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TEMPO DE MOVIMENTO Parte 1 As Travessias

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TEMPO DE MOVIMENTO

Parte 1 – As Travessias

As travessias

Grandes travessias são feitas motivadas pelo desejo de aventuras, na busca de melhores condições de vida, por necessidades e desejos pessoais ou coletivos. Outras vezes, para fugir das guerras, da fome e das perseguições políticas ou religiosas. Os homens correm atrás de sonhos, movidos por esperanças. Mas, não tem controle sobre os resultados a serem alcançados.

As viagens dos descobrimentos marítimos realizadas no final do século XV e início do século XVI, notadamente pela Espanha e Portugal, revelaram a existência de novos mundos, ampliando os horizontes dos europeus. Navegar foi preciso assim como se apropriar dos novos territórios e tecer uma rede de relações que resultou na criação de uma vasta empresa comercial destinada a explorar os recursos naturais, matérias-primas e metais preciosos destes em benefícios dos Estados Nacionais e da burguesia nascentes a época. O imaginário europeu e as práticas sociais provocaram grandes navegações e na instituição de práticas mercantilistas que

"Theatrum Orbis Terrarum" ("Teatro do Globo Terrestre") de Abraham Ortelius, publicado em 1570 em Antuérpia, considerado o primeiro atlas moderno, resultado das intensas explorações marítimas realizadas pelos europeus. Fonte: Wikipédia.

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Em Portugal, na primeira metade do século XVI, verificou-se a existência de uma conjuntura favorável ao envio de expedições para a terra descoberta no além mar, chamada Brasil. Havia uma forte razão de foro externo resultante dos interesses expansionistas europeus, e, somava-se a isto o interesse real, tendo D. João III à frente, que adotara novos planos de afirmação, domínio e exploração dos territórios descobertos pelos portugueses. Além disto, havia as motivações particulares de seus ministros mais próximos e daquele que assumiria a missão, o fidalgo português Martim Afonso de Souza.

O rei D. João III era um jovem monarca de apenas 28 anos, embora já tivesse completado seu oitavo ano de mandato. Ele ficaria famoso pela decisão de enviar expedição em 1530 para melhor conhecer e explorar o território brasileiro e dar início ao processo de expansão colonial português nas Américas. Seu reinado ficou marcado por ter conseguido junto ao Vaticano a instalação da Inquisição em Portugal no ano de 1536. Estes acontecimentos influenciaram pelos dois primeiros séculos o movimento de expansão no país, a organização das vilas e o modo de vida de seus habitantes.

D. João III (1502-1557) - décimo quinto rei de Portugal.

A partir de então, teve início o tempo de movimento promovido pela Coroa portuguesa conduzido no sentido de explorar e dominar o território; dar início a sua colonização, realizar a caça ao tesouro, ou seja, descobrir riquezas minerais; e a caça aos homens, indivíduos de grupos específicos, por motivações econômicas e religiosas.

Por este tempo tinha início a travessia promovida pelo interesse Real em direção às terras do além mar.

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A travessia de Martim Afonso de

Souza

A missão de chefiar a expedição colonizadora coube ao jovem Martim Afonso de Souza, íntimo da corte e amigo do rei. Ele contava com 30 anos. A sua missão era combater os piratas franceses, conhecer as terras em direção do Rio da Prata, descobrir riquezas minerais e estabelecer núcleos de povoamento no litoral brasileiro

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Martim Afonso de Souza

Foi o rei D. João III, “o colonizador”, que tomou a decisão da realização da viagem marítima no ano de 1530. No entanto, os preparativos foram demorados e somente em dezembro de 1530 aconteceu a partida em Portugal. A armada de Martim Afonso se compunha-se de cinco embarcações bem armadas e aparelhadas: duas naus, um galeão e duas caravelas. Levava em sua comitiva cerca de 400 pessoas a bordo entre tripulantes, seus comandantes, marinheiros, soldados, colonos, alguns degredados, pilotos, cosmógrafos e nenhuma mulher! (Toledo,2012, 58) Isto leva a duvidar, a princípio, da sua missão colonizadora.

Após breve escala no arquipélago de Cabo Verde a esquadra alcançaria pela primeira vez a costa brasileira a 30 de janeiro de 1531, quando atingiu Pernambuco. A 3 de março tocou na Bahia e chegou ao Rio de Janeiro a 30 de abril. A 17 de agosto aportou em Cananéia, hoje

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por oitenta homens para descobrir e obter ouro e prata e escravizar índios pelo caminho. Com ela era dado o sentido das investidas de aventureiros pelo interior do país. Pero Lopes chefiando os homens designados para tal missão partiu a 1º de setembro de 1531. Depois de longas aventuras pelo sul os que conseguiram sobreviver retornaram para se reunir novamente com seu comandante.

Em 1º de janeiro de 1532 prosseguiram viagem em direção a São Vicente onde havia uma povoação que contava com dez ou doze casas; uma delas feita de pedra com seus telhados, e uma torre para sua defesa. Os primitivos povoadores poderiam ser náufragos como também degredados, marinheiros que fugiam da vida dura dos navios. A expedição, devido ao mau tempo aportou na ilha de Santo Amaro. Dois dias depois, no dia de São Vicente, a 22 de janeiro de 1532, Martim Afonso de Souza chegou ao local do mesmo nome.

Embora não tivesse prerrogativas para tal, Martim Afonso neste mesmo dia fundou a vila de São Vicente. Em seguida tomou as providências para instalar a Câmara, o Pelourinho e a Igreja, símbolos marcantes da colonização e bases da administração portuguesa. A 22 de agosto de 1532 foi realizada a eleição para a composição da Câmara municipal, a primeira em todo o continente americano. O lugarejo passou a ter a condição de governar a si mesmo. Nasceu com autonomia local e distante do poder central metropolitano.

Por meio da expedição comandada por Martim Afonso de Souza foi realizada com sucesso a caça aos piratas e traficantes franceses com a tomada de suas embarcações, arresto das cargas transportadas a bordo, em especial do pau-brasil e tomada de munições. Com efeito, houve um reforço geral na segurança das atividades marítimas e comerciais portuguesas, no nordeste, e instalação de um forte na área estratégica da baía da Guanabara. Houve um reconhecimento geográfico do litoral desde São Vicente até a região platina. Foram realizadas incursões para o interior em busca de metais preciosos, com resultados limitados, mas que serviram para estimar as possibilidades de exploração econômica do território com a criação do gado e plantação da cana- de- açúcar.

Ficavam traçadas as diretrizes para a organização e sustentação da economia colonial e estabelecida uma nova fronteira, o núcleo de colonização portuguesa: a criação da vila de São Vicente.

A vila de São Vicente se tornou um posto avançado criado com o objetivo de alcançar as prometidas riquezas no interior da colônia portuguesa. Ela reunia as condições para manter as comunicações marítimas e comerciais com a Europa e ao mesmo tempo com outras áreas do

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território sul americano. Ela surgiu para assegurar o processo de expansão comercial europeia. “Marginalmente pode ter tido alguma intenção colonizadora, e algum efeito nesse sentido teve, pois ajudou a povoar e a organizar a vida na terra.” (Toledo, 2012, p.58)

Novas travessias: colonos para o

açúcar

Os esforços realizados por Martim Afonso de Souza alcançaram êxito quando ele ainda se achava no Brasil.

