• Nenhum resultado encontrado

A Função Social da Propriedade: aspectos econômicos e constitucionais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "A Função Social da Propriedade: aspectos econômicos e constitucionais"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

A FUNÇÃO SOCIAL

DA PROPRIEDADE:

ASPECTOS ECONÔMICOS

E CONSTITUCIONAIS*

ANTÔNIO JOSÉ PORTO BANDEIRA** MÉRCIA MENDONÇA LISITA***

A

humanidade e notadamente o Brasil tem convivido ao longo dos anos, a partir do século XX, por reafirmações da propriedade privada, rural ou urbana, e também da propriedade pública. As reflexões sobre a propriedade privada têm sido pautadas ora priorizando seu caráter absoluto/contratual, sem vínculo com a utilidade social; ora por seu caráter relativo, neste caso, tendo como parâmetro de análise elementos que a colocam sob o crivo da garantia do bem estar da sociedade, através de seu uso racional, afastando seu caráter absoluto.

Resumo: o artigo trata da função social da propriedade privada tanto urbana quanto

rural. Admite que a função social esteja vinculada ao interesse social, ao bem estar da sociedade, a erradicação da pobreza e ao progresso social. Admite, também, que a pro-priedade privada é concebida sob a ótica liberal, tendo como fundamento seu caráter absoluto e imprescritível. A subutilização ou o não uso não a desqualifica. Entretanto, a Constituição Federal de 1988, a despeito da onda liberalizante conseguiu manter a propriedade privada relativizada. A metodologia utilizada envolveu o método dedutivo e a pesquisa bibliográfica

Palavras-chave: Função Social. Propriedade. Economia. Constituição Federal.

* Recebido em: 01.08.2014. Aprovado em: 17.08.2014.

** Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999), Espe-cialista em Planejamento Social pela Universidade Federal de Goiás (1987) e em Teoria Econômica pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2011). Graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Uni-versidade Católica de Goiás (1983), Professor adjunto da Pontifícia UniUni-versidade Católica de Goiás. *** Especialista em Direito Tributário e em Análise e Auditoria Contábil pela Pontifícia Universidade

Cató-lica de Goiás. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Goiás (1995) e Graduada em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (1983). Atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, coordenadora de pós-graduação em direito e consultoria empresarial e direito tributário da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. É professora e coordenadora adjunta de trabalho de curso da Faculdade Cambury

(2)

O ordenamento jurídico brasileiro reflete de forma inconteste esta realidade, através do que dispõe a Constituição Federal de 1988, além de outras anteriores. Para análise será utilizado dispositivos do Código Civil e ensinamentos de importantes doutrinadores desta área do saber.

De forma concomitante, a ciência econômica participa deste processo, na medida em que se pode constatar pêndulos importantes que influenciam o debate em torno deste tema. Neste trabalho, pelo papel que exerceu a concepção liberal no mundo e no Brasil, a partir da década de 1980, limitar-se-á ao seu contraponto.

Neste sentido, o presente artigo pretende abordar o tema proposto e contribuir de alguma forma com o debate em torno desta questão.

A PROPRIEDADE PRIVADA

O modo de produção capitalista evidencia, de forma incontestável, a liberdade dos indivíduos de terem acesso livre a propriedade privada dos meios de produção. Entretanto, exceto as sociedades mais remotas, os outros modos de produção anteriores, como o Escra-vismo e o feudalismo já haviam experimentado com suas especificidades, a forma privada de propriedade, tendo como elemento a presunção de que ela é plena e exclusiva, até que prove o contrário.

No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição prevê a garantia da proprie-dade, conforme dispõe o artigo 5º, XXII. Está também prevista a liberdade de iniciativa. Sem dúvida, a livre iniciativa, prevista na Constituição, pressupõe a possibilidade dos indivíduos terem na propriedade elemento de realização econômica.

Isso pode ser percebido quando, baseado no que dispõe o Código Civil vigente em seu artigo 1.228, define as faculdades do proprietário, a ele cabe a faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Além desse dispositivo, soma-se o fundamento do artigo 1.231, do mesmo Código, “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até que prove o contrário”.

A ciência econômica, sob a ótica liberal, desde o século XVIII, especialmente a partir da contribuição de Adam Smith, com a obra Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, tem de alguma forma influenciado no sentido do livre mercado e da plena liberdade de aquisição de propriedade privada. Na concepção liberal há o pressuposto de que não deve haver nenhum impedimento a aquisição da propriedade, a não ser a restrição econômica. Para tanto, deve-se constituir um governo civil que terá como finalidade garantir a plena liberdade de obter propriedade.

