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Entre o estado, o mercado e a reprodução social : organização dos pequenos produtores do polo irrigado Petrolina/Juazeiro

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA. ENTRE O ESTADO, O MERCADO E A REPRODUÇÃO SOCIAL: ORGANIZAÇÃO DOS PEQUENOS PRODUTORES DO POLO IRRIGADO PETROLINA/JUAZEIRO. Renata Sibéria de Oliveira. São Cristóvão – SE Agosto – 2011.

(2) RENATA SIBÉRIA DE OLIVEIRA. ENTRE O ESTADO, O MERCADO E A REPRODUÇÃO SOCIAL: ORGANIZAÇÃO DOS PEQUENOS PRODUTORES DO POLO IRRIGADO PETROLINA/JUAZEIRO. Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Dra. Josefa de Lisboa Santos. São Cristóvão – SE Agosto – 2011.

(3) Entre o Estado, o Mercado e a Reprodução Social: organização dos pequenos produtores do polo irrigado Petrolina/Juazeiro. COMISSÃO EXAMINADORA. ___________________________________________________ Profª. Drª. Josefa de Lisboa Santos Universidade Federal de Sergipe Orientadora e presidente da banca. ___________________________________________________ Prof. Dr. José Eloízio da Costa Universidade Federal de Sergipe 2º Examinador ___________________________________________________ Prof. Dr. Claudio Ubiratan Gonçalves Universidade Federal de Pernambuco 3º Examinador. ___________________________________________________ Renata Sibéria de Oliveira Mestranda. São Cristóvão – SE Agosto – 2011.

(4) Aos meus pais, Irmãos, Juscelino e, aos pequenos produtores do vale do São Francisco, dedico..

(5) Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser. Já sofri o suficiente para não enganar a ninguém: principalmente aos que sofrem na própria vida, a garra da opressão, e nem sabem. Não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoa do singular - foi deixando, devagar, sofridamente de ser, para transformar-se - muito mais sofridamente na primeira e profunda pessoa do plural. Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que longe ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar. É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro. (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros). Se trata de abrir o rumo. Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando. “Para os que virão” de Thiago de Mello..

(6) AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Assis e Salete, pela coragem e esforço de deixar sua terra e arriscar-se pelo mundo para nos oferecer o que há de mais valioso, a educação. A eles que, para nos proporcionar o melhor, e o que nunca tiveram, abdicaram de suas vidas no empenho em nossa criação. A vocês, pai e mãe, o meu agradecimento sincero. Aos meus irmãos Sérgio, que tão cedo nos ensinou o caminho da biblioteca! E foi meu grande exemplo de perseverança diante das dificuldades que a vida me impunha e Jucelino, pela a pessoa humana que é e por ter a certeza do companheirismo e da amizade. As minhas irmãs, Maiany, Jessica, Érika e Diana minha irmã do coração, por tudo que representam em minha vida e pela certeza que nunca estarei só. A Vinicius, grande amigo, por ter caminhado comigo e partilhando as dificuldades e as alegrias dessa jornada.. Quando juntarmos você comigo... Cordão umbilical e umbigo A gente vai ser só um E até lá eu não vou caminhar mais sozinho O distante será meu vizinho E o tempo será A hora que eu quiser!!! Oras!!! Tem horas que a gente se pergunta Por que é que não se junta tudo numa coisa só? (Fernando Anitelli / Danilo Souza). Ao meu amor Juscelino, na tentativa de responder a muitos questionamentos de sua infância/juventude, tempo em que exerceu a sujeição do seu trabalho nos perímetros irrigados de Juazeiro. Credito a você parte desse trabalho, por ter acompanhado pacientemente ao meu lado e me fortalecido diante de minhas dores. Pela amizade e pelo e o carinho que me tens. Admiro o que há de lindo e o que há de ser... você Enquanto for... um berço meu Enquanto for... um terço meu Serás vida... bem vinda Em mim... (Fernando Anitelli / Danilo Souza).

(7) Os maiores e mais sinceros agradecimentos a Josefa Lisboa, minha orientadora, que aprendi a admirar não apenas pelo brilhantismo com que realiza seu trabalho, mas, especialmente pelo sentimento de humanidade tão sensível no modo com que trata o outro. Agradeço as relevantes contribuições teóricas e ao mesmo tempo a simplicidade com que conduziu a orientação, o mérito deste trabalho em grande parte é seu. Fico feliz e honrosa pela amizade que construímos para além dos espaços da universidade. A Vanessa, que faz parte da minha vida de forma tão significativa tenho alegria em dizer que o que sou é parte de você. Quantas histórias juntas! Aos meus amigos, Jean e Luciano, pela amizade sincera e pelo incentivo. Agradeço todo apoio e carinho. A Elisson, pela amizade, apoio e paciência na organização final do texto. A Rita de Cássia pelo carinho e incentivo. A Cianara, Fernanda, Fátima e Roselita pelo incentivo, força e amizade, partilhamos durante este caminhar... A Vandeilson sempre presente! compartilhando conosco tantos os melhores, quanto aqueles.... momentos. Aos grandes amigos piauienses que tenho alegria em dizer que posso contar, Marcos e Manuela, por ter tornado meus dias em Aracaju menos difíceis e mais alegres. A Paulo Baqueiro, primeiro orientador! obrigada por me ajudar na construção do projeto e pelo incentivo. Aos amigos conquistados na UFS, pelas grandes contribuições e pelo incentivo na árdua caminhada. Em especial, a Gleise, Laércio e Márcia pelo carinho com que me acolheram e a Núbia , Tânia e Glauber por tudo que me ensinaram e pelos bons momentos.. Enquanto houver você do outro lado Aqui do outro eu consigo me orientar... ...Só enquanto eu respirar Vou me lembrar de você Só enquanto eu respirar... (Fernando Anitelli).

(8) Aos professores do NPGEO, Alexandrina, Eloízio, Vera França e Maria Augusta pelo papel fundamental que exerceram não apenas na universidade com suas aulas, mas, na minha formação, seus ensinamentos estarão sempre comigo. “Se cheguei até aqui foi porque me apoiei no ombro dos gigantes” (Isaac Newton). E a Everton, agradeço o acolhimento, o carinho e a disposição em ajudar sempre que solicitei. À Celice, Zélia, Joselha, Silú e Clécia pelo carinho, apoio e por despertar em mim o amor pela Geografia. A minha família, tias, tios, primas e primos pelo apoio e por se alegrarem com minhas conquistas. Aos amigos da rua 07, incluindo Sinval e Claudia, Viviane, Cota e Raiane, aqueles que cresceram comigo e aqueles me viram crescer... As minhas amigas e amigos da escola Moysés Barbosa pelo convívio, pelo apoio e pelo incentivo. Aos pequenos produtores do vale do São Francisco, que abdicaram parte da sua labuta diária para prestar esclarecimentos preciosos e ao mesmo tempo carregados de decepções e esperanças com as políticas desenvolvidas para o campo. Meus sinceros agradecimentos..