Por Carta Régia de setembro de 1532 a Coroa Portuguesa decidiu aplicar a experiência realizada em outras áreas dominadas por Portugal com o sistema das Capitanias Hereditárias. Por meio dela seria atribuída a iniciativa privada a corresponsabilidade no processo de colonização reservando ao poder central o papel de fiscalização. Martim Afonso e seu irmão Pêro Lopes de Souza foram beneficiados com o novo sistema, recebendo seus lotes de terras no litoral onde tinham se fixado.

A expedição de Martim Afonso trouxe consigo as primeiras mudas de cana de açúcar que se aclimataram com facilidade. Tinha início a cultura deste valioso produto na época e a instalação dos engenhos para a manufatura do açúcar. O empreendimento teve sucesso. Ao seu lado desenvolveram algumas atividades consideradas complementares, como a pequena agricultura e a pecuária. As primeiras cabeças de gado que chegarem ao local foram trazidas do arquipélago de Cabo Verde, em 1534. A dedicação a estas atividades proporcionou o enriquecimento de alguns colonos e serviu de motivação para a entrada de novos imigrantes.

Com a criação dos engenhos foram lançadas as condições para a fixação e as bases econômicas no novo território. Em 1532 foi estabelecido o Engenho da Madre de Deus, fundado por Pero Goes. No ano seguinte o Engenho de São João por José de Adorno.

No entanto, dois anos depois foi criado um dos mais importantes engenhos de São Vicente. A iniciativa para sua criação partiu de Martim Afonso de Souza, que mesmo não estando mais no Brasil juntamente com seu irmão Pero Lopes de Souza celebraram contrato e

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Lobo e o piloto-mor Vicente Gonçalves para levantarem engenho na Capitania de São Vicente. No ano de 1534 ele ficou pronto e passou a funcionar com o nome de Engenho do Governador e depois com o nome de Engenho dos Armadores do Trato. Em 1540 ele foi adquirido pelo alemão Erasmus Schetz, grande mercador, banqueiro, radicado em Antuérpia de onde desenvolvia suas atividades comerciais com as mais importantes praças comerciais da Europa..A partir de então o açúcar produzido em São Vicente ficava sob o seu controle comercial. O engenho passou a ser denominado Engenho São Jorge dos Erasmos, funcionando com estreita ligação com Antuérpia.

Ruínas do Engenhos dos Erasmos

Calcula-se que em 1557 já existiam 12 engenhos na vila. Ao seu lado foram desenvolvidas outras atividades, como a pequena agricultura e a pecuária. O dinamismo alcançado pela incipiente economia passou a motivar a entrada de novos colonos europeus, resultando em novas travessias.

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A chegada dos colonos europeus

O açúcar, nos dizeres da historiadora Vera Lúcia Amaral Felini, “traz a civilização europeia para as Américas”. (Jornal USP, 2016) Com a sua produção foi necessária a vinda de mão de obra especializada, com experiência no seu cultivo e preparo em outras áreas produtoras.

A travessia realizada pelos membros da expedição de Martim Afonso de Souza foi planejada e determinada pelos interesses da Coroa portuguesa e pelo desejo expansionista europeu. Estas novas travessias foram realizadas pelos interesses mercantis, por mercadores e colonos que passaram a trazer consigo mulheres e suas famílias.

Nau portuguesa século XVI

Em 1537 se tem a notícia do primeiro casal de portugueses que se estabeleceu em São Vicente. Mas, a falta de mulheres brancas, neste início de colonização, acabou por favorecer as relações sexuais entre os aventureiros europeus com as mulheres indígenas. Na falta de casais brancos passou a prevalecer a regra do aventureiro: “eram as escapadas masculinas, sob o ponto de vista sexual. Eram farras de solteiros, e o entusiasmo com que contemplam as índias está testemunhado desde a carta de Caminha, onde se lêem insistentes descrições das

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preciosidades que as mulheres têm entre as pernas, tal qual se apresentavam aos forasteiros, “tão altas, tão cerradinhas, tão limpas das cabeleiras”. ( apud Toledo, 2012, p.58/59)

Da Europa vieram os Lemes, descendentes do flamengo Martim Lems, do antigo condado de Flandres nos países baixos. Chegaram a São Vicente, por volta de 1550, Antão Leme e o seu filho Pedro Leme, homem de posse com sua filha Leonor Leme já casada com Bras Teves ou Esteves que se tornou sócio do Engenho dos Erasmos; Jaques Felix, o flamengo que casou em São Vicente no ano de 1569; e, portugueses, alemães, belgas, holandeses, italianos que passaram a fazer a história dos engenhos e da própria Vila de São Vicente.

Dentre os europeus muitos eram cristãos novos. O próprio Martim Afonso de Souza “carregava nas veias certa dose de sangue hebreu” (apud Bocaciovas, 2015, p.95). Os engenhos de açúcar montados a partir de sua iniciativa tiveram quase sempre, a participação de “judeus industriosos, fugidos à fúria religiosa da metrópole e de operários de São Tomé e Madeira, conhecedores do processo”. (Caio Prado Júnior, apud Novinsky, 2015, p.88) Dentre eles, no Engenho dos Erasmos, desde quando foi adquirido pela família Schetz, foi o primeiro lugar do Brasil onde se praticou a religião judaica.O capitão-mor do engenho, Jerônimo Leitão, era casado com Inês de Castelo, cuja mãe foi presa e penitenciada pelo Santo Ofício, sendo a mais fervorosa judaizante de seu tempo” (Novinsky, 2015, p. 89)

Portanto, como afirma Marco Antonio Vera, “Dos moradores de São Vicente, muitos eram cristãos novos, principalmente os que se dedicavam às atividades em engenhos de açúcar.” ( Vera, p. 200)

A decadência da produção do açúcar no litoral vicentino declinou ainda na segunda metade do século XVI em função de vários fatores conjugados, como os ataques a Antuérpia realizado pelos espanhóis, o ataque dos piratas franceses e dos indígenas do litoral, além dos estragos ocorridos em 1542 por uma pavorosa e devastadora ondas gigantes do mar. Os colonos passaram a buscar novas terras e novos meio de vida, longe do litoral.

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A caminho do interior

O propósito de garantir à Coroa Portuguesa o acesso à região sulina e dar continuidade ao reconhecimento da terra tendo como principal foco o interesse pela descoberta de riqueza mineral resultou no avanço para o interior do país.

Para atingir este objetivo Martim Afonso organizou uma expedição para subir a serra do Mar, seguindo as trilhas abertas pelos seus habitantes, vencer os seus contrafortes, seguir pela retaguarda da Serra de Paranapiacaba e assim atingir o planalto. Desta forma buscava uma alternativa, por via terrestre, para penetrar o interior do continente em direção às riquezas desejadas. O objetivo era estabelecer um posto avançado para se chegar ao Paraguai e ao sul do continente. Quer via rio Tietê, pela bacia do Prata, ou ainda pelos caminhos abertos pelos indígenas, o famoso Peabiru, ligando os campos de Piratininga até os confins do Paraguai.

