutralizar as constantes chamadas de crédito do exterior determinadas pelo seu programa de grandes obras e pelos empréstimos regionais. Os agricultores, como já observamos, tinham a elevação da taxa cambial como ruinosa aos interesses da sua indústria. No abaixamento do custo de produção pelo barateamento da vida, por meio de uma redução geral dos impostos, era coisa na qual ninguém pensava na ilusão de rápido progresso das grandes obras em andamento. (SILVA, H., 1983, p 32)

A estratégia projetada de valorização do café envolveu medidas políticas que foram além dos propósitos econômicos cogitados a princípio, por trás das atitudes de salvar a economia brasileira, interesses políticos rondavam o Convênio de Taubaté. “Insensível, mas inevitavelmente, a campanha pela valorização veio desaguar no problema da sucessão presidencial [...]” (SILVA, H., 1983, p. 151), apesar de Affonso Penna “[...] tivera sua

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candidatura apresentada normalmente dentro do esquema em que se processaram as escolhas dos presidentes, nos ‘conciliábulos’ que Borges de Medeiros anatematizou. ” (SILVA, H, 1983, p. 151)

Com a candidatura de Penna apoiada nas posições favoráveis aos cafeicultores, na defesa do Convênio de Taubaté, a partir daí os paulistas, desiludidos de mover o presidente aos seus apelos sobre os negócios cambiais e descontentes com as largas idéias de Bernardino de Campos, nomeado candidatado por Rodrigues Alves, em oposição ao Convênio, onde não viam nenhum milagroso pronto alívio às suas inquietações, resolveram negociar o valor político de seu Estado, trocando a sua completa desistência da sucessão presidencial pelo predomínio de seus interesses cafezistas no programa administrativo do novo governo federal. “Foi assim que a lavoura de café do Estado de São Paulo, combinando-se com os estreitos interesses dos industriais de manufaturas e as subalternas conveniências pessoais e políticos de profissão, sacrificou a candidatura Bernardino de Campos.” (SILVA, H., 1983, p. 33). O ir e vir das negociações fez com que o candidato por Minas Gerais, Affonso Penna, emergisse como único a apresentar-se ao eleitorado, interrompendo com a sucessão dos presidentes de São Paulo (SODRÉ, 1977, p. 318).

Sabe-se que a eleição de Affonso Penna, foi fruto do famoso Convênio de valorização do café. Ela não teria o significado progr essista na história republicana se não fosse a corajosa adoção de uma política intervencionista, defendida pelos mineiros, a qual distinguia-se dos ideais paulistas e esses frente à resistência passiva. Minas Gerais absorveu do encontro de Taubaté não somente uma solução regionalista, mas sim nacionalista (LACOMBE, 1986, p. 367).

A princípio, quando nomeada a candidatura de Bernardino de Campos, o mesmo criticou os desacertos da administração e preconizou uma reorganização que só pode ser feita com uma revisão constitucional (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 147), como também a política do café com leite, pela qual se revezavam representantes do Partido Republicano Paulista (PRP ), grupo forte, desde o início da República, e que concorrera para o ressurgimento do Partido Republicano Mineiro (PRM). Segundo o candidato, tal política, firmada através do Convênio de Taubaté, representava uma maneira de controlar o preço do café, mas também uma armadilha para manter a influência dos fazendeiros na política nacional. O presidente Rodrigues Alves (1902-1906) também era contrário a esta política, na medida em que a considerava uma nefasta intervenção do Estado em favor de interesses de oligarquias econômicas, cujo ônus recaía nas costas do cidadão comum. Alegava que a “[...] defesa dos preços não se faria com a valorização artificial, mas como uma boa

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comercialização do café, fundada no crédito do produtor.” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 141).

As declarações do candidato paulista, Bernardino de Campos, provocaram uma avalanche de ataques da imprensa, dos cafeicultores e dos meios políticos, não só ao próprio candidato como extensiva ao Presidente da República, à frente da campanha sucessória. Alcino Guanabara, jornalista e deputado federal, entrevista Bernardino e publica declarações no jornal O País, “queimando” sua candidatura. O candidato, no conteúdo de sua mensagem, explanou que “[...] no Brasil tudo estava errado, tudo estava torto, fazendo-se urgente uma tão completa organização” (LACOMBE, 1986, p. 262). As idéias de Bernardino de Campos chocaram-se com os planos propostos de valorização do café.

A política, apesar de constituir quase uma rotina, de raro em raro apresenta um fato importante: é o caso da entrevista concedida, em 1905, por Bernardino de Campos a Alcindo Guanabara que, além de jornalista de nomeada, era deputado federal. A idéia fora de João Laje: Bernardino divulgaria seus planos de governo, já praticamente escolhido candidato à sucessão de Rodrigues Alves. A entrevista teve colorido sensacional, pelas idéias que divulgava e, incompatibilizando o candidato com as forças políticas dominantes, inutilizou sua candidatura. (SODRÉ, 1966, p. 173-174)

Nesse clima de política de contestação, veio ao público em 11 de maio de 1905, a candidatura de Campos Salles, com amplo suporte da categoria de estudantes de São Paulo e sustentada também por Minas Gerais. Imediatamente, Rodrigues Alves se recompôs, exigindo de Bernardino de Campos, em 11 de agosto de 1905, a retirada de sua candidatura, e solicitando seu apoio para a formação de uma chapa capitaneada pelos mineiros (KOIFMAN, 2002, p. 136).

O principal aliado da candidatura do mineiro Affonso Penna à Presidência da República, o gaúcho Pinheiro Machado, procurou obter o apoio de Rui Barbosa também candidato12 pela Bahia. A política paulista não se deixou dividir. Campos Salles desistiu da candidatura, escrevendo uma carta ao gaúcho Pinheiro Machado, que não a divulgou, subtraindo-a a publicidade e até mesmo ao conhecimento de seus amigos. O gaúcho organizou, em 1905, o Bloco, embora não representasse grande progresso democrático, congregava representantes no Legislativo e baseava-se numa aliança entre os chefes

12 Meses antes, em março de 1905, Rui Barbosa declarou-se candidato a Presidência pelo jornal A Bahia, contou

com o apoio do presidente do seu Estado, José Marcelino, que redigiu o artigo promovendo a candidatura. Porém, a Bahia estava dividida entre as lideranças de José Marcelino e Severino Vieira o que não proporcionaria o fortalecimento em apoio a Rui Barbosa.

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republicanos, dirigida particularmente contra a vontade do então presidente de encaminhar o processo sucessório (SILVA, H., 1983, p. 148). O Bloco não fazia oposição aberta ou oficial ao presidente da república; representava mais uma possibilidade de disputa pelo controle do poder caso as circunstâncias permitissem (SOUZA, 1982, p. 193).