(9) RESUMO. As investigações que permeiam este trabalho estão centradas no papel do cooperativismo e do associativismo no campo brasileiro, com destaque para o polo irrigado Petrolina/Juazeiro e para a atuação do Estado como mediador das ações dessas organizações. Neste sentido, se discute em que medida as organizações em questão asseguram a reprodução social dos trabalhadores no campo no vale do São Francisco. Para tanto, o estudo realiza uma releitura que caminha do debate sobre a natureza do Estado capitalista às suas ações voltadas ao planejamento do desenvolvimento, que no Brasil, e de forma mais contundente no Nordeste brasileiro, se materializam no modelo denominado de modernização conservadora. A busca do objeto no Vale do São Francisco, realizado com base em referenciais bibliográficos, em documentos técnicos e pesquisa de campo, permeia a elucidação dos desdobramentos das políticas de reordenamento territorial advindas com a reestruturação produtiva, cujos rebatimentos são sentidos, principalmente, a partir da década de 1990. As mudanças no padrão de produção, na produtividade, nas relações de trabalho, assim como no arranjo espacial resultante das transformações promovidas pelo avanço das forças produtivas no polo irrigado apresentam rebatimentos para as práticas espaciais das referidas organizações. Considera-se que, o desenvolvimento dos princípios cooperativistas e associativistas no Brasil passaram por adequações para atender as exigências do modelo de produção nos diferentes contextos econômicos. Ademais, verificou-se que, o Estado atuou mediando e direcionando as ações das cooperativas e associações com vistas a torná-las instrumentalizadoras da territorialização e monopolização do capital no Vale do São Francisco. Ao tempo em que esses movimentos foram e continuam sendo, contraditoriamente, a condição da sujeição ao capital, eles se constituem o mecanismo utilizado pelos pequenos produtores para assegurar sua permanência na terra.. Palavras-chave: Estado, políticas públicas, organização de pequenos produtores, reprodução social..

(10) ABSTRACT The investigations that permeate this work are focused on the role of cooperatives and associations in Brazilian field, with emphasis on the irrigated pole of Petrolina /Juazeiro and on the state action as a mediator of the actions of these organizations. In this sense, it is discussed in what extention the concerned organizations ensure social reproduction of workers in the field of the São Francisco Valley. Thus, the study conducts a re-reading that goes from the debate about the nature of the capitalist state to their actions aimed at development planning, which in Brazil, and more decisively in the Brazilian Northeast, materialize in the model called conservative modernization. The search for the object in the São Francisco Valley, carried out based on bibliographic references, technical documents and field research, permeates the elucidation of the consequences of policies of territorial reorganization stemming from the restructuring of production, whose repercussions are felt mainly from the 90’s decade. Changes in the pattern of production, productivity, labor relations, as well as the spatial arrangement arising from changes promoted by the advancement of productive forces on the irrigated pole have repercussions for the spatial practices of these organizations. It is considered that the development of associative and cooperative principles in Brazil has undergone adaptations to meet the requirements of the production model in different economic contexts. Moreover, it was found that the State acted mediating and directing the actions of the cooperatives and associations, in order to make them tools of the territorialization and monopolization in the São Francisco Valley. By the time these movements were and still are, paradoxically, the condition of subjection to capital, they are the mechanism used by small producers to ensure their stay on earth.. Key-words: State, public policy, organization of small farmers, social reproduction..

(11) LISTA DE SIGLAS ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural AFRUPEC – Associação dos Fruticultores do Perímetro Irrigado de Curaçá APPUB – Associação de Pequenos Produtores de Uva do Bebedouro BNB – Banco do Nordeste do Brasil CAC – Cooperativa Agrícola de Cutia CAJ – Cooperativa agrícola de Juazeiro CAMAN – Cooperativa Agrícola de Mandacaru CAMPIB – Cooperativa Agrícola Mista do projeto irrigado de Bebedouro CAMPIC – Cooperativa Agrícola Mista do projeto irrigado de Curaçá CAMPIM – Cooperativa Agrícola Mista do Produtores irrigados do Mandacaru CAMPIMA – Cooperativa Agrícola Mista do projeto irrigado de Maniçoba CAMPINC – Cooperativa Agrícola Mista do projeto de Irrigação Senador Nilo Coelho CAMPIT – Cooperativa Agrícola Mista do projeto irrigado de Tourão COAMIGRA – Cooperativa Agrícola Mista do Grande Rio Ltda. Nilo Coelho CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos vales do São Francisco e do Parnaíba COMAIAMT – Cooperativa Agrícola Mista da área Maria Tereza COOAPINC – Cooperativa Agrícola Produtores Irrigantes do Núcleo 04 CVSF – Comissão do Vale do São Francisco DC – Desenvolvimento de Comunidade DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária MAB – Movimento dos Atingidos por Barragem MST – Movimentos dos Sem Terra MMC – Movimento das Mulheres Campesinas PADFIN – Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada do Nordeste PAPP – Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural PLANTEC – Planejamento e Engenharia Agronômica Ltda PND – Plano Nacional de Desenvolvimento SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

(12) SUVALE – Superintendência do Vale do São Francisco VALEXPORT – Associação dos Produtores Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco.

(13) ÍNDICE DE FIGURAS Figura 01 – Parreiral no Núcleo 08 do Projeto Senador Nilo Coelho....................... 67 Figura 02 – Imagem de satélite, região da Bahia demonstrando sistema de irrigação com Pivô central........................................................................................................ 67 Figura 03 – Banal no Núcleo 09 do Projeto Senador Nilo Coelho............................ 68 Figura 04 – Coqueiral no Núcleo 09 do Projeto Senador Nilo Coelho...................... 68 Figura 05 – Instalações da Associação dos Produtores rurais do núcleo 06 perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho – Petrolina PE........................................................... 101 Figura 06 – Instalações da Associação dos Pequenos Produtores Manga Brasil em Maniçoba – Juazeiro BA.......................................................................................... 102 Figura 07 – Centro administrativo do Perímetro Irrigado de Curaçá, onde funciona a Associação dos Fruticultores do Perímetro Irrigado de Curaçá.............................. 102 Figura 08 – Instalações da Associação de Pequenos Produtores de Uva do Bebedouro – Petrolina PE........................................................................................ 103 Figura 09 – Instalações da Cooperativa Agrícola Produtores Irrigantes do Núcleo 04 – Petrolina PE.......................................................................................................... 103 Figura 10 – Instalações da Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro de Irrigação do Tourão – Juazeiro BA............................................................................................... 104 Figura 11 – Câmara fria da Associação dos Pequenos Produtores Manga Brasil........................................................................................................................ 118 Figura. 12. –. Produção. de. manga. do. Perímetro. Irrigado. de. Maniçoba..................................................................................................................118.

(14) ÍNDICE DE TABELAS Tabela 01 – Financiamentos Concedidos a Cooperativas e Produtores e Totais de Crédito........................................................................................................................ 79 Tabela 02 – Cooperativas agropecuárias brasileñas según las décads y por regiones...................................................................................................................... 80 Tabela. 03. –. Distribuição. do. quadro. social. segundo. a. dimensão. das. propriedades.............................................................................................................. 80.

(15) ÍNDICE DE QUADROS Quadro 01 – Planos de governos e suas ações para agricultura no Brasil – 1963/1985.................................................................................................................. 46 Quadro 02 – Periodização das fases do IOCS, IFOCS e DNOCS, de acordo com as suas principais atividades.......................................................................................... 53 Quadro 03 – Distribuição dos Perímetros Irrigados do polo Juazeiro – Petrolina.... 58 Quadro 04 – Cooperativas implantadas com a criação dos perímetros irrigados.... 87 Quadro 05 – Associações de pequenos produtores rurais do pólo Petrolina/Juazeiro, 2011......................................................................................................................... 105 Quadro. 06. –. Cooperativas. de. pequenos. produtores. rurais. do. polo. Petrolina/Juazeiro, 2011........................................................................................... 106 Quadro 07 – Comercialização de acerola da Associação dos Produtores do Perímetro Irrigado de Mandacaru............................................................................ 117 Quadro 08 – Comercialização da Associação Manga Brasil................................. 119 Quadro 09. –. Resultado. da. comercialização. da. AFRUPEC no. ano de. 2010........................................................................................................................ 119.

