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CENTRO CLÍNICO E DE PESQUISA

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

MARIA TEREZA LABATE MANTOVANINI

CENTRO CLÍNICO E DE PESQUISA

:

UM ESTUDO SOBRE ALGUNS ASPECTOS DA CRISE DA PSICANÁLISE

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

MARIA TEREZA LABATE MANTOVANINI

CENTRO CLÍNICO E DE PESQUISA

:

UM ESTUDO SOBRE ALGUNS ASPECTOS DA CRISE DA PSICANÁLISE

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica sob a orientação do Prof. Doutor Luís Cláudio Mendonça Figueiredo

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BANCA EXAMINADORA

_______________________

_______________________

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

No decorrer de todo o processo de pesquisa contei com a colaboração inestimável de diversas pessoas que, em última instância, foram responsáveis pelo término desse trabalho. A todos agradeço.

Ao Fabio Herrmann (in memorian), por ter me acolhido na PUC e concordado em orientá-lo. À Leda Herrmann, cuja dedicação e experiência possibilitaram que o trabalho viesse à luz.

À Maria da Penha Lanzoni, por ter acompanhado pacientemente os primeiros passos dessa pesquisa.

Aos colegas e amigos do atual CAP, pela colaboração irrestrita desde o inicio da pesquisa. À diretoria do Centro por ter cooperado imensamente com a pesquisa, permitindo o acesso a documentos e ao banco de dados. Uma menção especial à Dora Tognolli, por ter me ensinado muito sobre pesquisa qualitativa fornecendo preciosas sugestões sobre a elaboração dos roteiros e organização dos dados.

A meus pais, Carlos e Maria, pelo permanente incentivo aos estudos. A meus irmãos, Maria Lucia e João Carlos, por possibilitarem, ao longo da vida, inúmeras experiências em grupos. À Maria Cristina, um agradecimento especial pela paciência de ler e reler meus rascunhos em suas diversas fases, acrescentando sempre sugestões muito pertinentes.

Ao meu marido Fabio, cuja leitura sempre crítica e inteligente ampliou meu universo de análise. Sua retaguarda foi imprescindível.

À Fernanda Sofio por sua generosa colaboração na tradução do francês e ao Ciro Miguel pela versão para o inglês.

(6)

SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO... 11

2 - O CCP COMO SINTOMA DA CRISE DA PSICANÁLISE... 21

• 2.1. A formulação do problema e o desenvolvimento da pesquisa... 21

• 2.2. Histórico da Psicanálise em São Paulo... 23

• 2.3. História dos Centros de Atendimento da SBPSP... 34

3 - A PESQUISA E OS DADOS OBTIDOS... 43

• 3.1. Descrição da pesquisa... 43

• 3.2. Análise dos dados obtidos... 46

• 3.2.1. A crise da psicanálise e sua explicitação no CCP.... 47

• 3.2.2. A caracterização da demanda dos pacientes do Centro... 55

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS... 67

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LISTA DE TABELAS

TABELAS (Cap. 2.2):

1 - Candidatos Inscritos no Instituto entre 1974 e 1997, por sexo e

formação... 31

2 - Candidatos admitidos no Instituto entre 1998 e 2007, por sexo e

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RESUMO

CENTRO CLÍNICO E DE PESQUISA: UM ESTUDO SOBRE ALGUNS ASPECTOS DA CRISE DA PSICANÁLISE

Maria Tereza Labate Mantovanini

Trata-se de uma análise cultural-ideológica do discurso dos participantes do Centro Clínico e de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, tomando-o como sintoma do que está sendo considerada a crise da psicanálise. Este estudo foi realizado mediante a análise tanto dos documentos oficiais do Centro, quanto de entrevistas com os membros do Corpo Diretivo e Analistas participantes da instituição. Por meio das relações constituídas e evidenciadas pelo que denominei discurso explícito, procurei chegar ao campo que o suporta, ou seja, o discurso implícito que oculta.

Concluo que a crise se manifesta por algo não dito, a saber, a diminuição da procura por análise, em especial nos padrões propostos pela

International Psychoanalytical Association, de quatro vezes por semana, fato que gera alguns desdobramentos.

O primeiro deles diz respeito à própria sobrevivência da enquanto prática terapêutica. Outros dois desdobramentos, de caráter mais subjetivo, tratam da viabilidade profissional dos psicanalistas e de uma crise de identidade dos mesmos.

Palavras- chave:

(9)

ABSTRACT

This study is a cultural-ideological analysis towards the speech of the participants of the Clinical and Research Center of the Brazilian Psychoanalysis Society of São Paulo. The approach here is to understand it as a symptom of what is being considered the crisis of Psychoanalysis. This study was carried out by the analysis of official documents and interviews with professionals (Psychoanalysts and Administration members) within the institution. Through the constituted relations of the explicit discourse, I tried to reveal the implicit concealed discourse that supports it.

The conclusion addresses this crisis as a result of something not stated, e.g., the decrease in demand for psychoanalysis, especially according to the standard requirements of the International Psychoanalytical Association, namely, four sessions per week. Consequently, this fact produces some important issues.

The first aspect concerns the psychoanalysis' survival as a therapeutic practice per se. The other two deal more subjectively with the psychoanalysts’ professional feasibility and their identity crisis.

Key-words:

(10)

EPÍGRAFE

(11)

CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO

Este estudo parte da constatação de um fato que, a partir do final dos anos 90, passou a fazer parte da realidade dos consultórios psicanalíticos: a diminuição da procura por análise. Uma das causas alegadas para esse declínio é o alto custo, tornando a análise, na concepção de muitos, uma opção de elite, restrita a um número cada vez menor de pessoas.

Atendendo há vários anos em clínica particular e instituições, venho observando uma mudança nos padrões de procura de análise e até mesmo um crescente desinteresse por essa prática, que passou a ser acusada por alguns de elitista, muito longa, muito cara, ineficiente, ou todas as anteriores.

Fabio Herrmann, em um artigo sobre clínica extensa e psicanálise, aborda a questão da assim chamada crise da psicanálise, por um vértice que me pareceu muito profícuo. Este destaca o isolamento da clínica-padrão, que vai se esgotando pela repetição mecânica de chavões, distanciando-se do espírito inovador e investigativo do criador da psicanálise. Diz ele: “A psicanálise de quatro vezes por semana, com o desamparo da sexta interpretado pontualmente na segunda; o silêncio reticente e o meio sorriso acolhedor que, juntos, prometem suspensão de juízo; a heráldica escolástica que se apresenta já no contrato, com orgulhosa discrição (eu trabalho dessa maneira, se lhe convier...); tudo isto, com seus encantos, com seus defeitos, foi indo por água abaixo nos últimos anos, deixando certa nostalgia, só de leve maculada por um grão de má consciência. Que fizemos de errado?” (Herrmann, 2005, p.22).

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“Ora, o que atualmente ameaça a psicanálise não são as psicoterapias, elas mesmas derivadas, via de regra, da própria prática psicanalítica, nem os psiquiatras e suas drogas maravilhosas, cuja indicação vai fazendo rodízio: síndrome do pânico, depressão, agora estresse. O que nos ameaça é o nosso padrão”. (Herrmann, 2005, p.20).

O que vem a ser um padrão, segundo a definição de Herrmann?

“Padrão é uma lei reduzida à sua forma morta. Para que todos a cumpram é preciso ordenar o mundo como se fosse um arquivo morto. Os

as no A, os bs no B, etc. Ora, quando estabelecemos um padrão médio, não se pode evitar o fenômeno das médias: já no primário aprendi que, em média, a gente se afoga em meio metro d’água. O padrão médio de sensatez geral, em cada caso particular, é invariavelmente uma rematada insensatez.” (Herrmann, 2005, p.21).

O julgamento de cada analista, em cada situação, deveria ser o oposto do procedimento padrão. Para que isso aconteça, porém, o que é necessário?

A técnica psicanalítica padrão, que consiste em: livre associação do paciente, com sua contraparte na atenção flutuante do analista, interpretações transferenciais, neutralidade, não é boa nem má em si mesma. A questão que se coloca é o uso que é feito dessa técnica: “de modo aberto como inspiração ou de modo fechado como um ritual”.

(Herrmann, 2005, p.19).

Como se pode depreender das citações acima, estamos lidando com um esgotamento da clínica-padrão, que clama pelo pensamento independente e criativo de cada analista envolvido na prática de analisar.

