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Proprietárias de escravos e terras da Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de São João Del Rei – 1718-1761

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Proprietárias de escravos e terras da Vila do Carmo, Vila Rica e Vila

de São João Del Rei – 1718-1761.

*

Regina Mendes de Araújo**

Palavra Chave: Demografia histórica; proprietárias; tributação; sesmarias.

O trabalho tem como objetivo discutir o papel das proprietárias de escravos e terras da sociedade mineradora setecentista que viveram entre 1718 e 1761, analisando as condições econômicas e sociais centrando a analise na Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de São João Del Rei Para este estudo foram utilizados os documentos referentes às listas dos Quintos Reais que se encontram manuscritos no Arquivo Público Mineiro e digitados no Centro de Pesquisa Histórica da PUC-Minas. Essas listas que não foram confeccionadas com objetivo de oferecer dados populacionais constituem-se importantes fontes de investigação em história demográfica. Outra documentação utilizada são as Cartas de Sesmarias que também se encontram no Arquivo Público Mineiro em formato manuscrito e em microfilme. Foram utilizadas ainda as cartas de solicitação e doação de sesmarias do Arquivo Histórico Ultramarino que se encontra de forma digitalizada em 54 CD-Roms intitulados “Documentos

manuscritos avulsos da Capitania de Minas Gerais: 1660-1832”.

A partir dos dados encontrados na documentação investigaram-se as mulheres proprietárias das áreas auríferas partindo de analises demográficas considerando seus direitos legais e sua inserção no mundo do trabalho e da família.

Vale ressaltar que esse trabalho consiste na continuação do trabalho iniciado durante a graduação na PUC-Minas por meio do Programa de Iniciação Científica que tinha como orientador o professor Doutor Tarcísio Rodrigues Botelho e agora da continuidade através de uma pesquisa mais aprofundada por meio da realização do mestrado na Universidade Federal de Juiz de Fora, sob orientação da Professora Dr. Carla Almeida.

Portanto, lançando luz sobre as informações encontradas nessa rica documentação analisou-se como as mulheres se inseriam no mundo do trabalho buscando traçar um perfil e definir quem eram essas proprietárias de escravos e terras e como geriam suas vidas e seus negócios .

* Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu-

MG – Brasil, de 18 a 22 de Setembro de 2006.

** Mestranda do Programa de Pós Graduação em História, com área de concentração em “História, Cultura e

Poder” da Linha de Pesquisa Poder, Mercado e Trabalho do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz.

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Proprietárias de escravos e terras da Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de São João Del Rei – 1718-1761.*

Regina Mendes de Araújo1 1- Introdução

Com os descobertos auríferos em fins do século XVII, dirigiram-se ao sertão da colônia portuguesa um grande contingente de pessoas que provocou o rápido aumento de sua população. Uma variedade de aventureiros e desempregados de todos os cantos da colônia e da metrópole convergiram para a região. “Numerosas famílias brancas e paulistas e da Bahia vieram viver nas Minas, tanto colonos quanto reinóis.”2

Na região das Minas Gerais, surgiu uma sociedade diferenciada, com uma vida urbana formada de interações entre livres, escravos e forros: “o espaço urbano das Minas tornou-se palco privilegiado de identificação cultural”.3 As chances de um rápido enriquecimento

motivavam os deslocamento para o sertão da América portuguesa.4

É nesse contexto da sociedade mineradora que se pretende discutir o papel das proprietárias de escravos e terras, analisando as condições econômicas e sociais entre 1718 e 1761, sendo essas, mulheres que viveram na Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de São João Del Rei. Para tal analise são utilizados os documentos referentes às listas dos Quintos Reais que se encontram manuscritos no Arquivo Públicos Mineiro e digitados no Centro de Pesquisa Histórica da PUC-Minas5. Outra documentação utilizada são as Cartas de Sesmarias que

também se encontram no Arquivo Público Mineiro em formato manuscrito e em microfilme6.

Foram utilizadas ainda as cartas de solicitação e doação de sesmarias do Arquivo Histórico Ultramarino.7

O desejo de estudar a história destas mulheres surgiu a partir da participação, como bolsista, da pesquisa intitulada “Identificação e digitalização das listas nominativas de

habitantes do Brasil”, coordenada pelo professor Dr. Tarcísio Rodrigues Botelho, financiada

pelo IPEA/ANPEC, durante o curso de graduação. Nessa pesquisa tive contato com as listas dos Quintos Reais, onde encontrei proprietárias de escravos. A partir dessa pesquisa desenvolvi um projeto que foi aprovado pelo Programa de Iniciação Científica onde trabalhei com as mulheres livres proprietárias de terras e escravos.8

* Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu-

MG – Brasil, de 18 a 22 de Setembro de 2006.

1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em História, com área de concentração em “História, Cultura e

Poder” da Linha de Pesquisa Poder, Mercado e Trabalho do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz.

2 PAES,2000,p.52. 3 FURTADO,1999, p.27.

4 SIMONSEN, 1977. PRADO Jr., 1986. BOXER, 2000.

5 Seção Colonial, Coleção Casa dos Contos e Câmara Municipal de Ouro Preto.

6 Seção Colonial, Secretária do Governo, Registros de cartas, ordens, despachos, instruções, bandos, cartas

patentes, provisões e sesmarias.

7

Esta documentação se encontra em forma digitalizada em 54 CD-ROMs intitulados “Documentos manuscritos

avulsos da capitania de Minas Gerais: 1660-1832”. Os mesmos documentos encontram-se, de forma resumida,

no catálogo: BOSCHI. INVENTARIO dos documentos manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), 1998.