(16) SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................... 18. 1. DA NATUREZA DO ESTADO AO ESTATUTO DE ESTADO PROVEDOR....... 27 1.1. A natureza do Estado Moderno.......................................................................... 27 1.2. O Estado na lógica da reprodução do espaço agrário........................................ 37 1.2.1. O Estado e o campo no Brasil.......................................................................... 42 2. DOS ‘AZARES’ DA SECA ÀS INTENÇÕES OFICIAIS: O NORDESTE NA ESTEIRA DO DESENVOLVIMENTO........................................................................ 52 2.1. A prioridade invertida nas tentativas de combate à seca.................................... 52 2.2. O Vale do São Francisco: da ocupação à “modernização”................................. 54 2.3. Petrolina/Juazeiro: de passagem para viajantes ao polo de fruticultura irrigada....................................................................................................................... 55 2.3.1. A emergência dos perímetros irrigados no Submédio São Francisco............ 58. 3.. COOPERATIVAS. E. ASSOCIAÇÕES. NO. CAMPO. BRASILEIRO. E. O. CONTROLE DO ESTADO......................................................................................... 72 3.1. O movimento cooperativista no Brasil................................................................. 76 3.2. O ideário associativista e a introdução do modelo de gestão e planejamento participativo no campo............................................................................................... 82 3.3. O Estado e as formas de organização dos pequenos produtores nos perímetros irrigados do Submédio São Francisco....................................................................... 86 3.4.. A. espacialização. das. cooperativas. e. associações. no. polo. Petrolina/Juazeiro...................................................................................................... 87 3.5. Os Distritos de Irrigação – empresa criada para administrar os perímetros após o fechamento das cooperativas e associações......................................................... 95 3.6. Desdobramentos da reestruturação produtiva no Pólo Irrigado......................... 95. 4. O LUGAR DA ORGANIZAÇÃO DOS PEQUENOS PRODUTORES DO POLO IRRIGADO NO CONTEXTO DE REESTRUTURAÇÃO DA PRODUÇÃO PÓS ANOS 1990: AS NOVAS/VELHAS FUNÇÕES.................................................................... 99.

(17) 4.1. O Estado e a recriação do cooperativismo/associativismo: novas organizações, velhas funções...................................................................................................... 101. 4.2. Cooperativismo e associativismo: condição da reprodução social nos espaços irrigados do vale do São Francisco?........................................................................ 112. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 121 5.1.. Do. pioneirismo. de. Rochdale. ao. cooperativismo/associativismo. do/no. capitalismo............................................................................................................... 121 5.2. Em meio à sujeição, a busca pela permanência na terra................................. 124. REFERÊNCIAS....................................................................................................... 127. ANEXOS.................................................................................................................. 136.

(18) INTRODUÇÃO Esta terra é desmedida e devia ser comum, Devia ser repartida um toco pra cada um, mode morar sossegado. Eu já tenho imaginado Que a baixa, o sertão e a serra, Devia sê coisa nossa; Quem não trabalha na roça, Que diabo é que quer com a terra? (Patativa do Assaré). O Submédio São Francisco compreende uma área que, se estende do município de Remanso ao município de Paulo Afonso no estado da Bahia. Situado no Semi-árido brasileiro, recebe essa denominação por compor um conjunto de municípios que margeiam o rio São Francisco no seu curso Submédio, diferenciando-se das demais localidades do Semiárido nordestino pelo rico potencial hídrico que apresenta. Nesta região, encontra-se o polo de fruticultura irrigada Petrolina/Juazeiro, cuja territorialidade inclui os municípios baianos de Curaçá, Sobradinho, Casa Nova e no lado pernambucano, os municípios de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista (SILVA, 2001). A área de estudo desta pesquisa, abrange os municípios de Petrolina, Juazeiro e Curaçá onde o objeto de estudo, qual seja, a importância das organizações de pequenos produtores, cooperativas e associações, no polo de fruticultura irrigada Petrolina/Juazeiro e a atuação do Estado como fomentador das ações dessas organizações na região é mais ilustrativa. Optou-se por este território por considerar-se que ele sofreu expressivas modificações com a implantação do projeto “modernizador” da fruticultura, cujas mudanças, orientaram o surgimento das organizações de produtores através das cooperativas e associações no pólo irrigado Petrolina/Juazeiro. A figura a seguir ilustra a área de estudo escolhida.. 18.

(19) Região Nordeste. Submédio São Francisco. Área de estudo no pólo irrigado Petrolina/Juazeiro. Figura 01 – Mapas de identificação da área de estudo. Fonte: EMBRAPA, 2000.. 19.

(20) O aprofundamento das relações capitalistas de produção no submédio São Francisco ocorreu a partir da década de 1960, e de maneira contraditória, contribuiu para aumentar a dependência dos produtores em relação ao Estado e ao mercado. Nesta nova organização, novos atores e novas formas de produzir tornaram o espaço agrário do vale do São Francisco mais competitivo e inserido em mercados mais exigentes, dificultando de maneira significativa a inserção do pequeno produtor. Trata-se de um território, não enquanto substrato material, mas como espaço apropriado para o consumo/produção (SANTOS & SILVEIRA, 2008; HARVEY, 2005). Compreende-se aqui que o conceito de território perpassa toda esta pesquisa. Muito embora, opte-se por não discorrer ao longo do texto sobre o conceito em si, entende-se que ele aparece implícito em toda proposta explicativa sobre o espaço apropriado para a fruticultura irrigada. O território aqui é compreendido não sob a forma de “planície isotrópica”, ele ressurge como componente central nas discussões geográficas e deve ser considerado como um espaço definido por um conjunto de relações de poder. O território, nessa direção, é um espaço controlado por grupos que exercem algum tipo de poder produzindo territorialidades específicas, e pode ser dimensionado em diversas escalas, seja ela, mundial, regional ou local. O território é uma determinada porção da superfície terrestre apropriada e controlada (MORAES, 2002). Ele serve aos interesses da exploração capitalista, por isso, apresenta-se, como um espaço dominado para um determinado fim e, na realidade estudada, para o propósito da exploração de riquezas. A atuação do Estado na área permitiu o fomento de diversos investimentos, culminando com a implantação do complexo agroindustrial de Petrolina/Juazeiro na década de 1970, ou seja, no território da fruticultura irrigada. Além da política de subsídios, que se concentrou na isenção de impostos e na disponibilidade de financiamentos, a instalação dessas agroindústrias foi viabilizada também, pela atuação conjunta das empresas públicas de atuação no vale do São Francisco, como a CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos vales do São Francisco e do Parnaíba), SUDENE (A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), BNB (Banco do Nordeste do Brasil) e da criação de um suporte tecnológico com a criação do Centro de Pesquisa da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).. 20.