(13)

Em um Colóquio promovido pela Sociedade Psicanalítica de Paris, realizado em janeiro de 2006, André Green, seu organizador, assim se expressa: “... é difícil datar com exatidão o início da tomada de consciência da crise – isto pode remontar, com efeito, a um tempo bem grande para trás, mas meados dos anos 50 parece uma data razoável – durante muito tempo, congresso após congresso, escutávamos a argumentação vinda de instâncias das mais responsáveis, insistindo pesadamente na negação de tal crise. Foi preciso sensibilizar a IPA para que se decidisse a investigar esse assunto espinhoso.” (Green, 2006, p.232)1.

São múltiplas as faces da crise da psicanálise: teórica, epistemológica e enquanto profissão, o que engloba também o problema do mercado de pacientes.

Em 1977, a IPA (International Psychoanalytical Association) constituiu um comitê de pesquisa com a finalidade de:

“(...) reconhecer a realidade da prática psicanalítica e tomar medidas apropriadas com o fim de ajudar seus membros a defender sua especificidade e a justificativa de seu treino em um campo cada vez mais amplo das práticas psicanalíticas.” (Israel, 1999, p.14)2.

Com esse objetivo, foi elaborado um questionário, posteriormente enviado a todas as Sociedades e grupos de estudos. O questionário, que era bastante simples a fim de permitir obter em tempo menor um número maior de respostas, continha perguntas qualitativas e quantitativas.

A seguir, apresento um resumo dos principais pontos dessa pesquisa, transformada em relatório publicado por Paul Israel, em 1999.

Todos os psicanalistas da IPA que responderam o questionário declararam trabalhar com psicoterapia individual face a face. Essas

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terapias foram definidas como psicanalíticas e constituíam, excetuando-se algumas variações regionais, a parte principal da prática dos membros que não desempenhavam função de formação.

Green, no artigo anteriormente citado, assim se refere aos resultados dessa pesquisa:

Quando se pergunta sobre as causas profundas dessa situação, constata-se que, em muitos países, ocorreu uma verdadeira fratura com o passado. A clínica de hoje não se assemelha em nada à de antes. A descrição da situação ideal é mais uma abstração, pois não traduz mais a experiência concreta. O êxito da psicoterapia, que passou a ser preferida à cura clássica, coloca, entretanto, os psicanalistas em concorrência com os psicoterapeutas.

De qualquer forma, uma nova situação institucional é criada na psicanálise. Com freqüência, os analistas entram em conflito em seus países a fim de obter o reconhecimento oficial de suas atividades entre outras associações de psicoterapeutas.” (Green, 2006, p.232/3)3.

Nas respostas recebidas da América do Norte, a maioria dos membros expressava interesse pela ampliação do espectro de indicações para o tratamento psicanalítico e via um continuum entre psicanálise e psicoterapia. Ao mesmo tempo, existia preocupação com a perda de limites entre ambas, assim como temor à perda de especificidade do tratamento psicanalítico de pacientes neuróticos. Esta última opinião reflete o medo da dissolução ou da perda de identidade da psicanálise.

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poucos pacientes aceitavam comparecer quatro ou cinco vezes por semana. Outro dado interessante: a Sociedade Britânica não enviou resposta ao questionário.

A esse respeito, Green (2006, p.234) observa o seguinte:

“Sabemos que na Grã-Bretanha certos autores se recusaram a tratar das relações entre psicanálise e psicoterapia; só há análise de quatro ou cinco vezes por semana. Os ingleses não responderam ao questionário da IPA e não forneceram razões para isso. Posteriormente, uma pesquisa mostrou que as análises de quatro ou cinco vezes por semana representavam em torno de 40% das atividades dos analistas. E os outros 60% de que ninguém fala jamais?” 4

Entre os analistas da América Latina, a questão revelou-se parecida. Por exemplo: os psicanalistas sempre treinaram psicoterapeutas e, naquele momento, tanto uns como outros sofriam de severos problemas de identidade. Os psicoterapeutas, formados como subproduto da psicanálise, sentem-se tratados como bastardos e, reunidos em associações, chamam a si mesmos psicanalistas, ou exercem pressão para serem aceitos pela IPA.

“A psicoterapia é considerada uma atividade de segunda categoria em comparação com a psicanálise.” 5(Israel, 1999, p.16).

O comitê concluiu que a comunidade da IPA enfrentava naquele momento (1997) dois perigos potenciais:

1. O de uma posição elitista e hegemônica; ou

2. Uma dissolução adaptativa pelas demandas tanto de mercado social como do mercado psicoterapêutico.

Em ambos os casos, a psicanálise teria tudo o que perder, pois seria a identidade dos analistas em treinamento que estaria em questão.

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No final dos anos 90, acontecem dois encontros dos Centros de Difusão e Assistência Latino-Americanos, ligados à FEPAL (Federação Latino-Americana de Psicanálise), onde se discute, prioritariamente, a inserção desses Centros em seus respectivos ambientes social, cultural e científico. O isolamento da psicanálise, restrita, o mais das vezes, à análise de formação, é a preocupação prioritária desses encontros.

O primeiro deles realizou-se em Montevidéu, no ano de 1999 e o segundo, no Rio de Janeiro, em 2000. A motivação para essas reuniões pode ser buscada na preocupação da IPA tanto com a divulgação das idéias propagadas pela psicanálise quanto com sua inserção em um contexto social mais amplo.

Durante o ano de 1999, realizou-se na SBPSP uma série de fóruns, cujo tema, Psicanálise e Psicoterapia, apontava para diversas dimensões da crise da psicanálise, incluindo os aspectos relevantes da pesquisa da IPA (1997) anteriormente citada, mas enfatizando questões de método.

No mesmo ano, foram publicados, em um número do Jornal de Psicanálise (1999), vários artigos desses fóruns, dos quais destacarei algumas colaborações. Primeiramente, um artigo de Eva (1999), “Psicanálise, psicoterapia e afins” e, em seguida, “Psicanálise, psicoterapia, crise e possibilidades da psicanálise”, de Castro (1999).

Ambos os autores enfatizam que a psicanálise não se caracteriza por critérios formais, como uso do divã ou quantidade de sessões por semana, mas principalmente pelo método de observação e técnica de intervenção.

Eva afirma que seria praticamente impossível separar psicoterapia e psicanálise, pelo menos do ponto de vista formal, mas que a procura deve ser pela elucidação do método psicanalítico, como forma de manter a psicanálise viva e criativa.

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“Cabe, portanto, ao analista, este sim, por conhecer e validar o método psicanalítico, criar condições e oferecer ao futuro analisando seu método de trabalho. Assim irá, de preferência praticando seu modelo de trabalho, criar para seu par, através da realização do que é sua psicanálise, o outro – o analisando... Se for coerente minha argumentação, os aspectos do setting formal serão decorrência de outro

setting, o do método psicanalítico.” (Eva, 1999, p.194). Segundo Castro (1999, p.206),

“Os critérios formais são aqueles constituídos principalmente pelo divã e o número de sessões. Penso que não se encontra nestes critérios a caracterização da psicanálise; esta é, fundamentalmente, método de observação e técnica de intervenção.”

Nesse mesmo número do Jornal, Herrmann (1999) afirma que a distinção entre psicoterapias e psicanálise não é fundamental, pois o que importa, tanto nesta quanto naquelas, é o que ele denomina função terapêutica, ou seja, o desvelamento de um campo, mediante sua ruptura.

A definição de ruptura de campo dizrespeito à desestabilização de um sistema estruturado de representações e seu efeito não é apenas uma abertura para o conhecimento, mas uma mudança vital. Segundo Herrmann, a função terapêutica é a própria operação do método da psicanálise.

A função terapêutica é a propriedade do método psicanalítico que assegura inseparável convivência entre saber e cura, sendo que ela está presente cada vez que se usa o método de ruptura de campo e isso não depende de circunstâncias formais de enquadre.

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Segundo Bayle (2006, p.11), no pronunciamento de abertura do Colóquio, a psicanálise foi atacada pelo viés dos resultados de sua prática. Os psicanalistas consideraram esse ataque como um movimento dirigido “à derrota do pensamento e à queda de uma ética em evolução”.