O irmão, Pero Lopes, no seu diário de viagem, afirma que ele fundou uma vila, serra acima, a nove léguas pelo sertão, situada à margem do rio chamado Piratininga e nelas colocou gente e ordem de justiça. No entanto, quando muito teria Martim Afonso iniciado uma povoação que “para alguns dos autores que admitem sua existência, ficaria exatamente no mesmo sítio onde, sobre uma elevação, na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú seria depois plantada São Paulo. Não seria despropósito concluir, portanto, que Martim Afonso seria o fundador de São Paulo. Ou pelo menos, de uma proto São Paulo, uma povoação que duas décadas antes da data que se habituou a considerar como a da fundação da cidade, floresceu no mesmo lugar.” (Toledo, 2012, 64)

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Assim como Martim Afonso cumpriu a missão de articular a integração do litoral com o interior, o conhecimento e articulação das gentes foi realizada por João Ramalho. A ele coube a tarefa de aproximar os europeus recém chegados no litoral vicentino com os primitivos moradores do planalto de Piratininga. Os europeus, em sua grande maioria, eram constituídos por portugueses. Pero Lopes de Souza deixou registrado em seu diário que havia também espanhóis, italianos, franceses e alemães, dos quais muitos eram cristãos novos.

Serra acima moravam os guaianazes e os demais grupos indígenas que habitavam o planalto.

Contando com ajuda de João Ramalho expedição portuguesa de 1530 foi de São Vicente para o planalto e deu início à integração do litoral com o interior. Restou uma frustração: não conseguiram atingir as riquezas do interior do continente, nem pela serra acima, nem navegando pelo rio da Prata.

Martim Afonso de Souza regressou a Portugal em meados de 1553 não mais retornando a São Vicente, mesmo tendo recebido a capitania em 1535. Em uma das viagens que realizou à Índia chegou a parar em Porto Seguro para abastecer os seus navios e descansar, sem chegar a São Vicente.

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João Ramalho, “o pai dos paulistas”

João Ramalho morador dos campos de Piratininga era considerado, dentre os homens brancos, “o mais antigo da terra” (Toledo, 2012, p.53)

João Ramalho

Ele exercia autoridade sobre homens e mulheres, indígenas e brancos europeus. A sua chegada ao Brasil é cheia de mistérios. Sabe-se que era filho de João Vieira Maldonado e de Catarina Afonso de Balbode, nascido no ano de 1493. Foi casado em Portugal com Catarina Fernandes, que nunca mais viu depois de sua partida para o Brasil. De lá saiu no ano de 1512 e após um naufrágio de sua nau chegou às costas da futura capitania de São Vicente em 1513. Era muito jovem, contava com apenas 20 anos de idade.

No entender de diversos historiadores, como Gustavo Barroso, Marcelo Bogaciovas e Djanira Sá de Almeida, João Ramalho era um judeu. E, tendo se convertido ao catolicismo, um cristão novo. Sua ascendência judaica encontra raízes na Espanha. A principal comprovação vem do fato de que a sua assinatura vinha sempre acompanhada de um Kaf, a décima primeira letra do alfabeto hebraico. Um verdadeiro Kaf, no sentido cabalístico, demonstra que era judeu do mais puro sangue. Como afirma Marcelo Bogaciovas isto se confirma, pois “não é possível imaginar alguém que em tempo de perseguição aos judeus, assinar uma letra que facilmente o indicasse como tal.” (Bogaciovas, 2015,88). Além disto, era notório em João Ramalho e alguns de seus filhos a aversão aos padres, a Inquisição e aos preceitos religiosos. Um de seus filhos ao ser “ameaçado por um dos padres de ser processado pela Inquisição, respondeu: acabarei com

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as Inquisições a flechas”. (Mario Neme, notas de Revisão da História de São Paulo, p. 57, apud Toledo, 2012, p. 109)

Ramalho era um aventureiro. Como tantos outros que vieram para o Brasil logo após a sua descoberta, motivados pelas notícias de riquezas e possibilidades de ganhos extraordinários.

Ao chegar ao novo continente logo pôde vislumbrar a sua beleza natural e a maneira como os seus habitantes, em especial as mulheres apresentam –se aos homens brancos, naturalmente nuas. Assim, obedecendo a seus instintos, teve várias mulheres, muitos filhos e descendência numerosa. Mas teve em Bartira uma esposa especial, a principal delas. Ela era filha de Tibiriça, homem famoso e destemido. O denominado “senhor dos campos de Piratininga”, a quem os guaianases davam alguma obediência e os indígenas de outras nações respeitavam muito por ser ele o cacique mais poderoso e o melhor guerreiro da região.

Esta união certamente trouxe vantagens e prestígio ao recém- chegado à terra e à família. Foi um dos primeiros entre os europeus a inserir-se numa instituição social de longa data cultivada entre os indígenas, o cunhadismo, como assim o chamou o antropólogo Darcy Ribeiro. Era o costume pelo qual os indígenas recebiam um estranho na comunidade lhe oferecendo uma mulher. Assim como faziam entre si, estenderiam a gentileza para os de fora. A mulher oferecida ao estranho, a “temirico”, como era chamada, consagrava um pacto de sangue. A partir de então o marido dela podia contar com a numerosa parentela e praticamente com toda a comunidade para ajudá-lo em tempo de paz e de guerra. E, como os indígenas do planalto desconheciam a monogamia, os novos membros da comunidade podiam se unir com temiricós de diferentes procedências, o que resultava numa ampla teia de alianças e consequentemente maior prestígio e poder.

Desta forma João Ramalho se tornou um dos principais personagens dos primórdios da vida no planalto de Piratininga. Ali vivia com as suas mulheres, filhos e uma quantidade de pessoas a seu serviço. Aos poucos foi se adaptando aos costumes locais. Trata-se, então, de um branco europeu que neste primórdio da colonização não tenta impor a cultura do velho continente. Antes, assimila a cultura, apropria-se do modo de ser e de viver dos indígenas. Dá início a um processo de integração cultural peculiar na formação dos futuros habitantes do planalto de Piratininga. Ramalho participa de suas festas e ia à guerra com eles. Não se constrangia em andar nu. Não obedecia a preceitos religiosos e tinha as suas leis próprias.

Sua figura lendária é enaltecida na formação das povoações e organização desta parte do interior brasileiro. Para o alemão Ulrico Schimidt, que passou pela região no ano de 1553,

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ele era o “chefe” da povoação do planalto. (apud Toledo, 2012, p. 109) e o “mais do que pai dos próprios filhos deve ser considerado o pai dos paulistas. O espírito dos mamelucos caçadores de índios e desbravadores dos sertões.” (Toledo, 2012, p. 54 e 112) Marcelo Bogaciovas no mesmo sentido considera João Ramalho “o patriarca dos bandeirantes e do povo paulista”.

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A administração portuguesa: as

Capitanias Hereditárias

O regime das Capitanias Hereditárias foi instituído por D. João III, rei de Portugal em 1534. A medida foi tomada buscando ampliar o conhecimento, conquista e colonização de um imenso território.

A sua criação tinha como objetivo povoar, garantir o domínio do território e evitar as invasões de estrangeiros, ou seja, por outros europeus sob a bandeira dos novos Estados emergentes naquele continente. O sistema consistia em dividir o território brasileiro em grandes faixas e entregar a administração para particulares. As capitanias hereditárias recebiam este nome por serem transmitidas de pai para filho. Foram criadas quinze capitanias entregues a doze donatários com poderes extraordinários e obrigações voltadas para atender os esforços de colonização do novo mundo português. Com a distribuição de sesmarias a Coroa podia compensar os serviços prestados pelos vassalos, sem despesas para o Erário, e ainda contar as iniciativas dos proprietários para povoar, cultivar a terra e auxiliar na defesa do território.