(21) O profundo atrelamento entre modernização e expansão capitalista no campo brasileiro exigiu do Estado à elaboração de um conjunto de medidas que, incluíam o campo no projeto desenvolvimentista do país, nesta ótica, abrir o espaço agrário para que a economia brasileira pudesse se inserir na economia mundial tornou-se imprescindível, para Alexandrina Luz Conceição (2005), “o mercado instrumentaliza o Estado, e este instrumentaliza o mercado, na política perversa de favorecimento às transnacionais”, como observa também Wenceslau Gonçalves Neto (1997); Moacir Palmeira (1989) & Geraldo Muller (1986). Após a década de 1990, a reestruturação da agricultura e a intensificação do capitalismo no campo, promoveram no vale do São Francisco a difusão de uma agricultura globalizada, onde a inserção de novos atores, articulados com a política local e dispostos a investir em novos produtos direcionados ao mercado externo resultaram na substituição da produção de ciclo curto pela produção de frutas voltadas para exportação. Constituiu-se assim o polo Frutícola de Petrolina e Juazeiro. De acordo com Denise Elias, o submédio são Francisco foi a primeira região do Nordeste a viver o processo de difusão da agricultura científica e do agronegócio, hoje ela se constitui grande produtora de frutas para exportação, no entanto, são visíveis nesta reestruturação da produção e do território as inúmeras conseqüências sobre os elementos sociais e técnicos e sobre a estrutura agrária (2006, p. 31). Para a explicação da realidade em questão, o estudo realiza uma releitura que caminha do debate sobre a natureza do Estado capitalista, onde se apreende os fatos históricos que marcaram o surgimento do Estado, investigando-se a sua natureza, às suas ações voltadas ao planejamento do desenvolvimento, que no Brasil, e de forma mais contundente no Nordeste brasileiro, se materializaram no modelo denominado de modernização conservadora. Para a realização de um levantamento dos processos históricos que, legitimaram a criação de uma instituição com poderes de organizar a sociedade, o Estado, a leitura de clássicos como O Príncipe de Nicolau Maquiavel, Leviatã de Thomas Hobbes, o Segundo tratado sobre o governo civil de John Locke, Do Contrato Social Jean-Jacques Rousseau foram de fundamental importância. As leituras de Karl Marx, Friedrich Engels, István Mészáros, David Harvey, entre outros, que também contribuíram com a formação do alicerce teórico desta pesquisa, demonstrando que, a natureza do Estado assenta-se no antagonismo das 21.

(22) classes, na contradição gerada pelo interesse do indivíduo e o da comunidade a qual está inserido. Esta contradição se baseia na divisão de classe determinada pela divisão do trabalho, o que responde ao seu papel como agente de produção do espaço, que se realiza de forma desigual e combinada. Forneceram ainda, subsídios para a elucidação da produção capitalista do espaço e das contradições produzidas mostrando que, o capital abre espaços e transforma-os em territórios de exploração, além de permitirem um olhar crítico acerca dos conflitos que são gerados no interior das classes. Historicamente, a criação do Estado, bem como a modernização de seus aparatos administrativos, acompanhou a trajetória de desenvolvimento do sistema capitalista, para que a cada tempo, pudesse criar as condições para o seu pleno desenvolvimento. Ao analisar seu papel no Brasil, através de uma literatura voltada para explicação das suas ações no contexto da política de desenvolvimento nacional/regional, nota-se que ele não só enxergou no campo possibilidades para reprodução do capital e alternativa de manutenção da classe dominante no poder, como durante séculos, suas ações tem se concentrado na busca de mecanismos para a inserção do país no circuito do capital, tendo como estratégia a modernização das suas bases de reprodução. A pesquisa exigiu uma revisão bibliográfica a partir de pensadores marxistas, desenvolvimentistas, assim como em estudiosos da questão regional, do cooperativismo, do agronegócio, da pequena produção, e ainda, em estudos sobre o rio São Francisco. Procurou-se em autores como Manuel Correia de Andrade, Tatiana Ribeiro Veloso, José Eloízio da Costa, Claudio Ubiratan Gonçalves, Denise Elias, Renato Pequeno e Josefa Lisboa, analisar os desdobramentos das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento agrário da região Nordeste, mostrando como elas produzem territórios de exploração. Para a realidade do polo irrigado Petrolina/Juazeiro,. os. desdobramentos. expressam. a. territorialização. e. a. monopolização do capital. Essa busca foi reforçada com as contribuições de Esmeraldo Lopes Gonçalves, Celso Franca e Bertulino Alves do Nascimento, que auxiliaram na explicação da história da região e no entendimento das desigualdades sócioespaciais presentes no Vale do São Francisco. A elucidação da articulação dos pequenos produtores, se realizou a partir de um levantamento das práticas organizativas das cooperativas e associações no espaço agrário brasileiro, para então compreender como são funcionais para a 22.

(23) implantação e a continuidade dos perímetros irrigados que compõem o polo Petrolina/Juazeiro. Dessa forma, dando fôlego aos pequenos produtores que se mantém na atividade produtiva, mesmo sendo subordinados às diretrizes do mercado. Esta busca pautou-se nas abordagens realizadas por José Odelso Schneider, Maria Luiza de Souza, Marcio Roberto Palhares Nami, Olinda Maria Noronha, Luis de Castro Campos Junior, Oscar Graeff Siqueira, Karl Kautsky, Rosa Luxemburgo, Maria Luiza Lins e Silva Pires, Gisele Onofre, Pedro Carlos da Gama da Silva. As associações e as cooperativas implantadas no polo Petrolina/Juazeiro, se constituíram durante algum tempo como organizações de grande importância na região. Através delas, eram viabilizados os planos de expansão das áreas agrícolas e a ampliação da produção propostas pelo governo, além de se estabelecerem como um canal de agências como a CODEVASF dentro dos perímetros irrigados da região. Entretanto, os estudos sobre a condição camponesa, suas lutas e participações política na história do Brasil a partir de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Eduardo Paes Machado, Mitsue Morissawa, Henry Veltmayer e James Petras, José de Souza Martins, Alexandrina Luz Conceição, Sócrates Oliveira Menezes, permitiram entender que estas instituições se consolidam também enquanto instrumentos de resistência e permanência de pequenos produtores na terra. A busca do objeto no Vale do São Francisco foi realizada com base em referenciais bibliográficos, em documentos técnicos e pesquisa de campo. Procurouse realizar uma análise processual pautada em uma leitura da totalidade considerando as transformações ocorridas no campo, que vivenciou a reestruturação de suas bases de produção com a introdução da fruticultura para exportação. A opção pela perspectiva de interpretação da realidade considerando a totalidade das relações, nas quais o objeto está envolvido, tornou-se essencial a esta pesquisa, a medida em que permite que a realidade aparente da lógica formal possa ser superada (CARLOS, 2002). Ou seja, o estudo em questão, procurou assumir uma postura investigativa, qualitativa norteado pelo método dialético haja vista que, o pesquisador qualitativo pauta seus estudos na interpretação do mundo real, preocupando-se com a tarefa de pesquisar sobre a experiência vivida dos seres humanos (OLIVEIRA, 1982). Assim, o materialismo histórico dialético se tornou essencial para a interpretação dos resultados, uma vez que trata da atuação de diferentes sujeitos sociais como os pequenos produtores e de agentes sociais, como 23.

