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1. DA NATUREZA DO ESTADO AO ESTATUTO DE ESTADO PROVEDOR

1.2. O Estado na lógica da reprodução do espaço agrário

1.2.1. O Estado e o campo no Brasil

A atual conformação do espaço agrário brasileiro é resultado de diferentes processos históricos pelos quais o país passou e está intimamente ligada ao modelo econômico adotado pelos países que aqui se estabeleceram, “isto quer dizer que a formação territorial brasileira é consequência do processo através do qual o capital submeteu a terra à sua lógica econômica de exploração” (OLIVEIRA & FARIA, 2009, p. 3).

“A apropriação do território brasileiro pelos portugueses, há quinhentos anos, se deu pela colonização de exploração, cujo objetivo era arrancar da colônia tudo que ela pudesse oferecer” (MORISSAWA, 2001, p. 57). Perdurou no Brasil até o final do século XIX o sistema de plantation, que combinava vastas extensões de terra (latifúndio) com a monocultura para atender o mercado externo (Ibid, p. 61).

Esse modelo agroexportador dominou os campos do Brasil inicialmente com a cana-de-açúcar, e por meio da política mercantilista por meio do pacto colonial extraía-se toda a matéria-prima das colônias sem permitir seu beneficiamento, o que gerou uma grande dependência do Brasil por produtos manufaturados.

Nesse momento, o capitalismo comercial (o capitalismo em seu primeiro estágio) se desenvolvia. Para consolidar as formas de exploração das terras brasileiras, a aliança Estado/Burguesia na Europa, mediante as políticas mercantilistas, se constituía em uma incessante busca pelo lucro que por meio do controle realizado pelo Estado, em relação às atividades econômicas nas colônias, favorecia os interesses da burguesia nascente.

43 As colônias, nesse sentido, eram fontes importantes para o acúmulo de riquezas. Daí a importância e o significado do pacto colonial para os países europeus que visavam ao desenvolvimento da economia de mercado. Posteriormente, à produção do café, que, no século XIX, se tornou a principal atividade agrícola do país, teve prosseguimento à prática exploratória nas terras brasileiras e efetivou a inserção do Brasil no circuito da economia capitalista.

Nesse período, as elites agrárias se consolidaram no Brasil especialmente após à restrição a posse da terra por meio da Lei de Terras que surgiu como importante mecanismo de controle social dentro da economia capitalista em crescimento no país.

A restrição ao uso da terra no Brasil, mediante a da Lei de Terras de 1850, “significou o casamento do capital com a propriedade da terra. Com isso a terra foi transformada em uma mercadoria à qual somente os ricos poderiam ter acesso” (MORISSAWA, 2001 p. 71).

Assim, a classe burguesa, por meio do Estado e respaldada pelo aparato jurídico, detém o controle dos meios de produção e direciona as políticas em benefício próprio. A Lei de Terras é um exemplo do poder da aristocracia rural. Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Camila Salles de Faria explicam que,

Foi a Lei Nº 601 de 18 de Setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, que atuou como marco jurídico de constituição da propriedade capitalista da terra no Brasil. E, é óbvio, da transformação da terra em mercadoria, pois, a partir desta lei, ela somente poderia ser obtida por compra e venda (artigo 1º) (OLIVEIRA & FARIA, 2009, p.4).

Essa decisão da Coroa nada mais era do que uma medida protecionista contra a grande massa da população, que crescia a cada dia no Brasil. A preocupação se dava por causa da abolição da escravatura, da chegada de imigrantes pobres e dos posseiros, que agora compunham uma parcela significativa da população. O objetivo era impedir que „essa massa de despossuídos‟ se tornasse proprietária, pois era importante que eles constituíssem a mão de obra necessária para os latifúndios.

Além de formar a mão de obra na agricultura, essa população composta pelos escravos libertos e dos imigrantes “com todas as mistificações inerentes à noção de trabalho livre contratual” (MÉSZÁROS, 2002, p. 102), compunha no Brasil, não

44 apenas o mercado consumidor exigido pela nova ordem de acumulação do capital, como também a necessária mão de obra, que dará impulso ao desenvolvimento do capitalismo no país.