Os liberais apresentam que esta visão garantirá que o proprietário, num comporta-mento extremamente egoísta, contribuirá para o bem estar social se, e exclusivamente se tiver realizado seu bem estar individual. O progresso da humanidade depende fundamentalmente da realização individual da sociedade, logo atomista. Para os liberais, o capital se acumula nas mãos de certas pessoas, algumas delas o emprega, naturalmente, dando trabalho a pessoas capazes, a fim de ter lucro com a venda do trabalho delas ou com o que o trabalho delas adi-ciona ao valor das matérias primas.

Na concepção desta escola de pensamento econômico não se deve esperar que o ali-mento venha da benevolência do proprietário de um estabeleciali-mento econômico, mais sim, de sua consideração para com seus próprios interesses..

(3)

Para os economistas liberais, a base da propriedade privada é comumente concebida como o trabalho produtivo do proprietário. A teoria da propriedade privada é baseada nos direitos naturais, tornando, desta forma, o esforço criativo de um indivíduo isolado e autos-suficiente a base de sua propriedade. Isso, por si só, dá a ideia de que dentro das condições de uma sociedade capitalista liberal, baseada numa ordem natural, não ocorreria nenhum tipo de limitação a propriedade privada. Neste caso, conforme já registrado, confirmada pelo reconhecimento do esforço individual e autossuficiente do proprietário, agente do progresso social e que faz com o sistema se reproduza.

É importante ressaltar que nesta perspectiva, não há que se falar em limitar o poder da propriedade privada, através de elementos como interesse social ou necessidades públicas. Aos proprietários serão dadas todas as condições de realização econômica e de bem estar social; aos não proprietários será dada a oportunidade de atuar no mercado livre e ser recom-pensado econômica e socialmente, segundo o lugar que exerce no processo produtivo, certa-mente de menor relevância, na medida em que dada a oportunidade não conseguiu alavancar seu acesso a propriedade privada.

O liberalismo assenta seus fundamentos na concepção dos direitos individuais, isso significa a possibilidade de cada homem livre adquirir direitos, cabendo a organização estatal garantir, individualmente, o exercício desses direitos. Este homem livre teria teoricamente a capacidade de adquirir, com o produto da venda de seu trabalho, a propriedade.

O direito foi se construindo sob a ideia da propriedade privada, capaz de ser patri-moniada, isto é, de ser um bem, uma coisa que pudesse ser usada, fruída, gozada, com abso-luta disponibilidade do proprietário e acumulável indefinidamente. A propriedade privada é coisa que se subordina à vontade livre do proprietário que dela pode usar e abusar, excluindo qualquer interesse ou direito alheio. O proprietário, na concepção liberal, pode usar ou não usar produtivamente a sua propriedade , e mesmo não usando não a perderá, sendo impres-critível o seu direito.

A vontade livre do proprietário define o seu fim, tendo poder absoluto sobre o bem. Ele poderá destruir ou alienar, transferindo-o a outra pessoa livre, por um contrato. Neste caso, o proprietário passa a ser senhor absoluto da coisa objeto de seu direito. Este caráter ab-soluto da propriedade tem sido questionado ao longo da história, refletindo no ordenamen-to jurídico de vários países, dentre eles o Brasil, que estabeleceu em sua Constituição Federal elementos que relativizam a propriedade privada, quando apresenta em dispositivos constitu-cionais a condição da função social da propriedade privada tanto, urbana quanto rural. MARCO LEGAL

A concepção da função social da propriedade, no Brasil, não é recente, apesar de que é o texto da Constituição Federal brasileira de 1988 que lhe dá grande destaque. A ri-gor vê-se preocupação neste sentido, na área agrária, desde o estabelecimento, das sesmarias. Nesse regime colonial já havia a preocupação com a utilização econômica da terra, através de seu cultivo.

Para Sodero (apud MARQUES, 2011, p. 36):

[...] de fato, na concessão de sesmarias, fora determinado que se concedessem glebas em quantidade que um homem de cabedais pudesse explorar [...]. E que se não a

(4)

explorasse dentro de um determinado lapso de tempo, que era prefixado, esta terra reverteria ao patrimônio da Ordem de Cristo, que era administrada por Portugal. Antes da Constituição de 1988, em tempos mais próximos a ela, as Constituições brasileiras como as de 1934 e de 1946 e 1967, esta última com redação dada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969, incluíram a função social da propriedade como um dos princí-pios da ordem econômica e social.

