TRIBUNAL POPULAR SUPREMO
ACÓRDÃO
PROC. N.º 43/91
NA CÂMARA DO CÍVEL E ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL POPULAR SUPREMO, ACORDAM EM CONFERÊNCIA, EM NOME DO POVO:
Na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Popular Provincial de Luanda, veio JOSÉ JOÃO, solteiro, maior, funcionário público, residente no bairro do Prenda, Lote 8, 1º Andar n.º 2 em Luanda, propôr.
ACÇÃO EXECUTIVA PARA ENTREGA DE COISA CERTA contra
MANUEL CARVALHO GUIMARÃES, solteiro, maior, industrial,
residente na rua Marien N´gouaby n.º 92, 1º Andar B I, em Luanda, pedindo fosse o Executado citado para no prazo de 10 dias, lhe vir pagar 4.280.000,00 liras ou o seu equivalente em dólares, ou nomear bens à penhora suficientes, para pagar o aludido valor. Juntou com a petição inicial a certidão da sentença proferida no processo de Polícia Correccional que sob o n.º 9748, correu na 4ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Popular de Luanda e outros documentos.
Por despacho de fls. 15 dos autos e petição inicial foi indeferida "in limine", porquanto o Réu MANUEL DE CARVALHO GUIMARÃES
não foi condenado a pagar o valor da viatura danificada, mas sim responsabilizado no sentido de o dever indemnizar daqueles danos. Não se considerou a sentença em causa, como título exequível, nos termos da alínea a) do art. 46.º do Cod. de Proc. Civil, tanto mais que o Réu nestes autos não foi R. no referido processo crime.
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Conclui o referido despacho que o direito de indemnização do Autor deve ser reconhecido em processo próprio e no caso de tal direito vir a ser reconhecido virá o Autor a ter título exequível bastante para requerer a sua execução.
Inconformado com tal despacho de indeferimento liminar, veio o Exequente, ora Agravante, interpôr o presente recurso.
Nas sua alegações o Agravante conclui pedindo que:
a) Seja o despacho recorrido revogado, por violar o art. 46.º alínea a) do Cód. de Proc. Civil, por não considerar como título executivo o Acórdão do Tribunal da 4ª Secção, ex-4.º Juízo, que responsabilizou o réu MANUEL DE CARVALHO GUIMARÃES pelo reparação dos danos causados à viatura dele Agravante.
b) Que seja ele substituído por outro despacho que considere o Acórdão como título exequível bastante e se ordene a citação do Réu.
Subidos os autos a este Tribunal, foi mandado dar cumprimento ao disposto no art. 475.º n.º 3 do Cód. de Proc. Civil e ordenado a citação do Réu para os termos do recurso e para a causa.
Operada a citação do Executado, ora Agravado, veio ele apresentar as suas alegações as quais conclui pela forma seguinte:
- O Acórdão em que se baseia a acção executiva não constitui título exequível porque condenou o Agravado genericamente e não no pagamento de uma quantia certa.
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- A viatura danificada foi comprada já usada em 1988 e até 1991 sofreu um certo desvalor pelo seu uso, o que o Tribunal que preferiu o Acórdão ignorou.
- O Tribunal que proferiu o Acórdão postergou o direito de defesa do Advogado, pois não lhe deu oportunidade para constituir advogado nem lhe mandou dar cópia da acusação em que fosse referida qualquer indemnização imputável ao Agravado.
- A parte lesada não deduziu qualquer pedido da indemnização por perdas e danos em que o processo penal, em flagrante violação do disposto no art. 29.º do Cód. de Proc. Penal, o que constitui nulidade processual à luz do art. 98.º do Cód. de Proc. Penal, conjugado com o art. 95.º do Cód. Civil. O art. 53 alínea b) do Cód. de Proc. Civil não permite acumular execuções com fins diferentes, ora o Agravante acumulou uma acção executiva emergente do título que alega ser exequível, com um pedido não sustentado por título e que deveria ser objecto de acção executiva, o que constitui violação do disposto nos art. 45.º e 4º do Cód. de Proc. Civil.
Pede que o recurso seja considerado improcedente.
Juntou documentos com as suas alegações.
Veio ainda o Agravado deduzir embargos contra a execução, vide Apenso, sobre os quais foi lançado o despacho mandando aguardar a descida dos autos ao Tribunal de 1ª Instância.
O Agravante foi notificado da junção das alegações e documentos por parte do Agravado (fls. 61).