Foi uma pura reação contra o controle da sucessão pelo presidente: ‘Foi contra essa aberração do regímen que se organizou em 1905 o ‘bloco’, aliança contraída entre os chefes republicanos para acabar com o poder, reconhecido, até ali, aos presidentes, de instituírem aos seus sucessores. Daí nasceu a presidência de Affonso Penna, a primeira das civis que não teve origem o arbítrio do seu predecessor. [...] O pacto unânime dos chefes com os governadores estipulou um nome, e o aparelho inerte das urnas automaticamente o sancionou. A reação do ‘bloco’ em 1905, exonerou da sua autoridade o grande eleitor. Mas transferiu-a aos membros do Congresso, até ali referendários e de então em diante senhores da escolha’. (LACOMBE, 1986, p. 295).

Foi então que em 11 de agosto de 1905, depois de intensas e complexas negociações, o mineiro emergiu Affonso Penna como nome único a apresentar-se ao eleitorado, encaminhado por Minas Gerais, Estado da Federação com maior população, maior eleitorado e maior representação no Congresso. Nessa época o Partido Republicano Mineiro (PRM) dividiu-se em lutas interpartidárias a propósito da escolha do candidato de Minas Gerais à presidência da República. O nome escolhido de cada grupo não conseguia atrair apoio de todos eles. À beira de uma cisão, dividiram-se pela indicação de Penna que menos atrito traria ao conjunto da forças políticas do Estado13. Por essa razão, Rio Grande do Sul e São Paulo também terminaram por apoiá- lo (SOUZA, 1982, p. 193).

13 Para uma candidatura de sucesso ao governo da República, era preciso apoio de pelo menos dois dos grandes

Estados. “A sustentação posterior do presidente do poder era firmada se contava pelo menos com o apoio compacto do Estado que representava.” (SOUZA, 1982, p. 190). Após Floriano Peixoto, os presidentes da República procediam da aliança política de Minas e São Paulo, à exceção de Hermes da Fonseca (1910-1914) e de Getúlio Vargas (1930) que surgiram da união de Minas e Rio Grande do Sul.

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Figura 8 - Carta enviada para Affonso Penna, escrita por Feliciano Pena, apressando-se a transmitir ao cunhado a moção votada pelo Congresso mineiro

Fonte: (LACOMBE, 1986, p. 294)

Com cand idatura única, a sucessão contínua de presidentes paulistas ficou interrompida; São Paulo, berço da República civil, havia conseguido conservar o controle do poder federal por três períodos presidenciais consecutivos. De acordo com Silva H. (1983), São Paulo venceu a batalha econômica, forçando Rodrigues Alves a aceitar, ainda que não completamente, o plano da valorização do café. Mas foi compelido a ceder na batalha política e a concordar, de má vontade, com a chapa presidencial de Affonso Penna e Nilo Peçanha, solução que premiou os dois Estados participantes da manobra nas eleições de 1906: Minas Gerais e Rio de Janeiro, conseqüentemente, Estados do presidente e do vice-presidente.

A resistência contra a renovação paulista, por mais um quadriênio, era natural, e só poderia ser vencida por uma união sem frinchas entre os governos do Estado e da União. A contradição de interesses financeiros entre os dois governos era, porém, irredutível, e isso os levaria m a uma separação política, que impossibilitou um quarto presidente paulista. (SILVA, H., 1983, p. 36).

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Portanto, com a eleição de Affonso Penna interrompeu-se a prática de sucessão de políticos originais de São Paulo na Presidência da República, ocorrendo esta sem graves episódios (SODRÉ, 1977, p. 318).

1.2. Construção da imagem pública do presidente Affonso Penna e do Vice

Nilo Peçanha

1.2.1 Trajetórias políticas

“O que eu digo pode ser publicado; peço somente que repitam exatamente o que eu disser”. Pouco antes de assumir a Presidência, Affonso Penna declarou: ‘Quem faz a política sou eu’.”(KOIFMAN, 2002, p. 127).

Como visto acima, o nome de Affonso Penna, como candidato à Presidência da República, surgiu fruto da articulação comandado pelo senador Pinheiro Machado que representava a vitória dos apologistas do protecionismo industrial e da intervenção do Estado nos negócios do café. Esta tendência ficou ainda mais clara quando confirmado oficialmente (20 de julho de 1905) o nome do seu companheiro de chapa Nilo Peçanha, a frente do governo do Estado do Rio de Janeiro e que fora um dos signatários do Convênio de Taubaté. Nilo, somente aderiu ao novo candidato porque era favorável à valorização do café e da baixa cambial.

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No entanto, houve dificuldade na obtenção de apoio à articulação dos apologistas ao protecionismo, porque os grupos de Francisco Sales, Bias Fortes e outros, divergiram na indicação do candidato a ser apresentado por Minas Gerais. As dificuldades cessaram quando a escolha, recaiu sobre Affonso Penna, como solução conciliatória (CARONE, 1977, p. 234). O que tornou a candidatura vitoriosa no plano nacional foram os impasses criados com as demais, levando Pinheiro Machado e outros políticos a tentarem um acordo que levasse a desistência dos três nomes (Bernardino de Campos, Campos Salles e Rui Barbosa) e persistisse o de Affonso Penna, como já referido anteriormente.

Em 15 de novembro de 1906, o antigo conselheiro do Império, Rodrigues Alves, entregou ao outro conselheiro – Affonso Penna – o comando da República. O novo presidente, sexto do período republicano, levou o programa de governo, concluindo as obras iniciadas por Rodrigues Alves (1902-1906), mas também se opôs ao seu antecessor, defendendo os privilégios concedidos aos fazendeiros de café, definidos em 1906 (pelo Convênio de Taubaté), em comum acordo com os governadores de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 606).

Filho de imigrante português, instalado no início do século XIX em Minas Gerais à procura de ouro, Affonso Augusto Moreira Penna nasceu no dia 30 de novembro de 1847 em Santa Bárbara/MG. Em 1870, diplomou-se14 em direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, tendo sido colega de Rodrigues Alves, Rui Barbosa e Castro Alves. Doutorou-se em 1871, apresentando a tese “Letra de Câmbio” e dedicou-se à magistratura na Faculdade de Direito de São Paulo, mas logo a abandonou em favor da carreira política.

Inseriu-se na política, como membro do Partido Liberal, e elegeu-se, em 1874, deputado na Assembléia Provincial mineira, com mandato de três anos, até chegar a deputado na corte, em pleno domínio conservador (1878). Além de legislador, atuou no Exército, durante o império, como chefe do Ministério da Guerra (1882), no Gabinete de Martinho Campos. Voltou ao Ministério na pasta da Agricultura (1883); do Comércio e Obras Públicas (1883-1884), no Gabinete de Lafayette, e Ministro da Justiça e do Interior no Gabinete Saraiva (1885).