A Constituição de 1934 vinculava o direito de propriedade ao interesse coletivo, inclusive, conforme o jurista Jônathas Silva, já incorporando o instituto da desapropriação por necessidade ou por interesse público, contemplando justa e prévia indenização (art. 113, XVII, CF/1934).

No ordenamento jurídico constitucional de 1946, em seu art. 147, o bem-estar social justificava o uso da propriedade. No caso da desapropriação, esta Constituição Federal evoluiu, na medida em que ela poderia ocorrer por interesse social, o que ampliava sua aplica-ção no pais, com indenizaaplica-ção em moeda corrente e não mais em título da dívida agrária. Estes instrumentos estão dispostos, respectivamente, nos arts. 147 e 141, § 16, CF/1946.

A Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu capítulo que versa sobre os di-reitos e deveres individuais e coletivos, artigo 5º, XXII, garante o direito a propriedade, ao mesmo tempo em que, no inciso XXIII, do mesmo artigo, relativiza, de forma contundente, esse direito de propriedade, na medida em que inscreve que a propriedade deverá cumprir a sua função social.

Ainda nesta direção, a Constituição brasileira, conforme disposto no mesmo artigo, inciso XXIV, posiciona-se de forma clara sobre o instrumento da desapropriação, no caso do não cumprimento do caráter social da propriedade, ao dispor in verbis, “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia, indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição...”, como, por exemplo, o previsto no artigo 22, II, que estabelece que a União caberá privativamente legislar sobre a desapropriação; no artigo 184, relativo a propriedade rural, em que autoriza a União desapropriar por interesse social, para realização da reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, através de prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, tendo como referência a atualização e preservação do seu valor real, com resgate previsto no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

O dispositivo também prevê que, no caso das benfeitorias úteis e necessárias, a indenização dar-se-á em dinheiro. A União caberá o decreto que autoriza a desapropriação do imóvel rural, por interesse social, tendo como finalidade a reforma agrária. Entretanto, registra-se que a Constituição não é parcial quando estabelece esse instituto. Ao contrário, ela garante no artigo 184, parágrafo 3º, através de Lei Complementar, procedimento contraditó-rio especial, no rito sumácontraditó-rio, para o processo judicial de desapropriação.

Do ponto de vista do marco legal, segue a Constituição Federal atendendo o prin-cípio da função social em seus artigos, quais sejam: art. 156, § 1º, II, quando trata da com-petência dos municípios para instituir impostos, vinculando o valor das alíquotas ao uso do imóvel, indicando que o uso racional leva a uma relação menor do valor da alíquota; art. 170, II e III, dispositivos do capítulo da ordem econômica, ao garantir a todos vida digna conforme os ditames da justiça social, deve observar os princípios da propriedade privada e

(5)

da função social daquele tipo de propriedade; art. 182, § 2º, dispõe sobre o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Nesse artigo está previsto que, através DAE Lei, o Poder Público municipal execu-tará política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de “ordenar o pleno desenvolvi-mento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes”. Para tanto, utilizará de mecanismos como o Plano Diretor, que procurará em cada cidade definir elemen-tos de zoneamento urbano e mecanismos de utilização racional e adequada da propriedade urbana, com progressividade e seleção de cobrança de tributos, para proporcionar uma cidade em que sejam evitados os conflitos sociais.

O artigo prevê o pagamento de indenizações justas e prévias em dinheiro para as desapropriações de imóveis urbanos. Ao Poder Público municipal cabe, mediante lei especí-fica para área incluída no plano diretor, exigir do proprietário do solo urbano não ediespecí-ficado, subutilizado ou não utilizado, que desenvolva seu adequado aproveitamento, sob pena de, sucessivamente: - parcelamento ou edificação compulsórios; - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; isso lhe confere especialidade, pois poderá ser a garantia de que o imóvel urbano atenda as pressões por oferta de moradias, visto que segundos dados do IBGE, mais de 80% da população está nas cidades – sedes municipais ou vilas e povoados; - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real e os juros legais.

Outro dispositivo constitucional importante é o que garante o domínio de área urbana para aquele que possuir até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptos e sem oposição, se utilizado para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano.