(24) o Estado, as cooperativas e as associações, pois, a totalidade das relações abre uma nova perspectiva para geografia e permite orientar o pensamento para a ação, num esforço de compreender o conteúdo teórico-prático da sociedade em seu processo do vir a ser (LISBOA, 2007). Partindo desse pressuposto, o espaço geográfico é produto histórico e social das relações que se estabelecem entre a sociedade e o meio. Logo, a Geografia, enquanto área do conhecimento que interpreta e analisa a vida em sociedade e suas relações com o espaço, oferece as ferramentas necessárias para a compreensão da relação de dominação e apropriação da natureza pelo homem (COSTA, ALCÂNTARA, SANTOS, 2010). Os procedimentos metodológicos foram: pesquisa bibliográfica, através de referências que ajudaram na compreensão dos temas tratados como, modernização do campo, políticas públicas, associativismo e cooperativismo, expansão do capitalismo no campo, entre outros; pesquisa documental, realizada em órgãos públicos, associações e cooperativas de atuação na região voltadas para o campo; pesquisa de campo, sobretudo, realizadas por meio de entrevistas com representantes antigos e atuais das cooperativas e associações presentes no polo irrigado, com os pequenos produtores associados e cooperados destas instituições, em órgãos governamentais como CODEVASF e nas empresas privadas que prestam serviço para os perímetros como a PLANTEC (Planejamento e Engenharia Agronômica Ltda). Foram pesquisadas as associações e cooperativas de pequenos produtores nos municípios de Petrolina, Juazeiro e Curaçá. Em Petrolina, as pesquisas foram realizadas na Associação dos Produtores Rurais do Núcleo 6, na Cooperativa Agrícola dos Produtores Irrigantes do Núcleo 04, ambas instaladas no Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho e na Associação de Pequenos Produtores de Uva do Bebedouro. Em Juazeiro, as investigações foram desenvolvidas na Associação dos Pequenos Produtores Manga Brasil no distrito de Maniçoba, na Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro de Irrigação do Tourão e em Curaçá, na Associação dos Fruticultores do Perímetro Irrigado de Curaçá. Os produtores entrevistados, definidos nesta pesquisa como pequenos produtores, são aqueles que possuem seus lotes na área que inicialmente foi destinada a geração de renda - área de colonização com lote em média de 6 há.. 24.

(25) As discussões que permeiam o primeiro capítulo partem de uma análise teórica acerca da natureza do Estado e de seu estatuto provedor na lógica da reprodução do espaço agrário no Brasil. No segundo capitulo, foram levantadas as políticas públicas para o desenvolvimento da região Nordeste, trazendo a história da ocupação do submédio São Francisco na perspectiva de demonstrar os processos que levaram as mudanças nas relações sociais, de produção e de trabalho. Neste capitulo,. procurou-se. mostrar. também. a. constituição. do. polo. irrigado. Petrolina/Juazeiro e as implicações para os pequenos produtores a partir da reestruturação da produção pós 1990 no território. No terceiro capítulo, buscou-se realizar um apanhado histórico sobre as práticas organizativas no Brasil, o cooperativismo e o associativo, sua funcionalidade no projeto de desenvolvimento do país e seu papel na região do vale São Francisco como instrumentalizadora da modernização da agricultura nesta região. O quarto capítulo examina, as formas de organização dos pequenos produtores no polo Petrolina/Juazeiro, passando pelo período em que se instituíram os perímetros até o momento da reestruturação de suas bases produtivas consolidando os territórios de uso e consumo. Aqui foi possível compreender que com a redução dos investimentos no setor público nos anos de 1980, denunciando a crise da dívida no país, a capacidade de planejamento do Estado foi reduzida e, o resultado foi a estagnação econômica e a conseqüente dificuldade de investimento tanto para o crescimento do Brasil, quanto para o atendimento social (LISBOA, 2007, p.131). A falta de recursos para manter as atividades dos produtores, demonstrava também, a dependência do país dos recursos externos e a incapacidade de desenvolver uma política interna autônoma. As organizações como cooperativas e associações entraram na crise. A relação teoria-realidade favoreceu o entendimento do endividamento externo do Brasil e do esgotamento do padrão de crescimento econômico interno, atrelado a dependência dos recursos externos exigindo a entrada no novo modelo de produção determinada pelos países centrais, o qual se baseia na organização flexível da produção fundamentado na adoção de políticas neoliberais. A partir desse momento, atendendo aos novos ditames do modelo de produção como estratégia para saída da crise, o Estado passou a estimular a produção voltada para o mercado externo e reorganizou as bases produtivas no vale do São Francisco para atender as demandas dos países capitalistas centrais.. 25.

(26) As mudanças foram sentidas com a introdução de uma agricultura científica, globalizada, a qual atinge tanto a base técnica quanto a econômica e social, produzindo profundo impacto no setor. Nesta lógica, os espaços agrários são submetidos a uma nova divisão territorial do trabalho que, segundo Denise Elias, são articulados pelos arranjos territoriais produtivos, cujos circuitos espaciais de produção são comandados pela racionalidade deste período histórico e imposta por empresas e agroindústrias nacionais e multinacionais que se organizam a partir de imposições de caráter ideológico e de mercado (2006, p. 25-26). Esse novo contexto, reafirmou o lugar do cooperativismo e do associativismo mostrando que, contraditoriamente, eles se constituem instrumentalizadores da expansão capitalista no campo, fomentando os interesses do mercado e subordinando o pequeno produtor aos mecanismos de financiamento e produção ditados pelo capital e, ao mesmo tempo, a alternativa que se coloca naquela realidade para o homem do campo permanecer no trabalho com a terra.. 26.

(27) 1. DA NATUREZA DO ESTADO AO ESTATUTO DE ESTADO PROVEDOR Sabemos que por trás da opaca nuvem de nossa ignorância e da incerteza de resultados detalhados, as forças históricas que moldaram o século continuam a operar. Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânio processo econômico do capitalismo [...]. O futuro não pode ser uma continuação do passado. (Eric Hobsbawm).. 1.1. A natureza do Estado Moderno O advento do capitalismo mercantilista, resultado da Revolução Comercial, superou o modo de produção feudal, redefinindo as relações sociais e econômicas a partir da segunda metade do século XVI. Naquele contexto, começava a nascer o Estado Moderno na Inglaterra, França e Espanha, posteriormente se desenvolvendo em outros países europeus, dos quais, mais tardiamente, ele emergiu na Itália. O surgimento do Estado Absolutista e, posteriormente, do Estado Liberal, marcou de maneira profunda as relações sociais e de produção a partir do século XV, quando um novo sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, o capitalismo, se firmava como modelo a ser seguido pelos diversos países europeus. É importante ter em mente que, em relação ao surgimento do Estado Moderno não se pode falar em um marco que possa ser reconhecido como o momento de sua instituição.. Trata-se de saber não a data de nascimento do Estado moderno, seja qual for a sua descrição tipológica, mas de identificar um movimento histórico bem determinado. Esse movimento ocorre segundo ritmos diferentes em diferentes locais (na Inglaterra e no continente, para tomar uma distinção bem visível) e os arranjos de poder não se dão da mesma forma em toda parte. No entanto, é possível mostrar, em todos os casos, características comuns de um processo de reordenação política. Essa reordenação é constitutiva do que hoje chamamos “Estado” (KRITSCH, 2004, p. 104).. As bases sobre as quais se assentou o Estado foram construídas por mais de três séculos (XVI, XVII e XVIII). Nesse tempo, grandes transformações no seio da 27.