Sob esse aspecto, é significativa a consideração de Mészáros quando expõe que,

Ao contrário da escravidão e da servidão, esta noção aparentemente absorve o capital do peso da dominação forçada, já que a “escravidão assalariada” é internalizada pelos sujeitos trabalhadores e não tem de ser imposta e constantemente reimposta externamente a eles sob a forma de dominação política, a não ser em situação de crise. Assim como sistema de controle metabólico, o capital se torna o mais eficiente e flexível mecanismo de extração do trabalho excedente (MÉSZÁROS, 2002, p.102-103).

A inserção do Brasil no capitalismo mundial exigiu a reorganização nas relações de produção e de trabalho pela necessidade da formação de um mercado consumidor. Uma realidade comentada por José de Souza Martins quando observa que “as mudanças ocorridas com a abolição da escravatura não representaram, pois, mera transformação na condição jurídica do trabalhador” (1979, p. 17).

É importante não perder de vista que é o Estado o propulsor dessas medidas uma vez que se apresenta como regulador de todos os processos de acumulação. Ao analisar seu papel no território brasileiro, nota-se que ele não só enxergou no campo possibilidades para reprodução do capital, e alternativas de manutenção da classe dominante no poder, como também durante séculos suas ações têm se concentrado na busca de mecanismos para a inserção do país no capitalismo mundial, tendo como estratégia a modernização das suas bases de reprodução.

Nesse sentido, e a partir desse momento, as políticas agrícolas desenvolvidas para campo no Brasil, ao longo dos anos, expunham os interesses de latifundiários tradicionais inseridos no corpo do Estado e da política nacional.

Sobre tal situação, Moacir Palmeira faz questionamentos importantes. Para esse autor, é preciso ter em mente “o que tem sido a ação do Estado no campo brasileiro, analisar os meios através dos quais essa ação se tem dado e, sobretudo, explorar as suas implicações”. O autor segue suas indagações suscitando sua preocupação a respeito do tema: “É preciso pensar o que a simples presença do Estado no campo tem significado” (1989, p. 94).

45 Moacir Palmeira (Ibid, p. 100) chama ainda a discussão para “a atenção dada à ação planejada, intencional do Estado sobre o campo, que, sem dúvida alguma, foi decisiva para o processo de modernização técnica de setores importantes da agricultura brasileira”.

O projeto de modernização do campo brasileiro se fortalece na pauta de discussões no momento em que se inscreve a discussão em torno da recuperação do vigor desenvolvimentista do país, que perde fôlego na década de 1960, em função do esgotamento do modelo de substituições de importações. Era fundamental recuperar o Estado e reativar as taxas positivas de crescimento econômico (NETO, 1997 p.123).

Cabia ao Estado o papel de impulsionar o crescimento econômico. Era necessário criar condições para viabilizar seus objetivos e transpor os obstáculos que impediam o desenvolvimento do país. Para tanto, o planejamento, que passa a existir a partir de 1960, “vai inteiramente ao encontro das necessidades presentes e futuras do modo burguês de produzir” (Ibid, p. 137).

Assim, por intermédio da ação planejadora, foram viabilizados e executados planos de governo para o campo, que se constituíram na forma encontrada pela classe burguesa de centralizar as decisões e determinar o ritmo e a direção da expansão do capital nos espaços agrícolas do Brasil.

Da década de 1960 à década de 1980, período em que se verifica um maior desempenho em busca da industrialização do país, os governos que passaram pela administração do Brasil investiram em Metas, Planos e Projetos para ativar o desenvolvimento não apenas no setor industrial. Para o campo foram pensados diversos projetos que, no dizer de Wenceslau Gonçalves Neto, “já faziam parte da praxe administrativa” e “em grande parte, esses planos permaneceram no nível das intenções, não conseguindo avançar na execução de suas propostas, pelo menos na extensão pretendida” (1997, p. 122). No quadro a seguir, é possível identificar esses planos e suas metas de trabalho para o setor agrícola do país3.