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“Quando afastado de cargo político, foi chamado pelo Governo de Minas Gerais de 1892 para defender o estado numa disputa judicial. Após ganhar a causa, o Presidente do Estado de Minas Gerais perguntou-lhe sobre o valor dos honorários. Affonso Penna respondeu-lhe que jamais cobraria serviços ao seu estado natal, que era seu dever defender Minas Gerais gratuitamente. O Presidente do estado indagou a outros advogados o valor dos honorários para o serviço prestado por Affonso Penna e enviou-lhe o pagamento. Affonso Penna usou este valor para a compra de um terreno, na Praça Affonso Arinos / Belo Horizonte, doando-o para a construção da atual Faculdade de Direito da UFMG, que é denominada ‘a vetusta casa de Affonso Penna’.” (SILVA, 1983, p. 43).

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Quando jovem, já diplomado, correspond ia-se com Castro Alves, sempre na defesa da abolição da escravatura; enquanto árduo defensor do movimento abolicionista assinou em 1885 a Lei dos Sexagenários, que garantiu a liberdade dos negros escravos maiores de 60 anos. Em 1888, integrou a comissão que organizou o Código Civil brasileiro, fato esse que proporcionou, sob o regime republicano, sua nomeação para deputado da Assembléia Constituinte de Minas Gerais em 1891, cargo que renunciou quando eleito para senador (1899) por não compactuar com os atos de autoritarismo em relação à Província, provenientes de marechal Deodoro da Fonseca.

Presidiu o Banco da República do Brasil15, entre 1895 e 1898. Logo após a proclamação da República (1889), em 1892, fundou a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, em Ouro Preto, tendo sido diretor e professor de Economia Política e Ciência das Finanças. Em 30 de maio desse mesmo ano, Affonso Penna sagrou-se eleito presidente da província de Minas Gerais, com 48.000 votos, indicado pela Convenção Mineira no propósito de manter o espírito de conciliação16 na organização do Estado. “A folha de serviços prestados ao Império não impediu que aceitasse a República, tendo tomado parte nos trabalhos da Constituição de seu Estado, cuja presidência exerceu em 1892, com a renúncia de Cesário Alvim.” (SILVA, H., 1983, p. 45). Foram três os lideres que se destacaram no cenário do estado de Minas Gerais: Cesário Alvim, Silviano Brandão e Bias Fortes. Affonso Penna manteve-se neutro. Sua eleição significou uma solução pacífica para um momento de crise. Sob o regime republicano, assumiu a função de Presidente de Minas Gerais, em 14 de julho, na cidade de Ouro Preto, então capital mineira, para o período 1892 a 1894.

Durante sua administração, criou em Minas Gerais, a Faculdade Livr e de Direito, desempenha ndo a função de professor; melhorou o sistema de transportes; regularizou as finanças e estimulou a indústria e a produção agrícola; construiu a cidade de Belo Horizonte, para onde transferiu a capital do Estado, inaugurada em dezembro de 1897 (SILVA, H., 1983, p. 24). Em 1902, elegeu-se senador17 por Minas Gerais.

No governo de Rodrigues Alves (1902-1906), tornou-se vice-presidente da República, em decorrência, como referido anteriormente, do falecimento de Silviano Brandão, e no ano de 1906, assumiu a Presidência da República, adotando medidas para a valorização do café na economia nacional. Pinheiro Machado, então vice-presidente do Senado, auxiliou o Presidente

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Atual Banco do Brasil.

16 Uniu-se as forças políticas em torno do nome que demonstrasse capacidade d e reunir em torno de si os grandes

valores, qualquer que fosse a geração e a corrente.

17 “O posto de presidente da República, por dispositivo constitucional, acumulava a presidência do Senado. Os

senadores elegiam um vice-presidente, que funcionava quando o vice-presidente da República não estava, o que acontecia comumente.” (SILVA, H.,1983, p. 148)

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da República, na articulação de forças, com aliados do porte de Rui Ba rbosa, Quintino Bocaiúva e Joaquim Murtinho (SILVA, H., 1983, p. 148).

Quanto ao Nilo Peçanha18, este nasceu no dia 02 de outubro de 1867, na Fazenda do Desterro, no município de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. Aos vinte anos concluiu o curso de Humanidades. Em 1866, partiu para São Paulo e, em seguida, para Recife. No entanto, antes de seguir para São Paulo distribuiu panfletos de conteúdos contra a escravidão e contra o regime monárquico. No panfleto dizia “A República e a abolição são irmãs gêmeas. Precisamos, desde já, organizar o nosso povo. Fora a covardia, o temor, a moleza!”. (PEÇANHA, 1969 p. 13). Ao chegar à capital pernambucana, cursou a Faculdade de Direito, com tradição de luta republicana e pela emancipação dos escravos. Formou um grupo republicano, “dando trabalho aos conservadores”, conforme carta de 19 de novembro de 1887 enviada a seus pais (PEÇANHA, 1969, p. 13).

O caráter de Nilo Peçanha passou a se formar marcado por suas origens na cidade de Campos/RJ, pelo ambiente político de São Paulo /SP e pela influência recebida em Recife/PE, quando teve contato com as idéias filosóficas e liberais que agitavam a juventude de seu tempo.

Ao voltar para a terra natal, em 1888, encontrou área fértil para as sementes da revolução, “[...] ardia ne le um fogo interior que o levava a esculpir na realidade dos fatos o ideal político que o alimentou desde a adolescência.” (PEÇANHA, 1969, p. 15). Q uando estudante de direito, Nilo sentiu e assistiu a efervescência de idéias liberais e republicanas, “[...] a época da poesia social, dos anseios revolucionários, engajada na luta pela abolição da escravatura e, mais tarde, a Proclamação da República, como etapas de um mesmo processo de revolução democrático-burguesa.” (PEÇANHA, 1969, p. 13). Nesse ambiente de revolução cultural, o espírito do adolescente campista e do futuro chefe da Reação Republicana se modelou.

Ao retomar a cidade de Campos/RJ, dedicou-se à advocacia. Fundou o Clube Republicano de Campos, bem como o Partido Republicano, em ambos ocupando a função de presidente. Após a instauração do regime republicano (1889), intensificou sua atividade político-partidária, elegeu-se deputado, participando da Assembléia Constituinte da República

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Cresceu ouvindo história da negra Delfina, que falava dos recantos mal-assombrados do Morro do Côco e dos espíritos dos feitores cruéis que alí vagavam (KOIFMAN, 2002, p. 153). Subia ao morro para comer goiabas, a famosa matéria prima da goiabada de Campos dos Goytacazes, fato que originou o apelido de “Nilo Goiabada”. O ex-presidente também era chamado de “Moleque Presépeiro” devido o contrato com a Estrada de Ferro Leopoldina Railway, que impulsionou o progresso econômico do país, (PEÇANHA, 1969, p. 69) e também, de “Menino da Padaria”, pelo fato de seu pai ter uma padaria, ponto de encontro de políticos da região.