O artigo de Donnet (2006, p.20), apresentado no mesmo Colóquio, aponta para a defesa armada pelos analistas – a defesa da análise de formação do analista como forma privilegiada de introjeção da função analítica, pela qual o analista pode manejar o tratamento e a cura, definidos como “investigações transformadoras do psiquismo inconsciente”.

Com o intuito de pensar o tema da crise da psicanálise, vou delimitar meu estudo ao Centro Clinico e de Pesquisa (CCP), ligado à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), tomando-o como sintoma dessa crise. Vou transformá-lo em uma espécie de laboratório, onde o preço cobrado não pode ser alegado como motivo para a não adesão dos pacientes à análise.

O CCP é um Centro de Atendimento do qual participam analistas e candidatos – os analistas em formação –, que se dividem em grupos, coordenados por analistas mais experientes. Funciona como um centro de triagem e encaminhamento de pacientes interessados em psicanálise e cujas condições financeiras não permitem que a busquem nos moldes tradicionais.

No Centro, certas características de nossa prática são postas em relevo, muitas vezes acentuadas, com a condição vantajosa de se poder pensar e conversar sobre elas em grupo. Isolados nos consultórios, os analistas encontram dificuldade de trocar certas experiências, o que é possível nas reuniões clínicas do Centro.

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quero dizer que, em grande parte, eles não se dispõem a vir quatro vezes por semana, mesmo pagando muito pouco. Outros começam a terapia com menor número de sessões semanais e também não permanecem. Sentindo-me profundaSentindo-mente identificada com esse grupo, a princípio foi difícil tomar a distância necessária para um estudo. Ao iniciar minhas investigações, porém, pude vislumbrar melhor como me colocar e situar o tema a ser abordado.

Na entrevista com o Diretor do Centro, este me mostrou uma série de documentos que antecederam sua criação, justificando a necessidade de seu aparecimento naquele momento histórico. Isso reforçou a necessidade de estudar com maior profundidade a crise da psicanálise, nos aspectos mundiais e regionais.

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falar claramente, a psicanálise é sempre questão de longos períodos de tempo, de meio ano ou de anos inteiros – de períodos maiores do que o paciente espera.” (Freud, 1919, p.179).

Como mostra a bibliografia consultada, a crise da psicanálise na Europa e EUA tem mais a ver com a validação da psicanálise clínica junto às agências de seguridade social e ao declínio da procura pela formação analítica. No Brasil, ela se expressa por um de seus sintomas, a diminuição do mercado de trabalho para o psicanalista tradicional de consultório e o aumento do número de psicoterapeutas, resultado, principalmente, da maior oferta de cursos universitários de Psicologia.

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CAPÍTULO 2 - O CCP COMO SINTOMA DA CRISE DA PSICANÁLISE

“Salomão disse: não há nada de novo sobre a face da Terra. E tanto é assim, que Platão teve uma imaginação: todo conhecimento não passa de lembrança, e então Salomão deu sua sentença: toda novidade não passa de esquecimento. Frente ao que Freud acrescentou: pretensão à originalidade não passa de onipotência.” (Francis Bacon, 1625, modificado de acordo com o

avanço da ciência desde então. In:Paulo César Sandler, 1997)

Neste capítulo, tomando o CCP como sintoma da crise da psicanálise, procedo, primeiramente, à formulação mais precisa de meu problema de estudo nesta dissertação e à exposição do tipo de pesquisa que realizei. Em seguida, como subsídio a esse estudo, pareceu-me imprescindível considerar a história da psicanálise em São Paulo e dos diversos tipos de Centro de Atendimento que abrigou, pois uma crise e seus sintomas não surgem espontaneamente, carregam uma história.

2.1. A formulação do problema e o desenvolvimento da pesquisa

Neste item, vou tratar mais pormenorizadamente de meu estudo do CCP como sintoma da crise da psicanálise. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada por meio de consultas à bibliografia referente à história da psicanálise em São Paulo e à história dos Centros de Atendimento da SBPSP, documentação sobre o Centro, entrevistas com seus integrantes e um questionário enviado aos integrantes do meu grupo.

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estudar mais profundamente algumas questões ali apontadas. Ao tomar o CCP como um sintoma da crise da psicanálise acima exposta e já consultando documentos e colegas, foi-me possível chegar a formular mais precisamente o problema que estava investigando. A adesão dos pacientes ao tratamento deixou de ser o foco principal de meu problema. Durante a Jornada e no exame inicial dos documentos produzidos naquela ocasião, como, por exemplo, a justificativa para a criação do CCP, e das entrevistas com os participantes do Centro, foram-se evidenciando dois discursos manifestos. Em um deles, o dos diretores, a ênfase era posta sobre a divulgação da psicanálise na comunidade como opção de tratamento para problemas psíquicos e sobre a necessidade de pacientes para que os candidatos pudessem completar a formação. Reconhecia-se a diminuição de pacientes interessados em análise, assim como o imperativo de mudança dos modelos tradicionais. Esse discurso se fundamentava em uma determinação da IPA, que apontava para uma crise na psicanálise, restrita então, praticamente, à análise de formação. Em outros discursos, dos representantes dos grupos de trabalho, o foco estava na chamada clínica social. A crise dos consultórios era mencionada em um único documento, uma voz isolada. Dessa forma, foi possível encontrar, nesse conjunto de documentos e depoimentos, outros sentidos além dos explicitados. Meu problema, então, passou a constituir-se na investigação desses discursos, à procura daquilo que continham, mas não podia ser manifestado. Ou seja, a identificação, no discurso explícito que ouvia ou lia, do discurso implícito que carregava.

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uma análise cultural-ideológica do CCP que, através das relações constituídas e evidenciadas pelo que denominei discurso explícito, busca chegar ao campo que o suporta, isto é, o discurso implícito que esconde.

Nas palavras de Fabio Herrmann: “(...) por campo havemos de entender o conjunto de determinações inaparentes que dotam de sentido qualquer relação humana, da qual a comunicação verbal é tão só o paradigma.” (Herrmann, 2001, p.27).

Procurei contemplar todos os grupos que funcionavam no CCP no período em que a pesquisa foi realizada, sendo este também o critério para a escolha dos entrevistados. Havia oito grupos de adultos, um de crianças e outro de família. A análise da pesquisa vai compor o capítulo 3 desta dissertação.

2.2. Histórico da Psicanálise em São Paulo

Segundo Sagawa (1994), a história da psicanálise em São Paulo se inicia na década de 20, a partir do interesse de dois médicos psiquiatras: Francisco Franco da Rocha (1864-1933) e Durval Marcondes (1899-1981).

Franco da Rocha foi professor de Clínica Neuropsiquiátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo e tinha entre os alunos Durval Marcondes. Conta a história que, a partir de uma aula inaugural de Franco da Rocha em 1919, versando sobre a doutrina de Freud, foi despertado o interesse desse discípulo pela psicanálise.

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psicanalítica por meio de cursos, palestras, artigos e entrevistas na imprensa local.

Apesar da origem médica, a difusão da psicanálise em São Paulo está ligada ao Movimento Modernista e ao ensino ministrado na Escola de Sociologia e Política.

Encontrei em Azambuja (1995), citando Reinaldo Lobo (1994), uma afirmação que corrobora esta idéia:

“Na década de 20, o Brasil, através das revoluções ‘tenentistas’ (em 22, 24 e 27), de sua intensa industrialização, e de sua democratização, viveu a sua ‘Revolução Francesa’ (na expressão de Lobo). São Paulo vivia, além disso, um clima de efervescência não apenas em torno da psicanálise, mas da revolução modernista com início na Semana de 22. Nesse clima democrático e modernizador surge a figura de Durval Marcondes. Ele era um democrata, um estudioso, um indivíduo com grande energia, um articulador. O fato de ter participado do Movimento Modernista é um dos indicadores de como a psicanálise fez parte da nossa modernização, ligada ao Iluminismo, assim como o começo da Primeira República estivera ligado ao Positivismo (Lobo). Essa poderosa inserção cultural e social da psicanálise entre nós é uma marca distintiva da nossa identidade.” (Azambuja, 1995, p.36).

Depois de alguns anos, essa primeira Sociedade havia cumprido a finalidade de estimular estudos e divulgar a psicanálise, sendo, então, desativada. Tudo indica que, naquele momento, não havia a intenção explícita de ser reconhecida pela IPA.