(28) sociedade europeia aconteceram e foram cruciais para a conformação do Estado Moderno nos moldes que conhecemos hoje. Além da crise do feudalismo nos séculos XIV e XV, o aparecimento da doutrina filosófica do Humanismo, o Renascimento Cultural, a Expansão Marítima e Comercial (Revolução Comercial) e a Reforma Religiosa (AQUINO, 2002, p.52) foram decisivos na passagem do feudalismo para uma sociedade capitalista com novas formas de pensar e enxergar as relações entre si. Com a instituição das monarquias absolutas, primeiro modelo de organização do Estado moderno, todo poder encontrava-se centralizado nas mãos dos reis e sobre ele cabia a decisão de todos os aspectos da vida em sociedade: o legislativo, o executivo e o judiciário. No século XVIII, com o estabelecimento do capitalismo e com ele o liberalismo, verificou-se outro arranjo na organização do Estado. A burguesia nascente exigia seu espaço nos postos de poder e decisão dentro da sociedade e negava qualquer medida intervencionista do Estado. Para Rubim Santos Leão de Aquino, o liberalismo era a ideologia da burguesia. Na medida em que esta doutrina defendia os direitos ou as liberdades do indivíduo, justificava a ascensão política, paralela à ascensão socioeconômica (2002, p. 238) da classe que ansiava pelo poder. Enquanto. classe, a burguesia ascendeu. valendo-se dos aparatos. administrativos do Estado Moderno, que se traduz na realização da classe dominante. Muitos autores, ao tentarem explicar a gênese do Estado, atêm-se tão somente a justificar sua presença na sociedade, explicitando a necessidade de sua existência como instrumento de organização social. Dessa forma, expõe a carga ideológica presente nas suas afirmações. Thomas Hobbes (1588-1679), ao falar da sociedade sem a presença do Estado, analisa o homem de maneira racional, dentro de sua natureza, e diz que, nesse estágio, não existe possibilidade de convivência harmoniosa entre os homens porque os mesmos se igualam na busca para manter suas necessidades. Nesse estado de natureza, todos os homens têm direito a todas as coisas. “e, sabendo que os bens são escassos, quando duas pessoas desejarem um só objeto indivisível, estas são livres para lutar com todas as armas para satisfazer seu desejo” (MARTINS, 2001, p. 1). 28.

(29) Esse medo constante de ameaças e de guerras levaria ao surgimento, segundo Hobbes, de uma necessidade natural dos homens para formulação de leis que os ajudariam a melhor conviver, mas que, para que essas leis fossem seguidas, tornava-se imperioso uma instituição artificial, que atuasse de maneira a garantir seu cumprimento, o Estado. “Quer dizer um poder comum que os mantenha em respeito e que dirija suas ações no sentido do benefício comum” (HOBBES, 2002). Ainda fazendo uso de suas explicações no Leviatã, para melhor elucidar a concepção de Estado com a Teoria do Contrato Social1, Hobbes destaca a responsabilidade do dirigente do Estado e do acordo entre os homens:. É nele que consiste a essência do Estado, que pode ser assim definida: uma grande multidão institui a uma pessoa, mediante pactos recíprocos uns com os outros, para em nome de cada um como autora, poder usar a força e os recursos de todos de maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum (HOBBES, 2002).. Esse representante para Hobbes se constituía na figura de um soberano com poderes absolutos, que era a representação maior entre os homens. “Todos os outros são súditos” (Ibid), assim, por meio do pacto e pela instituição do Estado, cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer. Conseqüentemente, aquele que se queixar de uma injúria feita por seu soberano estar-se-ia queixando daquilo de ele próprio é autor. Não deve, pois, acusar ninguém a não ser a si próprio (Ibid).. Partidários do mesmo pensamento em relação à formação do Estado, ou seja, a partir do Contrato Social, Jonh Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau 1. Para os pensadores da teoria do Contrato Social, no caso, Thomas Hobbes, o Estado surge, originalmente, do acordo firmado entre os homens, que, por necessidade, se unem para buscar uma convivência organizada, em torno de uma entidade artificial - o Estado, por meio de um acordo, constrói uma ordem e se estabelecem regras que ficarão a cargo de um representante. Thomas Hobbes, ao desenvolver a Teoria Contratualista, partiu do conceito onde os homens em consciência firmam um acordo entre si para decidirem sobre a organização de seu povo e de seus espaços, ele objetivava contribuir para a ordem social e política dentro do Estado Absolutista, que nesse período é caracterizado pelo momento conturbado de guerras e disputas pelo poder. Para Hobbes, o medo é a grande característica de igualdade entre os povos, pois se todos são iguais possuindo a mesma liberdade de lutar então os homens vivem em constante ameaça um do outro, a segurança não se apresenta nem para o mais forte visto que o mais fraco poderá se utilizar de qualquer armadilha contra ele. Uma frase conhecida de Hobbes diz que, ao nascer, sua mãe teria dado a luz a gêmeos: Hobbes e o medo (GRUPPI, 1995; HOBBES, 2002; KRITSCHI, 2004; MARTINS, 2001).. 29.

(30) (1712-1778) também acreditavam ser o contrato firmado entre os homens o meio pelo qual a sociedade poderia conviver de maneira harmoniosa. A proteção da propriedade seria para Locke o motivo, que levaria os homens a firmarem um contrato entre si, e o não cumprimento do acordo por parte do soberano daria o direito ao povo de destituí-lo e eleger outro representante, o que, dentro da concepção de Hobbes, seria impraticável e se constituiria em um ato de injustiça visto que seu poder é absoluto. Partindo de alguns pressupostos de Locke, Rousseau, ao formular sua versão da teoria do contato social, idealizou um Estado fundado por meio de um pacto entre homens livres, que, ao constituírem um acordo, não renunciam à sua liberdade e seus direitos naturais, ao contrário, o pacto para ele seria a segurança que os homens teriam para a preservação desses direitos,. achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum as pessoas e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia se não a si mesmo e fique tão livre quanto antes (ROUSSEAU, 2000, p.31).. “Para Rousseau o Estado é convencional, resulta da vontade geral, é uma soma manifestada pela maioria dos indivíduos numa sociedade [...] e não correspondendo aos anseios populares do povo, este tem direito de substituí-lo” (VIEIRA & MENDES, 2009, p. 4). Com essa linha de pensamento, Rousseau formulou os preceitos de democracia, que moldou a política na modernidade e, inspirado por Locke, aprimorou o princípio de liberdade. Em outros momentos, o Estado também foi discutido por diversos autores, Jean Bodin (1530-1596) “negava enfaticamente a um órgão legislativo o direito de impor quaisquer limites ao poder do monárquico [...], a autoridade do príncipe vem de Deus e a obrigação suprema do povo é a obediência passiva” (BURNS, 2005, p. 448). Le Bret, em seu Tratado da Soberania do Rei de 1632, assim como Hugo Grotius consideravam que a instauração da ordem só seria possível com uma autoridade ilimitada nas mãos do monarca (AQUINO, 2002). Nicolau Maquiavel (1469-1527), o primeiro a refletir sobre o Estado a partir das experiências na Inglaterra, França e Espanha, acreditava na instituição de um Estado forte comandado pelo que ele chamou de príncipe. Para ele, “nos Estados governados por um príncipe e seus ministros, o monarca tem maior autoridade, pois 30.