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As informações contidas no quadro foram extraídas do livro A Ação do Estado: Estado e agricultura

no Brasil políticas agrícolas e modernização econômica brasileira 1960-1980, de NETO, Wenceslau

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PLANOS DE AÇÃO OBJETIVOS

O Plano Trienal de Desenvolvimento

Econômico - 1963/65

Objetivava resolver diversos problemas econômicos e realizar investimentos no setor social do Brasil. No tocante à agricultura, o plano realizou diversos estudos para um maior entendimento acerca da produção agrícola e do abastecimento de alimento. O Plano de Ação

Econômica do Governo – PAEG,

1964/66

Para a agricultura o plano reconhecia o atraso tecnológico e a baixa produtividade do campo e traçava metas para modificações do setor agrícola. O incentivo à utilização de insumos, mecanização, pesquisas, crédito agrícola foram algumas das ações do governo dentro dos planos da política de desenvolvimento econômico.

Programa Estratégico de Desenvolvimento de

1968/70

Buscou a elevação da produtividade agrícola através do incentivo a utilização de insumos, crédito rural e incentivo a industrialização no campo. (é dentro desse programa que são criados os projetos de irrigação para o Vale do São Francisco que tem início com a fundação do Perímetro Bebedouro, viabilizado pela ação das agências públicas SUDENE e SUVALE).

Plano Metas e Bases para Ação

Econômica de Governo - 1970/73

Pretendia dotar a agricultura brasileira de um sistema de apoio, financeiro e fiscal, capaz de produzir a transformação tecnológica e o fortalecimento acelerado de uma agricultura de mercado, sensível aos estímulos de preço.

I Plano Nacional de Desenvolvimento –

PND, 1971/74

Aspirava desenvolver a agricultura empresarial no Centro-Sul, tornar viável a agricultura nordestina, modernizar as estruturas de comercialização e distribuição de produtos agrícolas.

II Plano Nacional de Desenvolvimento –

II PND, 1975/79

Procurou desenvolver políticas agrícolas de expansão de áreas agricultáveis, financiamento, incentivo ao uso de insumos, mecanização do campo e programas de pesquisas para o setor agropecuário ( é dentro do II PND que são elaborados os planos de expansão da área irrigável de Petrolina e Juazeiro).

III Planos Nacional de Desenvolvimento

- 1979/85

O III Planos Nacional de Desenvolvimento elaborado no Governo de João Baptista Figueiredo 1979/85, estabelecia, além de outras medidas, o crescimento da renda e do emprego no país, a agricultura era colocada como estratégia no combate a pobreza no campo.

Quadro 01 – Planos de governos e suas ações para agricultura no Brasil – 1963/1985. Fonte: NETO, Wenceslau Gonçalves, São Paulo, Hucitec, 1997. Adaptado pelo Autor.

O resultado dessa postura se concentra na máquina do Estado, que desenvolveu um forte esquema para controlar todas as etapas da produção: o planejamento, a produção, a fiscalização, a determinação de preços, a estocagem e a circulação e comercialização dos produtos (NETO, 1997, p. 142).

É importante ressaltar que a intenção da realização das ações planejadas estava em consonância com os interesses da elite agrária, que enxergava nesses

47 espaços possibilidade de investimentos, via setor público, demonstrando que “a decisão de planejar é eminentemente política” o que significa dizer que ele atende, em especial, a interesses de partidos, grupos e etc. (Ibid, p. 137)4.

A viabilização do projeto modernizante demandou a criação de centros de pesquisa agropecuária, estações experimentais, sistema de financiamento e crédito rural, criação de órgãos (agencias públicas) e estímulo à criação de cooperativas e associações.

O conjunto de medidas adotadas para o desenvolvimento do Brasil e consequentemente do campo propostas pelo Estado esteve fundamentada no projeto desenvolvimentista, cuja ótica era abrir os espaços agrários para que a economia brasileira pudesse se inserir na economia mundial, constando o profundo atrelamento entre modernização e expansão capitalista no campo.

Esse pacote de medidas postas em prática, sobretudo a partir da década de 1970, caracterizou o processo de modernização da agricultura entendida enquanto um processo de transformação da sua base técnica de produção, a partir do emprego intensivo de tecnologias de origem industrial (FRANCA, 2008, p. 80).