(25)

análise didática, supervisão de dois casos clínicos e cursos teórico-técnicos. Azambuja (1995, p.36) aponta para essa mudança:

“A função de Durval Marcondes como primeiro interlocutor local, inicialmente de Freud e posteriormente da IPA, tinha como perspectiva, como apontou Sagawa, a inserção da psicanálise não apenas em São Paulo, mas no Brasil e até mesmo na América Latina. Essa perspectiva sofre uma reviravolta em 1930, época em que o Instituto de Berlim torna-se ‘modelo de formação psicanalítica adotado por todas as filiais da IPA, baseado em três critérios fundamentais: análise didática, supervisão dos casos clínicos e cursos teórico-técnicos’”.

Durval Marcondes empenha-se na implantação desse sistema aqui e a isso se dedica durante quase dez anos. Para tornar possível a formação de analistas, porém, era necessária a presença de um didata.

Por essa época, na Europa, os sinais da Segunda Guerra e da perseguição aos judeus fizeram com que alguns analistas passassem a imigrar para países que os acolhessem.

Alguns historiadores afirmam que, em 1932, o jovem psicanalista René Spitz teria manifestado, em correspondência a Durval Marcondes, o desejo de vir ao Brasil. Entretanto, a carta concordando com sua vinda não teria chegado, pois eram tempos da Revolução Constitucionalista em São Paulo. Ao não receber resposta, Spitz acabou indo para os EUA. De qualquer maneira, foram feitas outras tentativas de trazer algum analista didata para São Paulo.

(26)

formação de analistas apenas em 1937, no consultório particular do Dr. Durval Marcondes.

Os primeiros candidatos a analista aceitos pela Dra. Koch foram: Durval Marcondes, Darcy de Mendonça Uchôa, Flávio Dias e Virgínia Bicudo. Os três primeiros eram médicos. Virgínia Bicudo era professora normalista, educadora sanitária pelo Instituto de Higiene da Universidade de São Paulo e bacharel em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política. Foi a primeira candidata ‘não-médica’.

Sagawa descreve particularidades desse primeiro momento:

“Nessa época não existia, no Brasil, nem a formação nem a profissão de psicólogo. Virgínia Bicudo imprimiu uma marca distintiva e duradoura no núcleo inicial do Grupo Psicanalítico de São Paulo: o de aceitar candidatos não-médicos, com formação universitária em áreas conexas à da Medicina.” (Sagawa, 1994, p.18).

Ainda segundo ele,

“Em 1944 formou-se o Grupo Psicanalítico de São Paulo,

composto pela Dra. Koch e por cinco analistas formados por ela, incluindo os já citados e Frank Philips. Foi eleita também uma comissão de ensino, escolhida entre os membros efetivos, para ‘promover, organizar e fiscalizar’ a formação psicanalítica.” (Sagawa, 1994, p.19).

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Em 1946, Frank Philips muda-se para Londres e ali faz contactos a fim de obter de Ernest Jones o reconhecimento definitivo da Sociedade. Inicia também uma re-análise com Melanie Klein e posteriormente com Bion, o que virá a ter uma grande influência no futuro da Sociedade.

O grupo provisório precisava de outro analista didata, além da Dra. Koch, para conseguir tornar-se oficial, porque o didata não podia analisar, coordenar grupos de estudo e supervisionar o mesmo candidato. Mantêm-se diversos contactos por carta com a IPA, até que, em 1950, chega ao Brasil o didata Théon Spanudis, vindo de Viena, onde fizera formação. Com sua chegada, as normas da formação são finalmente cumpridas e, em 1951, no Congresso Internacional de Amsterdã, a Sociedade recebe o reconhecimento oficial, passando a se chamar Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), a primeira filiada à IPA no Brasil. Estava formada a primeira geração de analistas de São Paulo.

Durante os anos 50, começa a haver um aumento da procura pela formação psicanalítica, principalmente entre médicos.

A SBPSP era a única instituição paulista de formação a

responder a essas demandas. Esse monopólio se consolidou a partir de 1960.

O monopólio da formação ipeísta só será rompido com o nascimento de novas escolas de formação e o aparecimento de novas correntes teóricas e práticas psicoterapêuticas, ao longo dos anos 1970, durante o período que ficou conhecido como o do “boom das práticas

psi’, e cujos efeitos de sua disseminação no social produziu no Brasil o

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clivagem ideológica que culminou com o endurecimento do regime militar a partir de dezembro de 1968.” (Oliveira, 2006, p.232).

Segundo Sagawa, em 1958 é proposta a criação do Instituto de Psicanálise da SBPSP, com a finalidade de organizar a formação dos candidatos a analista; só em 1960, porém, constitui-se a primeira diretoria, presidida por Mário Yahn. A demanda de candidatos cresceu muito, obrigando a uma organização mais complexa do sistema de formação.

A segunda geração de analistas, composta principalmente por médicos, vai se formar a partir dos anos 60. Em 1960, Virgínia Bicudo volta de uma viagem a Londres, onde estivera por cinco anos, trazendo as concepções kleinianas que, de certa forma, rompiam com a formação ortodoxa freudiana de Marcondes e Koch. É ela também quem menciona Bion pela primeira vez em uma reunião da Sociedade, embora, ao que parece, somente pelo fato de ele ser um analista kleiniano.

Oliveira nos informa que:

“Foi também Bicudo quem colocou em funcionamento os dispositivos de seleção e formação, assim como os de estruturação da Instituição. Por meio dela, a Sociedade passou a contar, entre outros, com um secretariado e se engajou na construção da nova sede.”

(Oliveira, 2006, p.253).

Segundo Oliveira (2006), entre 1961 e 1970 foram aceitos no Instituto 61 candidatos. Para ela, esse crescimento foi acompanhado de um fechamento da instituição sobre si mesma e uma centralização de poder, desaparecendo, assim, o espírito familiar do início da vida societária.

Quanto ao caráter do ensino teórico, encontramos:

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estando sob a direção e responsabilidade quase que exclusiva de Adelheid Koch, seguia os padrões de ensino da IPA. Desde 1962 até hoje, o curso teórico está montado sobre temas pilares: A) cursos versando sobre temas teóricos da psicanálise, B) cursos de teoria da técnica psicanalítica e C) seminários clínicos.” (Vannucchi et al., 1995, p.52).

Durante os anos 60, a fila para análise didática aumentava sempre, chegando a quatro anos de espera. Essa situação perdura até meados da década seguinte, enquanto a SBPSP detinha o monopólio da formação.

“Os anos 60 foram marcados por duas características de renovação psicanalítica: uma científica, outra geracional. A primeira ficou por conta das primeiras e vagas referências a Bion. A segunda por conta de novos analistas que, embora tivessem acabado de ser eleitos como membros da SBPSP, assumiram, rapidamente, os principais cargos eletivos, nos anos 70.” (Sagawa, 1994, p.26).

Com o retorno de Frank Philips ao Brasil, em 1969, um novo período se inicia. Toda a nova geração de analistas vai ser influenciada por ele e pela idéias de Bion. A formação torna-se mais sofisticada e elitizada. Essa situação é exemplificada pela entrevista que Amélia Vasconcelos concedeu ao Jornal de Psicanálise (Vannuchi e Herrmann, 1996, p.131):

“Com a vinda de Frank Philips para São Paulo subitamente o preço da análise triplicou: Foi a inflação philipiana. Não me lembro das cifras exatas, mas se meu paciente de supervisão me pagava, por sessão, cinco cruzeiros na época, eu pagava 15 a sessão de análise didática e a supervisão, de repente passei a pagar como que 50. Isso restringiu muito a possibilidade de formação, pois tínhamos que trabalhar muito mais para cumprir os compromissos assumidos, reduzindo com isso o tempo disponível para estudo.”

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dos analistas, que podiam escolher pacientes, cobrarem o que achassem justo por seu trabalho, e ninguém sequer questionava a freqüência de quatro vezes por semana.

“Existe um mercado de ‘psico-utilidades’, o qual é avidamente disputado. E nesse mercado o psicanalista ocupa o cume da hierarquia e, nessa faixa privilegiada, há um combate por melhores posições de lucros financeiros, prestígio social e institucional.” (Rocha, 1990, p.105).

A grande procura por análise e a situação bastante confortável dos analistas, do ponto de vista econômico, atraía cada vez mais candidatos para a formação, apesar do alto custo.