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Aos donatários foram concedidos alguns privilégios. Dentre eles constava o poder de distribuir sesmarias, fazer nomeações para determinados cargos, conceder licença para aconstrução de engenhos, arrendar as passagens dos rios, tudo sem interferência do rei.

Na prática o sistema fracassou. Apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco deram certo. Para tanto concorreram a grande extensão territorial para administrar e suas obrigações, a falta de recursos econômicos e os constantes ataques indígenas.

Martim Afonso de Souza ganhou a carta de doação em 1535. A sua capitania começava pouco a norte de Cabo Frio e ia até o sul de Cananéia. Era interrompida, no entanto, entre o sul de São Sebastião e o canal que separa as ilhas de São Vicente e Santo Amaro. Ali se inseria a capitania de Santo Amaro, doada a Pero Lopes de Souza. As terras de um e outro irmão se entrelaçavam o que iria gerar posteriormente disputas entre seus herdeiros. Na capitania de Martim Afonso, ao lado de São Vicente, onde companheiros seus se estabeleceram em terra, foi se desenvolvendo um povoado que foi elevado a categoria de vila no ano de 1546 com o nome de Santos. Esta faixa litorânea continuaria a exercer influência na colonização desta parte do território português. Martim Afonso, mesmo distante, manteve seu prestígio na região.

Mapa da Capitania de Santo Amaro. Reprodução fac-simile existente na mapoteca do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro. Fonte: http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa46.htm

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A administração portuguesa:

o Governo Geral

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As dificuldades encontradas na implantação das Capitanias Hereditárias levou a Coroa Portuguesa a criar em 1548 o governo geral.

Com esta medida buscou centralizar a administração colonial, garantindo maior apoio e assistência aos donatários, promover atividades de interesse da metrópole, principalmente estimular a economia, garantir a arrecadação de impostos e a execução dos monopólios. Assim, o governador-geral deveria viabilizar a criação de novos engenhos, a integração dos indígenas com os centros de colonização, o combate do comércio ilegal, construir embarcações, defender os colonos e realizar a busca por metais preciosos.

A administração portuguesa se tornou mais complexa exigindo a criação de novos cargos administrativos. Entre eles o ouvidor-mor, o funcionário responsável pela resolução de todos os problemas de natureza judiciária e o cumprimento das leis vigentes. O chamado provedor-mor estabelecia os seus trabalhos na organização dos gastos administrativos e na arrecadação dos impostos cobrados. Além destas autoridades havia o capitão-mor que desenvolvia ações militares de defesa que estavam, principalmente, ligadas ao combate dos invasores estrangeiros e ao ataque dos nativos.

O primeiro governador geral, Tomé de Souza (1549- 1553), chegou em 29 de março na Baía de Todos os Santos, acompanhado de uma expedição de cerca de 1.000 homens. Ele formou a primeira cidade do Brasil, Salvador, que acabou se tornando a capital do país por sua estratégica posição geográfica entre o sul e o norte do país.

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Salvador, sede do Governo Geral, no século XVII. Fonte: Google

Para melhor conhecer o território, o governador geral Tomé de Souza em 1552 realizou uma viagem de inspeção às capitanias do sul. Chegou a São Vicente em fevereiro de 1553. Ali estranhou que houvesse duas vilas, São Vicente e Santos, tão próximas uma da outra. Porém, não quis alterar a situação para não desfazer o feito do primo Martim Afonso de Souza.

Durante o mês de abril, demonstrando interesse pelo interior subiu ao planalto de Piratininga. Ia impor a presença do Estado e dar um mínimo de organização à região. Na sua estadia, entre várias iniciativas, tomou duas importantes medidas: a fundação da vila de Santo André da Borda do Campo e a proibição do trânsito entre São Vicente e o Paraguai.

A vila de Santo André se transformou-se em posto avançado no planalto. O caminho era fechado com o propósito de bloquear o contato entre os vicentinos e os moradores de Assunção no Paraguai, pois se temia que aquele intercâmbio gerasse prejuízos para os planos portugueses de controlar a região e atrapalhasse o movimento em busca das riquezas pelo interior do continente.

Com as novas iniciativas realizadas resultando no movimento para o interior foi possível reunir a gente espalhada pelo campo, na região situada acima da serra do Mar, distintas das terras do litoral, cobertas de arvoredos muito altos quando aqui chegaram. Ali havia um grande descampado que se seguia a mata densa da serra de Paranapiacaba, nome indígena para a Serra do Mar.

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As primeiras vilas no planalto

A vila de Santo André da Borda do Campo foi elevada a esta condição no dia 8 de abril de 1553. Estava localizada como diz o próprio nome na borda do campo, ou seja, no ponto em que termina a exuberante vegetação da serra do Mar e começa o descampado. Na visão do governador geral a nova vila serviria de controle do trânsito pela região em um posto avançado de vigilância.

Alguns personagens importantes participaram ativamente da criação da vila. Um deles, Brás Cubas era tido como o homem mais rico da capitania, que por duas vezes ocuparia o cargo de capitão-mor, ou seja, uma espécie de governador por procuração do donatário. O outro, João Ramalho, foi nomeado alcaide-mor da vila recém fundada e capitão mor do campo que passou a ser o responsável pela segurança do local e o fazer cumprir as determinações do governador geral. A sua nomeação fazia com que ele passasse a se envolver e contribuir com a administração portuguesa na região e de certa forma garantir o êxito da empreitada tal a sua capacidade de liderança e de arregimentar milhares de índios para a guerra e para servir em todos os serviços necessários.

No ano seguinte, em 1554, foi fundado o Colégio de São Paulo. Um novo marco de avanço da colonização portuguesa, integrando autoridades coloniais, a Igreja católica e a população local. Descortinou-se uma nova paisagem, agora com a presença marcante dos padres jesuítas.

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Fonte: https://www.google.com.br

Novas travessias: chegam os jesuítas

Os primeiros representantes da Igreja Católica que chegaram ao planalto de Piratininga foram os pertencentes à Companhia de Jesus, conhecidos como jesuítas. Esta Companhia foi fundada na Europa em 1534 por Inácio de Loyola e reconhecida por bula papal em 1540. O seu propósito principal era fazer frente ao avanço do protestantismo ocorrido após o movimento conhecido como Reforma protestante. O nome de Companhia coube bem à organização “tanto para lembrar um empreendimento comercial, vocacionado à expansão e conquista dos mercados, nem que seja o mercado de almas, quanto por sugerir uma fraternidade a parte, meio fechada, como uma organização secreta” (Toledo, 2012,p.73)

Os primeiros jesuítas que aqui chegaram vinham com o propósito de se integrar a nova terra. Eles tinham uma missão evangelizadora, compromisso com seus propósitos de converter os povos primitivos e proteger a Igreja Católica do protestantismo que se expandia na Europa. Os jovens sacerdotes estavam dispostos a se submeter a sacrifícios como os quais ocorriam nas viagens marítimas, ao se embrenhar pelos matos, subir serras, passar fome e ser acometidos

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Em 1549, com Tomé de Souza veio um pequeno grupo chefiado pelo jesuíta Manoel da Nóbrega acompanhado de outros cinco irmãos da ordem: os padres Azpicuelta Navarro, Leonardo Nunes, Antônio Pires e os irmãos, ainda não ordenados, Jácome e Vicente Pires. Todos chegaram com o desejo de manter a conquista, posse e domínio do território e converter o s infiéis Uma só missão, duas frentes de batalhas para alcançar a glória da Coroa e de Deus

O Padre Manoel da Nóbrega descendia de família abastada, estudou na universidade de Salamanca, a mais antiga e prestigiosa da Espanha e depois em Coimbra. Ou seja, teve uma formação esmerada. Com 27 anos, em novembro de 1544, entrou na Companhia de Jesus. Fez a opção por um caminho da humildade e do sacrifício. Em fevereiro de 1549, perto de completar 30 anos de idade, foi indicado pelo próprio rei D. João III para chefiar o grupo de jesuítas para acompanhar o primeiro governador geral ao Brasil. A sua chegada a Bahia ocorreu em 29 de março de 1549.