Neste caso, pode-se considerar uma medida justa, porque, pelo tamanho da área, estarão contempladas pessoas de baixa renda, que, pelo valor dos imóveis na maior parte das cidades, não teriam acesso facilitado a propriedade urbana. Por outro lado, destaca-se que é crescente e acelerado o processo de mecanização no campo, a partir da década de 1970, o que tem levado contingentes enormes de população para as cidades, atraídos pela possibilidade de acesso a serviços e equipamentos urbanos.

O ordenamento jurídico brasileiro, apoiado na Lei nº 10.257/2001, dispõe sobre diretrizes da política urbana e é taxativo em seu parágrafo único, art. 1º, in verbis:

para todos os efeitos, esta Lei, denominada estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem estar coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Pelo exposto, há um nítido propósito do legislador de vincula, assim como no caso da propriedade rural, os interesses individuais ao paradigma do interesse social, criando limites aos interesses exclusivamente econômicos, notadamente os dos grandes grupos econômicos.

A Lei utiliza de instrumentos jurídicos e políticos conforme expresso no artigo 4º, para garantir os fundamentos da política urbana prevista, tais como: desapropriação, servidão administrativa; limitações administrativas; instituição de zonas especiais de interesse social; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial para fins de moradia;

(6)

parcelamen-to, edificação ou utilização compulsórios; transferência de direito de construir e legitimação de posse.

Ainda nesta direção, os dispositivos dos artigos. 184 a 186, que ordenam a política agrícola e fundiária e a de reforma agrária, estabelece, particularmente, nos artigos 184 e 186, os parâmetros do desenvolvimento rural e, paralelamente, o atendimento da propriedade rural dos requisitos, que utilizados simultaneamente, contemplam sua função social:

- aproveitamento racional e adequado, considera-se assim o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e da eficiência no processo de exploração especificados nos pa-rágrafos 1º a 7º do artigo 6º da Lei nº 8.629/1993. É adequada a exploração que respeita a vocação natural da terra, tornando preservado o seu potencial para as gerações presente e futura, ou seja, garantindo o bem estar de todos que necessitam dos produtos da terra, através de um cultivo sustentável;

- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; - observância das disposições que regulam as relações de trabalho, respeitando a legislação

trabalhista que prevê as diversas formas de trabalho e a não aceitação de relações de traba-lho análogas as de escravo ou com utilização de mão de obra infantil. Estão contempladas também o disciplinamento dos contratos de arrendamento e de parcerias rurais;

- exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores; pode-se pensar no atendimento de outros dispositivos fundamentais, dispostos na Constituição Federal, como o fundamento da dignidade da pessoa humana, art. 1º; os fundamentos previstos no artigo 3º, I II, III e IV, respectivamente, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, por último, promover o bem estar de todos, sem pre-conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.

Soma-se a isto a observância as normas de segurança do trabalho e não provocar conflitos e tensões sociais no imóvel.

Estes requisitos, que simultaneamente atendidos e exigidos por lei, estão dispostos, além da Constituição Federal de 1.988, em outros dispositivos infraconstitucionais como a Lei nº 8.269/1993 (Lei da Reforma Agrária) e a Lei nº 4.504/1964 (estatuto da Terra).

O doutrinador Silva (2007, p. 84), em sua obra Curso de Direito Constitucional, nos ensina:

a iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no sistema de consti-tuição econômica brasileira. Se ela se implementa na atuação empresarial, e esta se subordina ao princípio da função social, para realizar ao mesmo tempo o desen-volvimento nacional, assegurada a existência digna de todos, conforme ditames da justiça social, bem se vê que a liberdade de iniciativa só se legitima quando voltada à efetiva consecução desses fundamentos, fins e valores da ordem econômica. Diante do exposto por SILVA, há que se considerar que, no Brasil, notadamente com a Constituição Federal de 1988, a iniciativa econômica privada e a livre iniciativa devem ter como elemento fundamental o bem-estar da coletividade. Isso, obviamente, não elimina o direito a propriedade, seu uso planejado, não especulativo, somente dá-lhe sentido de justi-ça social. Além de ser um dispositivo constitucional, inscrito em nosso ordenamento jurídico maior, há em outras normas, anterior e posterior a ela, previsão do princípio da função social.