Celso Franca explica ainda que a agricultura sobre esse novo modelo é “em geral de alto custo, destinada à produção de monocultura para exportação”

Tal reestruturação caracteriza-se, ainda, pelo aprofundamento das relações comerciais de produção e pela demanda de grandes extensões de terras, em suma, tratava-se de um modelo intensivo em capital, enquanto condição básica para sua viabilização. A sua implantação privilegiou grandes propriedades que se voltaram geralmente, para, poucas culturas com maior expressão comercial nos mercados internacionais (Ibid).

Assim, os complexos agroindustriais invadiram os espaços agrários brasileiros subordinando a produção e se estabeleceram num modelo excludente onde “empresas ou grupos de empresas influenciam poderosamente a dinâmica das atividades agrárias” (MULLER, 1986, p.34).

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Para entender esse projeto de modernização agrícola do país é imprescindível não perder de vista que se realizava associado a inserção do Brasil no modelo de produção capitalista. Processo que ocorria à luz dos acontecimentos mundiais, pois as políticas postas em prática no Brasil são reflexos das disputas de poder de dominação, especialmente no período pós-guerra ou da guerra fria, em que capitalismo e socialismo (duas potências) disputavam o maior poder de influencia sobre o mundo e especialmente sobre os países menos desenvolvidos, por constituírem a abundância de mão de obra e mercado consumidor, necessárias a reprodução do sistema do capital.

48 Para Ellen Meiksins Wood,

a generalização dos imperativos do mercado tem tomado a forma, por exemplo, de obrigar (com a ajuda de agências capitalistas internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) fazendeiros do terceiro mundo a substituir estratégias de auto-suficiência em matéria de produtos agrícolas por produção especializada para o mercado globalizado. (1998, p. 22).

Segundo Muller (1986, p. 34), foi a aliança realizada pelos capitais estrangeiros, nacionais e estatais, denominado de Tríplice Aliança5, que fez o Brasil passar de vez para uma economia industrial. Isso implicou na fusão de interesses dos setores internos e externos com um extraordinário ganho de poder político por parte do Estado. Poder que se materializa nos espaços agrários por meio do domínio exercido pelos grandes latifundiários, que direcionam os investimentos a serem realizados e, ainda, pelo capital industrial internacional.

A década de 1970 se traduziu no grande expoente das alterações ocorridas nos espaços agrários do Brasil. O surgimento das agroindústrias e consequentemente, a subordinação da agricultura fizeram alterar significativamente as relações de produção, de trabalho, de uso e ocupação do solo. O objetivo primordial é atrelar o setor agrícola ao processo de desenvolvimento econômico, não permitindo que ele possa obstar o crescimento da economia (NETO, 1997 p.145). Por meio da industrialização do setor agropecuário, o capitalismo encontrava novas formas de reprodução e exploração.

Sob esse aspecto é pertinente considerar a discussão suscitada por Suzane Tosta e Alexandrina Luz Conceição quando enfatizam que,

o agronegócio possui todo apoio do Governo, mas, embora controle a maior parte das terras agricultáveis do país (mais de 80% das terras) é o que menos emprega, o que, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (2006), atinge menos de 20% da população empregada no campo; isto sem falar nas condições de trabalho que são apresentadas aos trabalhadores,

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Para Geraldo Muller (1986), a complexa união realizada entre o capital da elite nacional, o capital internacional e o capital estatal constitui a Tríplice Aliança que nada mais é do que a forma nacional da expansão do capitalismo oligopólico do pós-guerra num país atrasado da periferia. O Estado, opera sobretudo, na esfera da intermediação financeira e na formulação e implementação de uma vasta gama de políticas econômicas concernentes as atividades industriais, agrárias e de abastecimento.

49 temporários, superexplorados e sem as garantias trabalhistas, conquistadas por meio de muitas lutas pela classe trabalhadora. São nos grandes projetos do agronegócio que têm sido encontradas as formas “modernas” de trabalho escravo e semi-escravo, nas grandes lavouras (TOSTA & CONCEIÇÃO, 2008).

Pensar o campo sob a perspectiva desenvolvimentista tornava-se fundamental dentro dos planos de industrialização do Brasil. Este, não poderia se constituir num entrave para as metas de desenvolvimento da economia brasileira. Assim tornava-se imprescindível que o governo adotasse medidas para alterar suas bases produtivas.