Na década de 70, a situação começa a mudar, pois, conforme estudo de Candiota (1976, p.17), o aumento dos valores cobrados em análise vai restringindo a camada social que pode arcar com o custo – ela passa a ser de 0,2% da população economicamente ativa de São Paulo. A formação não pode mais ser financiada apenas com o trabalho de consultório, o que leva a uma mudança de perfil dos candidatos.

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Tabela 1 - Candidatos Inscritos no Instituto entre 1974 e 1997, por sexo e formação

Ano Homens Mulheres Médicos Não-Médicos Total

1974/1975 48 22 58 12 70

1976 53 26 61 18 79

1977/1978 64 40 75 29 104

1982/1983 94 90 111 73 184

1985 95 139 112 122 234

1989 94 150 105 139 244

1992 76 197 98 175 273

1993 88 209 112 185 297

1997 74 207 97 184 281

A profissão torna-se mais feminina e menos médica. Colabora para isso a abertura de diversos cursos de Psicologia.

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Tabela 2 - Candidatos admitidos no Instituto entre 1998 e 2007, por sexo e formação

Ano Homens Mulheres Médicos Não -Médicos Total

1998 2 21 1 22 23

1999 4 12 3 13 16

2000 4 36 3 37 40

2001 1 7 1 7 8

2002 10 44 6 48 54

2003 n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.

2004 5 14 4 15 19

2005 3 18 3 18 21

2006 0 16 0 16 16

2007 1 14 0 15 15

Embora a procura ainda fosse grande, a SBPSP já não detinha a exclusividade da formação, como podemos constatar pela citação de Rocha (1990, p.86):

“(...) Houve em São Paulo, no final dos anos 1970 e começo dos 1980, um crescimento intenso do número de entidades que têm na psicanálise seu eixo central. Como decorrência também se deu um aumento de psicanalistas, tanto provenientes das inúmeras instituições alternativas ou não oficiais, como da chamada oficial, a SBPSP.”

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“Na edição da Folha de São Paulo, de 5 de maio de 1989, o articulista Paulo César Souza escreveu um pequeno artigo que tem por titulo ‘Psicanálise é Surto no Brasil’. Ali nos informa que é imenso o número de aspirantes a psicanalistas em nosso país, afirmando que ‘os motivos são de natureza econômica e social’. No Brasil, um psiquiatra ou psicólogo empregado numa instituição ganha miseravelmente. Logo, a maioria dos estudantes quer se tornar psicanalista.” (Rocha, 1990, p.89).

A profissão de psicanalista exercia uma grande atração sobre os profissionais da saúde, pois era bem remunerada e garantia um status social diferenciado.

Essa situação, vivida pelos analistas até meados dos anos 90, começa a se modificar rapidamente, coincidindo com o empobrecimento da classe média que, mesmo continuando a procurar análise, pode pagar cada vez menos por ela.

Além disso, há o aumento da oferta de terapias, medicamentosas ou de outras linhas de abordagem, que passam a concorrer diretamente com a psicanálise.

Oliveira (2006, p.277) faz referência a uma pesquisa da ABP realizada em 1998, que retrata a seguinte realidade: “Os analisandos fazem, em média, duas a três sessões por semana; cada analista possui cerca de 11,5 analisandos, principalmente adultos. Outro dado importante: 42% dos analistas das Sociedades Brasileiras, associadas à IPA, tiveram sua renda diminuída desde 1996. Essa baixa já havia sido constatada em outra pesquisa encomendada em 1992, pela mesma ABP”.

A psicanálise nasceu e se revelou em nosso meio como uma profissão de prestígio social e econômico. Mas no final dos anos 90 e início de 2000, essa realidade vai mudar.

(34)

2.3. História dos Centros de Atendimento da SBPSP

A história dos Ambulatórios e dos Centros de Atendimento da SBPSP está ligada diretamente, por um lado, à formação de novos analistas e, por outro, à difusão da psicanálise enquanto prática terapêutica. Penso que podemos traçar um paralelo entre estas duas histórias.

Tudo começa por volta de 1964/1965, quando é instalado o Ambulatório concebido pela Professora Virgínia Leone Bicudo, então diretora do Instituto da SBPSP.

No início, o Ambulatório responsabilizava-se pelo encaminhamento, aos candidatos, dos pacientes para supervisão oficial. Os candidatos entregavam à Sociedade o que recebiam como pagamento, e esta lhes forneciam supervisão. O candidato não pagava diretamente ao supervisor.

Cecil Rezze, em entrevista ao Jornal de Psicanálise (Vannuchi e Herrmann, 1996, p.130/1), conta que:

“(....) havia um problema específico, que de certa maneira continua a existir hoje, o do custo da formação. Naquela época nós tínhamos uma outra queixa, relativa à supervisão oficial. O paciente que iríamos atender como caso de supervisão não podia ser de nossa clínica, era indicado pelo Instituto. Nesse momento deixávamos de pagar pelo curso, mas tínhamos de destinar ao Instituto metade dos honorários recebidos daquele paciente.”

(35)

o acesso ao tratamento. Não se menciona a intenção de fornecer pacientes a candidatos.

Ainda segundo os mesmos autores, no início dos anos 70, com a saída de Dona Virgínia da diretoria do Instituto, o Ambulatório é reestruturado, ficando sob responsabilidade do Secretário do Instituto. A triagem de pacientes começa a ser feita pelos candidatos. Estes criam uma Associação, o Centro de Estudos Luis Vizzoni, que passa a se incumbir de organizar o Ambulatório, ainda vinculado ao Secretário do Instituto.

Na reforma dos estatutos e regulamentos da Sociedade, em 1984, o Ambulatório não é mais contemplado, perdendo o vínculo oficial com a Sociedade, com o Instituto e com a Associação dos Candidatos, criando-se assim uma situação sui generis. Ele deixa de existir juridicamente, embora continue funcionando.

Mesmo nessa condição de informalidade, o Ambulatório, que muda de nome para Serviço de Atendimento, acaba por ser fechado, em 1986. Lanzoni e Nóbrega informam que ele simplesmente pára de funcionar. A partir de pesquisas e entrevistas, os autores propõem como hipótese mais provável, que os próprios candidatos tenham se desinteressado dele. No entanto, há registros oficiais de sua reabertura em setembro de 1987, por solicitação dos candidatos, tendo sido acompanhado pelo Secretário do Instituto durante cinco anos.

A partir dessa data, seu funcionamento passa a ser coordenado pelos próprios candidatos, que se organizam para tanto.

Em 1997, o Serviço de Atendimento (SAT) volta a ser oficialmente reconhecido, integrando a Comissão de Comunidade e Cultura da SBPSP, mas continua sob responsabilidade exclusiva dos candidatos.

(36)

diminuíra a demanda de pacientes. Dessa forma, era difícil prover pacientes a serem atendidos quatro vezes por semana, para as supervisões oficiais. Eram os primeiros sintomas da crise da psicanálise que começava a se instalar, mas ainda não era nomeada.

Essa situação estimula o aparecimento de uma proposta de pesquisa, para melhor estudar o fenômeno.

No início de 2000, a diretoria do SAT, sob coordenação de Maria Rosa Maris Sales, realiza uma pesquisa visando levantar dados do período de 1998 até aquela data. Utilizou-se para tanto um questionário: enviaram-se 78 deles pelo correio, dos quais foram respondidos 62.

O objetivo do questionário era obter as seguintes informações: se os encaminhamentos chegavam aos consultórios, se os pacientes iniciavam a análise, tempo de duração e freqüência semanal de sessões. Cabe ressaltar que, naquele momento, muitas experiências tinham sido tentadas e testadas na prática, em relação à recepção e triagem de pacientes.

Alguns dados relevantes das respostas:

• O total de encaminhamentos no período estudado foi de 171. • Destes, 105 (61%) entraram em contato com o analista, e 91 compareceram à primeira entrevista.

• Dos 71 (42%) encaminhados que iniciaram a análise, 37 (22%) permaneceram;

• Dos que se mantiveram em análise, 21 realizavam até duas sessões por semana e 16, entre três e quatro.

• Em média, foram encaminhados 2,8 pacientes a cada membro analista do SAT, dos quais 1,2 iniciaram a análise e 0,6 permaneceram.

(37)

tratamento aproximadamente 22% dos que o iniciavam; destes, 9,5% com a freqüência semanal de três ou quatro sessões.