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(1891). Venceu sucessivas eleições, e ocupou a cadeira de deputado federal até 1903, quando assumiu o Senado. No mesmo ano, renunciou sua vaga para exercer a Presidênc ia do estado do Rio de Janeiro, até 1906.

Em fevereiro de 1906, no governo do Rio de Janeiro, assinou o Convênio de Taubaté, juntamente com os presidentes de São Paulo e de Minas Gerais (Jorge Tibiriçá e Francisco Salles), garantindo o preço do principal produto brasileiro de exportação, em queda por causa da superprodução. Interessados nos termos do acordo, os cafeicultores dos três principais Estados apoiaram a ele ição de Affonso Penna, como visto acima, e Nilo Peçanha, seu vice, ambos defensores da política de valorização do café.

A constituição da República e a abolição da escravatura constituíram, desde então, o centro das atividades de Nilo Peçanha. Com a morte de Affonso Penna (1909), tornou-se Presidente. Seu sucessor, Marechal Hermes da Fonseca, assumiu o governo em 15 de novembro de 1910, permitindo a Nilo Peçanha uma viagem à Europa, na companhia de sua esposa, ocasião que colheu subsídios para publicar, no ano seguinte, de volta ao Brasil, o livro “Impressões da Europa”. No pleito seguinte, obteve a vitória nas urnas, para a vaga de senador, função desempenhada até 1914 quando se tornou, pela segunda vez, Presidente do Rio de Janeiro, permanecendo no cargo até 1917.

No governo de Wenceslau Braz (1914-1918), foi designado para a função de chanceler, sendo substituído, no final do governo, em 1918, por Domício da Gama, que comandou a participação brasileira nas negociações do Tratado de Versalhes. Durante o ano de 1918, retornou ao Senado, permanecendo até 1920, quando seguiu para uma nova viagem à Europa, retornando em 1921 para disputar sua última eleição.

Nilo Peçanha mantinha vínculos com os grupos sociais menos protegidos da classe trabalhadora e, por mais de uma vez, recorreu ao apoio desses setores em dois momentos eleitorais: em 1914 (início da Primeira Guerra Mundial), para assegurar a sua posse no governo do Estado do Rio; e em 1922, defendeu a participação direta das massas na luta política, a qual, “[...] refletia a voz de suas origens, a voz da classe média rural, que emigrara para a cidade, a voz do pequeno lavrador, que se tornara ‘entregador de pão’ e sentira o impacto das profundas transformações sociais, que o Brasil da década de 1880 reclamava.” (PEÇANHA, 1969, p. 10-11)

Em março de 1924, após exaustiva campanha em que deu o grito para a proclamação de uma nova República, República Social, com a participação popular na escolha dos candidatos, Nilo Peçanha faleceu, apesar de todas as tentativas de tratamento, o qual se submeteu (PEÇANHA, 1969, p. 10-11). Consta nos escritos, que Nilo Peçanha era chamado

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de self-made-man por expressar os sentimentos das camadas menos favorecida das classes emergentes, de 1891, quando inicia-se na vida pública como deputado à Constituinte, até 1924. (PEÇANHA, 1969, p. 10-11).

1.2.2 Aliança de um conjunto de forças políticas

O governo de Affonso Penna e Nilo Peçanha estava assentado num grande acordo, envolvendo, principalmente, os produtores de café. “Conseguira o presidente da República o apoio compacto dos grupos paulistas em troca da aprovação e execução dos projetos referentes à valorização do café e à Caixa de Conversão.” (SOUZA, 1982, p. 190). Os situacionistas estaduais não fizeram oposição ao poder federal, fiéis e passivos aos seus objetivos como nos períodos sucessórios. A polític a de valorização do café, não executada por Bernardinho de Campos, favoreceu, como se viu, à candidatura de Affonso Penna. Indo de encontro à corrente de objetivos políticos, a serviço dos interesses econômicos, inaugurou-se a Política café-com- leite, resultado de uma nova política econômica orientada na defesa do café, que, nos primeiros anos de gestão de Affonso Penna (1906-1909), permitiu estabilidade ao panorama político do país.

Sacrificadas as candidaturas paulistas e, com elas, a possibilidade da quarta Presidência, os paulistas voltaram-se para Minas, a que se haviam ligado pelo Convênio de Taubaté. Deste nasce a política do café- com- leite, que irá perdurar até 1929, quando um presidente paulista, Washington Luís Pereira de Souza, vetou o nome do presidente de Minas, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, desencadeando a revolução de outubro de 30. (SILVA, H., 1983, p. 149)

Aparentemente estabeleceram alternâncias na sucessão presidencial no Catete que durou até 1929, entre os Estados de São Paulo e de Minas Gerais, os mais poderosos eleitoralmente. Em todas as ocasiões de indicação à sucessão presidencial, não houve participação popular. As cúpulas partidárias acordavam em um nome e a convenção reunia-se para a cerimônia oficial do lançamento da candidatura (SILVA, H.,1983, p. 61). O andamento das sucessões era misterioso para cada presidente, que “[...] guardava, reservadamente, o seu candidato, com a justificação louvável de assegurar a continuidade do programa que não pudera realizar no seu quadriênio.” (SILVA, H., 1983, p. 23). Nem sempre era fácil e, algumas vezes possível, porque a escolha do candidato definitivo era resultante de um sistema de conchavos pessoais e conveniências políticas a fim de assegurar o domínio completo e a

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exploração do país. Não havia, verdadeiramente, partidos, eram as personalidades que nucleavam os movimentos.