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Dando continuidade agora nessa pesquisa como mestranda da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob orientação da professora Dra. Carla Almeida. É preciso, portanto, ressaltar que o presente trabalho consiste em uma tentativa tímida de estudar as condições econômicas e sociais dessas proprietários de escravos e terras a partir de analises feitas ao longo da caminhada acadêmica.

A partir da década de 1970 surgiu a preocupação em se ouvir falar das mulheres, tentando recuperar sua identidade social e a inserção desta no processo de tomada de decisões.9

Portanto, são as proprietárias setecentistas que viveram nas áreas auríferas que em seu tempo buscaram estratégias de resistências para conseguir gerir sas vidas e seus negócios.

2- Fontes de Dados

Apesar da sociedade diferenciada que surgiu a partir da descoberta do ouro na parte central da colônia ainda há poucos trabalhos que trabalham com a questão das mulheres proprietárias de escravos e terras daquela sociedade nascente.Como destaca Tarcisio Rodrigues Botelho, ausência de levantamentos populacionais típicos, origem das fontes tradicionalmente usadas por demógrafos historiadores, é um fato que restringe esse tipo de estudo.10 Porém, alguns estudos tem sido realizado a partir de fontes que não são propriamente demográficas, mas que contribuem para os estudos, mas que contribuem para os estudos populacionais.11 Portanto, para o presente trabalho lançou-se luz sobre informações encontradas nas listas dos Quintos Reais e na documentação referente a

Sesmarias para traçar o perfil das proprietárias de escravos e terras.

Para o estudo sobre as mulheres proprietárias de escravas são utilizadas às listas dos

Quintos Reais referentes a Vila do Carmo (1718 e 1719), Vila Rica (1718,1719 e 1722) e

Vila de São João Del Rei (1718 e 1719).

No ano de 172, para a realização do controle das áreas auríferas, criou-se a Intendência das Minas. “ (...) foi criada a Intendência das Minas em todas as Capitanias em que houvesse extração de ouro, instituição dotada de funções múltiplas, sobretudo de ordem fiscal...”12 A cobrança do Quinto Real era feita pelas Câmaras ou por procuradores nomeados por essas. O Quinto consistia na cobrança de um quinto, ou 20% do ouro que os proprietários de escravos conseguissem extrair. A base de cálculo era referente ao número de escravos de um minerador, sendo fixado a cada ano o valor a ser pago sobre o escravo. A cobrança dos

Quintos eram registrados dando origem a listas de proprietários de escravos que apresentam

dados sobre o nome do proprietário, o número de escravos e sua origem, além de por meio da assinatura ser possível identificar a alfabetização do proprietário. Apesar de não ter sido confeccionada com o objetivo de oferecer dados para analises populacionais, essas listas constituem-se importantes fontes para investigação em história demográfica.

O período no qual as listas dos Quintos Reais foram produzidas e fazem parte da chamada fase pré censitária, período que vai da colonização até o Renascimento Geral do Império em 1872.13

Há que se considerar também, que os Quintos Reais por se tratar de uma documentação fiscal apresentam problemas concernentes à sonegação de impostos que queriam fugir da tributação. Segundo Tarcísio R. Botelho “o temor de que levantamentos

9 SAMARA, 1989/1991. 10 BOTELHO, 2001, p. 45.

11 LUNA e COSTA, 1982. HIGGINS, 1999. 12 VAINFAS, 2000, p. 397.

13 Cf. PAIVA e ARNAUT,1990. Para os autores, apesar dos dados demográficos para o período serem

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populacionais fossem utilizados para fins como coleta de impostos ou a convocação para o serviço militar era generalizado, certamente influenciou todas as tentativas de se contar a população”.14 No entanto, é preciso considerar que a sonegação pode ter sido amenizada ou

realizada em menor escala, se levar em conta a proximidade das coletas de informações com a população Esses coletores eram indivíduos residentes nas próprias vilas o que poderia ajudar nas declarações por conhecerem a história de vida dos declarantes. Além disso, no período de cobrança de fintas e avencas cujo valor do tributo era fixado em arrobas para pagamento anual, certamente individuo que sonegasse o imposto obrigaria a outros tantos a completar com seus próprios recursos o total de arrobas estipulado pela Coroa. Ao que parece, esse mecanismo poderia estimular o controle por parte da própria população para evitar a sonegação, já que não queriam arcar com o ônus de ter que completar o número fixo de arrobas. Ou poderia, gerar gestos de ajuda mútua, pois como afirma Botelho, esse tipo de tributo gerava uma “solidariedade entre a população tributada, pois era necessário completar

uma certa quantidade de arrobas de ouro, pactuadas entre as câmaras da região

mineradora”.15

Considerando tais aspectos com relação a essa documentação, talvez na seja possível considerar as listas dos Quintos nem melhores, nem piores que outras fontes utilizadas em estudos demográficos do período pré censitário brasileiro.