O discurso do desenvolvimento legitimado pela superposição do moderno sobre o arcaico norteou o direcionamento das políticas especialmente na região Nordeste. Para tanto, o caminho para a superação da condição de pobreza partia da necessidade de introduzir no espaço regional técnicas para o crescimento econômico que se daria via industrialização. Não existia a reflexão sobre a natureza do processo de desenvolvimento e sim a incorporação do novo modificando o velho e sujeitando-o às suas determinações (LISBOA, 2007, p. 88).

É a partir desse direcionamento que a região Nordeste é inserida no circuito de circulação do capital mundial. As políticas de desenvolvimento para essa região são marcadas pela forte presença de capital estrangeiro a partir da abertura para grandes grupos empresariais atuarem na exploração do potencial da região. Desse modo, o campo segue o mesmo ritmo e passa a receber as agroindústrias que operaram a monopolização do território sobre a base produtiva nos espaços agrários nordestinos.

Nesse sentido, a atuação do Estado torna-se primordial na condução do direcionamento dessas políticas e para viabilizá-las. A criação das agencias públicas como DENOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas; SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste; no caso do Vale do São Francisco, a CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, e tantos outros Programas e Projetos governamentais seguem a lógica do planejamento onde foram pensados os modelos de intervenção na região para receber os investimentos advindos de várias regiões do mundo.

Em face da importância o planejamento para a materialização das políticas de desenvolvimento regional para o Nordeste, se realizou no

50 espaço regional a expansão do capital monopolista na região. As políticas públicas, procedentes desta experiência levaram o Estado a assumir o controle das relações entre as classes, atuando no sentido da garantia da reprodução dos interesses dos grupos detentores do capital que assumem suas determinações históricas (LISBOA, 2007, p. 114).

Nesse momento, o Estado reforça seu compromisso com o capital e passa a atuar na regulação de sua expansão, apropriando-se de áreas e transformando-as em territórios de exploração no Nordeste brasileiro privilegiando setores e classes da economia e deixando à margem grande parcela da sociedade. É a partir dessa compreensão que encontramos as explicações para entender o caráter excludente das políticas promovidas no setor agrícola especialmente após 1960.

Durante muito tempo, a região Nordeste foi pensada como região problema, fadada ao infortúnio por apresentar baixos índices pluviométricos e os piores indicadores sociais do Brasil. Trata-se de um discurso que, de acordo com Josefa Lisboa (2007), marcou décadas e foi o ponto de partida para formulação de várias políticas públicas planejadas para essa região. Políticas que sempre traziam em sua essência a pouca preocupação em resolver de fato os problemas do Nordeste e se caracterizava somente pelas ações paliativas e emergenciais no sentido apenas de minimizar os efeitos da seca, considerada como única causadora dos problemas sociais e geradora das desigualdades no Nordeste.

A criação da República trouxe a preocupação com o reconhecimento do território nacional e posteriormente, da integração do país. Nesse contexto, o Nordeste era tido como a representação do arcaico, do atrasado, porque, além da seca, a concentração das terras dificultava o progresso regional e, por conseguinte do país (Ibid). Alterações na estrutura da região eram a condição da integração e do desenvolvimento do país.

Entretanto, as mudanças mais expressivas nas áreas rurais no Brasil tiveram início a partir dos anos 1960. Nesse período, existia a preocupação por parte dos governos em explorar o campo brasileiro por meio do fomento de recursos, de políticas públicas voltadas para um projeto de modernização da estrutura agrária e para a abertura do espaço para a industrialização do campo.

Durante toda a década de 1960, os planos de governo estiveram centrados no desenvolvimento industrial do país. Em relação à estrutura agrária, pretendia-se atenuar por meio desses planos a defasagem tecnológica, principal característica da

51 agricultura no Brasil que ainda utilizava técnicas rudimentares na produção. A modificação dessa estrutura teria que transcorrer mediante a alteração de todo o corpo técnico especializado, investimentos em pesquisas e criação de política de financiamento. Para o Vale do São Francisco, em especial, as iniciativas de implantar a irrigação como técnica moderna de produção no intuito de legitimar o potencial da região teve início antes da formulação dessas políticas e foram intensificadas a partir desse período, seguindo o padrão brasileiro de modernização do campo. Esta valorização do espaço nordestino pelo capital torna-se tema de

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