O padre Leonardo Nunes em novembro de 1549 foi enviado para São Vicente. O padre Nunes passou a morar nesta vila. Por diversas vezes subiu a serra, visitou os seus habitantes, reuniu a gente “derramada”, ou seja, a gente espalhada pela região e participou efetivamente da fundação da vila de Santo André da Borda do Campo. É considerado um dos fundadores de São Paulo. Homem de muita coragem e vitalidade, embrenhou-se pelos sertões, catequizou índios e devido à sua agilidade em chegar às regiões mais inóspitas foi denominado “padre voador” ou “Abarebebê”. Ele era “um cristão novo”. (Bogaciovas, 2015,320) Em carta datada de 1553, o padre jesuíta Vicente Rodrigues, se refere ao bispo do Brasil, que “lamenta que haja tantos cristãos novos na Companhia de Jesus, referindo-se ao Padre Leonardo Nunes.” (Apud Bogaciovas, 2015, p.320) O “padre voador” morreu no mar, em naufrágio, quando voltava para Portugal, em 1554.

A fundação do Colégio de São Paulo

Em fins de 1552, quando o governador geral Tomé de Souza se dispôs a fazer viagem às capitanias do sul, convidou e levou em sua comitiva o provincial dos jesuítas da Bahia. O culto, respeitado e admirado Manoel da Nóbrega. Com o retorno do governador para a Bahia, Nóbrega

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decidiu permanecer em São Vicente. De lá foi também atraído pela serra, com vistas ao movimento em direção ao interior.

O pe. Manoel da Nóbrega era um missionário. Queria converter, evangelizar, combater o pecado e corrigir a vida desregrada que encontrou nas povoações do país, enfim, atrair todos para o reino de Deus. Pensava em criar condições para formar um novo povo. Queria dar continuidade ao caminho aberto pelos portugueses e abrir trilha própria entre os gentios que habitavam o planalto; fazer emergir uma sociedade reformada nos costumes com base na lei de Deus. Iria começar procurando reunir e catequizar os indígenas. O mais afastado das influências dos brancos. Neste novo local, ao contrário das dificuldades que encontrava na manutenção do colégio em São Vicente, poderia contar com a ajuda dos pais e das suas famílias que ali moravam.

No mesmo ano de sua chegada em São Vicente, em agosto de 1553, subiu a serra e levava consigo a decisão de transferir o colégio mantido pelos jesuítas em São Vicente para o Planalto. Assim foi se instalando numa área a dez léguas aproximadamente do litoral e duas da povoação de Santo André administrada por João Ramalho, como escreveu na época, “uma fermosa povoação” (Padre Manoel da Nóbrega, in Toledo, 2012, p. 93). Nóbrega morreria em 18 de outubro de 1570, no dia em que completaria 53 anos.

No mesmo ano de 1553 chegava à Bahia, junto com a comitiva do segundo governador geral Duarte da Costa, como integrante da terceira leva de jesuítas enviados à nova terra, composta por sete membros, o irmão José de Anchieta. Um jovem de origem espanhola, nascido em 19 de março de 1534, nas Canárias, contava com 19 anos, de saúde frágil, culto e expressivo gosto pelas letras. Partiu de Portugal em maio de 1553 e tendo chegado à Bahia logo foi conduzido, em outubro do mesmo ano, para missão no sul, especificamente em São Vicente, onde aportou no mês de dezembro. Ali se juntou à Nóbrega e aos irmãos empenhados em mudar o colégio ali existente para o planalto. Desta forma, nos primeiros dias de janeiro, a mando de Nóbrega, subiu pela primeira vez a serra do Mar.

O local já tinha sido escolhido. Ele ficava situado num elevação na confluência de dois rios, o Anhangabaú e o Tamanduateí. Oferecia várias vantagens como água próxima, bom clima e a proteção existente devido a uma escarpa abrupta que dava para uma várzea. Trata-se da área correspondente ao centro velho da atual cidade de São Paulo. No ponto do lado da colina que se debruçava sobre o Tamanduateí, Nóbrega fez erguer uma casa, para a habitação dos jesuítas e sede do colégio. “Era uma construção rústica, com paredes de barro e pau e telhado

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de palha, levantada pelos índios, com 14 passos de comprimento por dez de largura, segundo relata Anchieta.” (Toledo, 2012, p. 99)

No dia 25 de janeiro, dia da conversão de São Paulo, foi celebrada uma missa assinalando o início das atividades do colégio. Um ato simples que registrou a data de fundação do colégio e o local, centro da futura cidade de São Paulo. Assim, o 25 de janeiro de 1554 passou a ser considerado como a data da fundação de São Paulo. Um marco da colonização portuguesa integrando autoridades coloniais, a Igreja por intermédio dos jesuítas, aventureiros e brancos ali existentes integrados na nova paisagem, junto com a grande maioria da população constituída pelos primitivos habitantes, pertencentes a diversos grupos de indígenas.

Fonte: https://www.google.com.br

Entre os jesuítas um santo da Igreja

O Colégio de São Paulo era administrado pelos jesuítas. Na vizinha Santo André predominava a influência de João Ramalho e seus descendentes mamelucos. Para os jesuítas

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sua vida causava escândalo, como afirmou José de Anchieta: “Ele e seus filhos andam com irmãs e têm filhos delas, tanto o pai como os filhos.” (In Toledo, 2012, p. 55) Era por vezes considerado como inimigo da Igreja pelos “graves crimes infame e excomungado” e sua família reunida representava males maiores que “a própria peste”. (In Toledo, 2012, p. 80) Os padres, de início, tentaram desviar Ramalho daquilo que chamavam de mau caminho, o seu modo próprio de vida, por ter várias mulheres, andar livre e solto como os indígenas, pelo apresamento de outros indígenas e de sua exploração, enfim tentaram levá-lo à confissão e aos sacramentos da Igreja.

Mas aos poucos, os jesuítas, mudaram o discurso e a visão sobre João Ramalho. O Pe. Nóbrega em trecho de sua carta enviada ao superior em Lisboa, escrita no segundo semestre de 1553 revela que: “Neste campo está Ramalho, o mais antigo homem que está nessa terra. Tem muitos filhos e muitos aparentados com todo este sertão... é muito conhecido e venerado entre os gentios e tem filhas casadas com os principais homens desta capitania, e todos estes filhos e filhas são de uma índia, filha dos maiores e principais da terra. De maneira que nele, e nela e em seus filhos esperamos ter grande meio para conversão destes gentios.” (In Toledo, 2012, p. 89) Nesta carta já não falava mais das suas muitas mulheres, mas de apenas uma, a Bartira, a filha do cacique Tibiriça que iria se tornar grande colaborador da obra dos jesuítas.