Essa pesquisa não chegou a ser mais bem utilizada, pois, em 2000, com a eleição da nova Diretoria da SBPSP, o SAT começa a ser desativado e substituído pelo Centro Clínico e de Pesquisa, ligado ao recém-criado Setor III.

Foi difícil viver o processo na época, não só pelo caráter definitivo do fechamento, mas, sobretudo, porque a experiência acumulada pelo SAT não pôde ser aproveitada. Em um artigo publicado na revista IDE em dezembro de 2002, o grupo assim se manifesta:

(...) Encerramos nossas atividades, após mais de um ano de elaboração lenta e sofrida do anúncio do nosso fechamento, numa reunião com 70% dos participantes, na qual brindamos ao trabalho realizado e homenageamos colegas antigos, num clima de orgulho e dever cumprido.” (Integrantes do SAT, 2002, p.152/3).

O SAT pertencia à história da Sociedade de Psicanálise, era um serviço composto e dirigido principalmente por candidatos e cumpria diversas funções além da formação:

(...) Inicialmente, o objetivo principal deste Serviço era o provimento de pacientes a serem atendidos quatro vezes por semana, para os candidatos em formação. Observamos que cumpria outras funções, como atender ao interesse de diversificação da clientela dos consultórios, oferecer um espaço de convivência aos candidatos, o que favorecia o desenvolvimento de uma consciência institucional; ainda, se constituiu numa alternativa de inserção na instituição para candidatos novos.”

(Integrantes do SAT, 2002, p.152).

(38)

nos consultórios em geral. A Sociedade toma para si a organização do Centro como uma forma de responder institucionalmente a essa crise.

O fato de a experiência do SAT não ter sido aproveitada acarretou uma série de conseqüências desagradáveis para o funcionamento inicial do Centro. Certos temas, como processos de triagem, diagnóstico de pacientes, número de sessões semanais, que haviam sido exaustivamente discutidos pelos integrantes do Serviço, voltaram a aparecer, tratados como se não houvesse experiências anteriores pertinentes e conhecimento acumulado a respeito deles.

A criação do Centro é feita a partir da determinação da nova diretoria e sua fundamentação teórica está baseada em vários documentos referentes à criação de Centros semelhantes em países latino-americanos e europeus. A necessidade e importância de sua criação naquele momento são atribuídas à constatação, como mostrado nesses documentos, de que as Sociedades de Psicanálise estavam vivendo um processo de fechamento e declínio. Matteo (1992), em texto elaborado para um encontro do Centro de Atendimento da Sociedade do Uruguai, afirma que, após dificuldades iniciais de aceitação, a psicanálise viveu, no Uruguai, um período de grande desenvolvimento e popularização, mas, naquele momento, estava em declínio, fechada em si mesma, restrita à psicanálise de formação. A situação era a mesma em São Paulo, naquele momento.

No final dos anos 90, diminuiu a procura por análise, a ponto de chamar a atenção da IPA, que passou a pressionar os filiados para se abrirem para a sociedade como um todo, deixando de ser somente um local de transmissão da psicanálise, encerrado em si mesmo. Isso seria condição para a sobrevivência da psicanálise como terapia.

(39)

analistas tiveram de pensar no que estavam oferecendo aos pacientes, e isso fez aumentar o interesse por pesquisa, divulgação e assistência. A necessidade de ter uma fonte de encaminhamento de pessoas interessadas em fazer psicanálise torna-se premente. O fato é que, a partir dessas constatações, a diretoria da SBPSP eleita em 2000 cria um novo setor, denominado Setor III. Este se voltaria para atividades englobando contactos com instituições comunitárias, como Universidades, e uma clínica dirigida ao atendimento de uma suposta população de baixa renda, para a qual a análise comum estaria fora de alcance, pelo alto custo. Serviria também ao interesse dos candidatos, de terem pacientes quatro vezes por semana para completar a formação com as supervisões oficiais.

Diversas Sociedades de Psicanálise já possuíam, há muito, Centros de atendimento. Apenas na América Latina, Sociedades como as do Uruguai, do Peru e da Argentina dispunham de Centros funcionando havia mais de dez anos.

Em 1999, como foi mencionado na Introdução, realizou-se em Montevidéu o Primeiro Encontro de Diretores dos Centros de Difusão da América Latina, patrocinado pelo Comitê de Psicanálise e Sociedade da Associação Psicanalítica Internacional, por meio de seus representantes na América Latina. Do Encontro participaram a Sociedade Psicanalítica do Uruguai, a Sociedade Peruana, a Associação Psicanalítica de Córdoba, a Associação Chilena, a Sociedade de Mendonza e a SBPSP que, na época, não tinha Centro de Atendimento oficial, mas um Serviço de Atendimento, gerido pelos próprios candidatos (SAT).

(40)

a 2002, o Centro vai sendo organizado, mas o atendimento dos pacientes continua sob responsabilidade do SAT.

Desde sua criação, o CCP integra o organograma da SBPSP, diretamente vinculado à Diretoria de Cultura e Comunidade. Tem por finalidade o atendimento clínico de pacientes que procuram a Sociedade, configurando-se como Centro de Atendimento à comunidade. Uma de suas funções fundamentais é proporcionar pacientes para os analistas em formação.

O Centro agora ocupa a antiga sede da SBPSP, onde uma Assistente Social, que tem a função de secretária, encarrega-se de atender os telefonemas de quem procura o serviço, para agendar a data da inscrição. Esta deve ser feita pessoalmente, pois o paciente precisa preencher uma ficha, assinar um termo de compromisso e pagar uma taxa.

O paciente era informado de que seria procurado por um analista para uma entrevista de triagem. Nesta, o triagista preenche um protocolo constando de quatro partes, sendo a primeira uma entrevista livre; a segunda, dados de anamnese clássica; a terceira, aspectos psicodinâmicos específicos e hipótese diagnóstica com base no CID-10; a quarta e última, a ser preenchida no decorrer do tratamento, tratava da evolução do paciente.

(41)

clínicas, as triagens eram debatidas e, caso se considerasse que se tratava de um paciente para análise, um analista se dispunha a recebê-lo. Caso contrário, ele poderia ser encaminhado pelo triagista para algum recurso da comunidade. Aliás, este tinha a liberdade de fazer tal encaminhamento mesmo sem passar pela reunião, se constatasse que a indicação adequada ao paciente não era a análise. O triagista não podia atender em análise o paciente que triava. Não se estabelecia valor mínimo para as sessões, sendo este um ponto a ser tratado entre analista e paciente.

Nas reuniões mensais, o grupo discutia, além dos casos para encaminhamento, as normas de funcionamento do Centro. Por exemplo, a regra de que o triagista não deveria atender os pacientes que triava foi uma das mais contestadas. A obrigatoriedade de preenchimento do protocolo também. O tempo decorrido entre a triagem e o atendimento era um tema que preocupava os analistas, assim como a precariedade financeira e emocional dos pacientes que procuravam o Centro.

A fim de contribuir para a formação dos candidatos, alguns analistas-didatas se ofereceram para supervisionar os atendimentos cobrando preços acessíveis, proporcionais ao que os pacientes pagavam.

Perdiam-se muitos pacientes na longa espera entre a triagem e o encaminhamento. Mesmo depois que o próprio triagista passou a poder atender o paciente, a desistência não diminuiu muito. Em minha experiência, só uma pequena minoria permanecia em análise por mais de seis meses.

(42)

A organização inicial, com variações próprias de cada grupo, vai se manter até o início de 2005, quando nova Diretoria da SBPSP é eleita, introduzindo modificações:

1. O nome muda para Centro de Atendimento Psicanalítico (CAP). 2. O processo de triagem sofre uma alteração: o paciente que procura o CAP deve comparecer pessoalmente e responder, por escrito, por que procurou e como acha que a psicanálise pode ajudá-lo. Esses escritos serão lidos nas reuniões mensais dos grupos e os analistas vão escolhendo os casos, de acordo com disponibilidades pessoais. O antigo protocolo deixa de ser utilizado.

(43)

CAPÍTULO 3 – A PESQUISA E OS DADOS OBTIDOS

Calma.

É preciso ter calma no Brasil calmina

calmarian calmogen calmovita.

Que negócio é esse de ansiedade? Não quero ver ninguém ansioso. O cordão dos ansiosos enfrentemos: ansipan

ansiex ansiax ansiolax, ansiopax, amigos!