Para analise das mulheres como proprietárias de terras são utilizadas as Cartas de

sesmarias e as cartas de solicitação e doação de sesmarias. Do Arquivo Histórico

Ultramarino16 , são utilizadas a documentação de mulheres solicitando a posse de terras dos anos de 1720, 1724, 1746 e 1761. Na seção Colonial do Arquivo Público Mineiro analisou-se às Cartas de sesmarias referentes aos anos de 1726, 1727, 1728, 1729, 1735, 1738, 1742,1747, 1753, 1754, 1755, 1756, 1757, 1758, 1759 e 1760

A Lei de sesmarias pretendia melhorar a produtividade das terras, e para isso promovia a redistribuição daquelas que se encontravam improdutivas. Quando Tomé de Souza assumiu o Governo Geral da Colônia , esta lei já estava em vigor em Portugal. Tomé de Souza trouxe consigo para a América portuguesa o regimento que previa no capítulo X que as sesmarias fossem dadas a quem pedisse e quisesse trabalhar a terra. No entanto, a Lei não foi, como se sabe, respeitada, provocando a concentração de terras nas mãos de poucos.17 Diante dessa situação, começaram a chegar à Coroa Portuguesa varias reclamações. Então, em 1675, o rei determinou que apresentassem em um ano os títulos das terras ao Conselho Ultramarino. A Coroa, que não podia corrigir as formas de doações feitas anteriormente, tentou evitar que o erro continuasse, restringindo as doações de terras.18

As terras doadas aos sesmeiros, indivíduos que recebiam as Cartas de Sesmarias,

eram incultas.19 Os sesmeiros tinha o prazo de dois a cinco anos para produzir. Ao vencer

este prazo, se a terra não tivesse tido nenhuma produção, estas seriam consideradas devolutas, e então doadas a quem as requeressem. A terra que período não tivesse melhoramento, poderia ter a sua legalidade contestada por outros interessados. Em tese, as sesmarias doadas legalmente, seriam retiradas caso não recebessem demarcações precisas e não fossem trabalhadas.20

14 BOTELHO, 2001. p. 47. 15Idem. p. 47-8.

16 BOSCHI. INVENTARIO dos documentos manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais existentes no

Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), 1998.

17 . REIS, GUIMARÃES, 1986. 18 LIMA, 1990.

19 REIS,BOTELHO, 2001. 20 FARIA, 2000, p.365.

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A terra foi algo de grande importância em Minas Gerais no século XVIII, desenvolvendo-se um setor agrícola de grande importância. A agricultura nas áreas auríferas , segundo Reis e Guimarães apresentam dois destinos diferentes: de um lado, servia de consumo interno das unidades produtivas, e por outro lado, assumia um caráter mercantil.21

Por muito tempo a historiografia trabalhou com a idéia da inexistência ou falta de importância da agricultura em Minas Gerais.22

Reis e Guimarães opõem se a tal corrente, levando em conta os dados das Cartas de

Sesmarias e a quantidade delas que foram encontradas no Arquivo Público Mineiro, que

apontam um grande desenvolvimento da agricultura. Além do “interesse da Coroa” que se evidencia na condição básica imposta aos sesmeiros: “ ela deveria ser ocupada com o povoamento de animais e plantações de roças num prazo que geralmente, era estipulado em dois anos.”23 Sem dúvida a agricultura teve grande importância para consolidação da atividade mineradora. Para Luna “a agricultura permitiu a montagem, e garantiu a expansão da atividade mineradora... A dependência da mineração para com a agricultura se expressa na própria necessidade de reprodução da força de trabalho utilizada naquela atividade.”24

As Cartas de Sesmarias analisadas trazem o nome da proprietária, o estado civil, e em alguns casos o nome do procurador, a data de concessão, a localidade da terra, a extensão. Algumas ainda, apresentam informações sobre a mão-de-obra utilizada, as atividades desenvolvidas, além dos prazos de demarcação, cultivo e ocupação. Mas em outras cartas há uma imprecisão nos termos. Quanto as solicitações dirigidas ao Conselho Ultramarino conseguimos encontrar o ano, o local, a extensão da terra solicitada, o estado civil, podendo em alguns casos extrair mais informações.

Portanto, essa documentação contribui para traçar o perfil das mulheres proprietárias, descobrindo não apenas a posse de terra, mas de outros bens como cavalos e escravos.

3- Perfil das proprietárias: analises dos dados. 3.1-Proprietárias de escravos

A análise dos dados referentes às proprietárias de escravos será feita de forma separada para Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de São João Del Rei, visando com isso perceber as semelhanças e diferenças entre as regiões.

TABELA 1

Número total,absoluto e relativo de proprietários de escravos segundo sexo, Vila do Carmo.

Vila do Carmo

Homens Mulheres

Ano % % Total(N)

1718 186 97,9 4 2,1 190

1719 78 98,7 1 1,3 79

Fonte: APM, lista dos Quintos Reais da Coleção Casa dos Contos, códices 1036

21 REIS,GUIMARÃES, 1986, p. 23.

22 Cf. CANO,1977;FURTADO, 1974; IGLESIAS, 1972; LIMA Jr., 1965; SOUZA, 1965. 23 REIS,GUIMARÃES, 1986, p. 25

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TABELA 2

Número total,absoluto e relativo de proprietários de escravos segundo sexo, Vila Rica.

Vila Rica

Homens Mulheres

Ano % % Total(N)

1718 290 98,3 5 1,7 295

1719 126 98,4 2 1,6 128

Fonte: APM, lista dos Quintos Reais da Coleção Casa dos Contos, códice 1028

TABELA 3

Número total, absoluto e relativo de proprietários de escravos segundo sexo, Vila de São João Del Rei

Vila de São João Del Rei

Homens Mulheres

Ano % % Total (N)

1718 42 95,5 2 4,5 44

Fonte: APM, lista dos Quintos Reais da Coleção Casa dos Contos, códice 1031.

No ano de 1718 foram encontrados em Vila do Carmo 97,9% proprietários de escravos e 2,1% de proprietárias de escravos (Tabela 1). No mesmo ano, em Vila Rica, foram encontrados 98,3% de homens com posse em escravos e 1,7% de mulheres com posse em escravos (Tabela 2). Também em Vila de São João Del Rei forma encontrados com posse em escravo 95,5% de homens e 4,5% mulheres. (Tabela 3).