O nome da povoação se afirmaria mais tarde como “São Paulo de Piratininga”. Era a designação dada pelos jesuítas em sua “carta quadrimestral” quando prestavam conta de suas atividades aos superiores da ordem, na Europa. Nelas sempre se datava afirmando Piratininga. Até que em uma destas cartas datada de 1562, escreveu-se pela primeira vez apenas o nome de São Paulo com o qual passaria a designar a nova vila.

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O padre José de Anchieta, apesar da pouca idade, logo se destacou no colégio. Letrado, teatrólogo, poeta, além de dominar o latim, o espanhol e o português estudou a língua dos nativos. Deste esforço resultou produzir a primeira gramática da língua, que foi colocada em uso desde 1560. Anchieta, segundo vários pesquisadores como Marcelo Bogaciovas ( Bogaciovas, 2015, p. 318) e José Gonçalves Salvador (Salvador, 1976, p. 81) descendia de judeus por linha materna e, portanto, era um cristão novo. “A mãe de Anchieta era neta de judeus convertidos ao cristianismo. Seu trisavô foi queimado pela Inquisição por ser judeu.” (Bogaciovas, 2015, p. 319) Entrou na Companhia de Jesus com 17 anos onde foi recebido como noviço. No Brasil se dedicou à tarefa de catequização dos indígenas e participou da criação do colégio de São Paulo. Reitor de outros colégios e provincial dos jesuítas faleceu em 9 de junho de 1597 em Reritiba, no Espírito Santo. Foi uma das pessoas mais representativas da segunda metade do século XVI.

Recentemente seu trabalho foi reconhecido pela Igreja católica tendo sido declarado beato pelo Papa João Paulo II em 22 de junho de 1980, e santo em 2 de abril de 2014 passando a ser designado Santo José de Anchieta.

O colégio dos jesuítas era rodeado por habitações dos diversos grupos indígenas. Dentre eles se destacava o cacique Tibiriça, considerado o principal dos principais do Planalto que veio a se tornar o guardião do colégio de São Paulo de Piratininga. Ele foi destaque em tempo de paz tendo auxiliado na construção do próprio colégio e se tornou útil na defesa do local diante dos ataques de outras tribos mais hostis. Anchieta atribuiu a ele os títulos de “benfeitor” e mais ainda o de “fundador e conservador da casa de Piratininga.” (In Toledo, 2012, p. 106)

A criação da Vila de São Paulo de

Piratininga

Nos primeiros anos a obra foi ampliada. A construção do colégio passou a contar com oito cômodos e uma casa feita de taipa além de uma igreja anexa construída pelos próprios padres da Companhia de Jesus. Porém, aos poucos, já por volta de 1556, a aldeia começou dar sinais de decadência. Os indígenas começaram a reagir ao plano de catequese a eles imposto e voltavam a viver entre os seus, retornando aos seus antigos costumes e crenças.

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Enquanto São Paulo de Piratininga enfrentava o afastamento dos indígenas e outras dificuldades, levando desânimo aos jesuítas, a vizinha Santo André da Borda do Campo, reduto de portugueses, índios e mamelucos padecia da pobreza e abandono. Temiam-se os ataques dos indígenas e ocorria a falta de alimentos. Aos poucos foi se fortalecendo a ideia de que era preciso mudar de local.

Diante da situação precária dos dois sítios e de seus habitantes em 1560, Mem de Sá, o terceiro governador geral, atendendo o apelo dos moradores ordenou a mudança da vila de Santo André para o local praticamente abandonado pelos jesuítas, na colina à beira do Anhangabaú. Para lá foram transferidos a Câmara e o Pelourinho, símbolos expressivos da administração colonial portuguesa. E, embora a vila continuasse a mesma o seu nome primitivo foi deixado de lado e passou a prevalecer o nome de vila de São Paulo de Piratininga.

Colina onde foi fundada a Vila de São Paulo de Piratininga - Pintura de Debret

Os jesuítas, com o papel declinante do colégio no Planalto, chegaram a desmontá-lo no início de 1561 e levá-lo de volta para São Vicente. Ao final do mesmo ano instalaram novamente o colégio em Piratininga com uma nova função: o de uma escola para os filhos dos portugueses.

A vila de São Paulo de Piratininga seria habitada e dirigida a partir de então por brancos portugueses e mamelucos. João Ramalho e seus descendentes passam a ocupar lugar de destaque na vida do lugar. Em 1564 tendo sido eleito vereador, contando com 71 anos de idade recusa o cargo alegando já estar muito velho. Com a liderança de João Ramalho passou a predominar e prevalecer o espírito dos mamelucos, caçadores de índios e desbravadores de sertões. Características e valores importantes dos futuros bandeirantes paulistas.

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posto avançado e organizado da colonização portuguesa no interior do país. Em sua organização se tornou notável a presença e influências dos cristãos velhos e dos cristãos-novos como Ramalho e Anchieta, dos guaianases e dos mamelucos, filhos da miscigenação decorrente das relações entre as diferentes raças.

Chegam os cristãos novos

A produção historiográfica brasileira mais recente vem dando destaque para a presença e importância dos cristãos novos na vida colonial brasileira e, em especial, no planalto paulista. Eles chegaram à vila de São Vicente logo nos seus primórdios. Em seguida acompanhando o movimento da colonização transpuseram a serra pelo Caminho do Mar para criar os primeiros núcleos de povoamento no planalto de Piratininga. Entre os primeiros povoadores do planalto havia muitos cristãos novos. Eles passaram a fazer parte do cotidiano, da vida nos tempos coloniais. Segundo José Gonçalves Salvador, “por muito tempo seriam a maioria da população.” (Salvador, 1976, p. 5)

O denominado cristão novo português surgiu por intermédio da provisão real de 30 de maio de 1497. O rei D. Manuel, pressionado pelos reis católicos espanhóis, promulgou em 1496 a expulsão dos judeus de Portugal, de forma ambígua, pois impediu ao mesmo tempo a saída deles do reino. Desta forma resultou, no ano seguinte, o batismo forçado dos judeus que assim se tornavam católicos. Aos que resistissem restaria a perseguição e a morte. Segundo Marcelo Bogaciovas “o terror fora instaurado em Portugal”. (Bogaciovas, 2015, p. 38) Desta forma nasceu o cristão novo português, um novo indivíduo dividido entre o mundo cristão manifestado externamente e o mundo judaico praticado em casa, junto aos seus.

A presença dos judeus na Península Ibérica sempre esteve cercada por uma série de incidentes e contradições. Eles ali chegaram muito antes da invasão dos mouros. Quando D. Afonso Henriques (1143-1185), “o conquistador”, fundou a monarquia portuguesa e regulamentou, nas cidades reconquistadas aos mouros, a liberdade de comércio aos católicos, mouros e judeus. Ele também concedeu a eles cartas de liberdade, chamada de forais. A partir do reinado de D. Fernando I, “o formoso” (1367-1383), voltaram os tempos de dificuldades e de perseguições.