Discurso de Primavera e algumas sombras

Carlos Drummond de Andrade

Este capítulo está dedicado à exposição da pesquisa mencionada na Introdução. Vou dividi-lo em dois itens: no primeiro, descrevo mais detalhadamente como a pesquisa foi realizada, bem como seus sujeitos: documentos e entrevistas com representantes dos diversos tipos de participantes do CCP. No segundo, passo à análise dos dados obtidos. Organizei o processo da seguinte maneira: entre aspas, cito o que considero o discurso explícito nas falas das entrevistas e nos documentos escritos. Farei minha análise desses discursos por meio de comentários às vezes como interpretações dos textos, às vezes como pequenas observações, procurando revelar como se mostra o que designei como discurso implícito.

3.1. Descrição da pesquisa

(44)

Ela compreendeu uma pesquisa bibliográfica sobre a história da psicanálise em São Paulo, dos Centros de Atendimento, abrangendo, mais especificamente, o histórico dos Centros de Atendimento da SBPSP e a crise da psicanálise. Nesse sentido, analisei documentos, livros, artigos, estatutos e cartas de intenção, ou seja, documentos e bibliografia tratando dos seguintes assuntos:

1. Históricos sobre a introdução e difusão da psicanálise na cidade de São Paulo;

2. Históricos da criação do Instituto de Formação da SBPSP e sua função na institucionalização da psicanálise em São Paulo;

3. Histórico dos Ambulatórios da SBPSP;

4. Documentos que antecederam a criação do CCP; 5. Estatutos e normas de funcionamento do Centro;

6. Discurso gravado e transcrito do Diretor do Setor III, por ocasião da Primeira Jornada de Avaliação do CCP;

7. Bibliografia disponível sobre a crise da psicanálise.

Em paralelo, foram realizadas entrevistas e questionários com os participantes do CCP: o Diretor, a Secretária/Assistente Social, coordenadores e analistas participantes dos grupos, inclusive do meu.

A análise dos itens 1, 2 e 3 já foi realizada anteriormente, mais precisamente no capítulo 2. Da mesma forma, o item 7, a saber, a crise da psicanálise, já foi contemplado no capítulo 1, a Introdução.

A investigação do Centro compreende o período que vai de 2002 a 2005, desde o início de seu funcionamento até a eleição de nova Diretoria da SBPSP, que instituiu diversas mudanças nos processos de atendimento.

(45)

Nessas conversas com os colegas, procurei manter uma espécie de ‘atenção flutuante’, no sentido de torná-las o mais abertas possível, para que os temas relevantes emergissem naturalmente.

Levava comigo um pequeno gravador e um roteiro básico. À medida que a conversa transcorria, fazia perguntas para esclarecer um ponto ou outro. As entrevistas foram gravadas e transcritas.

Ao diretor e coordenadores, solicitei que discorressem mais amplamente sobre sua experiência no Centro. Com a secretária, procurei me informar de como era o processo de atendimento, compreendendo a sistemática iniciada pela ligação telefônica da pessoa à procura de análise, até a entrevista de triagem e o encaminhamento para um analista. Um curioso desdobramento dessa entrevista foi a revelação de uma série de informações sobre os potenciais analisandos, até então não registradas formalmente. Cito como exemplo, o grau de angústia vivido por certas pessoas, transformando o primeiro contacto com a secretária, a princípio burocrático, em ocasião para longos desabafos e pedidos de ajuda.

Constavam do meu roteiro básico para os demais analistas as seguintes perguntas:

1. Por que trabalha no Centro e desde quando?

2. Quais as principais dificuldades que encontra no seu trabalho? 3. Está atendendo, atualmente, algum paciente no Centro?

4. Vê alguma diferença entre seus pacientes da clínica particular e os do Centro?

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dados sobre o ponto de vista destes analistas quanto à suposta pequena adesão dos pacientes à análise, um dos sintomas da crise da psicanálise.

Dos treze questionários enviados, obtive sete respostas. As perguntas eram as seguintes:

1. Desde quando participa do Centro Clínico e de Pesquisa (CCP)?

2. Até hoje, quantos pacientes recebeu? 3. Quantos pacientes atende atualmente?

4. Que hipóteses faz para os pacientes que não ficaram? 5. Que hipóteses faz para os pacientes que ficaram?

Um ponto a ressaltar foi o grau de compromisso dos participantes no processo. Isso foi expresso, por exemplo, no fato de alguns colegas, ao saberem que eu estava realizando as entrevistas, pedirem para ser entrevistados. Outros sugeriam que abordasse este ou aquele assunto a respeito dos atendimentos. Todos pareciam satisfeitos em poder falar de sua experiência.

3.2. Análise dos dados obtidos

Passo agora a descrever e analisar o conteúdo das entrevistas e documentos citados nos itens 4, 5 e 6.

(47)

Defini dois eixos orientadores para a análise dos dados obtidos na pesquisa:

1) Crise da psicanálise e sua explicitação no CCP. 2) Caracterização da demanda dos pacientes do Centro.

As respostas dos membros de meu grupo aos questionários foram analisadas privilegiando o segundo eixo.

O procedimento adotado foi o de selecionar trechos das entrevistas (sem identificar o entrevistado) e dos documentos em que esses eixos de análise mostravam-se mais claramente. Em minhas considerações, procurei ater-me ao objetivo desta dissertação, isto é, de, pelo discurso explícito expresso, indicar as pontas do discurso implícito que não pode ser enunciado. Nessa trajetória analítica, pude ir construindo uma interpretação que, em conjunto, mostrou-se conclusiva. Por isso me decidi por um capítulo final de considerações gerais sobre o desenvolvimento da dissertação.

3.2.1. A crise da psicanálise e sua explicitação no CCP

Em diversos trechos do discurso do Corpo Diretivo, é possível identificar uma estreita relação entre as razões alegadas para a criação do Centro e a crise da psicanálise. Senão vejamos:

“... mas o objetivo está bem em função de uma política que é da Associação Psicanalítica Internacional, a IPA, preocupada especificamente com a questão de que a psicanálise comme il faut, como se entende, de quatro vezes por semana, dentro do referencial proposto, das exigências da formação, estava muito restrita a analistas, e não era uma opção de busca das pessoas da comunidade, comuns.”

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“ (...) tudo dentro de uma política que não é local, é internacional, da IPA, de tornar a psicanálise mais conhecida para enfrentar essa crise que é de desconhecimento da psicanálise e também das forças da psiquiatria, (...) que torna a psicanálise uma coisa meio assustadora para as pessoas, rara, de muito tempo.”

Os motivos explicitamente relacionados às recomendações da IPA, porém, não escondem a constatação de que a crise não se restringe a uma questão interna à própria psicanálise, mas sinaliza sua perda progressiva de legitimidade enquanto opção terapêutica. Neste sentido o trecho seguinte é paradigmático:

“(...) é um empobrecimento porque, na verdade, a gente percebe isso aqui de maneira quase caricata. Até no meio médico a psicanálise... é uma coisa assim: quatro vezes por semana parece que é do tempo do Freud e só.”

Nessas menções à crise, encontro uma formulação, não manifesta, da psicanálise identificada com a clínica-padrão e apresentando problemas em sua prática. No trecho que selecionei abaixo, porém, a crise é explicitamente relacionada à separação que ocorre entre o conhecimento psicanalítico possível e as condições nas quais sua prática é realizada, ressaltando a necessidade de repensá-las:

(49)

Podemos ler nos documentos oficiais da criação do Centro uma referência específica à crise. Em trecho das considerações iniciais do ‘Anteprojeto para a Implantação de um III Setor na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo’, reproduzido abaixo, menciona-se a diminuição da procura por análimenciona-se como fator de encolhimento do mercado de trabalho dos analistas:

“Mesmo nos setores envolvidos, de alguma forma, com a área da saúde mental, como os médicos, estudantes de medicina, assistentes sociais, etc., não é raro encontrar:

a) Um desconhecimento das diferenças entre o que são e que

funções desempenham um psiquiatra, um psicólogo, um psicoterapeuta e um psicanalista;

b) Uma oposição irracional a tudo que tem a ver com essas

especializações.

São condições que põem em risco a atividade da psicanálise e ameaçam a sobrevivência do psicanalista, uma vez que já não prevalece aquela situação economicamente confortável existente há alguns anos. E acreditamos que não devemos ter pudor em confessá-lo, pois estamos seguros de que o legítimo interesse dos psicanalistas, que aponta para a necessidade de ampliação de seu mercado de trabalho, não se opõe à ampliação de suas ações, visando atuar sobre uma demanda populacional excluída, também por razões sócio-econômicas.”