Em 1719, em Vila do Carmo foram encontrados 98,7% de proprietários de escravos e 1 (2,1%) era proprietária de escravos (Tabela 1). Nesse mesmo ano, em Vila Rica foram encontrados com posse em escravos 98,4% de homens e 2 (1,6%) de mulheres. (Tabela 2)

A partir destes dados podemos constatar que há dentro da sociedade setecentista uma grande diferenciação entre homens e mulheres, com certeza mais acentuados por se tratar de

uma sociedade nascente . Tais dados reafirmam estudos como o de Luciano Figueiredo25 que,

ao estudar as famílias mineiras do século XVIII, mostra que estas ocupavam papel secundário dentro da sociedade. As mulheres não assumiam posição políticas, impedidas do exercício de qualquer função político-administrativa, refletindo a vitalidade da mentalidade portuguesa como fator de definição dos papéis sexuais na colônia. A organização do processo de colonização portuguesa excluía as mulheres de qualquer poder ou direito que lhe garantissem reconhecimento social.

Há que se considerar que as mulheres eram vítimas de violência, independente da condição social, estado civil ou cor. A violência não era apenas física, mas se refletia na exclusão destas de cargos políticos ou administrativos.

25

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Contudo, Figueiredo coloca que, apesar da situação de subordinação masculina, as mulheres resistiam com pequenas atitudes em seu cotidiano. Essa resistência vai se manifestar no mundo do trabalho, muitas delas trabalhavam como rendeiras, doceiras, lavadeiras.

Mary Del Priore também aponta, a partir de estudos feitos com documentação do Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo e do Arquivo Nacional, que as mulheres foram vítimas de violência e exploração, no entanto, reagiam e resistiam ao controle da sociedade patriarcal do século XVIII. 26

Portanto, apesar da grande diferença existente entre o número de homens proprietários de escravos em relação às mulheres, o fato destas terem existido demonstra que havia uma resistência a este controle.

Os dados a serem apresentados nas tabelas a seguir mostram o número de proprietárias de escravos, considerando sua condição social, ou seja, se eram forras ou livres e o tamanho do plantel de escravos. Antes é preciso explicar a categoria de mulheres livres. Na documentação referente aos Quintos, há as mulheres que aparecem com a denominação

forra ou negra como no caso da proprietária Bárbara Forra da Vila de Sabará.27. Há o caso

daquela que não possuem tal denominação como é o caso de Maria Gomes de Abreu, proprietária de escravos de Vila do Carmo28, e no caso considero como livre. Portanto, estou considerando como livres aquelas que possuem sobrenome. Contudo, há que se considerar que está se falando em uma sociedade marcada pela representação, então a informação contida na documentação pode não corresponder a realidade, como por exemplo, devido a ascensão econômica o termo forra ou negra pode se perder do nome com o tempo.

TABELA 4

Número total e relativo das proprietárias de escravos, segundo condição e número de escravos. Vila do Carmo, 1718 e 1719

Condição Ano

Nº de

escravos Livre Forra Total Livre (%) Forra (%) Total

1718 1 a 4 0 3 3 0 75 75 5 a 9 0 0 0 0 0 0 10 a 19 1 0 1 25 0 25 Total 1 3 4 25 75 100 1719 1 a 4 1 0 1 100 0 100 Total 1 0 1 100 0 100

Fonte:APM, lista dos Quintos Reais da Coleção Casa dos Contos, códice 1036

26PRIORE, 1995.

27 Arquivo Público Mineiro, Câmara Municipal de Sabará, 02.

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TABELA 5

Número absoluto e relativo das proprietárias de escravos, segundo condição e número de escravos. Vila Rica, 1718 e 1719

Condição Ano

Nº de

escravos Livre Forra Total Livre(%) Forra(%) Total

1718 1 a 4 4 1 5 80 20 100

Total 4 1 5 80 20 100

1719 1 a 4 1 1 2 50 50 100

Total 1 1 2 50 50 100

Fonte: APM,lista dos Quintos Reais da Coleção Casa dos Contos, códice 1028

TABELA 6

Número absoluto e relativo de proprietárias de escravos, segundo condição e número de escravos. Vila de São João Del Rei, 1718

Condição Ano

de

escravos Livre Forra Total Livre (%) Forra(%) Total(%)

1718 1 a 4 2 0 2 100 0 100

Total 2 0 2 100 0 100

Fonte: APM, lista dos Quintos Reais da Coleção Casa dos Contos, códice 1031

Em Vila do Carmo no ano de 1718 foi encontrada Maria Gomes de Abreu, que possuía 17 escravos. E em 1719, outra proprietária, Maria de Vasconcelos aparece na lista com 4 escravos (Tabela 4).

Em Vila Rica no ano de 1718, 80% das proprietárias eram livres com plantéis de 1 a 4 escravos. Em 1719, foi encontrada Izabel de Meneses com uma escrava chamada Clara Mina. (Tabela 5). No ano de 1718 em São João Del Rei, foi encontrada Joana Gomes que aparece com 1 escravo. E Antonia Francisca também com um escravo. (Tabela 6)

Uma observação inicial que pode ser feita é que a maioria das mulheres proprietárias, tanto livres quanto forras, possui plantéis pequenos. Muitas delas aparecem na maioria com uma escrava que pode ser uma espécie de acompanhante. Esse perfil de proprietária com plantéis pequenos reflete o baixo poder econômico.

Paradoxalmente, se há proprietárias de escravos, por menor número que seja, com plantéis que se destacam, pode-se, então, dizer que há uma certa resistência no cotidiano dessas mulheres. Diante desses dados, podemos dizer que a história da mulher apresenta dois lados. Um lado de passividade e submissão, e contrapondo a este uma presença feminina na economia e de certa forma ocupando um espaço social.