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intermédio de acordo Portugal passou a acolher os judeus provenientes da Espanha. Calcula-se que perto de 120.000 pessoas passaram para Portugal. Por pouco tempo gozaram de certa liberdade e tolerância por parte da sociedade portuguesa.

Devido ao grande número deles em Portugal e de sua atuação significativa em todos os setores da sociedade, na organização das viagens de descobrimento e na participação na organização e expansão do império português, pode se afirmar que não se pode falar da História de Portugal deste tempo sem mencionar a presença e a forte atuação judaica.

Os cristãos novos estiveram presentes na viagem de Cabral, na exploração do pau-brasil, com Fernando de Noronha, na cultura da cana- de- açúcar na faixa litorânea, no comércio e na vida da colônia em geral. A partir de 1530, com a instalação de vilas pelo litoral brasileiro, aumentou a presença dos mesmos pelo país.

Menorah: candelabro sagrado de 9 velas da cerimônia judaica do Hanukah

Eles chegavam e procuravam se integrar no novo ambiente, participando e colaborando efetivamente no conhecimento e organização do novo mundo. Nestes primeiros tempos de vida colonial houve entrosamento com a vida dos demais colonos e aproximação com os povos primitivos. Por que “granjeando a confiança dos indígenas, foram admitidos ao seu convívio, aprendendo a língua nativa e aparentando-se com eles através de uniões ou casamentos.”

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O renascimento do cristão novo no

Brasil

Os judeus, quer espontaneamente ou fugindo da Inquisição, vão renascer na América em outro contexto e em outra realidade. Para cá trouxeram o traquejo comercial, as técnicas econômicas e de produção e as práticas religiosas que foram preservadas no interior dos seus lares.

A partir de 1534, com a criação das Capitanias Hereditárias e a distribuição de sesmarias, para atingir os objetivos da Coroa portuguesa, foi preciso contar com novos imigrantes. Fato que serviu de estímulos para a entrada de “uma classe de gente operosa, senhora de recursos, ambiciosa, mas perseguida, e que podia ser aproveitada, era a dos conversos judeus.” (Salvador, 1976, p.242)

Quando da instalação da capital do Brasil, na Bahia, após a criação do Governo Geral no local, para onde se ergueu a cidade de Salvador havia muitos cristãos “velhos como novos”. (Cartas dos Primeiros Jesuítas, I, p. 126. Apud Salvador, 1976, p. 250)

No ano de 1536 foi instituída e solenemente proclamada a Inquisição em Portugal. Tinha início uma história que se estenderia até o ano de 1773, repleta de perseguições, denúncias, fugas, separações, temores e mortes de formas cruentas.

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Aos judeus em Portugal restou, para poder sobreviver ter que viver como cristão e manter suas crenças no seu mundo interior. Passou a ser um homem dividido entre ser cristão externamente e judaico no seio da família e do lar. Para não levantar suspeitas era obrigado a viver como católico, batizando seus filhos, fazendo confissões, casando e frequentando as igrejas e enterrando seus mortos segundo os preceitos cristãos. Na sua intimidade e no seio de sua família sempre que podia, sem levantar suspeitas, procurava lembrar e realizar práticas religiosas ligadas à tradição e religião judaica. Passaram então a ter uma existência dissimulada, vivendo às escondidas, em segredo.

Mais uma vez, em sua atribulada história, os judeus se puseram em movimento, realizaram a travessia pelo Atlântico e vieram para o Brasil, que se tornou um refúgio procurado por muitos. Aqui teve que se adaptar. Sem liberdade de culto, sem sinagoga e sem escolas suas práticas religiosas sofreram alterações. Perseguidos, apesar de adaptarem ao mundo colonial português, passaram a ser o outro, uma ameaça ao catolicismo romano em terras portuguesas. Para cá vieram motivados não apenas pela perseguição religiosa, pelo medo da Inquisição, pela insegurança e temor, mas também pelo seu espírito comercial e empresarial e a busca de riqueza.

No Brasil, aos descendentes dos judeus, como revelam os estudos da historiadora Anita Novinsky, havia três alternativas para a prática religiosa: assumir fielmente a religião cristã, seguir fielmente a religião judaica ou, que foi o desígnio da maior parte, não ser judeu nem cristão. Para poupar das perseguições, preconceitos e prisões tinha que aparentar ser católico. Como resultado, após algumas gerações, o que se nota é que o cristão novo não consegue mais retornar ao judaísmo. Perdiam a sua identidade e eram acusados de judeus pelos cristãos e católicos pelos judeus.

Para despistar passou a ser comum a adoção de outros sobrenomes, os apelidos. Os cristãos novos que vinham para ao Brasil eram aconselhados a adotar nomes não hebraicos para romper vínculos familiares e esquecer sua origem. Passavam a adotar novos nomes tipicamente católicos e portugueses. Os nomes deveriam ser dos santos católicos. O apelido seria de cristão velho e sua escolha deveria recair sobre algo que caracterizasse o convertido; ou pela sua origem geográfica, profissão, nome da propriedade ou e, principalmente pela adoção do apelido do padrinho por ocasião do batismo. Segundo o pesquisador Marcelo Bogaciovas não havia regra para a adoção do apelido o qual era de escolha da própria pessoa quando adulta.

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expedido primeiro alvará que proibia a saída do reino, por mar ou por terra, para todos cristãos novos. Outras decisões reais continuaram a reforçar esta proibição. Somente no início do século XVII, devido às dificuldades financeiras vividas por Portugal, voltou a ser permitida aos judeus uma permissão de saída para o Brasil.

Inquisição e perseguição aos judeus

A Primeira Visitação do Santo Ofício no Brasil, assim denominado na época, foi realizada entre os anos de 1591 a 1595. Com sua atuação ficou claro que uma boa porcentagem dos denunciados era de origem judaica. A Inquisição permaneceu na Bahia por dois anos, até 1593. Depois seguiu para Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. A perseguição aos judeus nas capitanias do nordeste estimulou a saída dos mesmos em direção ás capitanias do sul. Nelas reinava uma maior liberalidade em relação ao judaísmo.

Entre os denunciados foram citados cristãos novos da região de São Vicente, como Gomes da Costa, Antônio do Vale, Lopo Dias e a família dos Mendes, “todos da progênie israelita... contra os quais pesavam acusações por suas práticas judaizantes.” (Salvador, 1976, p. 125) Nas denunciações de São Paulo e da Bahia “transparece claramente o quanto os cristãos novos sentiram-se a vontade para judaizarem na colônia distante da Inquisição Continental e mais ainda os que se encontravam na longínqua Capitania de São Vicente e na vila de São Paulo”. (Falbel, 1999, p.115)

O próprio Martim Afonso de Souza fundador da vila e donatário “carregava nas veias certa dose de sangue hebreu”. (apud Bogaciovas, 2015, p.95) Ele era neto paterno de Maria Pinheiro, afamada por ser cristã nova e constante do caderno de cristãos novos de Barcelos” (Apud Bocaciovas, 2015, p. 95) Razão pela qual nutria simpatia pelos cristãos novos e poderia assim ter facilitado ou mesmo incentivado o ingresso de cristãos novos em sua capitania. Ele tinha interesse em receber profissionais qualificados e profissionais de ofícios diversos, além de homens letrados. Desta forma, como afirma Marcelo Bogaciovas, “desde o início do povoamento, em 1532, quiça antes, mas sem prova documental, o cristão novo foi chegando a São Vicente, berço da nação paulista.” (Bocaciovas, 2015, p. 12) Por certo eles podiam supor que a distância da metrópole permitiria uma vida religiosa mais livre e segura no Novo Mundo.