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O Digno Representante do M.º P.º nada teve a requerer (fls. 68).
Colhidos os vistos legais importa decidir.
Decidindo.
A presente acção executiva para entrega de coisa certa, vem proposta pelo Exequente JOSÉ JOÃO, Agravante, contra MANUEL
CARVALHO GUIMARÃES, Agravado.
Acompanhando a petição inicial, traz o Exequente os seguintes documentos:
- Uma certidão dos autos de Polícia Correccional que correram pela 4ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Popular Provincial de Luanda, que o Ministério Público moveu contra
AMBRÓSIO ANTÓNIO JOÃO DA SILVA.
- Fotocópias não autenticadas referentes a uma viatura FIAT RITMO inscrita na Conservatória do Registo Automóvel de Luanda a favor do Exequente.
Assim descritos os documentos trazidos aos autos pelo Exequente, se tem que admitir que só por erro grosseiro poderiam eles ser invocados como título exequível em acção a propôr entre as partes ora em confronto.
Resta atentar nos conceitos liminares respeitantes a toda a matéria concernente à Acção Executiva do Título II do Livro I do Cód. de Proc.
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Civil para logo as arredar qualquer viabilidade processual à presente acção.
Explicitando:
O art. 45.º do Cód. do Proc. Civil descreve que toda a acção executiva é baseada num título, e esse mesmo título determina os fins e limites da própria acção.
Dentro das espécies dos títulos executivos, encontram-se em primeiro lugar as sentenças condenatórias – art 46.º alínea a). Não é óbvio que essas sentenças têm que ser proferidas em processo cível e não em processo crime.
É que as execuções das decisões proferidas em processo penal seguem os termos previstos nos art. 638.º e seguintes do Cód. de Proc. Penal, e em concreto é lhes aplicável o disposto no art. 643.º desse Código que manda que acção executiva seja apensada à acção criminal e siga ao juízo da condenação.
Também, e “ad limine", temos que ter em conta que as partes na acção executiva são as que vêm definidas bem claramente no art. 55.º n.º 1 do Cód. de Proc. Civil.
O Exequente tem que ser o credor que figura no título executivo e o executado tem que ser a pessoa que no mesmo título tenha a posição de devedor, pois só contra esta pode ser posta a acção executiva.
Partindo destas premissas, fácil é concluir que nem a sentença em causa constitui título executivo susceptível de ser usado em acção de natureza cível, nem as partes constantes dessa sentença o M.º
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P.º por um lado, e AMBRÓSIO ANTÓNIO JOÃO DA SILVA são os mesmos que os ora Agravante e Agravado.
Estes considerandos dispensam-nos de entrar na apreciação de forma da acção executiva que o Exequente usou, a de entrega da coisa certa, quando é manifesto que não vem pedir numa coisa específica que esteja em poder do Executado - art. 928.º e seguintes do Cód. de Proc. Civil.
Também como é óbvio, a referida sentença condenatória proferida contra o Réu AMBRÓSIO não o condena ao pagamento de qualquer quantia determinada que fosse susceptível de ser executada.
As referências que nele se fazem relativamente ao Executado que não foi chamado a intervir na acção criminal, como possível parte com responsabilidade civil, são irrelevantes em relação a ele.
Na verdade, nem o ora Agravante interveio naqueles autos como Assistente, nem o Agravado foi chamado à acção como pretenso proprietário do veículo nos termos do art. 67.º do Cód. da Estrada.
Assim sendo, outra alternativa não tinha o Tribunal recorrido do que indeferir "in limine" a petição inicial, porque o pedido está em flagrante contradição com a causa de pedir, art. 193.º n.º 2 alínea b) e porque o A. Exequente usou uma errada forma de processo - art. 199.º n.º 1, ambos do Cód. de Proc. Civil.
É que a causa de pedir, baseada na referida sentença criminal condenatória está em flagrante contradição com o pedido formulado "in fine" da petição inicial e nas circunstâncias atrás descritas, o ora Agravante deveria ter se socorrido da forma da acção declarativa e não executiva como o fez.
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Nestes termos e fundamentos se nega provimento ao recurso e se confirma o despacho recorrido.
Custas pelo Exequente com NKz. dez mil (10.000,00) de procuradoria a favor do Executado.
Luanda, aos 24 de Janeiro de 1992.
Maria do Carmo Medina
João de Barros Neto de Miranda Belchior Samuco