Conforme Francisco Vila Luna e Iraci Del Nero da Costa, “a estrutura de posse de escravos revela – ao menos nas fases iniciais da lide mineira – uma estreita correlação com a própria forma como a riqueza distribuía-se entre os moradores”29 .É importante considerar isto, pois a posse demonstra um certo poder aquisitivo destas proprietárias.

Pode-se inferir que muitas dessas mulheres proprietárias eram viúvas que assumiam os negócios de mineração de seus falecidos maridos. Como por exemplo, em Vila de São José onde aparece uma proprietária identificada como viúva de Batista de Caldas, possuindo

29

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10 escravos. Idas Lewkowicz e Horácio Gutiérrez·, ao estudarem as viúvas de Minas Gerais, destacam que as mulheres ao se enviuvarem tornavam-se mais independente, o que não significava mais realizada. Estas que na maioria eram jovens, além de cuidar das crianças, as se caracterizavam por administrar agregados e escravos: “a mulher acabava sendo mesmo administradora dos bens que haviam pertencido ao casal, principalmente quando havia filhos menores”30

Haviam também aquelas que herdavam a escravaria dos pais, ou recebiam como dote para o casamento. As mulheres no período colonial tiverem suas identidades demarcadas pelo estado conjugal.

Um momento importante do aparecimento da mulher como personalidade legal quanto à posse de bens era quando recebia dote para fins matrimoniais; pais, parentes, amigos e mesmo desconhecidos

empenhavam-se em destinar uma quantia ou bens para as moças honestas e brancas.31

Sobre as proprietárias forras, a origem de sua posse de escravo pode ser variada. Podemos atribuir a casamentos com brancos. Conforme estudo de A J. R. Russell-Wood,

citado por Maria Beatriz Nizza da Silva32, na Capitania de Minas Gerais foram encontrados

vários casamentos interraciais. Ao que parece, a partir destes casamentos as forras tinham possibilidades de conseguirem obter com a viuvez de seus maridos alguma posse. Portanto, os dados apresentados só vêm reafirmar a posição das forras dentro da sociedade setecentista.

Eduardo F. Paiva destaca que em Minas Gerais havia uma proximidade maior entre senhores e escravos, e uma efetiva possibilidade de alforria para os cativos. O que de certa forma contribuiria para essa maior circularidade e, portanto, o acesso dessas mulheres forras à posse de escravos.

A carta de alforria significava uma meta para todos os escravos, documento que garantia a liberdade, que, segundo Paiva, era o delimitador social que lembrava de forma intrínseca os limites do novo status33. Eduardo França Paiva afirmar que a mulher possuía uma posição privilegiada com relação ao homem no que diz respeito à carta de alforria. Essa podia se envolver sexualmente com seu senhor dando-lhe um filho, o que acabava por favorecê-la. A mulher, ao obter sua alforria, agora tinha que se empenhar para se manter economicamente. Algumas delas adquiriam terras como heranças dos senhores com os quais elas tiveram filhos34

3.2 Proprietárias de terras

Para analisar as proprietárias de terras, far-se-á uso de uma documentação referente a sesmarias. Partira-se de inicio da documentação que se encontram no Arquivo Histórico Ultramarino. O quadro abaixo mostra algumas mulheres que foram encontradas. Existe um número maior de mulheres que recorriam ao Conselho Ultramarino analisados em trabalhos anteriores, porém para este estudo se fará referencia a estas que se encontram na região proposta neste estudo.

30LEWKOWICS e GUTIÉRREZ, 1997. p.140

31 LEWKOWICZ, 1997 ,apud, LEWKOWICZ, GUITIÉRREZ, 1986 p.133 32 SILVA, 1984.

33PAIVA, 1995. p.107 34PAIVA, 1995.

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Mulheres que solicitaram posse de terra ao Conselho Ultramarino

Nome Estado Civil Localidade Filhos Ano

Isabel Maria Guedes de Brito Viúva Vila do Carmo sem inf. 1720 e 1724 Não identificada Viúva Santo Antônio do Rio da Mortes 9 1746 Brites da Costa Viúva Vila de São José sem inf. 1761 Maria Madalena do Sacramento Viúva Vila de São José sem inf. 1761

Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino

Em Vila do Carmo, encontramos Isabel Maria Guedes de Brito que se apresenta como uma figura que merece destaque. Viúva do coronel António da Silva Pimentel, que no ano de 1720 requeria à Coroa Portuguesa que ordenasse ao então governador de Minas D. Pedro de Almeida não fossem concedidas sesmarias em suas terras. Do mesmo ano foi encontrada uma Declaração em forma de provisão de D. Pedro de Almeida, ordenando que moradores de Papagaios e da Barra do Rio das Velhas continuassem a pagar foros à viúva do Coronel António da Silva Pimentel.35

Em 1724, Isabel Maria Guedes de Brito solicita a confirmação das sesmarias das cabeceiras do rio São Francisco e rio da Velhas, que herdara de seu pai, António Guedes de Brito36 .