A uma leitura rápida, poderia parecer que um dos principais fatores envolvidos na crise da psicanálise seria a falta de conhecimento de sua atuação por parte da população em geral, incluindo os profissionais de saúde mental. Entretanto, se assim fosse, bastaria uma ação de divulgação e esclarecimento por parte da SBPSP para sanar o problema.

(50)

fator componente da crise. O trecho abaixo, no entanto, revela uma apreensão com a concorrência que o movimento psicanalítico, dito oficial, passou a ter de enfrentar e, implicitamente, aponta para o não dito do encolhimento da oferta de pacientes:

“Outro fator importante foi uma questão que não é só nossa, mas uma questão mundial talvez, provocada pela proliferação de técnicas, pela expansão da medicação e do atendimento psiquiátrico, que mostrou a necessidade de realmente darmos uma empurrada e levar a psicanálise mais claramente para fora.”

O fechamento da psicanálise dentro das instituições de transmissão, seu suposto descompasso com o mundo atual revela-se agora como um problema de conseqüências sérias, conforme sugere o seguinte depoimento:

“O que se verificou é que ela, a psicanálise, nos meios culturais e científicos, se ligava ainda muito a um modelo tradicional, freudiano, em que o paciente se deita no divã, o analista não fala, a pessoa fica ali dez anos, nem sempre com bons resultados. Quem é que tem tempo, dinheiro e vontade de fazer isto? Ninguém. Então se tentou dar uma visão, mostrar outra perspectiva da psicanálise como podendo interferir no mundo, contribuir com o mundo, por meio de várias outras possibilidades.”

No entanto não existe consenso em relação à conveniência de divulgar a psicanálise; teme-se o risco de vulgarizá-la, tornando-a um produto de fácil consumo, para atender pressões de mercado. Acompanhando a citação abaixo, referente ao documento ‘Anteprojeto para a Implantação de um III Setor na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo’, podemos ver alusões a esse medo:

(51)

a) a necessidade de manter a formação de psicanalistas tão rigorosa quanto vem sendo até agora;

b) o risco, freqüentemente lembrado por alguns analistas, de que uma proposta de extensão possa implicar a tendência a se afastar do método original em prol de versões de menor ou nenhum valor, tendo em vista a resistência que indivíduos ou grupos opõem ao crescimento mental; ou ainda o risco de uma apropriação, em que a transmissão implique assumir o modelo acadêmico;

c) a preocupação de que a oferta da possibilidade de

atendimento com menor número de sessões semanais ponha em descrédito a necessidade das quatro ou cinco sessões, quando pretendemos nos ater ao método e à formação psicanalítica.”

Os resultados da pesquisa feita pela IPA em 1997 e relatada por Israel (1999) são recordados para reforçar a necessidade de levar em conta os sinais de mudança na realidade da clínica atual:

“(...) Na verdade, esta foi e continua a ser uma política proposta pela Associação Internacional que, em suas pesquisas e enquetes, verificou, como nós também já sabíamos, que a psicanálise estava cada vez mais ligada à psicanálise de formação, quer dizer, quem fazia realmente análise eram os pretendentes a analistas; fora disto, os pacientes se submetiam a um atendimento psicanalítico duas vezes, naquela época, ou três vezes no máximo por semana (...)”

Questões ligadas à formação de novos analistas e à dificuldade de encontrar pacientes que se adeqüem à clínica-padrão também se revelam no discurso desse grupo, na alegação da possibilidade que o Centro oferece para “garimpar pacientes de quatro vezes por semana”:

(52)

verificar se a gente pode ir a outros lugares da comunidade garimpar pacientes para a psicanálise de quatro vezes por semana.”

Ou nesta outra afirmação:

“A clínica foi constituída com um objetivo muito específico, tentar promover, e tentar contribuir para com os candidatos em formação. De que maneira? Oferecendo pacientes para supervisão com quatro ou três sessões semanais a custo muito baixo, simbólico, ou até mesmo sem custo, quase sem remuneração, buscando, na verdade, beneficiar os candidatos, tentando oferecer pacientes para supervisão e atendimento três ou quatro vezes por semana.”

A formação dos novos analistas é, nos depoimentos recolhidos e documentos consultados, considerada de fundamental importância para a sobrevivência da psicanálise enquanto profissão e da instituição psicanalítica como órgão de transmissão de um saber. Quando diminuem os pacientes disponíveis para as condições exigidas pela formação, segundo os padrões da IPA, aparece, ao mesmo tempo e contraditoriamente, por um lado, a defesa da preservação desses padrões, agora restritos à formação, e, por outro, a necessidade de alterá-los:

“Foi verificado também como era difícil que os candidatos tivessem pacientes quatro vezes por semana ou três vezes para supervisão, sendo a chamada psicanálise nos moldes da IPA, como a psicanálise de formação, restrita aos candidatos em formação.”

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por escolha pessoal, mas, como psicanalista, deve não só se submeter à psicanálise, passar pelo processo psicanalítico, como também desenvolver o processo com o paciente. Esta foi uma das questões que levou a IPA a pensar muito na necessidade de se criarem clínicas, de se criarem setores de divulgação e de expansão.”

Assim, a criação do Centro vai se mostrando, ao mesmo tempo, como uma resposta institucional da Sociedade aos problemas que foram surgindo na formação, segundo os padrões recomendados pela IPA:

“(...) uma recomendação de que a Sociedade de Psicanálise fizesse alguma coisa pela comunidade e pela formação, então, quer dizer, o centro clínico está apoiado principalmente nisso daí.”

A crise de mercado, apesar de mencionada em citações anteriores, fica camuflada, como mostra o trecho abaixo, pela necessidade de o Centro atrair pacientes para os candidatos em formação e também divulgar a psicanálise para uma população que, de outra forma, não teria acesso a ela:

(...) o objetivo é uma coisa, é uma via de duas mãos, quer dizer, é trazer benefícios para nós, analistas, e nós que cuidamos da formação de analistas que estão propiciados a candidatos, que possam ter pacientes quatro vezes por semana mais facilmente, e também fazer com que outros segmentos da população que não os iniciados, os familiares de analistas, voltem a descobrir, a saber, que é uma coisa viva e que tem uma função.”

A importância dada à prática do atendimento nos moldes-padrão, como forma de introjeção da função analítica, é ressaltada nesta afirmação:

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para adquirir o viés, a gente acha que é importante a análise pessoal de quatro vezes por semana e a experiência de analisar.”

Entretanto, para além dos objetivos da formação, vai se revelando outra realidade na própria negação de que o Centro atenderia ao objetivo de encaminhar pacientes para analistas de um modo geral:

“Em nenhum momento o objetivo foi oferecer pacientes para analistas que estavam sem pacientes, em nenhum momento foi desenvolver uma psicoterapia psicanalítica, que, sem ter nada contra, não é e nem nunca foi o objetivo principal do Setor III.”

A realidade do Centro desvela outro panorama, segundo declarações do Corpo Diretivo:

“Há uma procura dos pacientes, que é grande, e dos psicanalistas por pacientes, inclusive uma demanda muito grande de psicanalistas que me ligam porque querem pacientes também. Está mudando um pouco. Vejo que há psicanalistas que querem pacientes para o consultório mesmo, não só para formação (...) justamente por essa mudança do social que a gente tem, a situação socioeconômica que a gente vem enfrentando hoje em dia (...)”

“(...) não é objetivo do Centro Clínico encher os consultórios das pessoas que não têm pacientes, mas eu vejo que as coisas funcionam assim.”

Quanto aos Analistas, suas observações sobre a crise estão muito ligadas ao dia-a-dia do atendimento clínico, e eles se manifestam às vezes com humor:

“(...) A pessoa quer ir para o Rio de Janeiro e eu quero levá-la

para São Petersburgo, vôo de Concorde... Mas eu não quero São

Petersburgo. O Rio está bom (...). Você entende? (...) e ainda ficar

olhando a paisagem por onde a gente passa.”

Imagem

Tabela 1 - Candidatos Inscritos no Instituto entre 1974 e 1997, por sexo e formação
Tabela 2 - Candidatos admitidos no Instituto entre 1998 e 2007, por sexo e formação

Referências

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