(31) em tais reinos ninguém é tido como superior” (MAQUIAVEL, 2003, p. 43). Em sua obra, O Príncipe, Maquiavel idealizava a formação de um Estado unificado na Itália que ainda se encontrava fragmentada e vulnerável às invasões. Essas explicações nunca trouxeram uma resposta que fundamentasse de maneira clara e objetiva as ações do Estado. Na visão de Luciano Gruppi (1995, p. 25), nunca existiu de fato uma teoria que explicasse como nasce o Estado, quais motivos o fazem surgir, qual a sua natureza. Para ele. existem tratados volumosos em que se descreve toda a vida do Estado, são definidas suas instituições e estas são examinadas em suas relações mútuas. Mas não há uma teoria que explique o que é realmente um Estado. Temos, sim, uma justificação ideológica (isto é, não-crítica, não consciente) do Estado existente (Ibid).. A não existência de uma teoria consistente acerca do Estado entre os séculos XIV e XVIII, um longo período dentro do qual se construíram novas organizações baseadas no estabelecimento das monarquias, na introdução da economia capitalista com os preceitos liberais, é resultado exato desses momentos. Os teóricos preocupavam-se apenas em justificar as ações e atitudes daqueles que detinham o domínio sobre os meios de produção. O fato de fazer parte da classe social mais privilegiada levava aqueles pensadores a não refletirem sobre o conteúdo de classes que fundamenta a existência do Estado, pois fazendo-o, estariam denunciando a sua classe, o Estado burguês na sua essência. Assim, Luciano Gruppi revela que mesmo em sua forma mais democrática – o caso de Rousseau ou Locke, [grifo do autor], a burguesia não pode tomar consciência desse conteúdo de classe porque estaria reconhecendo a dominação de uma minoria contra a maioria (Ibid). Nesse sentido, concordando com a análise de Lucinano Gruppi (1995), que informa o pensamento de Hobbes que, ao descrever o homem como lobo homem, onde só um Estado absoluto traria a ordem, ele se referia ao surgimento do mercado, ao desenvolvimento do capitalismo, à formação da burguesia e aos embates que os caracterizaram, ou seja, Hobbes expressava o momento histórico que viveu, revelando o caráter de suas ideias ao pensar o Estado como contrato dentro das relações sociais burguesas (Ibid, p. 13).. 31.

(32) Do mesmo modo, Jonh Locke, por fundar a teoria liberal na Inglaterra, não aceitava o poder absoluto. Para ele, “todo o poder que o governo detém, visando apenas ao bem da sociedade, não deve seguir o arbitrário ou a sua vontade, mas leis estabelecidas e promulgadas (LOCKE, 1994, p.166). No entanto, o sentido maior do Estado era para Locke, a proteção da propriedade privada e, naquele momento, suas ideias elucidavam os valores dos elementos da sociedade burguesa, quando apresentava em especial “as formas modernas da democracia social burguesa”. Na medida em que a teoria política de Locke proporcionou a ideologia para a democracia burguesa e se incorporou nas formas superestruturais do Estado capitalista, o Estado burguês defende exatamente aqueles mesmos interesses. Embora o capitalismo possa sobreviver sobre diversos arranjos políticos e institucionais de modo bastante satisfatório, parece que a democracia burguesa é o único produto das relações econômicas pressupostas nesse particular modo de produção (HARVEY, 2005, p. 89).. Diante desse mesmo entendimento, a concepção democrático-burguesa, de Rousseau requer uma análise mais apurada, pois, assim como Hobbes e Locke, ele pensa na formação do Estado por meio de um contrato, ou seja, apresenta a mesma mentalidade comercial e o individualismo burguês. No que se refere à propriedade privada, Rousseau apresenta o caráter individual de sua existência e não reconhece seu surgimento como um processo, assim como não apresenta elementos para a superação da mesma (GRUPPI, 1995, p. 18). Essa opção por uma concepção de Estado acrítica, por parte desses pensadores é reflexo do momento histórico vivido por cada um deles, os quais ao seu tempo e também por fazerem parte de uma elite dominante, buscavam defender sua classe, justificando, em muitos casos, a tirania de seus soberanos. Nesse sentido, há uma justificação ideológica do Estado, do Estado existente ou do que se pretendia construir; mas não há uma teoria científica que explique como nasce o Estado, por que nasce e por quais motivos (Ibid). Partindo da análise marxiana, a natureza do Estado está assentada no antagonismo das classes, na contradição gerada pelo interesse do indivíduo e o da comunidade na qual está inserido, essa contradição de interesses se baseia na divisão de classe determinada pela divisão do trabalho. 32.

(33) Com a divisão do trabalho, dá-se uma separação entre o interesse particular e o interesse comum. Os atos próprios dos indivíduos se erguem diante deles como poder alheio e hostil, que os subjuga. O interesse comum se erige encarnado no Estado. Autonomizado e separado dos reais interesses particulares e coletivos, o Estado se impões na condição de comunidade dos homens. Mas é uma comunidade ilusória, pois o Estado, por baixo das aparências ideológicas de que necessariamente se reveste, está sempre vinculado a classe dominante e constitui o seu órgão de dominação (Gorender, In, Ideologia Alemã 2002, p. XXXI).. Essa análise de Jacob Gorender contida na introdução do livro Ideologia Alemã é muito esclarecedora sobre a formação do Estado por meio de uma perspectiva crítica. É a partir da percepção materialista desenvolvida no século XIX que surgem as primeiras discussões acerca da natureza do Estado moderno sob o olhar dialético e com ele as respostas para tantos questionamentos suscitados pelas mudanças em curso. Os responsáveis pelo olhar crítico e científico em relação ao desenvolvimento do Estado moderno foram Friedrich Engels e Karl Marx. Esses, muito embora não tenham desenvolvido de forma direta uma teoria sobre o Estado, em suas obras, nos forneceram subsídios pra entendê-lo dentro da perspectiva do materialismo histórico. Partindo dessa concepção, é em meio ao conflito das classes gerada pela divisão do trabalho, que nasce o Estado moderno. O Estado Moderno, então é resultado direto dessa divisão, na medida em que por meio dos conflitos as classes lutam entre si, na busca de seus interesses, no caso da classe oprimida, sua emancipação e a classe economicamente mais poderosa, sua manutenção. Ao criar o Estado, a sociedade civil o faz contraditoriamente, formando uma instituição, que os dominem, baseada na fantasia da aquisição da liberdade. São conceitos de liberdade, igualdade, justiça e direito à propriedade que fazem parte do aparato ideológico utilizado pelo Estado e são capazes de ocultar a dominação de uma classe sobre a outra. Sendo assim, porque, então, nasce o Estado? Por que fazer funcionar uma instituição com propósitos de caráter individual? Engels nos explica que a sociedade, ao chegar a um estágio determinado de desenvolvimento, envolveu-se numa “contradição insolúvel”, submersa em “antagonismos irreconciliáveis” e, para que essas diferenças não destruam os interesses inerentes as classes, surgiu um. 33.