Isabel Maria de Brito era filha bastarda de Antônio Guedes de Brito. Seu pai fora casado com D. Guiomar Ximeneses de Aragão, viúva de Rui Dias de Menezes, não deixando filhos. Contudo teve uma filha com Serafina de Souza, Isabel, que se tornou herdeira por testamento. Antônio Guedes de Brito fora um dos mais notáveis da Bahia no século XVIII. Ele teve grande contribuição nas milícias coloniais, quando da expulsão dos holandeses. Ele era dono das terras que se estendiam do Morro do Chapéu até a nascente do Rio da Velhas, como coloca Antonil. Conforme testamento deixado por ele:

E porque de presente não tenho herdeiro forçado instituo por herdeira universal de meus bens a minha filha Dona Isabel, digo, Dona Izabel de Brito Guedes, e quero que o remanescente de minha terça, se a vincula a Capela e Morgado, que meus Pais mandam fazer em Portugal com todos os mais bens móveis, e de lei, e rendimento deles, e sendo em Portugal a Capela, ainda que hajam cá no Brasil bens, e os rendimentos vão para lá se medirá uma missa cada dia, e o mais como era ela, não tendo filhos legítimos nomeio a dita minha filha para administradora da Capela que meus pais deixam pelo poder que me dão no seu testamento, e instituição, que possa nomear em quem quiser dizer natura, ou pelo poder, que me dá livre e nomeio no melhor modo de direito, que haja lugar. Também nomeio a dita Dona Izabel de Brito Guedes a Administração da Capela, que ficou de Maria Pires, de meu avô Antônio Guedes, porque na sua instituição me dá este poder para nomear quem quiser.37

Isabel Maria Guedes de Brito casara-se com o Coronel Antônio da Silva Pimentel, que era um fidalgo com muitas posses. Ao ficar viúva do coronel, passara a ter mais

35 O resumo dessa documentação se encontra no “Inventário dos Manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais

existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)” com o código 126 e 146 e localizado AHU-Com.Ultra-Brasil/MG- Cx:2, doc:62 e 57

36 Idem. Código 351 e localidade AHU-Com. Ultra-Brasil/ MG-Cx: 2, doc 41. 37 Retirado PIRES, 1979. Arquivo da Casa da Ponte de Lisboa – Copiado pelo autor.

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propriedades. As terras de Isabel, juntando as heranças, se estendiam do Morro do Chapéu, na Bahia, até as nascentes do Rio Vainhu (Rio Pará) em confrontação com o Rio São Francisco.

Conforme Simeão Ribeiro Pires, D. Isabel, por ser uma figura delicada, se apresentou como uma donatária distante, deixando a administração nas mãos de Manuel Nunes Vianna, figura forte e temida. “Manuel Nunes Viana, o capitão dos emboabas na guerra que lá se travou, antes da fundação das vilas e, depois disto, potentado do São Francisco, representado e temido no isolamento majestoso, foi o tipo lendário desse procurador onipotente”.38

Portanto, o fato de Isabel Maria Guedes de Brito não se apresentar como uma figura forte, fez com que deixasse nas mãos de um procurador sua vastidão de terras. Isso talvez se explique, pois as mulheres em sua maioria não eram preparadas para assumir negócios, haja vista que estas eram impedidas de ter contato com administrações de seus pais e maridos, pois conforme o pensamento da época essa não era função de mulher.

Há que se considerar, entretanto, que o fato de Isabel Maria Guedes de Brito possuir uma vastidão de terras, por questão de comodidade deixava nas mãos do seu procurador Manuel Nunes Viana suas posses. E não por uma questão de fragilidade ou incapacidade administrativa.

Em Santo Antônio do Rio da Mortes, no ano de 1746, fora encontrado um viúva que passava por sérios problemas com acusações feitas por Matias da Costa Maciel referentes a confrontações das roças dos mesmos. Ela, viúva com 9 filhos, apelava à ordem régia que obrigasse Matias da Costa Maciel a desistir das acusações.39

Brites da Costa viúva do Capitão António João de Oliveira, pedido confirmação referente a meia légua de terra na Vila de São José40 e Maria Madalena do Sacramento, também em São José, pedindo meia légua de terra41.

Na documentação referente a sesmaria do Arquivo Público Mineiro não consegui ainda achar nenhuma carta de confirmação de mulheres que tinham dirigido-se a Conselho Ultramarino. Ao receber a carta de sesmaria esta deveria ser encaminhada ao Conselho Ultramarino para confirmação das terras, mas, ao que parece, isso não acontecia podendo ser esta uma das explicações para o fato de não ter sido possível nesta pesquisa encontrar nome de proprietárias que estivesse no Arquivo Público Mineiro e no Arquivo Histórico Ultramarino.

Para melhor entendimento apresento alguns exemplos de mulheres que conseguiram a

Carta de sesmaria. É importante ressaltar que essas mulheres não eram apenas proprietárias

de terras, muitas estavam envolvidas com atividades agrárias e pastoris. Além de algumas cartas fazerem referencia também a posse de escravos. O quadro abaixo se refere às proprietárias que entre 1726 e 1760 conseguiram obter a concessão de terra.

38 PIRES, 1979. p.105

39 Idem. Código 3752 e localidade AHU-Com. Ultra-Brasil/MG-Cx: 46, doc 29. 40 Idem. Código 6277 e localidade AHU-Com. Ultra-Brasil/MG-Cx: 78, doc:37 41 Idem. Código 6280 e localidade AHU-Com. Ultra-Brasil/MG-Cx: 78, doc:36

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Proprietárias de terras

Proprietárias Localidade Data de Concessão

da Carta

D. Isabel de Souza Caminho -Paragem do Rio Mapendi até Barra do Rio Verde 1726

Joana Antunes Ribeirão do Carmo 1728

Tereza Cardoza de Jesus Vila Rica 1727

Maria Isabel Borges Ribeirão do Rio da Prata da Comarca de São João 1729 Elena da Silva Caminho Velho das Minas para o Rio Verde 1735 Beatriz Furtado de Mendonça Fraldas da Serra do Caraça 1738