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Entre eles chegaram indivíduos cuja ascendência remonta aos países baixos para onde fugiram numerosos judeus pela perseguição movida contra eles na Península Ibérica em busca de melhores condições proporcionadas pelo comércio e liberdade de culto. Posteriormente retornaram para Portugal, para as ilhas dos Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e mais tarde para o continente americano em geral, inclusive para o Brasil. A maioria entre os que retornavam eram, “de provável mesclagem israelita, a exemplo dos Lemes e dos Taques que se casaram com mulheres portuguesas de etnia suspeita”, como defende o historiador José Gonçalves Salvador. (Salvador, 1976, p.90)

Os Lemes descendiam de Martim Lems, cavalheiro, nobre, rico que foi senhor de muitos feudos na cidade de Bruges, no antigo condado de Flandres, nos Países Baixos. Martim Lems migrou para Portugal, por volta de 1456, tendo se estabelecido em Lisboa, onde continuou a se dedicar às atividades comerciais, realizadas com negociantes hebreus, em especial. Por este tempo teve o sobrenome corrompido para Leme. Embora não se tenha casado teve com Leonor Rodrigues, “mulher solteira e talvez judia, sete filhos legitimados por cartas régias em 1464”. (Salvador, 1976, p. 34)

Entre seus descendentes, o neto Martim Leme mudou para a Ilha da Madeira onde constituiu família. Um de seus filhos, o Antônio Leme, casou com Catharina de Barros, com que teve entre outros filhos Antão Leme que migraria para São Vicente, onde apareceu em 1554 exercendo o cargo de juiz ordinário. Acompanhando a sua trajetória, o seu filho Pedro Leme também migrou para São Vicente onde passou a residir no ano de 1550. Pedro Leme era um homem de posses. Quando chegou a São Vicente desembarcou com vários criados ao seu serviço, ali foi estimado e reconhecido com o caráter de fidalgo. Foi pessoa de maior autoridade na vila. Antes da vinda para o Brasil Pedro Leme residiu em Abrantes, Portugal, onde casou com Isabel Dias Pais, com a qual teve o filho que herdou o nome do avô materno e se chamou Fernão Dias Pais. Isabel Pais foi açafata no Paço Real, gozando de confiança e estima das senhoras do palácio. De onde nasceu a suspeita de sua origem hebraica. Em razão do qual seu filho Fernão Dias Pais foi chamado, durante uma briga em São Paulo, pelo então governador geral D. Francisco de Souza de “cão judeu”. (Salvador, 1976 p. 135) Falecendo a esposa, Pedro Leme retornou para a Ilha da Madeira e se casou pela segunda vez com Luzia Fernandes com que teve a filha Leonor Leme. No Brasil se casou pela terceira vez com Gracia Rodrigues de Moura, sem deixar descendentes.

Na Capitania de São Vicente os descendentes dos Lemes e dos Pais casaram com pessoas de linhagem dos cristãos-novos.

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O catolicismo por devoção e

obrigação

O estudo da relação do homem com o sagrado é um dos desafios permanentes dos estudiosos em geral. Principalmente para os historiadores quando se voltam para a análise do catolicismo brasileiro durante o período colonial quando se deparam com uma prática religiosa complexa, plural e heterogênea.

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Rugendas: Festa de N.S.do Rosário no Brasil colonial

Um catolicismo que, como afirma Eduardo Hoornaert, “assumiu nos primeiros séculos de sua formação histórica um caráter obrigatório. Era praticamente impossível viver integrado no Brasil sem seguir ou pelo menos respeitar a religião católica” (Hoornaert, 1974, 13).

Um grande número de agentes atuou na sua implantação no mundo colonial lusitano, bem como influenciou na sua orientação e condução. Entre eles figuram os membros da hierarquia da Coroa Portuguesa e da hierarquia da Igreja Católica na defesa e propagação das normas e doutrinas católicas, os membros dos tribunais eclesiásticos, com ênfase nos representantes do Tribunal da Inquisição em Portugal e no Brasil. Os bispos e padres

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denominados de “clero regular”, encarregados de dirigir o culto e distribuir os sacramentos. Os integrantes das ordens religiosas empenhados na defesa da Igreja e em difundir a fé católica entre os chamados “gentios”. E, no cotidiano da vida colonial, no reduto da vida privada o catolicismo vivido pelo povo em geral. Por uma população muito pequena, vivendo em um imenso território, na maioria das vezes, sem assistência ou orientação religiosa.

Para além dos agentes principais existia uma variedade de práticas e representações religiosas, com características próprias. Um outro catolicismo, “cuja riqueza e variedade de manifestações em permanente adaptação às circunstâncias aqui encontradas parecem desafiar os objetivos de ordenação e padronização proposto pelo papado romano.” (Chahon, 2014, p.86). Daí resultam as denominações reconhecidas na historiografia brasileira: “catolicismo guerreiro”, catolicismo patriarcal”, “catolicismo rústico”, “catolicismo mineiro” e outras que assinalam a presença de diversos polos devocionais e formas diferentes de sociabilidade católica. (Chahon, 2014, p.86) Mas que, ao mesmo tempo, aproximava ricos e pobres, os familiares, homens livres e escravos e uma variedade enorme de indivíduos de cores, procedências e formas e de herança cultural bem diversos.

O catolicismo laico de feitio privado e

familiar

A Igreja Católica se esforçou durante o período colonial na formulação das novas diretrizes emanadas do Concílio de Trento (1545- 1563). No entanto, os resultados se concretizaram de forma precária e incompleta.

O catolicismo colonial se apegará à tradição católica portuguesa do período pré-tridentino. Será caracterizado pela manutenção da herança cultural do passado colonial português com seu pensamento mágico e a exterioridade das manifestações religiosas e de devoção. Um catolicismo predominantemente laico, gozando de certa autonomia, com muitas rezas e poucos padres e poucas missas, mais voltado para o ambiente privado e ao culto familiar aos santos de devoção.

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de trabalho, por ocasião da realização das reuniões periódicas ou das festas locais para o conjunto dos fiéis. Isso produziu um catolicismo de feitio privado e familiar que na sua prática estimulou a participação das mulheres em geral.

Pode-se assim caracterizar, em suas linhas gerais, que a religião praticada pelos católicos do Brasil Colônia “era inspirada em uma reflexão sobre as atividades e os espaços protagonizados, respectivamente, pelos membros do corpo clerical e pelos indivíduos e grupos recortados da maioria leiga. Revela-se, assim, tanto no âmbito das crenças quanto ao nível das práticas cotidianas, a existência de uma separação mais ou menos nítida entre uma vivência religiosa mais ligada ao polo sacramental e litúrgico, dominado pelos clérigos e pelos espaços públicos de culto, e outra mais próxima do polo devocional, em que predominaria a relação íntima e direta entre os fiéis e os membros da corte celeste, transcorrida, sobretudo, no interior dos lares e nos espaços privados em geral.” (Chahon, 2014, p.89)

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Referências Bibliográficas

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Referências

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