Datado em 30 de agosto de 1905 e redigido por Rui Barbosa, o Manifesto Político Inaugural de lançamento da candidatura de Affonso Penna foi lido no Senado pelo deputado Carlos Peixoto, sendo afirmado que “[...] a origem dos males foi a instabilidade da moeda e seria preciso obter, quando possível, a estabilidade indispensável à segurança dos cálculos dos que trabalham.” (CARONE, 1977, p. 240) A divulgação do conteúdo do Manifesto foi publicado no jornal O Paíz de 31 de agosto de 1905:

“A bancada mineira ouviu hontem [...], nas salas das comissões, a leitura do manifesto que vai ser publicado apresentando os Srs. Affonso Penna e Nilo Peçanha a candidatos à presidência e vice- presidência da República.” (O PAÍZ, 1905, p.2)

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Figura 10 - Manifesto Político Inaugural de lançamento da candidatura de Affonso Penna Fonte: (O PAÍZ, 1905, p.2)

O manifesto também foi divulgado pela imprensa no dia 1 de setembro de 1905, em outros periódicos, cujo trecho assim apelava:

[...] vimos recomendar aos sufrágios do povo brasileiro [...] os nomes dos cidadãos, em torno de quem, ao vosso ver, as circunstâncias [...] aconselham que se reúna o concurso geral do eleitorado [...]. Cremos sinceramente que, ponderados com tento prático todos os fatores do problema, não se poderia confiara a brasileiros mais dignos do que aqueles que nosso consenso nomeia, sugerindo-vos para a Presidência da República, no termo vindouro, o Dr. Afonso Augusto Moreira Pena e para vice-presidente o Dr. Nilo Pessanha. (SOUZA, 1950, p. 99 apud LACOMBE, 1986, p. 295)

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A política econômica, adotada pelo governo de Affonso Penna, mostrou-se adequada aos objetivos propostos, uma vez que a rápida ascensão do câmbio, a partir de 1905, no governo Rodrigues Alves, “[...] trouxe desassossego aos operários, à indústria e à agricultura; só aos intermediários e aos especuladores foram quem se aproveitaram da situação.” (LACOMBE, 1986, 294).

O candidato ficou conhecido como uma pessoa simples, modesta e de extrema bondade. Conquistou respeito, tanto em seu tempo como deputado na Assembléia Provincial quanto presidente de Minas Gerais, o que garantiu a admiração dos correligionários do Partido Liberal. Sua escolha para a Presidência refletiu a carência dos quadros republicanos.

Político formado pela monarquia, com características de liberal e parlamentarista, foi chamado a exercer o supremo posto republicano. Por meio de eleição direta, o mineiro Affonso Penna foi indicado para garantir seqüência ao rodízio de paulistas e mineiros na política do “café-com-leite”. Eleito no pleito do dia primeiro de março de 1906, com 288.285 votos, passou a exercer a presidência da República em 15 de novembro de 1906. Sua votação foi considerada a mais baixa até então para a presidência, porém, afirma-se que as fraudes indiscutíveis nas eleições da Primeira República não permitiram tirar conclusões seguras dos dados, já que as cédulas podiam ser manuscritas ou impressas pelos jornais. Ao eleitor bastava recortá- las, colocá- las em um envelope e depositá-las na urna. “A ascensão de Affonso Penna à presidência marca um passo transformador na vida da República, comenta Afonso Arinos. A política passou a ser dos grandes Estados, não mais de São Paulo.” (LACOMBE, 1986, p. 317).

Figura 11 - Posse de Affonso Penna, nomeada por Rui Barbosa, presidente do Senado em 1906. Fonte : (GUERRA; LAURYSTON, 1976)

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Antes de assumir a presidência, logo após eleito, Affonso Penna fez uma longa viagem pelo Brasil. Entre os meios de transporte utilizados, viajou em trens, navios e lancha a vapor. A visita aos Estados objetivou conhecer mais de perto cada realidade, e as diversas regiões do país, para no exercício do cargo de Presidente, discernir as melhores alternativas de soluções, conforme declarado por Álvaro A. da Silveira no livro “Viagem pelo Brasil”19. Não se limitou a visitar as capitais, indo às cidades do interior, ouvindo diferentes setores sociais e não apenas os presidentes de Estado. Considerado autocrítico, procurou mostrar-se sistematicamente como exemplo para poder impor exigências aos colaboradores (KOIFMAN, 2002, p.126).

Logo quando chegou ao Palácio do Catete, em tempo de afirmação da plena liberdade de expressão, jornalistas e cartunistas se esmeravam na crítica de costumes e de cena política do país, em publicações como O Malho, Careta e Fon-Fon. O austero presidente mineiro ganhou o apelido de Tico-Tico, caracterizava sua figura pequena, ágil e inquieta, podendo ser observado nas caricaturas/charge s20, divulgadas nos meios impressos com o perfil fundamentalmente opinativo de personalidades políticas.

Vice-presidente Nilo Peçanha

Presidente Affonso Penna

Figura 12 - Caricaturas do presidente Affonso Penna (1906 -1910) e de Nilo Peçanha (1909-1910) Fonte: (KOIFMAN, 2002)

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Dr. Álvaro A. da Silveira esteve presente na viagem. Em seu livro – Viagem pelo Brasil – Notas e impressões colhidas na viagem do Sr.Dr. Affonso Penna – 12/05/1906 a 24/08/1906 informou: Total da viagem: 16112 km por águas oceânicas e fluviais, 5317 km por estradas de ferro. Capitais visitadas: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Belém, Porto Alegre, Fortaleza, São Luiz, Curitiba, Manaus, Maceió, João Pessoa, Florianópolis, Terezina, Belo Horizonte, Aracaju, Natal e Vitória.

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“A charge, [...], é importante instrumento para verificar o posicionamento dos veículos. Ela trabalha com cores e com código verbal e visual para aumentar a capacidade de decodificação dos signos. No entanto, isto não permite afirmar que a mensagem será mais facilmente consumida, pois depende da familiaridade do receptor em relação ao tema. Do contrário, a este resta somente uma ‘tirada humorística’ e a charge perde sua função de propor ao leitor uma problematização em relação ás opiniões .” (CALDAS; GOLÇALVES, 2006, p. 53).

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Figura 13 – Caricatura de Affonso Penna - Primeiro número da revista Careta, 6 de junho de 1908 Fonte: www.unesp.br

Observam-se críticas em relação ao presidente formuladas por políticos da época, visto as insatisfações de sua candidatura e argumentações de que a mesma não resultou de coordenação de forças políticas estáveis, mas de conveniências econômicas transitórias, “[...] recebera um mandato e não uma força.” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 161).

Não aspirou nem se candidatou à Presidência. Ela veio em três lances, num jogo maravilhoso, em que não moveu uma pedra. E, quando o quis fazer, continuando no cargo, através do sucessor por ele escolhido, a tempestade que se formava desencadeou-se, envolvendo-o, abatendo-o, matando-o. (SILVA, H.,1983, p. 148).

Desse modo, “[...] reagruparam-se as maiorias com a finalidade de reivindicar, para si própria, as prerrogativas da indicação do candidato à Presidência da República. Ressurgiu das cinzas o Partido Republicano Federal. [...] seu chefe se chamava Pinheiro Machado.” (SILVA, H., 1983, p. 46).