(7)

Tomando sob o viés do direito civil, as restrições do Estado sobre a propriedade são ampliadas, somam-se as obrigações de não fazer as obrigações de fazer, impondo o dever de utilizar o bem, relativizando, conforme exposta, a concepção de propriedade como direito como direito individual, portanto, a propriedade não tem caráter absoluto, deve levar em consideração os interesses sociais, a utilidade, notadamente, quando se trata de processos de desapropriação tanto rural quanto urbana.

Para o Senador Ferreira de Souza (in DI PIETRO, 2011, p. 129) “a propriedade tem uma função social de modo que ou o seu proprietário a explora e a mantém dando-lhe utilidade, concorrendo para o bem comum, ou ela não se justifica”.

Há, nesta ideia, a incorporação de uma concepção inovadora, que pressupõe o bem comum como elemento finalístico no uso da propriedade, que é partilhada pelos dispositivos constitucionais de 1988 inscritos nos artigos 1º ( princípio da dignidade da pessoa humana) e 3º ( erradicação da pobreza e da marginalidade e redução das desigualdades sociais e regio-nais). Vê-se que o legislador foi muito sábio quando incluiu na Constituição esses elementos da vida humana, que estão profundamente vinculados a preservação do meio ambiente em suas formas natural e humana.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, tendo como referência os elementos do liberalismo econômico e sua influência sobre a sociedade, em maior ou menor grau, desde o século XVIII, até os dias atuais, a propriedade privada deve ser absoluta e imprescritível. Sua legitimação não depende de qualquer vínculo com o interesse social ou direito alheio, conferindo ao proprietário liber-dade total para usar ou não usá-la, não perdendo-a pelo não uso.

Este pensamento tem influenciado várias constituições. Entretanto, em países como o Brasil, que teve uma Constituição resultado de um amplo processo de participação popular, tanto na cidade quanto no campo, a propriedade privada foi garantida, porém com poder relativizado, pela função social, variável de alta relevância do ordenamento jurídico brasileiro e já presente em constituições passadas e outros instrumentos infraconstitucionais.

A função social da propriedade reforça outros elementos importantes como o prin-cípio da dignidade humana, da erradicação da pobreza e do progresso social, sem configurar, a priori, instrumento de punição aos proprietários.

Finalmente, a Constituição Federal de 1988 acomodou direitos, na medida em que garantiu, por um lado, o direito individual da propriedade e, por outro lado, garantiu a prevalência da função social da propriedade .

SOCIAL FUNCTION OF PROPERTY: ECONOMIC AND CONSTITUTIONAL ASPECTS

Abstract: the article deals with the social function of private property both urban and rural.

Ad-mits that the social function is linked to social interest, the welfare of society, poverty eradication and social progress. Admits, too, that private property is designed in the liberal perspective, and is based upon their absolute and indefeasible character. The underutilization or non-use does not disqualify. However, the Constitution of 1988, despite the liberalizing wave managed to maintain private property relativizada. A methodology involved the deductive method and literature.

(8)

Keywords: Social Function. Property. Economy. Federal Constitution. Referências

BRASIL. Código Civil. Vade Mecum/ Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a co-laboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti, 14. ed. atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição Federativa Do Brasil. Vade Mecum/ Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti, 14. ed. atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.

DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. Tradução: José Ri-cardo Brandão Azevedo e Maria José Cyhlar Monteiro. 2. ed. Rio de Janeiro : Elsevier, 2005, 7 ª impressão.

MARÉS, C. F. A Função Social da Terra. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor. 2003. MARQUES, B. F. Direito Agrário Brasileiro. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2011. SILVA, J. O Direito e a Questão Agrária na Constituição Brasileira. Goiânia: Editora UCG, 1996.

SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

Referências

Documentos relacionados

177 Em relação às funções sintáticas desempenhadas pelas estruturas inalienáveis, da mesma forma como acontece para os tipos de estruturas inalienáveis, é curioso o fato de que,

The challenge, therefore, is not methodological - not that this is not relevant - but the challenge is to understand school institutions and knowledge (school

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como propósito apresentar o interesse de graduados do curso de Arquivologia, em relação à publicação de seus TCC’s após o término do

Desenvolver gelado comestível a partir da polpa de jaca liofilizada; avaliar a qualidade microbiológica dos produtos desenvolvidos; Caracterizar do ponto de

Por meio de uma pesquisa qualitativa com levantamento de dados foi possível verificar que os pesquisadores abordam diversas frentes diferentes em seus trabalhos, que passam

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.