Beatriz Furtado de Mendonça Vila Rica 1738

Luiza Maria Xavier da Fonseca Vila de São João Del Rei 1742

Luiza de Souza e Oliveira Comarca Ouro Preto 1747

Christova Maria Freire de Andrade Termo de Mariana 1753

Maria Ferreyra Termo de Mariana 1753

Ana Maria do Nascimento Vila de São João Del Rei 1754 Luiza da Silva de Orens Termo de Mariana 1755 e 1760

Maria da Costa de Carmago Termo de Mariana 1756

Maria José do Espirito Santo Vila de São João Del Rei 1757

Luzia da Cruz Vila de São João Del Rei 1758

Maria de Moraes Vila de São João Del Rei 1759

Andrezza Pinta de Abreu Termo de Mariana 1759

Margarida de Jesus Maria Termo de Mariana 1760

Maria Alves da Cunha Termo de Mariana 1760

Fonte: Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial Cartas de Sesmarias

Antes de analisar as cartas é preciso considerar alguns conceitos, Sheila Castro Faria chama atenção para o sentido de sítio que era usado como sinônimo de “lugar”, onde alguma coisa estava localizada e vinculada ao mundo agrário. A fazenda referia-se ao conjunto de bens de indivíduo.42

Joana Antunes era possuidora de uma fazenda chamada o curral pequeno situado no Ribeirão do Carmo. A carta de sesmaria nos revela que além da terra Joana possui escravos, gados e cavalos e para criação ela justificava a necessidade da terra.

Em 27 de Março de 1726, Dona Isabel de Souza, viúva de Manuel Campos Carlos da Silveira, moradora em Mapendi, Caminho Velho das Minas “que donde se retirou da morte de seu marido por causa da pobreza em que ficou achando lhe com os filhos e outras mais obrigações”. Dona Isabel precisava de terras para o sustento de sua família, portanto, precisava de “duas léguas de terras em quadra” na paragem do Rio Mapendi abaixo até a Barra do Rio Verde. Por seu marido ter servido na Capitania de São Paulo e Minas com toda honra e zelo, conseguiu as ditas terras, sendo “obrigada a fabricar culturas nestas terras nos ditos 2 anos, e não fazendo, devolverão e darão ao vizinhos (ilegível) cultivar”.43 A carta foi assinada por D. Almeida Lourenço em Vila Rica.

42 FARIA. Sheila de Castro,2000. Só a partir do século XIX, os termos “sítios”, “situação’, “chácara” e

“fazenda” passaram a diferenciar o porte das produções rurais

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Em 9 de outubro de 1727, Tereza Cardoza de Jesus, viúva do Capitão-mor José Correa do Valle “descobriu um sítio e posou gados e cavalos”. A viúva conseguiu uma sesmaria de três léguas de cumprido e um largo perdido tendo que cultivar nestas terras dentro de dois anos.44 Na carta consta Vila Rica.

Na documentação aparece Maria Isabel Borges além do cultivo agrícola, havia posse de escravos e ainda possuía gados. A sesmaria localizava-se no Ribeirão da Prata da Comarca de São João.45

Elena da Silva viúva de Manoel Moreira precisa de meia légua referente ao Caminho Velho das Minas para o Rio Verde para o cultivo de ovelhas.46

Gomes Ferreira de Andrade em 1738 representou Beatriz Furtado de Mendonça, que possuía oito escravos, para conseguir a carta de sesmaria. O procurador solicitava a posse de terras que se encontravam nas fraldas da Serra do Caraça com ¼ de léguas. Beatriz precisava das terras para “fabricar sua roça para poder pagar os quintos reais”. Em 15 de Maio de 1738 foi concedida em Vila Rica a carta de sesmaria, sendo Beatriz Furtado de Mendonça “obrigada dentro de um ano que se encontrava datada cultivar e povoar”.47

Gráfico 1

Proprietárias de terras com posse em escravos

Fonte: Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, Cartas de Sesmarias e Arquivo Histórico Ultramarino. 44 APM. 1727. Códice SC28 P. 165. 45 APM. 1729 Códice SC 31 p.141. 46 APM. 1735 Códice SC 42 p.36v 47 APM. 1738. Códice SC 42 p.120. 0 2 4 6 8 10 12 14 1 Proprietárias de escravos sem inf.

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Gráfico 2

Proprietárias de terras com posse de gado e cavalos

10 10,5 11 11,5 12 12,5 13 1 Proprietárias de gado e cavalo sem inf.

Fonte: Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, Cartas de Sesmarias e Arquivo Histórico Ultramarino.

Na documentação analisada aparecem mulheres viúvas que precisavam das terras para diversas finalidades buscando nestas uma forma de sobrevivência. Há também aquelas que não vem especificado o estado civil, não podendo então considerar que só as viúvas tinham acesso a terra. Havia aquelas, ao que parece, que já possuíam uma situação econômica melhor, pois declararam ter outros bens, como escravos, gados e cavalos. O gráfico 1 mostra que das 24 mulheres analisadas da documentação do Arquivo Histórico Ultramarino e das

Cartas de Sesmarias do Arquivo Público Mineiro, 10 declararam possuir escravos, sendo que

as outras 14 não fazem referencia e, portanto, considerei sem informação. No gráfico 2 das 24 mulheres, 11 fazem referencia a criação de gado e/ou cavalo, sendo que 13 não há informação.