O presidente Affonso Penna trouxe para o interior do governo, para os Ministério s e o Congresso, um grupo de jovens carentes de bases sólidas dentro dos partidos estaduais, sobretudo os mineiros em relação ao Partido Republicano Mineiro (apelidado de jardim de infância), o que produziu certa fragilidade a sua governança. No entanto, tentou realizar a política como anunciou às vésperas de sua posse, em Belo Horizonte. O falecimento de seu aliado João Pinheiro, então Presidente de Minas, deixou Affonso Penna desguarnecido em seu próprio Estado e à mercê das manobras de Pinheiro Machado, com seu bloco em que ressurgiu o Partido Republicano Federal de Francisco Glicério.

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1.2.3 O Convênio de Taubaté: interesses econômicos e políticos

Desde o governo de Prudente de Morais21, prenunciava-se a crise do café, principal produto de exportação do país, o plantio intensivo, devido à descoberta de terras rochas, expandiu a lavoura cafeeira e a superioridade da oferta sobre a procura provocou queda sensível nos preços. A partir daí os novos cafezais começaram a produzir os primeiros sintomas do que veio a ser a moléstia crônica, a primeira superprodução22, ou seja, estoque de uma mercadoria invendável, que não encontrou o aumento correspondente do consumo nem o alargamento dos mercados (SILVA, H.,1983, p. 33-34). Os excessos de produção sobre a exportação e a conseqüente desvalorização do produto alarmaram os fazendeiros. Foi então, que, em 1896, reuniram-se os representantes dos Estados produtores, pela primeira vez, em Petrópolis, para que fosse organizada uma propaganda sistemática do produto na conquista de novos mercados consumidores (LACOMBE, 1896, p. 253).

Pela segunda vez, os gove rnadores dos Estados cafeeiros de Minas Gerais (Francisco Antonio de Sales), de São Paulo (Jorge Tibiriçá) e do Rio de Janeiro (Nilo Peçanha) reuniram-se na cidade de Taubaté onde firmaram um acordo que levou o nome da cidade “Convênio de Taubaté”. Seu objetivo era estimular a implantação de um programa de valorização e regularização cafeeira; de promoção ao aumento do consumo e de criação da Caixa de Conversão, para fixar o valor da moeda (LACOMBE, 1986, p. 253). Tratou-se de uma nítida influência do poder econômico regional (SP, MG e RJ) sobre o interesse nacional.

Na assinatura do Convênio, em 1905, Rodrigues Alves era o presidente e Affonso Penna vice-presidente, e “[...] apesar de importante fazendeiro de café, (Rodrigues Alves) teve escrúpulos em aceitar um plano tão fora de suas convicções a que se mantinha fiel.” (LACOMBE, 1986, p. 254). O então presidente contestou a orientação das propostas contidas no Convênio: para ele, a defesa dos preços não se faria com a valorização artificial, mas com boa comercialização do café, fundada no crédito do produtor, e nem era representativa a reunião de três governadores dos Estados para tratar um assunto de grande relevância “[...] cuja solução afeta profundamente os interesses financeiros e o crédito do país, sem ouvirem previamente o presidente da República.” (LACOMBE, 1986, p. 254)

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Com a eleição de Prudente de Moraes, os mi litares voltaram aos quartéis, os industrialistas às fábricas, as camadas médias à sua condição de opinião pública. As oligarquias regionais e os exportadores garantiram a hegemonia do bloco dos cafeicultores paulistas (SILVA, H., 1983, p. 290).

22 “[...] a situação ainda se dissimulará, em parte, com a desvalorização da moeda brasileira; em papel, o preço

do café não oscilará muito. É com a estabilização e revalorização da moeda, depois da restauração financeira de 1898, que se sentirá todo o efeito da depreciação. Esta será em 1905, em ouro, de mais de 50%. E, paralelamente, se acumula rão estoques cada vez maiores de mercadorias invendáveis.” (SILVA, H., 1983, p. 33).

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O presidente Rodrigues Alves, “[...] embora paulista e fazendeiro, não concordava com a sustentação de preços, com a retenção do produto. Acreditava [...] na redução do custo de produção pelo barateamento da vida, por meio de uma redução geral de impostos.” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 160). No entanto, a luta pelas medidas concretizadas no Convê nio de Taubaté, “[...] levara paulistas, em 1906, a fazer oposição ao governo Rodrigues Alves e a apoiar Affonso Penna que mais de perto se identificava com aquela política e em nome da qual havia galgado a presidência.” (SOUZA, 1982, p. 193)

Aprovado no dia 26 de fevereiro de 1906, “[...] na Câmara, por 107 votos contra 15, e no Senado, por 31 contra 6 [...]” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 141), o Convênio de Taubaté estabeleceu que os Estados envolvidos (MG, RJ e SP), pelo tempo que fosse julgado conveniente, seriam obrigados a manter certo preço mínimo pela saca do café nos portos de embarque, para os diferentes tipos de café, mediante retenção e compra de parte da produção equivalente ao excesso sobre o consumo mundial (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 141)

A compra, por preço fixado, realizada pelos governos estaduais, seria com o dinheiro vindo de empréstimos bancários no exterior, e o produto seria guardado em estoques oficiais até ser comercializado à medida da procura internacional. “Em uma virtual sobra, o café armazenado e pago pelo governo deveria ser queimado para o preço não cair. Fazendeiros não teriam prejuízos, o ônus da crise seria apenas do governo.” (KOIFMAN, 2002, p. 136).

O Convênio de Taubaté encontrava-se desdobrado em 15 artigos, tendo como disposições mais importantes:

[...] fixados preços mínimos, em ouro, para os diferentes tipos de café exportáveis (art.1); criava-se uma sobretaxa no valor de três francos - ouro (valor que poderia ser alterado) para cada saca de café exportado, e impediam-se, mediante impostos proibitivos, novas plantações (art.6); o Estado de São Paulo ficava autorizado a negociar, no Exterior, um empréstimo de 15 milhões de libras, destinado a financiar o plano, sendo o pagamento desse empréstimo feito com o produto da sobretaxa acima referida, a qual seria arrecadada pela União (arts.7 e 8); o empréstimo, pelo qual se responsabilizavam solidariamente os três Estados, serviria também de lastro a um instrumento oficial, que o Convênio previa no âmbito federal, a caixa de Conversão, cuja finalidade era ‘ fixação do valor-moeda’ (art.8); o Convênio seria aprovado pelo presidente da República (art.15). (SILVA, H., 1983, p. 37).

Logo no início de seu governo, Affonso Penna reafirmou a pauta contida no Manifesto, especialmente, em relação à estabilização da moeda, “[...] é ‘preciso obter, quando possível, a estabilidade indispensável à segurança dos cálculos dos que trabalham’.” (SILVA,

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H.,1983, p. 149), além de incentivar à imigração de japoneses e italianos, liderada pelo Ministro da Fazenda, Davi Campista.