(34) poder que se põe aparentemente acima delas com propósitos de reaver a ordem. Portanto,. O Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida (ENGELS, 2009, p.178).. Porém, para colocar o Estado em funcionamento, impor suas normas, manter sua hegemonia e fazer com que a sociedade o adote, foi preciso a classe dominante desenvolver mecanismos onde o Estado pudesse ser visto e percebido como um poder acima de todos, um poder à parte da sociedade. Assim, criou-se o poder de coação com as forças repressivas e a estrutura jurídica, contraditoriamente, utilizando-se de um discurso de igualdade e liberdade. Essas medidas se traduziram nos mecanismos adotados pelo Estado para amenizar os conflitos gerados pelas desigualdades, que cresciam de forma abissal na medida em que o capitalismo se desenvolvia. É na mediação dos conflitos gerados pelos interesses das classes antagônicas, que o Estado passa a existir e, ao mesmo tempo, esconde o jogo ideológico de sua intervenção na medida em que se apresenta acima dessas classes, objetivando a manutenção do poder da classe economicamente mais forte. A base jurídica permitiu à burguesia criar as condições para assegurar sua hegemonia. Entre as suas estratégias, a burguesia dissemina a falsa ideia de separação entre Estado e sociedade civil ou, mesmo, como pensava Hegel, que o Estado é o fundador da sociedade e que não há uma forma de existir a sociedade civil sem um Estado que a construa. Esse pensamento foi completamente derruído por Marx quando expôs em oposição a Hegel que acontece exatamente o contrário; o Estado é um produto da sociedade civil, ele “não reside na sociedade civil, mas fora dela” (MARX, 2005, p. 68) é o produto da sociedade civil na medida em que relações antagônicas se conflitam em seu interior. Assim, explica-se sua natureza política e sua estrutura jurídica.. 34.

(35) O “Estado” é feito valer, como algo estranho e situado além do ser da sociedade civil, pelos deputados deste ser contra a sociedade civil . a “política”, os “tribunais” e a “administração” não são deputados da própria sociedade civil, que neles e por meio deles administra seu próprio interesse universal, mas sim delegados do Estado para administrar o Estado contra a sociedade civil (Ibid).. A aparente separação entre Estado e sociedade civil é resultado desses mecanismos ideológicos, onde o Estado passa a ser visto pela sociedade como um órgão não apenas separado, mas que se põe acima dela. Marx e Engels esclarecem que. com a emancipação da propriedade privada em relação a comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas este Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si mesmos por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e seus interesses, tanto externa quanto internamente (1998, p. 74).. A partir desse ponto de vista, o Estado moderno é entendido sob a base econômica que o define e as formas de produção em seu conjunto (isto é, as relações econômicas e sociais) construiu, com o passar do tempo histórico, o alicerce que o sustenta. Assim, do modo como está estruturado dentro do modelo de produção capitalista, que é baseado na exploração da força de trabalho e na reprodução ampliada do capital, o Estado realiza a tarefa de mediador de conflitos entre classes e se apresenta assumindo uma postura autônoma para garantir um poder que se põe acima dos indivíduos e dos grupos que compõem a sociedade. O surgimento do aparato jurídico mediantes as leis e a criação do conceito da igualdade jurídica institucionalizam os mecanismos de dominação, e como a contradição é uma das nuances do capitalismo, entende-se, pelo seu aspecto contraditório, que não pode haver a igualdade propagada pelo Estado, senão por meio do fator econômico, pois este encontra-se diretamente relacionado à questão social, e a igualdade econômica é impossível de acontecer nos moldes desse sistema, uma vez que o mesmo se mantém exatamente por meio da geração da desigualdade. É mediante de instrumentos como as leis, o poder de tributação e de coação que é assegurado o antagonismo de classes e a manutenção do domínio da classe 35.

(36) burguesa (HARVEY, 2005, p. 80). Desse modo, respaldado pelo corpo jurídico, o Estado legitima suas decisões como mediador das classes e passa a aparecer não como aparelho da classe dominante, mas como entidade acima dessas classes (NETO, 1997, p. 294). A necessidade inevitável do capital de impor sua estrutura de dominação em todos os aspectos da vida se realiza com a separação das funções de produção e controle do processo de trabalho, que imposta pela divisão social hierárquica do trabalho, afasta e, ao mesmo tempo, constrói classes de indivíduos diferenciados entre sí e com interesses antagônicos (MÉSZÁROS, 2002, p. 99). Por esse motivo, as ações do Estado, especialmente a partir da atuação do Estado moderno, são pensadas em função dos interesses de uma classe. A existência do indivíduo como cidadão do Estado é uma existência que se encontra fora de suas existências comunitárias, sendo, portanto, puramente individual (MARX, 2005, p. 95). Esses fatos tornam-se imperceptíveis pela maioria da sociedade porque a mesma se encontra mergulhada num modelo de organização que a distancia da vida em coletividade. Todos os dias, artifícios são desenvolvidos pelo sistema do capital com o intuito de que a sociedade abandone a luta de classes e passe a viver de forma individual. Considerando a capacidade de penetração do sistema do capital, István Mészáros nos mostra que o mesmo se engendra no seio da sociedade não somente pela divisão de classe ou mesmo pelo distanciamento do trabalhador em relação a sua produção, ou seja, na materialização das relações,. não basta que se imponha a divisão social e hierárquica do trabalho, como relacionamento determinado de poder, sobre os aspectos funcionais/técnicos do processo de trabalho. É também forçoso que ela seja apresentada como justificativa ideológica absolutamente inquestionável e pilar de reforço da ordem estabelecida. Para esta finalidade, as duas categorias claramente diferentes da “divisão do trabalho” devem ser fundidas, de modo que possam caracterizar a condição, historicamente contingente e imposta pela força, de hierarquia e subordinação como inalterável diante da “própria natureza”, pelo qual a desigualdade estruturalmente reforçada seja conciliada com a mitologia de “igualdade e liberdade” – “livre opção econômica” e “livre escolha política” segundo a terminologia de The Economist – e ainda santificada como nada menos que ditame da própria Razão. (2002, p. 99).. 36.

(37) “O conceito de igualdade jurídica e a generalização do estatuto da propriedade privada que, trazidas pela modernidade, vão pôr historicamente o homem como indivíduo” (PAULANI, 2005, p. 8). São fatores que, ideologicamente, contribuem com a fragmentação da sociedade, que, após a legalização da propriedade privada, procurou ascender socialmente de maneira particular, abandonando o senso de coletividade. A possibilidade da ascensão social, assegurada pela lei, quando esta garante que todos têm direito à propriedade privada, ou seja, desperta possibilidades desta ser proprietária dos meios de produção, faz a sociedade (especialmente a classe baixa) pensar que é possível ser detentora dos meios de produção. Esse é um dos motivos que a faz lutar por seus objetivos individualmente. Esse comportamento da sociedade, essa forma de existência individual, retira dela a compreensão sobre o papel que o Estado desempenha na regulação dos interesses das classes. O Estado, assim como fora discutido, assume uma forma de existência que o coloca como um ente acima das classes. Entretanto, impõe-se a esta pesquisa que seja feita uma reflexão sobre a sua forma de atuação no espaço agrário brasileiro. Uma medida que visa trazer à tona os interesses que permeiam as suas ações. O Estado, ao fomentar transformações no espaço rural brasileiro, sobretudo na região Nordeste, atende a quais interesses? Trata-se de uma reflexão que requer o entendimento do funcionamento do Estado para a reprodução do espaço agrário, conforme o item a seguir:. 1.2. O Estado na lógica da reprodução do espaço agrário. Historicamente, a criação do Estado, bem como a modernização de seus aparatos administrativos, acompanhou a trajetória de desenvolvimento do sistema capitalista, para que, a cada tempo, pudesse criar as condições para o seu pleno desenvolvimento. Nesse sentido, ao investigar o significado da atuação do Estado no espaço agrário a partir do resgate da sua participação nas políticas direcionadas para o campo em vários momentos históricos, vimos que o campo, assim como a relação camponês/terra, diante do novo contexto de organização econômica mudou intensamente. A transição do processo de transformação das relações feudais de produção para a economia capitalista e a atuação do Estado agora como agente de 37.

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