Esses dados vêm reafirmar discussões como de Liana Maria Reis e Carlos Magno Guimarães sobre a existência e importância do setor produtivo na sociedade mineradora. Mesmo diante da mineração, desenvolveu-se a agricultura. 48 Considerando estas atividades agrícolas, pode-se dizer que estas mulheres estavam incluídas nestas unidades, usando as terras obtidas por meio de sesmarias como forma de se sustentar. Mulheres que vão ver nas terras uma possibilidade de sobrevivência e sustento como da citada D. Isabel de Souza. Vão existir casos como a de Beatriz Furtado de Mendonça que vai se inserir no mercado agrícola para completar sua renda para cumprir o pagamento do Quinto.

Em outros casos, a posse de terra vai reafirmar a ascensão econômica das mulheres que herdaram dos pais e maridos terras, como o caso de Dona Isabel Maria Guedes de Brito que se apresenta como uma figura enigmática que merece mais estudos.49

As viúvas, diante das dificuldades, se inseriam no mercado de trabalho. Elas geralmente trabalhavam na agricultura, resguardando a divisão do trabalho por sexo, bastante marcada em Minas Gerais. Pode-se até admitir que as lavradoras, além de plantarem para sua própria subsistência e de seus filhos, garantiam o pequeno comércio de gêneros básicos nos núcleos urbanos mineiros.

Há que se considerar aquelas mulheres que possuíam roças, mesmo que pequenas, que contribuíam como mantenedoras dos pequenos comércios de gêneros básicos nos núcleos urbanos. Apesar do campo não oferecer muitas oportunidades de trabalho em relação à

48 REIS e GUIMARÃES, 1986.

49 Pretendo no mestrado estudar mais profundamente esta senhora tentando localizar mais fontes para o

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cidade, Luciano Figueiredo coloca que muitas mulheres participaram como roceiras de pequenas produções rurais arrendadas. “Esta tendência estaria refletida nos índices da contribuição feminina na arrecadação do dízimo50, imposto que incidia sobre todos os

produtos agrícolas, compreendendo sua décima parte.”51

Luciano Figueiredo chama a atenção para a atuação das mulheres como chefes de domicílio. E ainda coloca a atuação delas em produção de subsistência e a atuação em pequenos comércios, conseguindo com isso obter uma certa renda. Pode-se talvez dizer que estas mulheres poderiam fazer uso dessas rendas para obtenção de escravos para ajudar nos trabalhos.

Considerações Finais

O presente trabalho se apresentou como uma tentativa tímida de contribuir para a história das mulheres que em seu cotidiano resistiram à sociedade onde predominavam os homens. Essa resistência aparece nos vários dados que demonstram mulheres inseridas no mercado de trabalho exercendo atividades de cultivo agrícola e como possuidoras de escravos, estando estas envolvidas na empresa mineradora.

O objetivo deste trabalho foi mostrar a mulher da colônia como proprietária de escravos e como proprietária de terras. Mulheres que por meio do mercado e do trabalho conseguiam em seu cotidiano resistir, ainda que de forma camuflada. Para essas mulheres, assumir a frente dos negócios dava a elas certa autonomia. Para Raquel Chequer o espaço público/político seria o espaço de dependência, em que a ausência de autonomia seria imperativa, e já o privado seria demarcado pela possibilidade de agir com mais liberdade.52

A região aurífera apresentou uma estrutura administrativa complexa, com núcleos urbanos onde as relações escravistas se apresentam de forma dinâmica e com uma mobilidade social que abarcou um número considerável de pessoas.53 Essas características, de

certa forma vão contribuir para que essas mulheres possam conseguir exercer no âmbito informal seus “poderes”.

Provavelmente não era fácil a vida destas, pois essas mulheres conviviam com o preconceito, sendo talvez mal vistas. Muitas deveriam se ver submetidas à autoridade dos pais e maridos, o que acabava por estimular a dependência à figura masculina, romper com tais amarras tornava-se algo extremamente desafiador.

Como Mary Del Priore54 coloca, a mulher assumia o papel do edifício familiar: educar as crianças conforme a fé cristã, cuidar do sustento e saúde física, obedecer e ajudar ao marido, entre outras.

Na colônia, onde a história da vida familiar teve sua especificidade, a idéia de privacidade poderia traduzir-se pela relação que tinham as mulheres com sua própria casa, com a religiosidade doméstica, com usos e costumes relativos ao seu próprio corpo, mas, sobretudo com a relação que

mantinham com sua prole.55

Contudo, as mulheres, como administradoras do lar, exerciam poderes discretos e informais, e estes, ao que parece, tornam-se evidentes quando ficavam viúvas, podendo assim

50 Esse imposto indicia sobre os produtos agrícolas, colocado por RESENDE, 2002 51FIGUEIREDO, 1999. p. 192

52 CHEQUER,2002. 53 PAIVA, 1995. p.19-20. 54 PRIORE, Mary Del, 1995. 55 PRIORE, 1995. p.38

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administrar seus respectivos lares e possíveis heranças. Segundo Raquel Chequer muitas senhoras ansiavam desfrutar de todos os direitos advindos do falecimento do esposo, além das obrigações legais. Portanto, as mulheres saíam da esfera dita privada para se colocarem diante de questões referente à esfera pública.56

O fato de essas mulheres possuírem escravos e terras demonstra que essas poderiam resistir conduzindo seus negócios, buscando sobreviver dando rumos diferentes a sua história. Esse trabalho tentou elucidar algumas questões sobre as proprietárias das região aurífera do setecentos, ainda que algumas problemáticas ainda ficaram por resolver ao longo da caminha do mestrado.

Estudar a história das mulheres é algo desafiador, conforme coloca Eni de Mesquita Samara57 se apresenta como um desejo de recuperar a mulher e sua identidade social e a inserção desta no processo de tomada de decisões.

56 CHEQUER, 2002 57 SAMARA, 1989/1991.

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