Nos primeiros anos de vigência do Convênio, a produção do café atingiu 11 milhões de sacas de 60 quilos, equivalentes a 60% do consumo mundial. São Paulo tinha 600 milhões de cafeeiros. O crédito, fornecido pelas casas exportadoras de Santos, dependia dos bancos estrangeiros. As casas exportadoras compravam o café na fase da colheita, forçavam a baixa do preço e estocavam o produto. Os primeiros a sentirem a crise foram os fazendeiros, que não tinham quem lhes comprassem a safra abundante. Em seguida, as casas comissárias deixaram de financiar o produto. Começou, então, a surgir os planos salvacionistas. (SILVA, H. 1983, p. 152).

Nesse sentido, assentou-se em 6 de dezembro de 1906, a criação da Caixa de Conversão monetária pelo governo, destinada a receber o produto das operações de crédito exterior; as moedas brasileiras de ouro que tivessem curso legal e quaisquer somas em moeda estrangeira que entrassem no país. A Caixa de Conversão trocaria por cédulas ao portador a um câmbio de 15 pence por mil-reis, inferior a taxa média de 17 pence por mil-reis e “[...] fixado em lei no limite máximo de 20 milhões de esterlinos.” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 162) A emissão desses bilhetes, reembolsados e pagos ao portador em moeda de ouro, era feita em depósito de soma correspondente, em metal. (FURTADO, 1959 apud SOUZA, 1982, p. 191-192)

A conversibilidade do meio circulante era assegurada pela liberdade de exportação do ouro ou de valores internacionais que o representassem.

O ouro afluindo ao mercado teria vantagem em canalizar-se para a Caixa de Conversão, onde o mil-reis valia menos. Nesse sentido, enquanto se pudesse verificar a emissão, a Caixa impediria a alta do câmbio. Para evitar a baixa, não aprecia o novo órgão tão eficiente. Em caso de crise no país, quando a moeda do mercado descesse abaixo do nível da Caixa de Conversão, seus depósitos não demorariam a esvaziar. A Caixa de Conversão era, por conseguinte um mecanismo de repressão à alta do cambio, limitada pelo montante dos depósitos em ouro, sem efeito sobre a baixa. (FURTADO, 1959 apud SOUZA, 1982, p. 191-192)

A redução do valor da moeda brasileira teve por conseqüência, diminuir o prejuízo dos cafeicultores com a queda dos preços do produto. Vendendo o café em dólares, ao subtrair o valor do mil-reis, o cafeicultor brasileiro recebeu maior volume de dinheiro nacional. O mecanismo da taxa cambial fez com que a porcentagem do prejuízo a ser assumido pelos cafeicultores pudesse ser abreviada (FURTADO, 1959 apud SOUZA, 1982, p. 191-192).

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O surgimento da Caixa de Conversão, com sua cotação baixa, respondeu aos desejos dos fazendeiros, pois o produto da venda do exterior alcançou, na conversão, cifra mais alta, e garantiu a segurança de sua mercadoria. “O governo, por sua vez, se encarregaria de obter a estabilidade financeira. Desta maneira, a estabilização do café passa para o âmbito federal.” (CARONE, 1977, p. 210). Segundo o autor, desenvolveu-se, assim, uma moeda especial conversível à vista, ao lado da outra, de curso forçado, emitida pelo Tesouro, e, como prevalecesse para esta o processo do resgate, pela incineração dos saldos orçamentários, poder-se-ia supor que o novo sistema tendesse à gradual e completa transformação do meio circulante.

A própria lei que, em 6 de dezembro de 1906, instituiu a Caixa de Conversão, depois de fixar em 20 milhões de libras esterlinas o limite máximo dos depósitos a receber, dizia no artigo 2 ‘Os pagamentos decretados, contratados, ou que por qualquer compromisso hajam de ser efetuados em ouro, serão feitos, como atualmente, de conformidade com a padrão legal de 27 d. esterlinos por 1$000’. Os pence da conversão representavam apenas uma redução geral das finanças do País aos interesses particulares da indústria cafeeira. Era somente uma estabilização precária da moeda, a uma taxa de favor. (SILVA, H., 1983, p. 33).

Em suma, a criação da Caixa de Conversão monetária, administrada pelo governo federal, interessou à classe dos fazendeiros, contribuindo com a ma ior parcela da exportação do país. A Caixa garantia empréstimos para a valorização do café, sendo a resposta imediata do Presidente Affonso Penna àqueles que apoiaram a sua candidatura.

Portanto, ressalta-se que no primeiro ano, a promessa de estabilidade e o mecanismo da Caixa de Conversão funcionaram. Affonso Penna, presidente, e David Campista, Ministro da Fazenda, tiveram a ilusão de que tudo correria bem. Porém, passado dois anos de sua criação, a situação não se mantinha a mesma, a ameaça da “Grande Guerra” estava a caminho, quando o mercado de dinheiro da Europa se estancou, perturbando o comércio internacional, diminuindo o volume e, consequentemente, o valor das exportações. “O dinheiro inconversível do Tesouro encontrava melhor câmb io do que a cédula lastrada da Caixa, o que levaria o sucessor de Affonso Penna a elevar o limite do depósito desta para 60 milhões de esterlinos, e a taxa de conversão de 16 d.” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 163).

As exportações, que haviam caído para 12,6 milhões de sacas em 1908, se elevaram a 16,9 milhões em 1909. Preço elevara-se de 6,28 cents por libra-peso no segundo semestre de 1908, a 7,97 no primeiro semestre de 1909. Por outro lado, o fato da safra de 1906/1907 ter sido excepcional (duas vezes a média da produção nos anos que se repetira do fenômeno). Os exportadores estrangeiros, temendo as pequenas safras que elevariam ainda mais os preços

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dos produtos, refaziam seus estoques e, em conseqüência, as vendas do produto armazenado pelo governo realizavam-se mais facilmente. (SOUZA, 1982, p. 195)

Para que a estabilidade prevalecece, o governo de Affonso Penna transferiu os encargos da valorização do café para o Governo Federal, que antes era praticada regionalmente, apenas por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, Estados assinantes do Convênio de Taubaté.

Em face do descontentamento dos demais produtores brasileiros, como os da Bahia, Affonso Penna determinou que o Banco do Brasil adquirisse as safras dos cafeicultores, sendo esta à primeira intervenção estatal para a defesa de um produto de exportação. Penna sempre se atentou mais à administração do que à política, razão da grave crise causada por sua sucessão. “A miragem viveu tanto tempo quanto Affonso Penna. Seus sucessores iriam enfrentar as conseqüências econômicas dos desacertos políticos.” (SILVA; CARNEIRO, 1975, p. 163).

1.3 Governo Affonso Penna e Nilo Peçanha: dois presidentes em um

mandato

1.3.1 Governo Affonso Penna (1906-1909): composição ministerial e ações

do governo

“A preocupação do novo presidente, ao organizar o seu Ministério, foi precisamente não se deixar intimar por nenhum grupo político ou Estado.” (LACOMBE, 1986, p. 355)

Após tomar posse, Affonso Penna lançou o Manifesto à Nação, de imediato, referiu-se à excursão realizada pelo país, anunciando, de modo otimista, as reformas no campo da economia.

A ebulição econômica que presenciamos em nosso país e fora dele é indício seguro de que entramos numa era nova, promissora, de fecundos resultados para a felicidade geral. Obedecer a tal movimento, [...] é uma necessidade fatal a que nenhum povo se pode esquivar sem comprometer seriamente o seu futuro. (LACOMBE, 1986, p. 385)

O presidente procurou manter a mesma política urbanística do antecessor Rodrigues Alves (1902-1906), de reaparelhamento das ferrovias, modernização dos portos brasileiros e

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recuperação e reorganização23 do Exército, esse sob a supervisão do Ministro da Guerra, Marechal Hermes da Fonseca. “Pela sua atividade e prestígio na classe, o Marechal não só conquistou uma posição de liderança indiscutível como restaurou a reverência pelo exército, em declínio desde os desastres na Campanha de Canudos.” (LACOMBE, 1986, p. 387).

A ação do governo focaliza com prioridade os problemas econômicos e financeiros e nos anos de 1907 e 1908 apareceram os primeiros resultados da estabilização da moeda. Por outro lado durante seu governo, pela primeira vez, surge um tema que vai levantar celeuma nacional: a reorganização do Exército. Quando do convite de Afonso Pena ao General Hermes da Fonseca, para futuro Ministro da Guerra, o primeiro declara que ‘não foi boa a impressão que tive na visita a alguns quartéis e estabelecimentos militares’ e, que sua intenção, é fazer um governo onde o ‘Exército ocupe o elevado lugar que lhe cabe entre as grandes instituições nacionais’. (CARONE, 1977, p. 241).

O programa de governo destacou-se pelas fortes tendências intervencionistas e protecionistas, deixando o sentido agrícola dos governos anteriores24. O Ministro da Fazenda David Campista e avalista da política do café, optou pela industrialização; prosseguiu com o plano de viação e obras públicas; preocupou-se com as vias férreas e incentivou a imigração européia em massa (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 607). Priorizou o desenvolvimento nacional, acelerou as obras de construção de portos no Norte, Bahia e Pernambuco e renovou a composição política, reocupando com os direitos e interesses dos cidadãos.

Além do Ministro da Fazenda, David Campista e o Barão do Rio Branco, no Itamarati, dois membros foram convidados pelo presidente, Augusto Tavares de Lyra, para Ministro da Justiça e Negócios Interiores, e Miguel Calmon Du Pin, na Viação e Obras públicas, e m vista de sua impressão pessoal durante excursão pelo país antes de assumir a presidência.

Frente à modernização das cidades, Miguel Calmon, disponibilizou, em 1907, “[...] os recursos necessários para que o jovem capitão Cândido Mariano da Silva Rondon construísse a linha telegráfica pelo sertão, ligando o Estado do Mato Grosso ao do Amazonas, na qual sua execução ampliou as redes de comunicação do país por meio do telégrafo.” (LACOMBE, 1966, p. 384). Criou-se nesse Ministério o Serviço Geológico e Mineralógico (passo na liberdade econômica para pesquisa e aproveitamento das riquezas minerais do país). Confiou o Ministério do Exterior ao Barão do Rio de Janeiro, José Maria da Silva Paranhos; na ocupação do Ministério da Guerra convidou Hermes da Fonseca e para o da Marinha o Contra-Almirante Alexandrino Faria de Alencar (CARONE, 1977, p. 241).

23 “Apesar de ser a fase de restrições econômicas, a integração e unidade das classes armadas foi realizada com

apoio de uma equipe de técnicos de primeira ordem.” (LACOMBE, 1986, p. 387)

24

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Na área legislativa esteve presente o deputado Carlos Peixoto Filho25. Compuseram os órgãos de assessoramento o bacharel Edmundo da Veiga, como secretário da presidência (chefe da Casa Civil-1906-1909), e Álvaro Pena26, oficial de gabinete (LACOMBE, 1986, p. 365). As demais pastas confiaram-se aos jovens, homens públicos, quase desconhecidos, obedientes às diretrizes residenciais e desligados de obrigações com as oligarquias estaduais (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 606), causando surpresa para a maior parte dos políticos que constituíram o bloco.

A indicação de jovens, na composição dos Ministérios, desgostou as lideranças estaduais, por questão de prestígio ou de hierarquia, preferiam que a predileção recaísse em pessoas mais velhas e de posições políticas destacadas. Affonso Penna justificou essas escolhas visando o futuro, “[...] apoiava os jovens e as pessoas com novos ideais – porque realimentavam seu otimismo em relação a si mesmo e aos seus projetos, assim como sua confiança nas pessoas.” (CARONE, 1977, p. 126).

O grupo que sustentou os princípios governamentais também se constituiu por deputados que, tal como os Ministros, na maioria, girava em torno dos trinta anos, originando a denominação, pejorativa, do “Jardim de Infância ”, chefiado por Carlos Peixoto. (LACOMBE, 1986, p. 373) “A verdade é que Afonso Pena estava mais atento a ‘podar as garras’ de Pinheiro Machado e ‘[...] afastar a pretendida tutela do bloco, formando um Ministério sem consultar ninguém’.” (LACOMBE, 1986, p. 364)

A composição27 do “Jardim de Infância” contrapunha-se ao prestígio de Pinheiro Machado, “[...] que fomentava uma contínua campanha contra o grupo de moços que pretendia introduzir uma política de pensamento no Parlamento [...]” (LACOMBE, 1986, p. 393), para Pinheiro Machado, Affonso Penna esteve cercado de “[...] homens públicos de pouca experiência, o presidente parecia decidido a concentrar em suas mãos a parcela mais alta do esforço governamental, dando mostras de infinita fé na sua capacidade de trabalho.” (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 607).

Na imprecisão ideológica da República Velha, ante a incapacidade de organizar os partidos políticos nacionais, a política prendia o caráter pessoal. Assim, enquanto Carlos Peixoto comandava o Jardim de infância,

25

Eleito em 15 de março de 1907 presidente da Câmara dos Deputados com 24 anos.

26

Filho do presidente Affonso Penna

27 Esta composição política confirmou o discurso de Affonso Penna que fizera em Belo Horizonte quando

insinuou veladas lamentações sobre a ação dos partidos ou correntes políticas. “Pinheiro Machado entendeu, colocando-se na defensiva, enquanto Nilo Peçanha se viu olhado com suspeita pelo presidente.” (GUERRA; LAURYSTON, 1976, p. 606).

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